ANÁLISE DAS RELAÇÕES ASSOCIATIVAS
EM
OBRAS DICIONARÍSTICAS
COMO O
TRAÇO [+PEJORATIVO] INTER-RELACIONA
DENOMINAÇÕES DE
DEPENDENTES QUÍMICOS[1]

Cristine Henderson Severo (FAPERGS)

 

INTRODUÇÃO

Os estudos lexicográficos têm mostrado a incompletude dos dicionários vernaculares como uma forma de assinalar a necessidade de sistematização do conteúdo lexical mais acurada (cf. Weinreich, 1984, p. 107). Se por um lado, sabemos que o dicionário não pode comportar todos os sentidos de um verbete, por outro, sabemos que seria praticamente impossível prever situações discursivas diferenciadas que resultariam na mudança ou na extensão do sentido de um lexema. Uma maneira de se sanar essa lacuna seria fornecer alguns exemplos de uso efetivo. Porém, percebe-se que poucas são as vezes em que um desses procedimentos aparece nas entradas lexicais.

O trabalho que aqui apresento consiste em verificar a falta de sistematicidade existente nos dicionários a partir da comparação entre o sentido de denominações para dependentes químicos encontrados em certos textos[2] e os sentidos apresentados em duas obras lexicográficos: o Dicionário Houaiss (doravante apenas Houaiss) e o Novo Dicionário Aurélio (doravante Aurélio). Assim, este trabalho analisa dois tipos diferentes de dados: o primeiro é retirado diretamente de seu contexto; o segundo, dos verbetes.

Os lexemas selecionados para a análise foram: alcoólatra, dependente, fumante, tabagista e viciado, que foram os mais recorrentes nos textos pesquisados. A esta lista, acrescentamos mais três lexemas que julgamos ser representativos em relação aos lexemas anteriores: beberrão (verbete em Houaiss que comporta todos os sinônimos relacionados a alcoólatra), ébrio (verbete em Aurélio que comporta todos os sinônimos relacionados a alcoólatra) e drogado (verbete que, apesar de não estar diretamente relacionado a dependente e viciado nos dicionários, é o sinônimo mais próximo para os dois lexemas). Para fumante e tabagista, não foi encontrado nenhum equivalente que pudesse ser pesquisado nos dicionários.

Sabendo-se que estamos trabalhando com lexemas marcados socialmente, faremos uma análise componencial dos verbetes de acordo com sua definição proposta em cada dicionário para verificar a ocorrência do traço [+PEJORATIVO] e as relações associativas formadas entre os verbetes. Partimos do princípio de que o traço em questão é fundamental no estabelecimento da sinonímia, ao inter-relacionar certos lexemas e não outros. Por isso, a tipologia dos semas feita por Pottier (1978) é adequada à nossa análise. Ao fim, propomos novos padrões definitórios para a definição lexicográfica dos verbetes analisados, seguindo as considerações de Fodor (1980) e Weinreich (1984).

 

REFERENCIAL TEÓRICO

Entendemos que o traço [+PEJORATIVO] se refere a certa conotação reveladora de desprezo por parte do enunciador em relação ao indivíduo denominado. Mas o que queremos dizer propriamente por traço? Em que nos baseamos para dizer que o significado de uma palavra pode ser analisado em pequenas partes, cada qual representando um conceito? Até que ponto este conceito não é estritamente individual?

Para a análise componencial, os significados das palavrassão analisados não como conceitos unitários, mas como complexos feitos de componentes de significado” (KEMPSON, 1980:28). As contribuições de Katz foram fundamentais para o desenvolvimento da análise componencial, principalmente na obra Semantic theory (KATZ, 1972). O caráter aparentemente reducionista da análise componencial é desvelado por Katz ao explicar a complexidade do que se entende por marcador semântico:

We use the term semantic marker to refer to the semantic representation of one or another of the concepts that appear as part of senses. Semantic markers represent the conceptual constituents of senses in the same way in which phrase markers represent the syntactic constituents of sentences. (…) some semantic markers will have a highly complex internal structure, reflecting the highly complex internal structure of the concepts they represent. (...)

