O DIALETO DOS MOTOBÓIS[1] DO RIO DE JANEIRO

Sérgio Paulo G. Vasconcelos (UERJ)

 

O que nos levou a fazer a presente pesquisa trabalho foram dois fatores: (1) possuímos uma motocicleta; (2) no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, edição de 2004, assistimos ao documentário “Motobóis: vida loca” de Caíto Ortiz e ficamos impressionados com a vida que estes “jovens” levam. É assombroso saber que há mais de 200. 000 (alguns falam em 300. 000!) motobóis apenas em São Paulo, capital! E que todo dia, segundo as estatísticas oficiais, de um a dois (até três!) perdem a vida, em média, diariamente.

Mas que não se encare este assunto como banal ou de menor importância. No documentário, o publicitário Washington Olivetto deixa bem claro que sem os motobóis o país pararia. E é uma grande verdade. Assim, este grupo torna-se um objeto importantíssimo para todo tipo de estudo. Veremos neste trabalho não apenas aspectos lingüísticos, mas também o lado social desse grupo, imprescindível para compreender sua linguagem.

Diante das parcas perspectivas de trabalho e da cada vez maior necessidade de qualificação profissional, muitos fazem esta opção de trabalho por exigir um capital inicial mínimo, de cerca de R$ 700, 00 a R$ 800, 00, suficiente para comprar uma lacraia (moto velha) e por também exibir pouco grau de escolaridade. No entanto, as palavras de um motobói foram bem emblemáticas para mim. Ele tinha habilitação, uma moto nova e documentos em dia. Apontou para o colega com uma lacraia e disse: “Com R$ 700, 00 a pessoa não vira motobói, vira entregador de pizza.”

Há firmas que assinam a carteira dos funcionários (Segundo eles, o piso do sindicado é de R$ 520, 00 e, em geral, as firmas não fornecem qualquer outro benefício) e exigem motocicletas novas e documentação em dia, e até mesmo um melhor grau de escolaridade, enquanto outras apenas querem entregadores, geralmente para entrega de pizzas ou outros alimentos à noite. Neste último caso, geralmente tratam-se de pizzarias ou similares. E há os casos dos motobóis que trabalham de segunda a sexta em firmas e durante as noites, com um dia de folga na semana. Nunca em véspera de feriado.

Apenas por estas informações nota-se que estes jovens são muito explorados no trabalho.

Para este trabalho, entrevistamos 42 motobóis e mototáxis de algumas regiões da cidade. Neste trabalho, além dos aspectos lingüísticos, o leitor encontrará um perfil parcial destes profissionais, com sua idade, escolaridade, horário de trabalho e ganho bruto.

Com respeito à idade, foi surpreendente descobrir que os motobóis não são tão “boys”, bastando que se mencionem os informantes: o mais velho relatou 48 anos de idade. Isso é um reflexo da falta de uma política de recolocação de mão-de-obra no mercado de trabalho, além de uma oferta digna e salário, uma vez que, conforme veremos mais adiante, o ganho bruto deles pode chegar de R$ 1.400,00 a R$ 1.500,00.

Com respeito ao grau de escolaridade, constatamos 20,9% têm escolaridade inferior ao 1/grau (5.a série completa), 34,9% têm o 1° grau completo, 13,9% têm o segundo grau incompleto e 27,9% o segundo grau completo. Ou seja, mais do que um quarto destes profissionais tem segundo grau, fato que abona o que foi dito acima acerca de determinadas empresas e firmas.

Em geral, eles moram perto de onde trabalham.

Em nossa pesquisa não encontramos uma única motogirl, embora já tenhamos visto algumas no trânsito.

O vocabulário deste grupo é tão profícuo que com apenas 42 informantes conseguimos

Vejamos então se os textos teóricos abonam a linguagem dos motobóis como sendo um dialeto. Segundo Carlota Ferreira e Suzana Cardoso, “... língua é um sistema de sinais acústico-orais, que funciona na intercomunicação de uma coletividade. É resultado de um processo histórico, evolutivo.” (FERREIRA, CARDOSO, 1994: 11) (Grifo delas) Já o dialeto “... é um subsistema inserido nesse sistema abstrato que é a própria língua.” (FERREIRA, CARDOSO, 1994: 12)

Um fator muito importante no que diz respeito aos dialetos são as isoglossas.

