Estudo contrastivo entre
análise
sintática portuguesa
e analise logica do italiano no
período simples

Carmem Praxedes (UERJ)
Bruna Trindade (UERJ)
Márcia Leal (UERJ)
Velaine Poço (UERJ).

 

INTRODUÇÃO

O estudo contrastivo[1] consiste na identificação das categorias sintáticas presentes no período simples do Italiano e do Português.

A sintaxe é a parte da gramática que considera os modos nos quais as palavras se unem entre si.

No Italiano, o estudo desse nível chama-se análise lógica (analisi logica), enquanto no Português, “análise sintática do período simples”, assim denominada após classificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira (antes da N.G.B. também era “análise lógica”).

Este trabalho consiste em demonstrar os pontos que provocam dúvidas no contraste Italiano-Português, partindo do primeiro para o segundo idioma e observando profundamente as nuanças de cada um deles. Para tal utilizamos as fontes “Grammatica Italiana con Nozione di Linguistica”, dos autores Dardano e Trifone, e “Moderna Gramática Portuguesa”, a obra descritiva e prescritiva de Evanildo Bechara, além do “Dicionário de Termos Abolidos”, que nos auxiliará na descoberta de tantas igualdades e diferenças nos dois idiomas.

 


 

Estudo contrastivo
entre Análise Sintática Portuguesa
e Analise Logica do Italiano no período simples,
segundo Dardano e Trifone (1999: 93-121)
e Bechara (2001: 406-461)

Veremos então os contrastes das análises destas duas línguas, tomando como língua de partida o Italiano e de chegada, o Português.

 

Sujeito (Soggetto)

È un componente fondamentale nella frase, il quale completa il significato del predicato. (DARDANO E TRIFONE, 1999: 97)

É a unidade ou sintagma nominal que estabelece uma relação predicativa com o núcleo verbal para constituir uma oração (função sintático-semântica). (BECHARA, 2001: 409)

O sujeito simples é aquele que possui apenas um núcleo. O composto possui dois ou mais. Não há diferença entre os sujeitos simples (semplice) e composto nos dois idiomas, ainda que Bechara não se utilize dessa terminologia tão difundida pelas gramáticas tradicionais. Ex.: Il ragazzo canta / O rapaz canta; Io e Giacomo arrivamo al portone / Eu e Giacomo chegamos ao portão.

O sujeito subentendido (soggetto sottinteso) é visto como o sujeito elíptico em Português. Ex.: Studio / Estudo. Dardano e Trifone assinalam que o pronome sujeito é freqüentemente omisso. Bechara afirma que não se pode falar, a rigor, de elipse do sujeito quando aparece apenas o núcleo verbal da oração (Estudo; Brincamos), já que ele aparece sempre presente na forma verbal flexionada no morfema que representa o sujeito gramatical (1ª, 2ª e 3ª pessoas, do singular ou do plural). (BECHARA, 2001: 409).

No Italiano, Dardano e Trifone diferenciam o sujeito lógico (soggetto logico) do sujeito gramatical (soggetto grammaticale). O último é aquele da oração individual, mediante critérios formais. Ex.: Giorgio ha colpito Giovanni. Neste caso, o sujeito gramatical (Giorgio) é equivalente ao sujeito lógico, que é o agente real da ação. Ex.: Giovanni è stato colpito da Giorgio. Aqui vemos que o sujeito gramatical (Giovanni) não é o mesmo do sujeito lógico (Giorgio), pois quem pratica a ação é o segundo, não o primeiro. O Italiano tem um maior investimento semântico ao diferenciar esses sujeitos.

Já Bechara vê o sujeito em Português como “uma noção gramatical e não semântica, isto é, uma referência designada, como ocorre com as noções de agente e paciente. Assim, o sujeito não é necessariamente o agente do processo(...) pode representar (também) o paciente” (BECHARA, 2001: 410). Ou seja, o agente e o paciente são questões sintáticas, não semânticas. Ser agente significa que ele exerce um papel na oração em relação aos demais termos, logo é questão gramatical. Ex.: Machado de Assis escreveu extraordinários romances. / Extraordinários romances foram escritos por Machado de Assis.

