ABORDAGEM CRÍTICA
ACERCA DAS ORAÇÕES SEM SUJEITO

Christine Mello Ministher (UERJ)

INTRODUÇÃO

Antes de se falar em oração sem sujeito, faz-se mister algumas considerações. Não se pode deixar de mencionar o que todas as gramáticas protocolam, introduzindo a questão da análise do sujeito sob o título “Termos essenciais da oração”. A contradição da gramática tradicional já começa por aí, se o sujeito é classificado como um termo essencial da oração, como a mesma gramática pode classificar uma oração como sem sujeito? Na verdade há de se rever os critérios, ou não existe oração sem sujeito, ou o sujeito não é um termo essencial da oração.

Como corpus desse trabalho analisar-se-ão três livros utilizados no ensino médio, a saber: Gramática: teoria e exercícios – Paschoalin e Spadoto; Nossa Gramática: teoria e prática – Sacconi; e Língua e Literatura – Faraco e Moura.

Para aprofundar mais o assunto, ainda serão consultados autores consagrados como: Cunha & Lindley, Rocha Lima e Bechara.

Por se tratar de um assunto bastante contraditório, após expor as abordagens dos livros utilizados como corpus desse trabalho, far-se-ão algumas considerações, a fim de melhor aclarar o tema e repensar como esse assunto vem sendo ensinado nas escolas.

AS ABORDAGENS DOS LIVROS DE ENSINO MÉDIO
A RESPEITO DE: SUJEITO, PREDICADO, VERBO IMPESSOAL
E DE ORAÇÃO SEM SUJEITO

Segundo Sacconi (1999: 335-336):

Sujeito é o ser ou aquilo a que se atribui a idéia contida no predicado.

Para encontrar o sujeito de uma oração, nos casos gerais e mais comuns, faz-se a pergunta o que? ANTES do verbo. Ex.:

A casa de Juçara sofreu reforma geral.

O que sofreu reforma geral?

A casa de Juçara (é o sujeito)

Orações sem sujeito – verbos impessoais

Orações sem sujeito são as que trazem verbo impessoal.

Verbo impessoal é o que não tem sujeito e se apresenta na terceira pessoa do singular.

a) haver, quando sinônimo de existir, acontecer, realizar-se ou fazer (em orações temporais). Ex.:

Havia poucos ingressos à venda. (havia = existiam)

Houve duas guerras mundiais. (houve = aconteceram)

Haverá reuniões aqui. (haverá = realizar-se-ão)

Deixei de fumar muitos anos. (= faz)

b) fazer, ser e estar (quando indicam tempo). Ex.:

Faz invernos rigorosos no Sul do Brasil.

Era primavera quando a conheci.

Estava frio naquele dia.

c) todos os verbos que indicam fenômenos da natureza são impessoais: chover, ventar, nevar, gear, trovejar, amanhecer, escurecer etc. quando, porém, se constrói: ‘Amanheci mal-humorado’, usa-se o verbo amanhecer em sentido figurado.

Qualquer verbo impessoal, empregado em sentido figurado, deixa de ser impessoal para ser pessoal. Se não, vejamos:

Amanheci mal-humorado. (sujeito desinencial: eu)

Choveram candidatos ao cargo. (sujeito: candidatos)

Fiz quinze anos ontem. (sujeito desinencial: eu)

Meu chefe trovejava de raiva (sujeito: meu chefe)

d) são impessoais, ainda:

1) o verbo passar (seguido de preposição), indicando tempo. Ex.:

passa das seis.

2) os verbos bastar e chegar, seguidos da preposição de, indicando suficiência. Ex.: Basta de tolices.

Chega de blasfêmias.

3) os verbos estar e ficar em orações tais como Está bem, Está muito bem assim, Não fica bem, Fica mal, sem referência a sujeito expresso anteriormente. Podemos, ainda, nesse caso, classificar o sujeito como hipotético, tornando-se, tais verbos, então, pessoais.

4) O verbo dar + para da língua popular, equivalente de ser possível. Ex.:

Não deu para chegar mais cedo.

Dá para me arrumar uns trocados?

Predicado é tudo aquilo que se atribui ao sujeito

Segundo Paschoalin e Spadoto (1996: 168):

Para que a oração tenha significado, são necessários alguns termos básicos: os termos essenciais.

A oração tem dois termos essenciais: sujeito e predicado.

Sujeito é o termo sobre o qual o restante da oração diz algo.

Predicado é o termo que contém o verbo e informa algo sobre o sujeito.