A semantic marker is a theoretical construct which is intended to represent a concept (…). Concepts, on the other hand, are abstract entities. They do not belong to the conscious experience of anyone. (KATZ, 1972: 37-38, grifos do autor)

Desta forma, um traço não é uma espécie de rotulagem, uma designação subjetiva, mas um “contructo teóricocomplexo (KATZ, 1972: 38): [+PEJORATIVO] é diferente do lexema “pejorativo” e sua estrutura interna pode ser tão complexa quanto o conceito que representa. Segundo Nida (1975: 17):

It would be wrong to conclude that bachelor and unmarried man are completely identical in meaning in all contexts, since they may involve significant differences in connotation. In general, logicians deal only with the so-called diagnostic components – the minimal (i. e. necessary and sufficient) features which distinguish certain areas of meaning within domains. But they do not deal with the supplementary (connotative) components which, though often contextually optional, are extremely important in any actual communication. (grifos do autor)

O que Nida coloca comocomponentes” (diagnósticos ou conotativos), Pottier (1978) caracteriza como semas. Estes componentes mínimos de significado[3]podem ser denotativos (genéricos ou específicos) ou conotativos, estes últimos chamados semas virtuais, cujo conjunto é denominado virtuema (POTTIER, 1978:30).

O traço [+PEJORATIVO] seria uma espécie de sema virtual, que não poderia ser incluído entre os semas que definem a denotação de uma palavra como alcoólatra, uma vez definido como [+DEPENDENTE QUÍMICO, +ETÍLICO], sem a presença do traço [+PEJORATIVO]. Por outro lado, o mesmo não aconteceria com beberrão, que poderia ser definido como [+DEPENDENTE QUÍMICO, +ETÍLICO, +PEJORATIVO], independente da situação discursiva: o traço não está apenas relativo ao contexto onde o lexema está inserido. Todavia, podemos estipular uma situação em que alcoólatra tenha o componente [+PEJORATIVO]. Em uma frase comoAquele ali é um alcoólatra”, o intercambiamento entrealcoólatra” e “beberrão” permite considerá-los equivalentes.

Pottier (1978) caracteriza as relações paradigmáticas estabelecidas entre as palavras através dos semas. Pottier considera quatro tipos de relações associativas: oposição (relações de antonímia, relações complementarescasado/solteiro –, relações recíprocas – comprar-vender –, e relações em que existem correspondências agente/ação entre os elementosgato/miar), inclusão (comparável ao que se tem por meronímia), participação (que “ocorre entre itens vocabulares da língua e elementos ou termos da metalíngua”,) e associação (cujos vínculos entre as palavras são estabelecidos por fatores de uso). (Apud MARQUES, 2003: 73).

Os lexemas analisados em nossos textos estão em associação entre si devido ao sema [+DEPENDENTE QUÍMICO]. Na análise dos dicionários, notou-se que essa inter-relação não foi mantida, nem com o sema [+DEPENDENTE QUÍMICO] ou com o sema [+PEJORATIVO].

 

SITUAÇÃO DOS VERBETES

Antes de partirmos para a análise componencial, é preciso verificar o aspecto geral do comportamento dos verbetes em questão. Chegamos às seguintes conclusões:

 

1. Sobre o lexema alcoólatra, beberrão e ébrio:

a)       Enquanto em Houaiss o verbete alcoólatra aparece como sinônimo de beberrão (e, conseqüentemente, de todos os sinônimos propostos nesta mesma entrada), o Aurélio não traz a mesma equivalência, deixando como sinônimos para aquele verbete, “alcoólico”, “alcoolista” e “etilista”. Neste dicionário, a entradaébrio” é a que reúne os sinônimos propostos em Houaiss.

AURÉLIO. Alcoólatra. [De álcool + –latra.] S. 2 g. 1. Pessoa que se entrega ao alcoolismo, viciada na ingestão de bebidas alcoólicas; alcoólico, alcoolista, etilista.

HOUAISS. Alcoólatra. Adj. 2g. s. 2g. (...) que ou aquele que é viciado na ingestão de bebidas alcoólicas; que ou aquele que se entrega à doença do alcoolismo; etilista. F. menos us.: alcoolista. (...). Sin/Var. ver sinonímia de beberrão.

AURÉLIO. Beberrão. Adj. 1. Que bebe muito. 2. V. ébrio (2). S. m. 3. V. ébrio (8).

HOUAISS. Beberrão. Adj, s. m. que ou aquele que bebe muito ou freq. se alcooliza; ébrio. (...). Sin/Var. (e afins) aguardenteiro, alcoólatra, alcoólico, alcoolista, alcoolizado, alcooofilista, avinhado, azul, bebaça, bebaço, bêbado, (...) dipsomaníaco, dipsômano, (...).

AURÉLIO. Ébrio. Adj. 1. V. embriagado (1). 2. Que se embriaga habitualmente; que é dado ao vício de beber; bêbedo ou bêbado, bebedor, beberrão, beberraz, bebum, biriteiro, borracho, cachaceiro, ebrioso, temulento, xilado. (...) S. m. 7. Indivíduo que se embriagou ou alcoolizou; bêbado ou bêbedo, embriagado. 8. Indivíduo ébrio (2). [Sin. (na maioria pop. ou de gír., e, em alguns casos, bras.): bebaça ou bebaço, bêbedo ou bêbado, bebedor, beberrão, (...), cachaceiro, cachacista, caixa-d'água, chupa-rolha, chupista, chuva, (...)]

HOUAISS. Ébrio. Adj. s. m. 1. que ou aquele que está alcoolizado; bêbedo 2. que ou aquele que se embriaga freqüentemente; que ou quem é propenso à bebida. Adj 3. que está com a mente ou os sentidos perturbados; embriagado, estonteado, tonto. (...) Sin/Var. ver a sinonímia de beberrão e embriagado.

 

b)       Alguns dos lexemas considerados sinônimos aos primeiros selecionados para análise estão caracterizados com a marca de uso "Popular" (Houaiss) ou ainda "Brasileiro" (Aurélio), como: bebum, bico-doce, cachaceiro etc. Parece-me que são nesses lexemas que o sema [+PEJORATIVO] aparece de forma mais clara. Assim, pode-se dizer que o traço é marcado de outra forma, através de certas marcas de uso, e não na própria definição. Estes lexemas, como bebum ou bico-doce, não foram encontrados nos textos utilizados nesta pesquisa.

 

Sobre os lexemas fumante e tabagista

Interessante notar que, às vezes, há discrepância entre o sentido que o lexema assume em nossos textos e a definição proposta nos dicionários. Por exemplo, os nossos textos sugerem que "fumante" e "tabagista" sejam sinônimos:

A diminuição de peso corpóreo do tabagista não representa vantagem, pois o estudo de Framinghan provou que nos fumantes o menor peso não impede a elevação da pressão arterial e do colesterol no sangue (Lincx, Serviços de Saúde, disponível em www.lincx.com.br/lincx, acesso em 01/04/05, grifos meus).

Mas nos dicionários, não há essa co-relação:

AURÉLIO. Fumante Adj. 2 g. 1. Que fuma. (...) S. 2 g. 3. Pessoa que fuma [v. fumar (1)]. [Sin., nesta acepç.: fumista e (lus.) fumador.]

HOUAISS. Fumante. Adj. 2g. s. 2g. 1. que ou quem fuma; fumador, fumista. (...)

AURÉLIO. Tabagista. S. 2g. 1. Pessoa dada ao tabagismo (q. v.); tabaquista.

HOUAISS. Tabagista. Adj. 2g. 1. relativo ou próprio do tabaco. Adj. 2g. s2g. 2 diz-se de pessoa dada ao tabagismo; tabaquista. (...)

 

Sobre os lexemas dependente, drogado e viciado

No dicionário Aurélio, nãointer-relação entre dependente, drogado e viciado. Se seguirmos a definição constante em Houaiss, poderíamos supor que o lexema viciado é considerado equivalente a “dependente”, mas o lexema dependente não é considerado equivalente a “viciado”:

AURÉLIO: Dependente. 6. Farmac. Psiq. Aquele que sofre de dependência. (dependência psíquica. Farmac. Psiq. “Cada um dos estados mórbidos em que a impressão de bem-estar causada por medicamento, ou droga, leva o indivíduo a tomá-lo, ou tomá-la, em caráter contínuo ou periódico, inclusive para evitar a sensação de mal-estar que lhe causaria a privação daquele medicamento ou daquela droga)

HOUAISS: Dependente. adj. 2g. s. 2g. 1. que ou o que depende 2. que ou quem sente dificuldade de se desligar de alguma prática habitual, esp. da ingestão de drogas ou do abuso do álcool. (...) Sin/Var. ver sinonímia de inerente.

AURÉLIO. Viciado. Adj. 1. Que tem vício ou defeito. 2. Corrupto, impuro. 3. Falsificado, adulterado.

HOUAISS. Viciado. Adj. (...) 2. que tem ou adquiriu vício <fiquei v. em cafezinho e cigarro> <as crianças v. em droga serão reabilitadas> 2. 1. p. ext. infrm. Que faz muito certa coisa, por hábito ou prazer; que gosta muito de algo ou alguém (...). s. m. 5. indivíduo que se viciou em alguma coisa <existe tratamento psicológico para os v. em jogo> 5. 1. indivíduo que se tornou dependente de uma ou mais droga estupefaciente. (...) Sin/Var. ver sinonímia de legítimo. (grifo meu)

O lexema drogado (que não teve ocorrências nos nossos dados) não se relaciona com nenhum dos lexemas em nenhum dos dois dicionários:

AURÉLIO. Drogado. Adj. S. m. 1. Diz-se de, ou aquele que ingeriu droga.