O sujeito, quando explicitado ou claro na oração, está representado – e só pode sê-lo – por uma expressão substantiva exercida por um substantivo (homem, criança, sol) ou pronome (eu) equivalente. Diz-se, portanto, que o núcleo do sujeito é um substantivo ou equivalente. Uma palavra não é substantivo porque pode exercer a função de sujeito; ao contrário, só pode ser sujeito porque é um substantivo ou equivalente (BECHARA, 2001: 410)

 

Predicado (Predicato)

Ciò che vienne detto a proposito del soggetto (DARDANO e TRIFONE, 1999: 100)

Segundo grupo que exerce função sintático-semântica. Ele e o sujeito organizam relação predicativa, de acordo com Bechara. Este acompanha em sua “Moderna Gramática Portuguesa” os lingüistas e gramáticos que defendem a não-distinção entre o predicado verbal e predicado nominal, incluindo também a desnecessidade de distinguir o predicado verbo-nominal. Segundo o respeitado gramático, toda relação predicativa que se estabelece na oração tem por núcleo um verbo, por isso atribuir ao verbo somente a missão de “ligar” seria retirar seu status de verbo (vide p. 426).

Embora a “Moderna Gramática Portuguesa” siga esta linha de raciocínio, encontramos em outras gramáticas tradicionais da nossa língua que o predicado nominal é formado por um verbo de ligação e predicativo do sujeito (O céu está azulado); o predicado verbal por um verbo significativo/nocional (O porteiro viu o automóvel); e o predicado verbo-nominal por um verbo significativo e um predicativo, do sujeito ou do objeto (O juiz julgou o réu culpado).

No Italiano temos essa correspondência com as definições tradicionais. O predicado nominal (predicato nominale) é aquele constituído pelo verbo ser, estar (essere) com um adjetivo (aggettivo) ou um nome. O verbo ser é denominado cópula (copula), assim como nos termos da antiga gramática brasileira, antes da N.G.B. (Il vestito è bianco). Aquele que é constituído de um verbo predicativo, ou seja, que tem um significado completo é o predicado verbal (predicato verbale) (Giovanna passeggia).

Aquele que se assemelha com o predicado verbo-nominal do Português é o predicato con verbo copulativo. O verbo copulativo (somente o verbo essere) une o sujeito a um nome ou a um adjetivo (complemento predicativo). Verbos como parecer, lembrar, estar, viver, morrer, etc., são ditos copulativos porque também têm esta função. Estes verbos têm, neste caso, um valor similar ao verbo essere, enquanto ligam o sujeito ao complemento predicativo. Ex.: Mario riesce simpático. Em outras situações, ao invés, são verbos predicativos. Ex.: Non è riuscito nell’impresa.

O que, tradicionalmente, chamamos de predicativo do sujeito e do objeto nos limites desse predicado, Bechara nomeia como “anexo predicativo”. Este pode se referir ao sujeito, aos objetos direto, indireto e ao complemento relativo.

 

Complementos (Complementi)

Dardano e Trifone dizem que o complemento objeto ou direto (complemento oggetto o diretto) é aquele que depende de um verbo transitivo ativo e que é construído sem preposição. É um substantivo ou qualquer outra parte do discurso que determina o objeto da ação expressa no verbo (Giovanni mangia una mela). Bechara diz que o complemento direto ou objeto direto é representado por um signo léxico de natureza substantiva (substantivo ou pronome) não introduzido por preposição necessária (Os vizinhos não viram o incêndio).

O complemento predicativo italiano é um adjetivo ou um substantivo que se refere gramaticalmente ao sujeito ou ao complemento objeto, mas completa o significado do verbo. Divide-se em complemento predicativo do sujeito (complemento predicativo del soggetto → Il cielo diventa nuvoloso) e em complemento predicativo do objeto (complemento predicativo dell’oggettoRitengo Lucio un amico).