Apesar de o sujeito ser um termo essencial, há orações constituídas apenas de predicado. São orações formadas com os seguintes verbos:

a) Haver, significando existir, acontecer, realizar-se e fazer.

muitos sonegadores ainda impunes (existem)

Houve algum problema com você? (aconteceu)

Houve uma grande festa no aniversário da cidade. (realizou-se)

muitos anos que eu não a vejo (faz)

b) Fazer, ser e estar, quando indicam tempo transcorrido ou tempo relativo a fenômeno da natureza.

Faz dias que o carteiro não aparece.

Era cedo quando ele chegou.

Estava um dia chuvoso.

c) verbos que exprimem fenômenos da natureza como: nevar, chover, ventar, gear, trovejar, relampejar, anoitecer etc.

Os verbos das orações sem sujeito chamam-se impessoais. Eles são usados na 3ª pessoa do singular e, se acompanhados de auxiliares, transmitem a eles sua impessoalidade.

Faz cinco anos que me formei.

Vai fazer cinco anos que me formei.

No dizer de Faraco e Moura (1998):

A oração é constituída de termos que têm uma palavra principal (núcleo) em torno da qual podem aparecer outras de menor valor.

Os termos essenciais são imprescindíveis a toda e qualquer oração, embora haja alguns casos de oração sem sujeito em português. São considerados termos essenciais o sujeito e o predicado.

Sujeito é o termo que denota o ser a respeito de quem ou de que se faz uma declaração, e o predicado é o que se declara a respeito do sujeito:

O parque de cobras de Port Elizabeth/ é um dos muitos

Sujeito Predicado

existentes na África do Sul.

Inexistente (ou oração sem sujeito)

Ocorre quando o fato enunciado no predicado não se refere a elemento algum. Essas orações se constroem com verbos chamados impessoais, isto é, verbos usados sempre na terceira pessoa do singular.

Os casos mais comuns de orações sem sujeito são os seguintes:

a) verbos que exprimem fenômenos da natureza;

Garoava na madrugada roxa. (A. A. Machado)

b) verbo haver quando: – significa existir; – indica tempo decorrido;

muitas cobras surdas.

treze anos...

c) verbo fazer indicando: – tempo decorrido; – temperatura;

Faz dois meses...

Fez 38º C à sombra.

d) verbo estar indicando: – tempo; – temperatura;

Está noite.

Está muito frio.

e) verbo ser indicando: – período do dia; – hora; data;

É noite.

Eram duas horas da manhã.

Hoje é (ou são) 2 de fevereiro.

f) verbo parecer e ficar em construções como:

Parece verão!

Ficou claro repentinamente.

g) verbo passar indicando tempo;

Passava de meia-noite

h) qualquer locução verbal que tenha um dos verbos acima como o principal:

Deve haver novidades na moda deste verão.

CRÍTICA QUANTO ÀS ORAÇÕES SEM SUJEITO
ABORDADAS PELOS LIVROS DE ENSINO MÉDIO

Apesar de os livros analisados considerarem o verbo haver como impessoal, o seu uso como pessoal é muito comum em construções do tipo:

Houveram duas guerras mundiais.

Se for feita a pergunta ao verbo, proposta por Sacconi:

O que houveram?

Duas guerras mundiais. (logo “duas guerras mundiais” seria o sujeito)

Sendo assim, esta não seria uma oração sem sujeito.

Mesmo recorrendo-se a uma gramática consagrada, utilizada no nível superior, não se encontra resposta para a condição de o verbo haver ser considerado impessoal, como no caso do exemplo acima.

No dizer de Bechara (2001: 37)

...desconhecendo-se a natureza impessoal dos verbos haver e fazer, é comum aparecerem erradamente na terceira pessoal do plural, quando seguidos de substantivo no plural. Isto acontece, porque o falante toma tais plurais como sujeito, quando, na realidade, não o são: verbo impessoal não tem sujeito.

Segundo Sacconi (1999: 335):

“Verbo impessoal é o que não tem sujeito e se apresenta na terceira pessoa do singular.”

Veja-se um exemplo:

São duas horas.

Então, como se explicaria construções do tipo acima, se uma das condições para impessoalização do verbo, e conseqüente classificação de oração sem sujeito, é o verbo estar na terceira pessoa do singular? Dizendo que é uma exceção da regra?

E recorrendo-se à pergunta ao verbo, proposta por Sacconi?

O que são?

A resposta não seria “duas horas”?

Logo o sujeito seria “duas horas”.

Observe a seguinte construção:

É uma hora.

Perguntando-se ao verbo?

O que é?

A resposta: uma hora. (logo “uma hora” seria o sujeito)

Se um dos pré-requisitos para se considerar uma oração sem sujeito é o verbo estar na terceira pessoa do singular, quando isso não ocorre, pode-se dizer que há sujeito, embora não explícito, pois o verbo concorda com um “sujeito psicológico implícito na oração”.

