A ANÁLISE DO SUJEITO INDETERMINADO
O PROBLEMA DE CRITÉRIOS SEMÂNTICOS
NA DESCRIÇÃO DE FUNÇÕES SINTÁTICAS

Mônica Aparecida Lima Lopes (UERJ)

INTRODUÇÃO

A questão do sujeito é, talvez, uma das mais complexas na Língua Portuguesa. É comum a mistura de critérios na análise, que, por vezes, se enviesa pelo aspecto semântico-pragmático da língua, e por outras pelo morfossintático. Por isso, o sujeito indeterminado constitui um dos tipos de sujeito em que tal problemática surge com maior confusão.

A proposta do trabalho é uma análise crítica das definições dadas pela Gramática Tradicional, de modo a aplicá-las na realidade de ensino da Gramática Normativa. Para tal, utilizar-se-ão como corpus de análise alguns livros didáticos de ensino da língua portuguesa em nível médio. Além disso, esse trabalho lança a proposta de aproximar a gramática ensinada nas escolas de ensino fundamental e médio à situação real de comunicação do aluno.

Para aprofundar o assunto servirão de fontes de consulta obras de autores consagrados como: Cunha & Lindley, Rocha Lima, Bechara dentre outros.

Convém ressaltar que este trabalho não tem a pretensão de reformular a gramática, rejeitando todas as suas definições, mas sim aclarar questões que, por uma conceituação enviesada pelo campo semântico, em detrimento a proposta sintática, causam incoerências no ensino e problemas de entendimento pelos alunos.

AS ABORDAGENS DE SUJEITO INDETERMINADO
NAS GRAMÁTICAS DE ENSINO MÉDIO

Segundo Sacconi (1999: 332), “sujeito é o ser ou aquilo a que se atribui a idéia contida no predicado.”

Ainda com Sacconi (1999: 334):

indeterminado – quando a identidade do sujeito é desconhecida realmente ou escondida propositadamente. Ignora-se não só a identidade, mas também o número de agentes.

Ex.: Roubaram minha carteira.

Marisa, falaram mal de você.

Trabalha-se demais no Japão.

Como se vê, indetermina-se o sujeito de duas maneiras:

a) colocando-se o verbo na terceira pessoa do plural, sem referência ao pronome eles (e variação), nem a qualquer substantivo anteriormente expresso, o que o torna, este sim, um sujeito oculto, desconhecido literalmente em número e identidade;

b) colocando-se o pronome se junto de qualquer tipo de verbo na terceira pessoa do singular, exceto o transitivo direto.

Segundo Paschoalin & Spadoto (1996: 167) o sujeito é

indeterminado quando não é possível determinar que elemento da oração funciona como sujeito.

Sujeito indeterminado Predicado

? /Pegaram meu lápis, professor.

Ainda segundo os mesmos autores (1996: 167-168), pode-se construir o sujeito indeterminado de duas maneiras:

colocando-se o verbo na terceira pessoa do plural:

Sujeito indeterminado Predicado

? /Mandaram os acidentados para o hospital.

colocando-se o verbo na terceira pessoa do singular acompanhado do pronome se:

Sujeito indeterminado Predicado

? /Precisa-se de carpinteiros.

Nos dizeres de Faraco & Moura (1998: 37), “sujeito é o termo que denota o ser a respeito de quem se faz uma declaração, e o predicado é o que se declara a respeito do sujeito.”

Ainda com a palavra, os mesmos autores (1998: 38):

indeterminado – aquele que, embora existindo, não se pode determinar. Ocorre em três casos:

1) com verbo na 3ª pessoa do plural;

Ficaram estupefatos com a notícia da morte do encantador.

2) com verbo intransitivo, transitivo indireto ou de ligação seguidos do pronome se;

Vive-se mal aqui. (V.I)

Trata-se de uma morte não muito comum. (V.T.I.)

No vestibular, sempre se fica ansioso. (V.L.)

3) quando o núcleo do sujeito é um pronome substantivo indefinido.

Alguém me indicou para o cargo de repórter.

AS IMPLICAÇÕES SINTÁTICO-SEMÂNTICAS
E O CONTEXTO PRAGMÁTICO
NA ANÁLISE DO SUJEITO INDETERMINADO

Conforme descrição acima, segundo Sacconi (1999: 334), “indeterminado – quando a identidade do sujeito é desconhecida realmente ou escondida propositadamente. Ignora-se não só a identidade, mas também o número de agentes.”

Afirmar que ocorre sujeito indeterminado quando a identidade do sujeito é desconhecida realmente ou escondida propositadamente é um argumento contraditório e complicador para o entendimento do aluno, uma vez que em orações do tipo Alguém roubou sua carteira, a identidade do sujeito também é desconhecida ou escondida, mas nem por isso o sujeito dessa oração é classificado como indeterminado, ao contrário, o sujeito da oração é determinado sintaticamente, sendo marcado pelo pronome indefinido Alguém. O que ocorre nesse caso é a mistura de critérios na classificação do sujeito, ora encarado do ponto de vista sintático, ora semântico-pragmático.