Em Português, o complemento predicativo ou predicativo (tradicionalmente) funciona como um argumento pelo aspecto semântico. Intrinsecamente ligado ao verbo, é portador de referência a traços essenciais do sujeito (As alegrias eram passageiras).

O anexo predicativo não se restringe à referência ao sujeito, mas também aos complementos direto, indireto e relativo, como dito anteriormente (A polícia encontrou a porta arrombada → Predicativo do complemento direto).

Os complementos indiretos do Italiano exprimem várias funções e são construídos com uma preposição simples ou articulada. Ex.: complemento di mezzo, di modo, di luogo, di tempo e di termine. Este último corresponde ao complemento objeto indireto do Português, que denota geralmente relação a um ser animado, introduzido pela preposição “a” e que se refere à pessoa destinada ou beneficiada pela experiência comunicada no primeiro momento da intenção comunicativa do predicado complexo (verbo + argumento). Raramente ocorre também objeto indireto introduzido por “para”. (L’insegnante dà un libro alla ragazza Complemento di termine / O diretor escreveu cartas aos pais → Complemento objeto indireto). O que, normalmente, chamamos de objeto indireto na Língua Portuguesa, Bechara divide em complementos objeto indireto e relativo.

O complemento relativo (também conhecido, tradicionalmente, como objeto indireto) é aquele cujo determinante do predicado complexo (que apresenta verbos transitivos) vem introduzido por preposição. Esse predicado complexo apresenta verbo cujo conteúdo léxico é de grande extensão semântica, daí a exigência de um complemento que delimite e especifique a experiência comunicada.

A preposição que introduz o complemento relativo constitui uma extensão do signo léxico verbal (Todos nós gostamos de cinema / O marido não concordou com a mulher / Poucos assistiram ao concerto).

Veremos adiante, no estudo contrastivo dos complementos indiretos, que há casos em que não ocorre uma correspondência perfeita do Italiano para o Português.

 

Determinantes (Attributo)

O termo italiano attributo é definido, na gramática de Dardano e Trifone, como um adjetivo que qualifica, determina ou caracteriza um substantivo do qual depende sintaticamente. Ex.: Un uomo intelligente risolve problemi difficili. Nesta frase, intelligente é attributo do sujeito Un uomo, já difficili é attributo do complemento oggeto problemi.

Essa função da analisi logica encontra correspondência naquilo que Evanildo Bechara denominou, em sua gramática de Língua Portuguesa, como determinante (conhecido, tradicionalmente, como adjunto adnominal). Ex.: O bom filho compreende o esforço dos pais. Esses determinantes são classificados por Bechara como pré-determinantes (os quantificadores) e pós-determinantes, que são os pronomes possessivos e o numeral. Ex.: Todos os alunos saíram (“Todos” é pré-determinante e está à esquerda do determinante “os”) Ex.: Os seus livros não estavam na estante (“seus” é pós-determinante e está à direita do determinante “os”).

Bechara não faz menção das funções dos determinantes como Dardano e Trifone. Estes relacionam as funções do attributo, que são: quantificatrice (quantificadora) – Ex.: I quattro giovani (Os quatro jovens) ou I numerosi visitatori (Os numerosos visitantes); caratterizzante (caracterizante) – Ex.: I ragazzi sportivi (Os rapazes esportivos); e em esornativa (exornativa, ornamental) – Ex.: La bianca neve (A branca neve).

 

Aposto (Apposizione)

Segundo Dardano e Trifone, apposizione é um substantivo que se coloca próximo de um outro para caracterizá-lo ou defini-lo melhor. Como o attributo, a apposizione pode referir-se ao sujeito e a qualquer complemento. Exemplos de apposizione (aposto): Il console Cicerone si oppose a catilina (O cônsul Cicerone se opôs a catilina); Il signor Bianchi ama la musica (O senhor Bianchi ama a música); Cicerone, il famoso oratore dell’ antichità (Cicerone, o famoso orador da antiguidade). Apposizione pode ser introduzida por preposição, advérbios ou locuções preposicionadas. Ex.: Mio fratello, da giovane, viveva a Roma (Meu irmão, quando jovem, vivia em Roma).