Segundo os autores dos três livros analisados: Sacconi, Paschoalin & Spadoto e Faraco & Moura os verbos fazer, ser e estar, quando indicam tempo, constituem orações sem sujeito:

Estava frio naquele dia. (SACCONI, 1999: 335)

No dizer do mesmo autor (SACCONI, 1999: 332): “sujeito é o ser ou aquilo a que se atribui a idéia contida no predicado”.

Sendo assim, a idéia contida no predicado acima, é expressa pelo verbo estar, e aquilo que se atribui ao verbo estar é: frio. Dessa forma, frio pode, perfeitamente, ser considerado o sujeito da oração. Colocando-se a referida oração na ordem direta, tem-se:

Frio / estava naquele dia.

Sujeito Predicado

Mais uma vez os três autores concordam na questão de que verbos que exprimem fenômenos da natureza são impessoais:

“c) verbos que exprimem fenômenos da natureza como: nevar, chover, ventar, gear, trovejar, relampejar, anoitecer etc.

Choveu muito ontem.” (Paschoalin & Spadoto, 1996: 168)

O verbo chover refere-se a um sujeito, porém este não está expresso na oração, por uma questão de não se incorrer numa redundância desnecessária. Por exemplo:

A chuva choveu muito ontem.

Na verdade o sujeito existe, “chuva” só que de maneira não expressa na oração, a fim de não se criar um pleonasmo vicioso como no exemplo acima.

Além das colocações acima citadas, Sacconi ainda menciona construções do tipo:

Chega de blasfêmias.

Ora no caso desse tipo de construção, não se pode deixar de dizer que chega de, basta de, constituem expressões idiomáticas e que analisá-las fora de um contexto, é fazer uma análise vaga, falha.

O mesmo acontece com as expressões: Está bem, Está muito bem etc. Dizer que nesses tipos de orações, simplesmente, não há sujeito, é fazer uma análise muito superficial. Podem-se analisar estes tipos de construções por dois prismas:

a) Sujeito oculto, evidenciado pela DNP de terceira pessoa,
ou;

b) Analisar em que contexto tais expressões foram usadas. Por exemplo: Como está a vida? Está bem. Logo, o verbo “estar” tem como sujeito “a vida”.

Um outro exemplo usado por Sacconi para tratar dos casos de oração sem sujeito é:

Não deu para chegar mais cedo.

Esse tipo de construção é típico da língua coloquial falada, se o autor dessa frase a colocasse num discurso escrito, com certeza, ele usaria: Não foi possível chegar mais cedo.

Enfim, para se fazer uma análise mais profunda do sujeito e do predicado é importante observar os critérios utilizados, caso contrário pode-se fazer análises superficiais e que na verdade são tão sem lógica e que por esse motivo mesmo, fogem totalmente à compreensão do aluno.

CONCLUSÃO

Segundo Cunha (2001: 122): “São termos essenciais da oração o sujeito e o predicado. O sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração; o predicado é tudo aquilo que se diz do sujeito”. Então na verdade, se sujeito e predicado são termos essenciais da oração, e essencial é algo que não pode faltar, sujeito é então o ser, que pode vir expresso ou implícito na oração, sobre o qual se faz uma declaração, e o predicado é tudo aquilo que se declara desse tal sujeito.

Para se fazer uma análise mais profunda a respeito de sujeito e predicado é importante estabelecer a coerência entre os critérios, ou analisam-se os termos por critérios sintáticos ou analisam-se os termos por critérios semânticos, entretanto é exatamente aí que reside a dificuldade da gramática tradicional, pois ao mesmo tempo em que se tenta fazer uma análise meramente sintática, colocando-se de lado a carga semântica, torna-se difícil dissociar totalmente uma coisa da outra, pois sintaxe e semântica estão entrelaçadas, logo uma análise sintática sensata deve levar em conta a carga semântica e o contexto em que uma dada oração foi utilizada, e isto não é confusão de critérios, mas sim a utilização de um recurso que preconiza a coerência para o ensino/aprendizagem da língua.

Em suma, o que se pretendeu com este trabalho não foi fazer colocações peremptórias, mas sim trazer à tona a discussão sobre um assunto bastante importante, e dar algumas contribuições a esse tema que é um tanto contraditório.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

––––––. Lições de português pela análise sintática. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FARACO, Carlos Emílio & MOURA, Francisco Marto de. Língua e literatura. 21ª ed. São Paulo: Ática, 1998. V. 3.

PASCHOALIN, Maria Aparecida & SPADOTO, Neuza Terezinha. Gramática: teoria e exercícios. São Paulo: FTD, 1996.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 40ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.

SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática: teoria e prática. 25ª ed. São Paulo: Atual, 1999.

 

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