Por isoglossa entende-se uma linha virtual que marca o limite, também virtual, de formas e expressões lingüísticas. As isoglossas podem delinear contrastes e conseqüentemente apontar semelhanças em espaços geográficos (isoglossas diatópicas), podem mostrar contrastes e mostrar semelhanças lingüísticas e socioculturais (isoglossas diastráticas) ou ainda podem configurar diferenças de estilo (isoglossas diafásicas). (FERREIRA, CARDOSO, 1994:12)

Assim, partindo do conceito acima e analisando a lista de termos elencada neste texto, pode-se dizer que os motobóis da cidade do Rio de Janeiro realmente falam um dialeto. [2] Enquanto diversas palavras e expressões eram de uso comum, notamos que outras eram desconhecidas de grupos que se distanciavam por algumas centenas de metros. E, no entanto, essas mesmas palavras e expressões encontravam reconhecimento em outras zonas da cidade. Assim, poder-se-iam estabelecer traços de diferença e semelhança entre os grupos pesquisados e, conseqüentemente, isoglossas, caracterizando o dialeto.

Acerca desse assunto, cito como exemplo um termo incomum, a forma sarapão, que nos foi citada por um informante que trabalha no Méier, mas mora em Irajá. Contestado por um outro motobói, ele disse que em sua região tal termo é de uso comum. O mesmo informante também nos forneceu o termo blay-blade, também contestado por seu colega. Como pesquisador, coube-nos apenas arrolar os dados.

Além disso, para a formação desta pesquisa a questão sociocultural, outra característica dialetal, foi importantíssima. Um informante, também do Méier, de origem nordestina nos forneceu o termo jumento de igreja. A expressão per se desabona sua origem como originária de um falante do Rio de Janeiro. Outro, da zona Oeste e também de origem nordestina, informou o termo borozema (não dicionarizado) como equivalente a “Mulher feia”, mas foi imediatamente desabonado por seus iguais: “Isso pode ser lá de onde você vem.”

No entanto, de um outro informante cearense obtivemos as formas arregar e perebinha, ambas as duas dicionarizadas no Houaiss.

Retornando à questão dos dialetos, vemos que o mestre Mattoso Câmara os define em seu Dicionário de Lingüística e Gramática como:

... falares regionais que apresentam entre si coincidência de traços lingüísticos fundamentais. Cada dialeto não oferece, por sua vez, uma unidade absoluta em todo o território por que se estende e pode subdividir-se em SUBDIALETOS, quando há divergência apreciável de traços lingüísticos secundários entre zonas desse território. (...)[3]

Ora, todos os grupos sociais criam uma linguagem própria que os diferencia dos outros, quer queiram, quer não, uma vez que lidam com entes físicos ou abstratos que precisam de uma nominalização. [4] Além deste fato, dentro do próprio meio surgem as expressões e palavras diferenciadoras que poderão formar o dialeto específico daquele grupo. Consultando a gramática do professor Rocha Lima lemos:

Os aspectos regionais de uma língua, que apresentam entre si coincidência de traços lingüísticos fundamentais, constituem os DIALETOS. (...) Aqui é necessário distinguir três modalidades: calão, gíria e língua profissional.

CALÃO é a língua especial que das classes que vivem à margem da sociedade, de caráter acentuadamente esotérico, artificialmente fabricado (...) para se poderem compreender entre os indivíduos de certo grupo, sem serem entendidos pelos não-iniciados. (...)... está neste caso o slang dos americanos; o Rotwelsch dos alemães... ; (...)... calão é a língua especial dos delinqüentes portugueses e brasileiros.

GÍRIA é a língua especial de uma profissão ou ofício, de um grupo socialmente organizado, quando implica, por sua vez, educação idiomática deficiente. A gíria atinge a fraseologia e, especialmente, o vocabulário, já pela criação de palavras, já por se atribuírem novos valores semânticos às existentes.

Às gírias dos grupos sociais de cultura elevada dá-se o nome de LÍNGUAS PROFISSIONAIS ou TÉCNICAS. Em diferentes graus têm sua linguagem mais ou menos especializada os médicos, os engenheiros, (...). (ROCHA LIMA, 1997: 6)

Desse modo, Rocha Lima não considera a gíria como algo negativo, como alguns pensam, mas como um meio de expressão de um determinado grupo, profissional ou não. Além disso, terminologicamente a iguala ao dialeto.