Recorrendo-se a Luft (1996: 25) observa-se que o autor também se contradiz, pois primeiro diz “na oração de sujeito indeterminado, há um sujeito (agente humano) que por não poder ou não querer, não se declara.”.

Depois o mesmo autor escreve “é má técnica gramatical considerar os pronomes indefinidos como sujeitos indeterminados, confundindo-se sintaxe e semântica.”

O próprio autor confunde sintaxe com semântica, pois primeiro diz que “na oração de sujeito indeterminado há um sujeito (agente humano) que por não poder ou não querer, não se declara”, contudo numa oração como Alguém estava gritando o autor admite a presença de um sujeito. Na oração acima Alguém, do ponto de vista semântico é um sujeito que não se declara, logo indeterminado, embora considerado sujeito simples pelo mesmo autor, que desta forma admite a determinação do sujeito já pelo viés sintático, uma vez que o termo que exerce a função de sujeito concorda com a forma verbal. É exatamente aí que os próprios conceitos contraditórios do autor causam a confusão de sintaxe com semântica.

Para desfazer a confusão e a contradição dos conceitos de Luft, o mesmo deveria ter dito que “na oração de sujeito indeterminado não se identifica, por não poder ou não querer, o elemento lingüístico da oração que exerce a função de sujeito.”

Assim, o autor teria utilizado o critério meramente sintático-estrutural em sua análise, desfazendo a contradição aparente. Faz-se relevante atentar para o fato de que uma análise puramente estrutural não se faz coerente, já que o ensino da gramática deve ser fundamentado. Não se ensina gramática, em especial no caso desse trabalho, sujeito indeterminado, somente para que o aluno saiba de cor e salteado as mais diversas classificações, mas sim para que com um conhecimento sintático, sem detrimento do semântico-pragmático ele consiga comunicar-se.

Observemos, pois, A cadeira comeu a mesa.

Do ponto de vista meramente sintático, a oração acima está perfeita, porém o que faz com que a mesma esteja “errada” é justamente a carga semântica, pois uma cadeira não pode comer uma mesa. Assim, esta frase é incoerente se levarmos em conta os critérios semântico-pragmáticos da língua, tornando-se, embora sintaticamente perfeita, incompreensível ao usuário da língua.

Então pensar num ensino que utilize o critério somente sintático em detrimento da carga semântico-pragmática torna a aprendizagem improdutiva, senão totalmente ineficaz, já que a razão precípua de usar uma língua é a boa comunicação.

Conforme mencionado linhas atrás, segundo (1999: 334), Faraco & Moura (1998: 38) e Paschoalin & Spadoto (1996: 167), a primeira das maneiras de se indeterminar o sujeito é colocar o verbo na terceira pessoa do plural.

É relevante advertir, portanto, sobre os problemas do ensino/aprendizagem meramente de estruturas sem um contexto, pois analisar uma oração isolada, fora de um contexto pode ocasionar interpretações equivocadas. Observe o exemplo: Falaram mal de você.

O sujeito dessa oração pode ser perfeitamente classificado como determinado, pois a desinência do verbo permite concluir que existe um sujeito na terceira pessoa do plural (Eles/Elas). Logo, o que vai determinar se o sujeito dessa oração é determinado ou indeterminado é o contexto semântico-pragmático no qual ela foi utilizada.

A segunda maneira de se indeterminar o sujeito, segundo Paschoalin & Spadoto (1996: 168) é “colocando-se o verbo na 3ª pessoa do singular acompanhado do pronome se”.

Então em orações do tipo: Vende-se este terreno.

Com base no conceito dos autores teria de se considerar que o sujeito da oração é indeterminado, porém todos sabem que nessa oração há um sujeito determinado, ou seja, este terreno. Assim, tal conceito não se sustenta, uma vez que os autores não mencionaram que tipo de verbo na terceira do singular acompanhado do pronome se indetermina o sujeito.

No conceito de Sacconi (1999: 334) a segunda maneira de se indeterminar o sujeito é “colocando-se o pronome se junto de qualquer tipo de verbo na terceira pessoa do singular, exceto o transitivo direto.”

Faz-se então uma ressalva quanto a construções com verbo na terceira pessoa do singular mais pronome se. Observe a construção abaixo:

Vende-se jornais.

Promove-se eventos.