Essa função tem relação com o aposto, definido por Bechara como um substantivo ou expressão equivalente que modifica um núcleo nominal sem precisar de outro instrumento gramatical que marque esta função adnominal. Ex.: O rio Amazonas deságua no Atlântico (aposto especificativo); Meu primo José morou na Itália (aposto especificativo); Pedro II, imperador do Brasil (aposto explicativo). Há ainda o aposto circunstancial, que é um tipo de aposto explicativo. Ex.: A ti, como general, compete comandar; D. João de Castro, quando vice-rei da Índia, empenhou os cabelos da barba (esse aposto foi citado com o objetivo de mostrar os apostos precedidos por advérbios).

Como se pode ver, Bechara divide o aposto em especificativo e explicativo. Este último aparece subdividido em enunciativo, distributivo e circunstancial.

 

Complementos Indiretos (Complementi Indiretti)

É necessário ressaltar, primeiramente, que não existe uma correspondência direta entre os complementos indiretos do Italiano e os adjuntos adverbiais (na sua maioria) do Português. Além de serem dois idiomas diferentes – ainda que possuam a mesma raiz latina –, o italiano se utiliza muito da semântica ao classificar tais complementos.

Dardano e Trifone, na Grammatica Italiana con Nozioni di Linguistica, ressaltam que a noção de complemento, embora tenha a sua utilidade didática, vem sendo discutida pela lingüística moderna. E os autores lamentam os critérios utilizados na classificação:

In particolare si è lamentata l’assenza di criteri univoci di classificazione: quelli basati sul significato danno luogo alla progressiva moltiplicazione dei complementi “minori”, creando spesso divisioni artificiose e arbitrarie.[2] (DARDANO E TRIFONE, 1999:113)

Por outro lado, os autores italianos dizem que o recurso baseado em critérios meramente formais não permite dar conta das diferenças de significado e da função lógica que um mesmo sintagma preposicionado tem em diversas frases. São citados exemplos utilizando o sintagma “dal dentista”: Mario è andato dal dentista (Mário foi ao dentista); Mario è stato visitato dal dentista (Mário foi visitado pelo dentista); l’ho incontrato per caso dal dentista (o encontrei porque estava no dentista). Como se pode perceber, o aspecto semântico está bastante presente na divisão dos complementos do Italiano.

Dardano e Trifone destacam como principais complementos indiretos selecionados pela analisi logica tradicional: il complemento di specificazione, il complemento di termine, il complemento di luogo, il complemento di modo, il complemento di causa, il complemento di compagnia, il complemento di agente. Além desses, se distinguem outros numerosos complementos (fine, vantaggio, materia, qualità, argomento, limitazione, misura, colpa, ecc.) cuja individualização se funda mais sobre critérios empíricos e de classificação prática.

Nesse estudo contrastivo entre a gramática italiana supracitada e a Moderna Gramática Portuguesa do respeitado professor Evanildo Bechara, é preciso ressaltar que o ponto de partida é a língua italiana, com Dardano e Trifone. Em muitos casos, não encontramos a correspondência perfeita do Italiano com o Português por motivos já citados. Esse estudo conta também com observações nossas, uma vez que não conseguindo contrastar os complementi indiretti com possíveis correspondentes da Língua Portuguesa, tentou-se aproximá-los a “grupos maiores” como, por exemplo, o complemento nominal, o adjunto adnominal. Vamos, pois, aos complementos indiretos.

1. O complemento di specificazione possui um emprego muito vasto e serve para especificar o significado do termo a que se refere. Responde a perguntas do tipo: “de quem?”, “de que coisa?”. A correspondência encontrada em Português seria com o adjunto adnominal ou complemento nominal, isto é, com os tais “grupos maiores”. Vale ressaltar: não é que só existam adjuntos adnominais e complementos nominais com função especificativa, trata-se somente de uma tentativa de aproximação do Italiano com o Português. Ex.: Il re di Francia / Cama de solteiro (adjunto adnominal); Il profumo della rosa /A remessa dos livros (complemento nominal).

2. O complemento di termine indica o ser ou a coisa sobre o qual se destina a ação. Responde a perguntas do tipo: “a quem?”, “a que coisa?”. Em português, a correspondência é com o complemento objeto indireto (que Bechara diferencia do relativo). O objeto indireto, segundo Bechara, denota geralmente relação a um ser animado, introduzido pela preposição “a”. Ex.: Ho fatto un regalo a Giorgio / O diretor escreveu a carta aos pais.

3. O complemento di luogo exprime diversas colocações no espaço de um ser ou coisa. Existem quatro tipos fundamentais desse complemento de lugar: stato in luogo, moto a luogo, moto da luogo e moto per luogo. A correspondência com o Português fica com o adjunto adverbial de lugar. Bechara, inclusive, distingue vários matizes da idéia locativa: lugar onde ou de situação, direção, origem e ponto de partida etc. Ex.: stato in luogoResto in casa / Pedro trabalha em Petrópolis (onde?); moto a luogo Vado a Palermo / Vou à praia (para onde?); moto da luogoVengo da Napoli / Venho de Roma. (donde?); moto per luogoNon passare per questa strada / Procuram-no por toda a cidade (por onde?).

4. O complemento di tempo                exprime as várias circunstâncias de tempo da ação ou da condição indicada pelo verbo. São dois os tipos fundamentais desse complemento: tempo determinato e tempo continuato. Com o correspondente adjunto adverbial de tempo, Bechara também distingue vários matizes temporais: o tempo propriamente dito, a duração, a quantificação temporal, a repetição etc. Ex.: Ci vediamo questa sera (tempo determinato) / Augusto não trabalha hoje; Piovve tutto il giorno (tempo continuato) / Pedro trabalha todos os dias.

5. O complemento di mezzo (o strumento) indica o ser ou a coisa por meio da qual se faz ou sucede alguma coisa. A correspondência é com o adjunto adverbial de instrumento. Bechara inclui nesta denominação o meio, a intermediação, o utensílio etc. Ex.: Scrivo a macchina / Fechou a porta com a chave; Vengo con l’aereo / Os amigos nunca viajaram de avião.

6. O complemento di modo (o maniera) indica o modo, a maneira como se faz ou ocorre alguma coisa. A correspondência na Língua Portuguesa fica por conta do adjunto adverbial modal, que não é iniciado, necessariamente, por preposição. Ex.: Il vento soffiava con forza / Os vizinhos falaram do incêndio com tristeza.

7. O complemento di causa indica o motivo, a causa pela qual se faz ou sucede alguma coisa. A correspondência no Português fica com o adjunto adverbial de causa. Ex.: Sto morendo di fame / Tremiam de frio.

8. O complemento di compagnia e o complemento di unione indicam respectivamente o ser animado (compagnia) ou inanimado (unione) com o qual se está ou se faz alguma coisa. O primeiro responde a perguntas como: “com quem?”, “na companhia de quem?”. O de unione responde a perguntas do tipo: “com que coisa?”, “junto a que coisa?”. O correspondente, em Português, a esses dois complementos é o adjunto adverbial de companhia, que Bechara acaba por dividir em dois níveis: participativo e não-participativo (este último não se restringe a seres inanimados: “O pai gostava dos filhos com os avós”). Ex.: Parte insieme a noi (compagnia) / Saiu com Maria (adjunto adverbial de companhia participativo); Sono uscito con l’ombrello (unione) / Minha irmã foi ao baile com o vestido novo (adjunto adverbial de companhia não-participativo).

9. O complemento agente e o complemento di causa efficiente indicam, respectivamente, o ser animado (agente) ou inanimado (causa efficiente) com o qual se completa uma ação expressa por um verbo passivo. O complemento di agente responde à pergunta: “por quem?” e o di causa efficiente responde à pergunta: “por que coisa?”. A correspondência no Português fica por conta do complemento agente, que pode possuir o traço animado ou potente. Mas, nessa aproximação Italiano-Português, há algo de curioso. A questão é que, antes da Nomenclatura Gramatical Brasileira entrar em vigor em 1960, existiam o “adjunto e o complemento de causa eficiente”. Esses, depois da N.G.B., acabaram reunidos no termo “agente da passiva”. Exemplos: Il rapinatore è stato catturato dalla polizia / Os exercícios foram feitos por José → ser animado; Il bosco è stato gravemente dannegiato dall’incendio / O menino foi atropelado pelo ônibus →ser inanimado (traço potente).

10. O complemento di abbondanza e o di privazione indicam aquilo que se possui em abundância ou que se é privado. A correspondência fica com um “grupo maior”, ou seja, que não se limita às idéias apresentadas. Esse grupo é o complemento nominal.

Ex.: Un articolo ricco di spunti critici / Um artigo rico de argumentos críticos; Una congettura priva di qualsiasi attendibilità / Uma reportagem privada de qualquer credibilidade.

11. O complemento di allontamento o seperazione, origine o provenienza são semelhantes ao complemento de moto da luogo, pois indicam aquilo do que alguém ou alguma coisa se distancia, tem origem. No Português, Bechara inclui matizes de origem e ponto de partida, proximidade, distância no adjunto adverbial de lugar. Ex.: Mi trovavo lontano di casa; È nato da una famiglia agiata.

12. O complemento di argomento indica aquilo que alguém ou alguma coisa fala. Na Língua Portuguesa temos o adjunto adverbial de assunto ou matéria tratada. Ex.: Discutere della situazione politica / Hoje o professor falou pouco acerca do caso.

13. O complemento di colpa e o di pena indicam, nessa ordem, a culpa pela qual alguém é/foi acusado e a pena a que alguém

é/foi condenado. A correspondência é com um “grupo maior” já citado: o complemento nominal. Ex.: Reo di omicidio / Réu por omicídio; Fu condanato all’ergastolo / Foi condenado à prisão.

14. O complemento concessivo indica a circunstância ou a pessoa apesar da qual a ação expressa pelo verbo se realiza. Em Português, temos o correspondente adjunto adverbial de concessão. Ex.: Nonostante la sua promessa di restare, se ne andò / Malgrado a chuva, fomos ao passeio.

15. O complemento di denominazione é um tipo de specificazione, já que especifica o nome próprio do nome genérico que o precede. A correspondência fica com o que Bechara denomina aposto especificativo com “de”. Ex.: La città di Bari / Praça da República.

16. O complemento di distanza indica a distância de um ponto de referência. Ocorre, freqüentemente, sem preposição. Em Português, como já foi exposto, o matiz distância está incluído no adj. adv. de lugar. No entanto, além desse adjunto, pode-se relacionar o adjunto adverbial de quantidade (medida). Ex.: La città dista da qui cinque chilometri / O atleta percorreu dez quilômetros.

17. O complemento distributivo indica a proporção ou a distribuição de alguém ou de alguma coisa. Na Língua Portuguesa, temos o adjunto adverbial de distribuição. Ex.: Camminate in fila per te / Os jogadores ganham prêmio por partida vencida.

18. O complemento di esclusione indica aquilo que permanece excluído. Em Português, temos o adjunto adverbial de exclusão. Ex.: Sono arrivati tutti, tranne Maria / Todos saíram, menos o culpado.

19. O complemento di età indica a idade. A correspondência em Português fica por conta do adjunto adnominal e do adjunto adverbial de tempo. Ex.: Un uomo di circa trent’anni./ Um homem com cerca de trinta anos (adjunto adnominal); Morì a settantadue anni./ Morreu quando tinha setenta e dois anos (adjunto adverbial de tempo).

20. O complemento di fine o scopo indica finalidade. Em Português, temos o adjunto adverbial de fim, porém, em alguns casos, a correspondência seria com o adjunto adnominal. Ex.: Lottiamo per la vitoria / Ele estudou para médico.

21. O complemento di limitazione indica o limite dentro do qual vale o que é dito. No Bechara, não encontramos um correspondente perfeito, porém, pelo Dicionário de Termos Abolidos (pela N.G.B.) de Candido de Oliveira, é possível saber que o “adjunto e o complemento limitativo” foram incorporados ao adjunto adnominal. Ex.: Quanto ad altruismo, lascia molto a desiderare.

22. O complemento di materia indica a matéria com a qual é feita uma coisa. Mas, apesar da existência, em Português, do adjunto adverbial de matéria (que Bechara não chega a assinalar), a melhor correspondência com os exemplos fornecidos por Dardano e Trifone seria através do adjunto adnominal. Ex.: Un vasi di coccio / Uma mesa de madeira (adjunto adnominal).

23. O complemento di paragone indica o segundo termo de um confronto. A correspondência no nosso Português fica com a oração subordinada adverbial comparativa. Ex.: Eugenio è più bravo di Antonio / Maria é mais inteligente que Joana.

24. O complemento partitivo indica um todo do qual só se considera uma parte. Em Português, por não existir uma correspondência perfeita, essa idéia está incluída no adjunto adnominal. Ex.: Chi di voi lo conosce? / Quem de vós o conhece?

25. O complemento di qualità indica uma qualidade ou uma característica de alguém ou de alguma coisa. Uma vez que a nomenclatura “complemento qualitativo” foi abolida (com a N.G.B.) sem deixar correspondente, a aproximação mais pertinente é com o adjunto adnominal. Ex.: Una persona di grande pretigio / Homem de coragem.

26. O complemento di quantità o misura indica uma quantidade ou medida. É encontrado, freqüentemente, sem preposição. A correspondência no Português é com o adjunto adverbial de quantidade (peso, medida). Ex.: Pesa circa dieci quili / A criança já pesa vinte quilos.

27. O complemento di sostuizione e scambio indica alguém ou algo que está no lugar de outro. Na Língua Portuguesa, temos o adjunto adverbial de substituição. Ex.: Prendere lucciole per lanterne / Trocava o dia pela noite.

Além dos complementos indiretos citados acima, existem ainda muitos outros – como o di rapporto e relazione, vantaggio e svantaggio – uma vez que a Língua Italiana enfatiza bastante o valor semântico nessas classificações.

 

CONCLUSÃO

Esse estudo teve como proposta uma tentativa de aproximação de duas línguas neolatinas; a materna e a italiana, no âmbito da análise sintática do período simples. Trabalhando com autores que, a rigor, não podem ser designados como tradicionais, as descobertas obtidas não poderiam ser melhores. Além das duas gramáticas, o apoio do Dicionário de Termos Abolidos (do Português) foi primordial para mergulharmos numa nomenclatura, até então, desconhecida por nós, estudantes de Letras do século XXI.

Apesar das inúmeras correspondências no contraste Italiano-Português (lembrando que a língua de partida é a estrangeira), percebemos que no que se refere à análise lógica, ou seja, no nível sintático da descrição lingüística, a língua italiana é muito mais semântica ao classificar, principalmente, os complementos indiretos. Isso, ao mesmo tempo em que auxilia o entendimento dos tipos de complementos indiretos, dificulta a aprendizagem dos alunos estrangeiros, já que estes terão de conhecer as inúmeras variações de nomenclatura. Com a NGB, no Português, foi feita uma redução de diversos complementos em uma única terminologia, ou seja, restringindo o espaço da semântica nas classificações. Provavelmente, essa medida simplifica o aprendizado dos termos sintáticos, porém prejudica quando se leva em conta a perda da especificidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

DARDANO, Maurizio e TRIFONE, Pietro. Grammatica italiana con nozioni di linguistica. Bologna: Zanichelli, 1999.

OLIVEIRA, Candido de. Dicionário gramatical. II vol. São Paulo: FTD, [s/d.].


 


 

[1] (PIERINI, 2005: www.italicon.it). A lingüística contrastiva é a disciplina que confronta duas línguas com o objetivo de separar e descrever semelhanças e diferenças.

[2] Em particular se lamenta a ausência de critérios unívocos de classificação: aqueles baseados no significado dão lugar à progressiva multiplicação dos complementos “menores”, criando freqüentemente divisões artificiosas e arbitrárias.

 

 

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