Acerca desse assunto, vale aqui o comentário de um informante: “Tem o metido a playboyzinho. E tem também o garoto de favela que o pai não tem condição de dar nada a ele e ele junta uma “merrequinha”, compra uma “motinha”. Eles têm um outro tipo de linguajar para se referir à moto [diferente do ‘playboyzinho’]. Ou seja, cada grupo criará seus próprios termos para a nominalização do real, o que Rocha Lima considera GÍRIA, e outros teóricos DIALETOS.

No que diz respeito à nossa pesquisa realizada com o dialeto dos motobóis pudemos notar que suas expressões têm certas origens: (1) figuras de linguagem, (2) expressões idiomáticas, (3) termos referenciais, (4) expressões regionais, (5) gírias (no uso comum), (6) expressões e termos de uso comum e (7) empréstimos.

 

FIGURAS DE LINGUAGEM

A Enciclopédia Encarta define FIGURAS DE LINGUAGEM como “... palavras ou grupo de palavras usados para dar ênfase particular a uma idéia ou a um sentimento.” Analisando o corpus coletado, vemos que algumas figuras são de fraco impacto como churrasqueira, um acessório que se coloca na parte posterior da motocicleta. (É uma mera analogia.) Ou ainda Coiote um escapamento que emite um uivo. Segundo Ulmann, palavras transparentes. (ULLMANN, 1987: 169)

Mas ficar como beterraba para referir-se a um motociclista que se rala muito ao cair é uma figura de grande força lingüística. E o próprio falante intui esta força quando a acha engraçada. (Menos para quem caiu, é claro.)

Algumas línguas, como o árabe e o hebraico, mantêm nas matáforas pilares de sua força expressiva. Por exemplo, no hebraico hodierno não há palavra para mina terrestre, assim, utiliza-se a palavra para laço, o instrumento para captura de pequenos animais, conforme encontrada na Bíblia.

De fato, àquela região do mar que se encontra com a areia, a Bíblia chama belamente de “lábios do mar”.

Além das comparações e metáforas, figuras extremamente comuns e importantes para a língua, há diversas outras que podem ser observadas analisando-se o corpus fornecido.

 

EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS

As EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS são elementos muito importantes em diversas línguas e variam de local para local, sempre refletindo a cultura e costumes de sua localidade ou de seu grupo. E muitas delas são originárias de figuras de linguagens. No caso dos motobóis é interessante ver que expressões regionais vêm sendo incorporadas ao dialeto do Rio de Janeiro e Cachorro louco é uma delas.

 

TERMOS REFERENCIAIS

Os TERMOS REFERENCIAIS serão encontrados em qualquer dialeto, uma vez que é praticamente inviável substituir todas as palavras de um universo sígnico por outras. Assim, temos termos como rede, emoção, rebocar etc.

 

EXPRESSÕES REGIONAIS

(4) As EXPRESSÕES REGIONAIS são fatores fundamentais para a formação de um dialeto e foram um aspecto interessante deste trabalho. Sabíamos que encontraríamos pessoas de baixo grau de escolaridade e, naturalmente, alguns deles, imigrantes nordestinos. Mas tivemos uma grata surpresa ao descobrir que regionalismos nordestinos estão se enraizando no dialeto dos motobóis do Rio de Janeiro. Vejamos os seguintes exemplos:

Arregar: Segundo o Houaiss, 1. Porção que o colo pode conter; 2. Grande quantidade. Para os motobóis, por extensão: receber boa gorjeta na hora ou no dia.

Canguinha: Para o Aurélio, 3. Indivíduo avaro, sovina. Por extensão: quem não dá gorjeta.

Perebinha: Para o Houaiss, 4. Indivíduo medíocre, sem expressão. Por extensão: moto velha. O Aurélio não contempla.

Além dessas, já mencionamos o jumento de igreja, expressão claramente nordestina.

Estas expressões são indicativas das origens diatópicas de certos motobóis e de como este fator pode ter maior ou menor influência na formação do dialeto.

(5) Quanto às GÍRIAS, o dicionário Houaiss as define como

Dialeto, usada por determinado grupo social que busca se destacar através de características particulares e marcas lingüísticas especialmente em nível lexical [Seu processo de formação inclui truncamento, sufixação parasitária, acréscimo de sons ou sílabas, uso de certos códigos etc.].