Segundo as gramáticas normativas, as construções acima estão erradas, logo deveriam ser:

Vendem-se jornais. (sendo casas sujeito da oração)

Promovem-se eventos. (sendo eventos sujeito da oração)

Porém quando o falante constrói esse tipo de oração, usando o verbo no singular, ele usa a sua intuição gramatical internalizada, para de fato indeterminar o sujeito da oração, pois o falante que diz Vende-se jornais, não tem como intenção identificar que o elemento gramatical que funciona como sujeito da oração é jornais, ao contrário, a intenção (gramática intuitiva) dele é de fato indeterminar qual o elemento gramatical que funciona como sujeito e enfatizar a ação expressa pelo verbo vender.

Já Faraco & Moura dizem que a segunda maneira de se indeterminar o sujeito é “com verbo intransitivo, transitivo indireto ou de ligação seguidos do pronome se.”

Apesar de os exemplos dados por esses autores (conforme descrição anteriormente feita) utilizarem tais verbos na terceira pessoa do singular, essa observação não é feita na conceituação.

E para finalizar, destaca-se que, dos autores de livros de ensino médio analisados no corpus desse trabalho, só Faraco & Moura incluem um terceiro caso de indeterminação do sujeito, ou seja, “quando o núcleo do sujeito é um pronome substantivo indefinido.”, dando como exemplo a seguinte construção: Alguém me indicou para o cargo de repórter.

Nesse caso sim, está se fazendo uma miscelânea de critérios na análise do sujeito indeterminado, ora recorre-se a um critério semântico, ora a um critério sintático.

Outro aspecto a ser ressaltado é que nenhum dos autores de gramáticas voltadas para o ensino médio acima analisados tomou como marca de sujeito indeterminado a presença do verbo infinitivo dito “impessoal” como em: Navegar é preciso, viver não é preciso. (F. Pessoa)

Provavelmente, a omissão de tal característica deve-se à confusão de critérios bastante comum na descrição convencional da Língua. No exemplo acima, nota-se a perfeita concordância entre os elementos lingüísticos que exercem a função de sujeito expressa pelos verbos infinitivos impessoais Navegar e viver e os respectivos verbos do predicado preciso. Assim, de acordo com o critério sintático, o verbo infinitivo impessoal exerce plenamente o papel de sujeito. Apesar disso, pelo critério semântico-pragmático, além do caráter discursivo da Língua, tal apropriação do verbo como sujeito seria incoerente, já que ele não estaria apresentado como algo ou alguém do qual se informa algo na lógica do falante.

Em suma, para se fazer uma análise sensata, deve-se estabelecer qual o critério a ser utilizado. Porém, sem se esquecer que, mesmo que o critério utilizado seja o sintático, deve-se levar sempre em consideração a carga semântica e o contexto pragmático em que tal construção foi utilizada, e isso não é confusão de critérios, mas sim a utilização de um recurso de extrema relevância para uma análise coerente da língua, que preconiza não só a estrutura, mas também o bem comunicar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pretendeu com este trabalho não foi criar mais teorias com pretensões de ensinar aos professores “como ensinar gramática”, mas sim fazer uma análise crítica acerca da noção de sujeito indeterminado e com isso trazer contribuições para melhoria e eficiência do ensino/aprendizagem do aluno e/ou falante de língua portuguesa.

Busquei revelar incoerências e contradições nos conceitos e marcas de sua classificação, devido à confusão de critérios bastante comum na descrição lingüística, que ainda não se definiu pelo semântico ou o morfossintático.

Meu trabalho, portanto, foi uma avaliação crítica de como o sujeito indeterminado apresenta-se nas gramáticas utilizadas em sala de aula e uma proposta de revisitação dos conceitos, de forma a torná-los mais didáticos para o aluno, permitindo uma visão crítica da Língua. Dessa forma, podemos entender que uma análise gramatical não pode ser suficiente apenas por rotular termos e funções.

O professor não pode manter o seu estudo estanque, reproduzindo um conteúdo ultrapassado, recheado de exemplos que só funcionam para confirmar uma teoria já pré-estabelecida. Uma análise gramatical não pode ser suficiente apenas por rotular termos e funções. Deve-se, antes de tudo, trabalhar com uma situação real de comunicação.

Cabe a nós professores enquanto estudiosos da língua e usuários rediscutir alguns critérios de análise lingüística de modo a torná-los mais racionais e coerentes no ensino. “Enquanto a água do rio/língua, por estar em movimento, se renova incessantemente, a água do igapó/gramática normativa envelhece e só se renovará quando vier a próxima cheia” (BAGNO, 1999: 10)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

––––––. Lições de português pela análise sintática. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FARACO, Carlos Emílio & MOURA, Francisco Marto de. Língua e literatura. 21ª ed. São Paulo: Ática, 1998. V. 3.

LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. São Paulo: Globo, 1996.

PASCHOALIN, Maria Aparecida & SPADOTO, Neuza Terezinha. Gramática: teoria e exercícios. São Paulo: FTD, 1996.

SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática: teoria e prática. 25ª ed. São Paulo: Atual, 1999.

 

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