HOUAISS. Drogado. Adj. 1. relativo a quem está sob o efeito de drogas; dopado 2. p. ext. infrm. Que tem comportamento anormal; doido “nos anos 60, ele sempre parecia doido”.

 

Sobre a relação dos lexemas entre si

Nos dois dicionários, não há uma inter-relação entre as denominações para dependentes de álcool, as denominações para dependentes de nicotina e o próprio lexema dependente, isto é, as denominações não são colocadas como semelhantes entre si em nenhum momento. Isto se deve em parte porque é a sinonímia a relação de sentido mais verificada. Somente à definição de alcoólatra em Houaiss faz uma referência à palavra “viciado”, que pode ser considerada hiperônimo do lexema.

 

ANÁLISE DOS DADOS

Segundo as definições encontradas, os verbetes são definidos desta maneira:

 

AURÉLIO

HOUAISS

alcoólatra

[+dependente químico], [+etílico]

[+dependente químico], [+etílico]

beberrão

[+etílico]

[+freqüente]

[+etílico]

[+freqüente]

dependente

[+dependente químico]

[+dependente químico]X

drogado

[+dopado]

[+dopado]

ébrio

[+dependente químico],

[+etílico]

[+etílico]

[+freqüente]

fumante

[+fumante/que fuma]

[+fumante/que fuma]

tabagista

[+fumante/que fuma]

[+fumante/que fuma]

viciado

[+dependente químico]

[+dependente químico]X

A partir dos dados, a hipótese inicial de que o sema [+PEJORATIVO] fosse fundamental para o estabelecimento da rede de relações associativas entre os lexemas nos dicionários não foi confirmada. Contrariamente à nossa hipótese, o sema estudado não une ou separa os lexemas em questão, não sendo incluído na definição. É possível afirmar que, nos dicionários, o sema virtual [+PEJORATIVO] é apagado, havendo uma espécie de “neutralização”. É o caso da sinonimização entre beberrão e dipsomaníaco nos dois dicionários.

Entretanto, o virtuema não é totalmente deixado de lado em favor de uma definição denotativa, que ainda consta em algumas entradas o caráter de usoPopular” e de “Brasileiro". Pode-se dizer que este sema é tratado como essencialmente contextual, que não faz parte do sentido básico dos lexemas nos dicionários, inclusive dos lexemas que recebem as marcas de uso "popular" e "brasileiro".

Neste caso, as marcas de usopopular” (Houaiss) e “brasileiro” (Aurélio), na minha compreensão, parecem constituir um indício de que o uso de marcas esteja suplantando a expressão do caráter pejorativo dos lexemas ao mesmo tempo em que possibilita a veiculação de outras idéias mais gerais que o último traço poderia expressar.

De acordo com Fodor (1980:150):

What must be faced is that the ultimate components of meaning are atomic in the sense that they are not themselves fully decomposable into other smaller components, but are nevertheless internally complex in the sense that they contain other smaller components.

Isto é, se os componentes podem ser divididos em unidades menores ainda, então o mesmo se pode atribuir para a o papel que está exercendo a marca de uso popular. Teoricamente não seria impossível estipular que ao afirmar que um verbete é “popular”, se esteja querendo dizer que o mesmo seja “pejorativo”, ou melhor, que tal marca de uso contenha um sema [+PEJORATIVO], pois, por definição dos próprios dicionaristas, “popular” e “brasileiro” significam respectivamente:

HOUAISS. Popular: (...) 1. relativo ou pertencente ao povo, esp. à gente comum. Ex.: indignação. p. 2. feito pelas pessoas simples, sem muita instrução. Ex.: arte p. 3. relativo às pessoas como um todo, esp. aos cidadãos de um país qualificados para participar de uma eleição (...)

AURÉLIO. Popular. (...) 1. Do, ou próprio do povo: hábitos populares. 2.               Feito para o povo (2 e 6): bibliotecas populares; habitações populares. 3. Agradável ao povo; que tem as simpatias dele: (...)

HOUAISS. Brasileiro: (...) 1. relativo ou pertencente à República Federativa do Brasil ou que é seu natural ou habitante Ex.: <território b. > <indígena b. > 2. relativo ou pertencente aos brasileiros Ex.: <sobrenome b. > <costumes b. > 3 que é feito por brasileiros Ex.: <música b. > <cinema b. > <esporte b. > 4 típico do Brasil ou dos brasileiros Ex.: <comida b. > <jeito b. > <paisagem b. > (...) 7 Portugal informal a língua portuguesa tal como é us. no Brasil Ex.: <ouviu alguém falar em b. > 8 Portugal pejorativo. emigrado, ger. rico, que retorna do Brasil a Portugal 9. Portugal pejorativonovo-rico de mau gosto, sem educação ou cultura

AURÉLIO. Brasileiro. (...). 1. De, ou pertencente ou relativo ao Brasil. ~ V. barroco –, colonial –, complexo –, fila –, inversão –a, norma –a e palmo –. S. m. 2. O natural ou habitante do Brasil. (...) 3. Alcunha com que os portugueses designam os seus compatriotas que voltam ricos do Brasil.

Assim, o sema [+PEJORATIVO] acaba sendo considerado como uma unidade menor ainda, irrelevante para a definição. Em alguns casos, é realmente irrelevante, em se tratando do fato do dicionário não poder prever os contextos e os sentidos que as palavras irão adquirir. Porém, não estaria o dicionário simulando uma situação discursiva ao marcar compopularum verbete?

Segundo Weinreich (1984:107):

A descrição semântica deveria ter como objetivo não definições ‘absolutas’, mas definições que separem o significado de um termo daquele de outros termos de significados semelhantes (sinônimos). A circularidade que daí resulta deveria ser admitida francamente, não como um vício, mas como um princípio diretor da lexicografia.

Por isso, propomos uma reformulação desses verbetes, considerando que os sentidos sejam verificados a partir de seu uso também para estes lexemas. Trata-se de uma prática raramente usada, pois constatamos que apenas no verbete viciado, no dicionário Houaiss, há para cada sentido proposto, um exemplo. A sinonimização, por sua vez, não deveria ser descartada como um recurso a ser utilizado na definição dos verbetes, mas deveria ser estabelecida a partir do uso que se pode fazer de alguns lexemas. Uma forma que me parece adequada de evidenciar as semelhanças e as diferenças de sentido dos lexemas é a identificação dos usos com o sema [+PEJORATIVO] e seu registro nos verbetes dicionarísticos.

 

CONCLUSÃO

Este trabalho procurou contribuir com os estudos lexicográficos, principalmente no tocante aos lexemas analisados e às relações associativas entre os mesmos. Não se pretendeu reivindicar que o dicionário reconheça em cada verbete o que seria e o que não seria pejorativo. Apenas se intentou demonstrar que existe uma certa contradição tanto em propor uma sinonímia entre itens que apenas se diferem no seu virtuema, como em propor uma sinonímia parcial, sem uma prévia explicação (como no caso de haver sinonímia entreébrio” e “beberrão”, mas não em relação à “alcoólatra”).


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, A B. de H. Novo Aurélio Séc. XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3a. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FODOR, Janet D. Semantics: theories of meaning in generative grammar. Cambridge: Harvard University Press, 1980. P.

HOUAISS, A & VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 2925 p.

KATZ, Jerrold J. Semantic theory. New York: Harper & Row, 1972. 464 p.

KEMPSON, Ruth M. Teoria semântica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. 203 p.

Marques, Maria Helena Duarte. Iniciação à semântica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. 165 p.

NIDA, Eugene A. Exploring semantic structures. München: W. Fink, 1975. 211 p.

POTTIER, Bernard. Lingüística geral: teoria e descrição. Rio de Janeiro: Presença, 1978. 320 p. Original: 1972.

WEINREICH, U. “Definição lexicográfica em semântica descritiva”. Trad. Maria Cecília P. Barbosa. Alfa, São Paulo, 28 (supl.): 103-118, 1984.


 


 

[1] Este trabalho foi desenvolvido dentro de um projeto maior chamado Construção de um Banco de Dados para a Língua Geral, coordenado pela Profa. Dra. Sabrina Pereira de Abreu e pela Profa. Dra. Lúcia Sá Rebello. Este projeto tem por objetivo estabelecer um banco de itens lexicais de domínios especializados (linguagens de especialidade) ou não (língua comum). O banco visa a possibilitar análises das propriedades sintático-semânticas dos itens e de como os mesmos se relacionam entre si.

[2] Os textos foram coletados por mim e fazem parte do projeto Construção de um Banco de Dados para a Língua Geral. Uma vez que o léxico estudado era do campo temático da Saúde, no âmbito da língua comum, a maioria dos textos é sobre Medicina Preventiva, onde há um maior número de elementos definitórios para os itens lexicais.

[3] Os autores pesquisados traçam uma pequena diferença entre “componente semântico”, “traço semântico” e “marcador semântico”. Esta diferenciação não será considerada neste trabalho.

 

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