Lembremo-nos também da lição do mestre Rocha Lima que mostra que GÍRIA pode ser “a linguagem de um grupo socialmente organizado”.

Encontramos algumas dessas formas, mas algumas ainda não foram dicionarizadas.

Bicheira: Não está dicionarizado com o sentido aplicado às motos. Os motobóis utilizam como uma metonímia.

Prego: Houaiss: indivíduo simplório, que se engana facilmente; pateta, otário.

Quicar: Não está dicionarizado. Sinceramente, ainda não sabemos por que, uma vez que é termo de uso comum entre os proprietários de motocicleta, embora seja estrangeirismo.

Rabeta: Está dicionarizado com outra acepção. No dialeto dos motobóis é um empréstimo da linguagem dos surfistas.

Ratona: Mulher ou coisa excêntrica, bizarra. Não condiz com a acepção utilizada pelos motobóis.

Sarapão: Termo desconhecido.

Trubufu: Neste caso é uma assimilação de tribufu, forma dicionarizada. 2. Pessoa feia.

Vale mencionar também que a gíria Careca é antiga entre os motobóis.

 

EXPRESSÕES E TERMOS DE USO COMUM

Como em muitos outros dialetos, termos de uso comum serão utilizados pelos motobóis.

Por exemplo, vejamos o contraste entre o dialeto alemão bávaro e a língua oficial do país, o Hoch Deutsch, na frase “Eu trago algo para você.

Hoch Deutsch: “Ich bringe dir etwas.”

Bávaro: “I brin’ da was.”

Ou ainda em dialeto de Colônia, Kölsch: Hoch Deutsch: “Ich frage mich, was du gerade im Augenblick machst.”

Kölsch: “Ich frooch mich, wat du jraad em Augebleck mähß.”

Nota-se claramente que há uma raiz que liga os elementos, limitando-se as alterações a questões fonéticas (no caso em questão).

Esse tipo de alteração assemelha-se a um termo encontrado em nossa pesquisa: jubiraga. Tal forma não foi encontrada nem no Aurélio nem no Houaiss o que nos remeteu para a lembrança de uma novela da Rede Globo havia um automóvel cujo nome era Jupiraga. Talvez nosso termo coletado seja uma alteração fonética.


 

EMPRÉSTIMOS

Todos os grupos fazem EMPRÉSTIMOS e os motobóis não são diferentes, fazendo-os, segundo a pesquisa, da linguagem dos surfistas: rabeta, strep, vaca e da linguagem do automobilismo: máquina, piloto[5], roda presa, ruim de roda, fumando etc.

Vejamos a seguir o vocabulário coletado em nossa pesquisa (Os termos em asterisco indicam ocorrência em um único local ou de origem duvidosa).

2005: Novato. Motociclista que “começou” no referido ano.

Aranha: V. Rede.

Arregar: Dar uma boa gorjeta. (Informante cearence.)

Assassina: Apelido da moto de 125cc, uma vez que ela é utilizada diariamente no trabalho dos motobóis e com ela eles sofrem acidentes.

Balança: Elemento principal da suspensão traseira da motocicleta.

Balão apagado: Diz-se do estado do motobói que cai de moto e desmaia.

Bananada: Motorista que dirige mal no trânsito e atrapalha o motobói. “Ele é um bananada.”

Barbeiro: Diz-se daquele que dirige mal.

Batalha: Trabalho.

Baú: Receptáculo colocado na parte posterior da moto para transporte de objetos.

Beijar o chão: Cair da moto.

Beterraba: “Ficar como beterraba.” Diz-se do motociclista que caiu da moto e se ralou muito.

Beth*: Mulher feia. Em alusão à novela “Beth, a feia.”

Bicheira: Moto velha.

Bicicleta: Motocicletas abaixo de 125cc utilizadas pelos motobóis.

Blay blade*: Moto velha.

Bom: (Boa) Quando o motobói reconhece o endereço de alguém que dá gorjeta. “Essa é a boa.” “Esse é o bom.”

Bombar: Quando o motobói recebeu muitas gorjetas. “O dia bombou de gorjetas.”

Bonde: Dar um bonde. Quando um motobói enguiça na pista e um outro empurra sua moto usando a pedaleira traseira.

Brigadão: V. Cinco dedos.

Bundão: Diz-se do indivíduo que tem medo ao andar na garupa do moto-táxi.

Cabra: Diz-se de uma moto que foi montada em cima de um chassis roubado de outra moto.

Cabrita: V. Cabritar 2.

Cabritar: 1. Montar uma moto roubada. 2. Quando um motobói dispõe de poucos recursos e monta uma motocicleta com partes de motos de fabricantes, modelos e anos diferentes. Em geral isso é feito pelos que estão começando na profissão.

Cachorro louco: Motociclista que é rápido e audaz no trânsito.

Caidinha: Moto velha.

Caixinha: Quando o motobói vê uma moto 500cc suspira e diz: “Estou juntando a caixinha...” (Para comprar uma moto daquele porte.)

Calo: Expressão típica da mecânica. Quando uma engrenagem adquire uma deformidade e ela é sentida pelo piloto. Em geral ocorre na caixa de direção.

Canelas: Par de hastes dianteiras que fixam a roda dianteira.

Canguinha*: Diz-se do indivíduo que não dá gorjeta.

Careca: Quando o motobói recebe o endereço da entrega e já reconhece que não vai receber gorjeta. Zona Norte: “Essa entrega vai ser careca.” “Vou ganhar uma careca.” Zona Oeste: “Aquela entrega foi um careca.” “Aquela entrega foi o maior careca.” “Isso é o maior careca.”

Carenagem: A estrutura de plástica que cobre partes da motocicleta, como o motor, fiação etc.

Carniça*: Moto velha.

Casca de ovo: V. Coquinho. Var. Casquinha de ovo.

Cenoura*: Novato em motocicleta.

Cheio de pernas*: Novato em motocicleta.

Churrasqueira: Acessório colocado na parte posterior da moto que serve para transporte de objetos através de Rede ou Strep, ou para sustentar o Baú.

Cinco dedos*: Quando o morador não dá gorjeta, se limitando a dizer: “Muito obrigado.” e acena com a mão. V. Careca.

Cinco estrelas*: Quando o cliente dá gorjeta.

Coiote: Cano coiote. Tipo de escapamento. Remove-se o escapamento original da moto e coloca-se este, que emite um som semelhante a um uivo.

Comprar terreno: Cair da moto.

Coquinho: Tipo de capacete para hipismo, não aprovado para uso em motocicletas, mas muito comum entre os motobóis.

Coroa: Uma das partes da relação (V.). Disco dentado que fica fixado à roda traseira da motocicleta e que age em sincronia com o pinhão (V.) através da corrente.

Corredor: Espaço entre os carros em horário de grande fluxo de veículos, no qual os motobóis se deslocam.

Creme de lixo: Chorume que cai do caminhão de lixo e é extremamente perigoso para o motobói.

Cru na pista: Novato.

Danone*: 1. Motobói novo na profissão. 2. Motobói que costuma cair.

Descanso: Diz-se do suporte em que a moto é apoiada quando deixada em repouso.

Do ano: Novato.

Dragão: Mulher feia.

Emoção: Quando o moto-táxi pega o passageiro pergunta a ele se quer a viagem com ou sem emoção, ou seja, cometendo ou não imprudências no trânsito.

Extensor: Corda elástica com um gancho em cada ponta; termo absorvido da linguagem dos surfistas. V. Strep.

Ferramenta: Moto nova. Var. Ferramenta nova.

Filé: Moto boa.

Fita: Amigo. Outro motociclista. “Fala fita.” (Nota: Também é gíria policial.)

FM: Motorista que dirige mal, por isso Faz Merdinha.

Fortaceler: Dar uma gorjeta.

Fracote: V. Bundão.

Fumar: V. Viciada.

Garfo traseiro: V. Balança.

Garfo*: Parte anterior da moto na qual a roda da frente se fixa. V. Canela.

Gorda: Diz-se da gorjeta que é boa.

Imundície*: Moto velha.

Jubiraga: Moto em más condições.

Jumento de igreja*: Diz-se do motobói que demora muito a sair para fazer entrega.

Junto: “Estamos juntos.” Quando um motociclista tem um problema, o outro diz: “‘Tamo junto. ’”

Kamikaze: 1. Motobói audaz. 2. Termo usado pelos motobóis para se referirem a maus motoristas.

Lacraia: 1. Moto velha. 2. Mulher feia. Após uma entrega, o motobói retorna e diz que entregou a encomenda na casa de uma L.

Lata velha: Moto velha.

Lerdo: Motorista que dirige mal e atrapalha a entrega do motobói.

Luta: Trabalho.

Mamada: Diz-se da mulher que, ao pedir uma entrega, também escolhe o entregador que a fará.

Mão: 1. Colar a mão. O acelerador da moto fica no punho direito e é acionado em um movimento de retração e soltura. A expressão assemelha-se à do automóvel “pé na tábua”. 2. Mão de porco. Aquele que não dá gorjeta. 3. Mão de vaca. Aquele que não dá gorjeta.

Máquina: Moto de alta cilindrada. Var. Maquinão.

Mata-cachorro: Estrutura de aço que serve de proteção para o motor e a carenagem (V.) da moto ou escapamento. Neste último caso, quando colocado em sua parte posterior. Termo dicionarizado: “apelido depreciativo dado ao soldado de polícia”. Certamente uma metonímia em função do equipamento que a moto usa.

Mendiga: Diz-se da entrega na qual já se sabe que não se vai receber gorjeta. “Essa entrega é mendiga.”

Mendigo: Diz-se do indivíduo que não dá gorjeta.

Mesa: Parte anterior da motocicleta em que o guidão e as canelas (V.) se fixam.

Mongolar: Quando o motociclista cai no chão.

Morceguinho: Tipo de guidão móvel que é ajustável através de parafusos. Perigoso em caso de colisão.

Motão: Moto de alta cilindrada. Var. Motão.

Motinha: Moto muito usada ou de baixa cilindrada. Geralmente motocicleta para quem está começando na profissão.

Muquirana: Diz-se do morador que não dá gorjeta.

Nada: Diz-se da entrega da qual já se sabe que não vai receber gorjeta. “Não vai sair nada.”

Neurótico: Diz-se do motociclista que dirige bem.

Orelha: Peça que fixa o farol à mesa (v.) da motocicleta.

Pão-duro: Aquele que não dá gorjeta.

Pé: Dar um pé. V. bonde.

Pedaleira: Local onde o piloto ou o passageiro colocam o pé.

Pegar: O que pega para um pega para todo mundo. (Expressão que denota o sentimento de coletividade dos motobóis.)

Peito de aço: Nas motos off road, peça que tem como objetivo proteger o motor. Semelhante aos veículos de quatro rodas.

Péla saco: Diz-se de quem não dá boa gorjeta.

Pé-pé: Dar um P. V. Reboque.

Perebinha: Moto velha.

Perereca: Moto velha.

Pescoço: Local do quadro (V.) em que a mesa (V.) se encaixa para permitir a dirigibilidade da moto.

Pezinho: V. bonde.

Pião: V. pinhão.

Piloto: Diz-se daquele que dirige bem no trânsito.

Pinhão: Pequeno disco dentado que fica fixo em um eixo que sai diretamente do motor. A rotação deste disco é transmitida à roda traseira da moto através da corrente e deste modo o veículo move-se. Comumente chamado de pião (V.).

Prego: 1. Diz-se do indivíduo que é incipiente. No caso dos motobóis, aquele que costuma cair muito ou danificar muito a motocicleta. 2. Diz-se do motobói que, ainda novo na profissão, já quer fazer exibicionismo.

Quadro: A estrutura sobre a qual a moto é montada. Comparando com um automóvel seria o chassi.

Quicar: Ligar a moto. Do inglês kick: chutar.

Quique: Equipamento utilizado para ligar a moto com um golpe da perna do piloto.

Rabeta: Parte posterior da carenagem da motocicleta. Empréstimo da linguagem dos surfistas.

Ralar a goiaba: Cair da moto.

Ratão: Passageiro que não tem medo de andar na garupa dos moto-táxis.

Ratona*: Moto velha.

Rebocar: Empurrar a moto de um outro motociclista através da pedaleira traseira. V. Bonde.

Rede: Rede elástica com seis ganchos para transporte de objetos presos no tanque, banco ou na churrasqueira da motocicleta.

Relação: Dá-se este nome ao conjunto coroa, corrente e pinhão. Este conjunto é a transmissão da motocicleta.

Robô: 1. Moto de alta potência. (Zona Norte); 2. Moto nova (Zona Oeste).

Robozão: Moto nova.

Roda presa: Diz-se do motorista que anda devagar e atrapalha o motobói.

Ruim de jogo: Quem não dá gorjeta.

Ruim de roda: Diz-se daquele que dirige mal.

Sangue bom: Diz-se de quem dá boa gorjeta.

Sanhaço: 1. Moto ruim. 2. Lugar perigoso onde se vai fazer uma entrega.

Sarapão*: Motociclista que pilota mal.

Sinistro: Expressão que se aplica para muitas coisas. “Hoje o dia foi sinistro.” O motobói não recebeu gorjetas.

Siri com câimbra: Motocicleta velha.

Strep: V. Strep.

Touro louco*: Diz-se do motobói que dirige mal.

Trampo: Traballho.

Trepada: Moto roubada. V. Cabra.

Tribufu: Forma dicionarizada: pessoa feia. V. Trubufu.

Trubufu: Diz-se da mulher que é feia. Assimilação.

Vaca: Cair da moto. Empréstimo da linguagem dos surfistas. “O motociclista tomou/levou uma vaca.”

Viciada: Quando o motor da motocicleta está com algum problema e começa a soltar muita fumaça, os motobóis dizem que a moto do colega está “viciada”, em alusão a fumar muito.

Vida “loca”: Expressão usada pelos motobóis para se referirem a seu estilo de vida.

Virar asfalto: Cair da moto.

Viúva Negra: Um modelo de moto que não tinha redução da rotação do motor (fator muito importante para esses veículos) e um péssimo sistema de freios e que, por isso, fazia com que o piloto não conseguisse pará-la, acidentando-se.

Yamaha: “Pega tudo ‘iamarra’ e joga no lixo.” Os motobóis não gostam das motos desta marca por diversos fatores.

Zerada: Moto nova.

 

Analisando os termos acima, pudemos notar alguns aspectos interessantes.

Números de palavras falando mal do cliente

22

Números de palavras falando bem do cliente

05

Número de palavras para falar mal das motos

23

Número de palavras para falar bem das motos

06

Número de termos para falar mal dos colegas

10

Número de termos para falar bem dos colegas

05

Número de termos para falar mal de outros motoristas

05

Termos para acidentes

08

Termos mecânicos relacionados a motocicletas

31

Termos para morte e doença

-

Concluindo, pode-se dizer que o que foi feito aqui ainda foi muito pouco. Os motobóis estão criando um dialeto que não deve deixar de ser pesquisado. Nossa contribuição foi nesta direção.

 


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAP. www.bap-fan.de/ichdanzmetdir.html, acessado em 28 de agosto de 2005.

BRÉAL, Michel. Ensaio de Semântica. São Paulo: Pontes, 1992.

FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Susana. A Dialetologia no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994.

HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário eletrônico Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [s/d.].

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa: versão eletrônica. São Paulo: Objetiva, 2000.

MICROSOFT ENCARTA 96, Encyclopedia.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 34ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1987.


 


 

[1] A palavra já está aportuguesada como motobói, como se pode ver em HOUAISS (2004), por isto, não se justifica a sua grafia em inglês..

[2] Com respeito entre a distinção entre “dialeto” e “falar”, também preferimos adotar o termo “dialeto” em nosso trabalho, concordando com a posição de Cunha e Cintra. (CUNHA e CINTRA, 2001:  4)

[3] Os dialetos são a rigor conjuntos de Falares que concordam entre si por certos traços essenciais. Os falares se caracterizam ainda em face da língua comum, pela circunstância de pertencerem à língua cotidiana oral, de sorte que a língua escrita, na região em que cada um deles vigora, se cria na base da língua comum, embora possa se apresentar às vezes menos ou mais contaminada pelos traços do falar local. (CÂMARA JR., 1986: 115)

[4] Acerca desse assunto indico a leitura do capítulo XVIII do Ensaio de Semântica, de Michel Bréal: Como os nomes são dados às coisas. (BRÉAL, 1992: 123)

[5] A palavra piloto é o termo comum utilizado para referir-se ao condutor de motocicletas.

...........................................................................................................................................................

Copyright © Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos