REFLEXÕES SOBRE LOCUÇÕES PREPOSITIVAS
(processos de formação e campos semânticos)

Anna Maria Nolasco de Macêdo (UFBA)

 

Os sonhos dos homens constituem uma parte
da sua história e explicam muitos dos seus atos.

(REEVES, 1969, apud FRANCO, p. 1)

 

Introdução

Dirigir o olhar para a natureza dos campos semânticos que presidem as locuções prepositivas é prosseguir em estudos percorridos desde a trilha que levou à consecução do grau de mestre (MACÊDO, 1997) e à tese defendida em 2003 (Idem, 2003). Entretanto, a investigação continua nas duas vertentes que vêem sendo percorridas, isto é, a galega e a portuguesa: – há o desiderato de constituir um corpus, o mais amplo possível, que acolha diferentes sincronias, e que seja capaz de aportar subsídios para uma investigação no campo da gramaticalização e, conseqüentemente, no âmbito da mudança lingüística.

De imediato, faz-se premente esclarecer que, acompanhando a linha defendida por Mattos e Silva (1989), há pouco utilizou-se o termo corpus “[...] para definir o conjunto diversificado de documentos-informantes que poderão ser analisados para que deles, consideradas explicitamente as suas individualidades, se possa depreender uma gramática do português arcaico, [...]” (Cf. mattos e silva, 1989: 16). Ampliou-se, desse modo, o campo de significação corrente utilizado para esse vocábulo na lingüística contemporânea. Assim, na pesquisa que vem se desenvolvendo, há um corpus que abriga o conjunto de ocorrências de locuções prepositivas recolhidas em cada obra analisada e também, pouco a pouco, forma-se um corpus mais amplo que contempla o conjunto de corpora consultados, onde todas as recolhas estão numeradas, identificadas, datadas e localizadas, estando, portanto, disponíveis para a realização das mais diversas investigações.

A utilização de rígidos controles nas etapas de pesquisa, recolha, catalogação, análise e apresentação dos resultados etc., que funcionam dentro de normas pré-estabelecidas, oferece a possibilidade de se comprovar e localizar, facilmente, repita-se, em qualquer dos corpora investigados, determinado dado em evidência; também pode-se realizar confrontações sobre o comportamento pancrônico de escolhidas locuções prepositivas, tanto no campo morfossintático como no semântico. Assim, no final, espera-se poder seguir um percurso contínuo do desempenho de qualquer um dos muitos itens enfocados, desde os primórdios da língua portuguesa/galega até a contemporaneidade. Para que isto ocorra torna-se necessário que a meticulosa pesquisa que dá vida a esse verdadeiro banco de dados especializado em locuções prepositivas tenha sido construído com recolhas efetuadas em textos que sejam considerados representativos do seu tempo, de suas diferentes modalidades e que sejam de territórios distintos – sem perder de vista a origem comum das supracitadas línguas –, para que as locuções prepositivas, assim selecionadas, tornem possível a revelação e a identificação dos processos envolvidos na sua formação e transformação, nos dois idiomas pesquisados, num percurso que vai desde o período de relativa unidade lingüística compartilhada, até atingir a fase subseqüente, onde o português e o galego seguem percursos históricos e lingüísticos distintos, pretendendo-se que este itinerário seja percorrido até o presente e venha a aportar facilidades para o ensino da língua portuguesa.

Chegar ao fim, aqui, quer dizer, pelo menos, produzir uma amostra do desempenho das locuções prepositivas, século por século, até a atualidade, uma vez que sempre se poderá ampliar a pesquisa, efetuar recolhas em outros textos e/ou obras das mais variadas modalidades, fazer levantamentos de determinados usos em algumas profissões, etc., etc., havendo como conseqüência, o aprofundamento e o aperfeiçoamento das informações deduzidas do estudo, cada vez mais especializado, desses corpora reunidos.

No que concerne à língua portuguesa[1], estuda-se, atualmente, o século xvii, representado pelos escritos do Padre António Vieira. Faz-se, também, uma pequena incursão, no século XIX com a pesquisa de locuções prepositivas na escrita de africanos em Salvador– Bahia em Atas da Sociedade Protetora dos Desvalidos, na edição semidiplomática de Oliveira (2003). Com referência à língua galega[2], a pesquisa investiga documentação notarial particular do século xv, para que se possa alcançar um relativo equilíbrio entre as recolhas efetuadas nos corpora português e galego, quanto a esse tipo de documentação, uma vez que não se dispôs, anteriormente, de tal possibilidade. O objetivo deste projeto é responder à questão: – há diferenças e/ou concordâncias na utilização de locuções prepositivas em documentação notarial escrita em território galego e em território português entre os séculos xiii e meados do século xvi?

 

Processos metodológicos utilizados

Informa-se que, dagora em diante, as locuções prepositivas podem vir a ser mencionadas, indiferentemente, por extenso ou somente pela sigla Lprep (ou Lpreps).

Para que se tenha uma visão didática de como foram organizadas as ocorrências de Lpreps na Tese (2003), e visando a facilitar a praticidade de consulta, conferência ou mesmo simples comprovação dos dados recolhidos para análise, estes estão compilados em dois volumes que possuem autonomia de sumário e de numeração: apêndice documental i – contextos examinados e apêndice documental ii – tipologia que foram elaborados e organizados a partir de três programas da Microsoft Office, versão 97: Word, Excel e Access[3], Estes programas, em conjunto, tornaram viável que os dados fossem detalhadamente transcritos e classificados. Isto permitiu, outrossim, que se contasse com um instrumento de controle de dados que chamou atenção para a maioria das inúmeras e inevitáveis falhas humanas cometidas.

No apêndice documental i encontram-se os contextos onde esteja presente uma Lprep. Para exemplificar, ilustra-se abaixo, com as explicações próprias de cada número, a primeira ocorrência de Lprep do Testamento de D. Afonso II, de 1214, documento arquivado em Lisboa, no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo – ian/tt.

Este é o procedimento adotado em todos os corpora pesquisados. Primeiro cada contexto é catalogado de modo idêntico, recebendo um número, entre parênteses, como acima se constata, que corresponde à ordem seqüencial na qual a Lprep em destaque pode ser localizada no texto sob exame. Entretanto, a contagem não é contínua, ou seja, para cada corpus analisado como um todo autônomo, e o é, inicia-se uma nova numeração. No entanto, por possuirem os corpora suas próprias peculiaridades, muitas vezes houve por bem apresentar outras informações adicionais, ocorrendo, dessarte, a aplicação de um tratamento metodológico de base comum, para os corpora, mas que se adequa sempre às particularidades de cada documento perquerido. Isso é importante deixar claro porque o número inicialmente atribuído e a sigla, que representa a identidade do texto original onde se encontra a Lprep, permanecerão atrelados à ocorrência levantada, mesmo quando se realiza um amplo estudo conjunto, mesclando em um único e amplo corpus as Lpreps, que originalmente pertenciam a vários corpora. Isso facilita as mais diversas análises que se necessite fazer e permite que se possa realizar muitas projeções comparativas controladas, em vários níveis.

As siglas que aparecem na primeira coluna do Quadro sinóptico 1, que se verá em seguida, correspondem às seguintes obras:

No apêndice documental i encontram-se os contextos onde esteja presente uma Lprep. Para exemplificar, ilustra-se abaixo, com as explicações próprias de cada número, a primeira ocorrência de Lprep do Testamento de D. Afonso II, de 1214, documento arquivado em Lisboa, no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo – ian/tt.

§         TDA (A e A1) → trata-se de exemplares do Testamento de Dom Afonso II [1214] enviados, respectivamente, ao arcebispo de Braga e ao de Toledo, edição de Avelino Costa;

§         CSM Cantigas de Santa Maria [séc. xiii] de Afonso X, edição de Walter Mettmann;

§         DN-M Documentos notariais portugueses [1252 a 1548] editados por Ana Maria Martins;

§         CM-G e CM-P Documentos notariais galegos [1262 a 1506] e portugueses [1282 a 1334] editados por Clarinda Maia;

§         C-DJIII Cartas régias de D. João III [1523 a 1557], edição de John Ford.

 

Exemplos de resumo das regras de identificação
dos contextos examinados

CORPUS

IDENTIFICAÇÃO
DO CONTEXTO SELECIONADO

TDA-A

 

TDA-A1

nº da linha no manuscrito

ano de produção do documento

nº da página da edição

nº da linha na edição

CSM

nº da Cantiga

nº da página da edição

nº da linha na edição

DN-M

local de produção do manuscrito

ano de produção do documento

nº da página da edição

nº da linha do manuscrito

CM-G

 

CM-P

local de produção do manuscrito

ano de produção do documento

nº do documento na edição

nº da página da edição

nº da linha do manuscrito

C-DJIII

local de produção do manuscrito;

ano de produção da carta;

nº da página da edição;

nº da linha do manuscrito.

Quadro sinóptico 1– Identificação dos contextos examinados
nos corpora – Nolasco de Macêdo (2003)

Torna-se de bom arbítrio explicar que, nos primórdios desta pesquisa sobre as Lpreps, a finalidade precípua de seu intento era testar a validade da hipótese de formação das locuções prepositivas, aventada por câmara jr., que afirma haver “três padrões morfológicos para estas locuções” (Cf. CÂMARA JR., 1976: 182). Buscava-se identificar que ou quais elemento(s) poderia(m) ocupar a posição não preenchida entre as preposições do padrão morfológico adiante numerado três, indicada pelo pesquisador a sua existência, mas velada a sua identidade.

Ê preposição               +           advérbio

Ë advérbio                   +           preposição

Ì    preposição   + [...]  +           preposição

 

Restava claro, portanto, que, para o citado autor, numa locução prepositiva, sempre haveria, pelo menos, uma preposição, ocorrendo variação, entretanto, quanto à posição que esta(s) ocuparia(m) no contexto. Uma locução prepositiva poderia ser formada com o auxílio de um advérbio, localizado antes ou depois de uma preposição, ou ser formada por alguma outra categoria gramatical, naquele momento, uma incógnita, que se representou por [...], cercada por preposições.

Em Macêdo (1997), após o estudo de mil trezentos e sessenta e duas ocorrências, levantadas em textos de diferentes modalidades e representativos do período arcaico da língua portuguesa[4], propôs-se fórmula composicional que resultou ampliada em Macêdo (2003), como fruto de pesquisa em textos galegos[5] e portugueses, especialmente em documentação de cunho notarial particular que cobrem o período que vai do século XIII a meados do século xvi, que consistiu, afinal, num corpus de mais de dois mil, novecentos e sessenta casos de Lpreps que foram estudados na Tese multirreferida.

Apresenta-se a seguir a fórmula composicional proposta em 2003, que espelha todos os processos morfossintáticos encontrados nas línguas galega e portuguesa, sendo importante lembrar neste momento que o trabalho sobre as locuções prepositivas, desde o seu começo, não se afastou do compromisso assumido com as regras imanentes à Lingüística Histórica e à Filologia, no que diz respeito à recolha e à análise dos dados, compromisso este que vigora até hoje quando da produção de novos corpora de locuções prepositivas em outras sincronias. Assim, na fórmula apresentada há um centro X (ou núcleo da locução prepositiva) que estará sempre preenchido, alternativamente, por um advérbio, um nome, uma preposição ou um verbo em particípio – presente ou passado –, e possui margens, direita e esquerda, que podem ou não estar ocupadas por uma ou por mais de uma preposição. Assim, na fórmula as chaves { } abrigam um elenco de possibilidades X, igual a centro ou núcleo da locução prepositiva onde só uma das formas indicadas pode aparecer. Os parênteses () expressam a possibilidade de combinação entre as formas apontadas e o zero Æ significa, naturalmente, a não presença da preposição.

(p ~ Ø) (p ~ Ø) (p ~ Ø) X { adv, nome, prep, vp (p~pr)} (p ~ Ø) (p ~ Ø)

Constatou-se a existência de um elenco de vinte e nove processos responsáveis pela constituição das locuções prepositivas, sendo sete aqueles em que o centro ou núcleo surge como um nome. Do mesmo modo, sete foram os processos em que o centro ou núcleo mostrou-se preenchido por uma preposição. Em doze dos processos o centro ou núcleo da Lprep apareceu em forma de advérbio e dois foram os casos em que o centro ou núcleo da Lprep esteve preenchido por um verbo em particípio passado. Finalmente, em um dos processos de formação de Lpreps o centro ou núcleo apresentou-se preenchido por um verbo em particípio presente. Até o momento, repita-se, foram vinte e nove os processos morfológicos formadores de Lprep’s, comprovados no galego e no português.

Além disso, detectou-se uma quantidade considerável do que se denominou de Lprep’s coordenadas, que se evidenciaram, principalmente, na documentação notarial pesquisada, em virtude das características inerentes a um linguajar jurídico, que deve ser, por sua própria natureza, preciso e conservador. Observe-se que esta modalidade de comunicação dá notícia de acontecimentos que exigem procedimentos formais para se tornarem válidos, mas que regulamentam situações do cotidiano da vida das pessoas, tais como, entre outras até hoje vigorantes, tornar reais e efetivos arrendamentos, aforamentos, emprazamentos, vendas, câmbios, partilhas, doações, quitações, renúncias, vedorias, posses, confirmações, procurações, recebimentos, testamentos, sentenças, demandas, relatos de contendas, avenças, composições, acordos etc. Nesse caso, mantiveram-se inalteradas coetaneamente, ou, pelo menos, sem alterações relevantes, muitas das Lpreps que já atuavam produtivamente nas línguas galega e portuguesa, desde o século xiii.

O Apêndice documental ii – tipologia, onde os dados são submetidos a uma apresentação racional de seu enquadramento na fórmula composicional proposta para a formação das Lpreps, no que diz respeito à sua tipologia morfológica, foi produzido com o auxílio imprescindível do programa Excel e apresenta o uso de três tabelas distintas, porém devidamente organizadas horizontalmente, conforme será apresentado em seguida.

A primeira tabela, corresponde à identificação do corpus e à sua localização. Na primeira coluna indicou-se a sigla que foi escolhida para singularizar o corpus sob exame. O campo que a sucede informa o número de ordem da ocorrência da Lprep e que foi atribuido desde quando do levantamento dos contextos que envolvem as locuções prepositivas selecionadas. Quanto à localização, segue os mesmos parâmetros utilizados para a identificação de Lpreps nos Contextos Examinados: ano ou local do manuscrito; número do documento; número da página na edição; e número da linha na edição ou no manuscrito, variando de acordo com as informações fornecidas pelos editores. como se constata auto-explicativamente abaixo na Tabela 1.

I D E N T I F I C A Ç Ã O

 

C O R P U S

L O C A L I Z A Ç Ã O

 

Sigla

* linha do manuscrito

*cantiga

* local

* nº do documento

* carta

ano

 

século

pág.

linha

 

Tabela 1

A segunda tabela do Apêndice documental ii corresponde à apresentação da Tipologia Morfológica propriamente dita. Encabeçados pela fórmula composicional proposta, vale repetir, que abrange todas as possibilidades de ocorrências de locuções prepositivas e nela reúne-se o elenco de formas surgidas nos inúmeros levantamentos efetuados, encontrando-se agrupadas, estas formas, em três distintas partes: margem esquerda, núcleo e margem direita.

Na margem esquerda estão as colunas destinadas, respectivamente, às preposições a, com/sem, de, per/por, a/até/de/ex/sobre/ contra/sub. Indicou-se por Det a coluna em que o determinante se apresenta declarado, naquelas Lpreps que possuem como núcleo um nome.

Na margem direita encontram-se colunas destinadas às preposições a, com/sem, de, em e per/por. O sn, que vem a seguir, é a coluna que indica o(s) elemento(s) que compõe o sintagma nominal, por causa das assimilações fônicas possíveis entre a preposição à direita e o elemento que inicia o referido sintagma.

O núcleo, ou centro da locução prepositiva, sempre preenchido, considerado aqui o elemento que está envolvido por preposições – que podem, ou não, estar aparentes, mas cuja posição está preservada – vai fundamentar a escolha do contexto a ser analisado e é o fulcro primeiro e a parte essencial que selecionará as amostras em quatro grandes campos morfológicos, isto é, aquela posição estar preenchida por um advérbio, um nome, uma preposição ou um verbo, que pode se mostrar em forma de particípio passado ou de particípio presente. Além disso, naturalmente, é a parte do contexto selecionado que será capaz de atribuir maior ou menor complexidade ao campo semântico com o qual está relacionada aquela amostra de locução prepositivas (e/ou de preposição complexa).

Vale salientar que, num estudo, predominantemente, diacrônico e de base descritiva, vistos isoladamente por sua morfologia, determinados itens lexicais podem conduzir a falsos enquadramentos na posição que aqui se denomina de núcleo ou de centro da Lprep. Obviamente, muitas vezes, através do tempo, estas lexias estão vinculadas a distintas classes gramaticais, o que, dependendo da corrente teórica a que se filie o investigador e/ou de seu arraigado – ou não – compromisso com classificações ou enquadramentos ditos clássicos, pode provocar equívocos na estruturação dos corpora. Como agir, senão, indo analisar exemplo por exemplo e verificar, na amostra em destaque, qual a real função que está exercendo ali aquele conjunto de “palavras”? Ocorre que, por mais cuidado que se tenha dispensado nessa etapa do processo classificatório, que, afinal, não pode ser feito só mecanicamente, as inadequadas ou questionáveis classificações sempre encontram espaço para se apresentar, quando, lá adiante, se depara no discurso, e se põe em contraste, uma nova diferença sutil entre locuções prepositivas, mais ou menos similares, levando a que, freqüentemente, se proceda a revisões. Também contribui para isso um maior conhecimento que se vai adquirindo de como atuam no mundo da linguagem as locuções prepositivas.

Chama-se, também, a atenção para a especialização do emprego de certas formas ou 'fórmulas' que ocorrem repetidamente em determinados textos, seja pelo estilo pessoal do seu autor ou decorrentes da profissão que exerce e que impõe certos usos, como acontece com a documentação jurídica que apresenta muitas fórmulas de deixar indene de dúvidas, com precisão a mais extrema, a alusão a determinados fatos, que vêem sendo utilizadas há séculos, (como herança secular originária do direito romano, que permanece como fundamento de nosso sistema jurídico).

Ilustra-se, simplificadamente, o processo que sofre um contexto antes de ser considerado uma locução prepositiva, com os seguintes exemplos recolhidos no Testamento de Dom Afonso II, cujos núcleos ÈnomeÈ e ÈãdarÈ não constam como lexías que estejam presentes em qualquer das relações de locuções prepositivas consultadas nas mais consagradas gramáticas portuguesas e/ou galegas, encontrando-se, contudo, Èen nombre deÈ presente em gramática descritiva da língua espanhola[6], na relação de locuções prepositivas Èformadas segundo o esquema <preposição+nome+preposição> e similaresÈ. Quanto a ÈandarÈ ali não aparece citado, embora a referida gramática descritiva de bosque e demonte, traga um item específico de locuções prepositivas Èformadas por combinação de verbo e preposiçãoÈ, citando como locução prepositivas: a) Èa juzgar porÈ; b) Èa partir deÈ; c) Èa pesar deÈ; e d) Èpese aÈ. Fica o registro do caminho percorrido, que se inicia com a observação morfológica e detém-se, muitas vezes, no campo semântico, para se tomar uma decisão de considerar ou não determinado contexto uma locução prepositiva.

 

(a)     tda-a (1) [001] 312 001   (b) tda-a (10) [027] 320 130

          En’ o nome de Deus       IIIIor dias por ãdar de junio,

             P      Xnome p                       p Xnome p

É saber corrente que toda locução prepositiva cujo núcleo é um ÈnomeÈ é um sintagma preposicional que funciona como um todo, mas que nem todo sintagma preposicional é constituído por uma locução prepositiva. Trata-se de um caso limite? Só a freqüência de uso é que determinará ser esse conjunto uma locução prepositiva? A presença de determinante antes do ÈnomeÈ influiria em se considerar determinado sintagma uma locução? Ou não? Diante desses fatores o critério para uma tomada de decisão será sempre um critério baseado em possibilidades.

Depois de tanto contato com contextos passíveis de serem locuções prepositivas o critério que tem provado ser de maior utilidade em casos de dúvida é a possibilidade do conjunto ser substituído por uma preposição simples e/ou outra locução prepositiva que se aproxime, o mais perto possível, do valor semântico original da amostra em destaque. Na maioria dos casos isso funciona.

Mas, e nos exemplos faz pouco apresentados, como se utilizou esse critério? No caso do exemplo (a) poderia se substituir em nome de pela preposição por e teríamos como equivalência semântica “Por Deus”, em lugar de Deus. Em (b) essa equivalência poderia ser feita com a supressão[7] de Èãdar deÈ e teríamos Èiiiior dias por junioÈ, ou, Èiiiior dias em presença de junhoÈ, Èiiiior dias de junhoÈ, isto é, no tempo de junho etc. Saliente-se a abundante freqüencia de uso, no século xiii, de “por andar de”. Algum elo na cadeia diacrônica e freqüência de uso também poderão fazer parte dos critérios que conduzirão a uma decisão, boa ou má, quando da seleção de Lpreps.

Ademais, é bom trazer para a discussão os fatos de que cada preposição apresenta características comportamentais peculiares e que a preposição simples por, objeto de tese doutoral (Cf. riiho, 1979). em espanhol, não pode ser substituida, em todos os casos, por outra preposição equivalente, sem que haja algum problema semântico atrelado ao discurso específico em que está presente.

Esses foram casos nos quais usando-se o critério de susbtituição por preposição simples ou por outra locução prepositiva de semelhante valor semântico, pôde-se optar por considerar os contextos (a) e (b) como recolhas de Lpreps.

No campo semântico, em lugar de e de em presença de são Lpreps que apresentam, como conteúdo significativo fundamental, a noção de situação no espaço ocupado por algo. Constata-se, entretanto, que, para uma classificação o mais acertado possível, não se pode deixar de levar em conta os variados matizes significativos que as locuções prepositivas podem adquirir em decorrência do contexto em que venham a estar inseridas.

Torna-se quase despiciendo trazer à colação outro exemplo muito simples e dirigir o olhar para um clássico advérbio de lugar a fim de mostrar as dificuldades de se generalizar a classificação em categoriais gramaticais, quando da construção controlada de um corpus, (em razão da quantidade de detalhes importantes que se têm que levar em conta). Trás-se aqui o verbete debaixo, conforme se encontra no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª ed. 2001: Cf. verbetes, p. 914, 1ª col., in fine: debaixo adv (s. xiv cf. ivpm) [ivpm= Inventário do Português Medieval, de A. G. Cunha] e 1baixo adj (s. xiii cf. ivpm) [p. 381, 3ª col., ab initio] (rapaz baixo) baixo s. m. e baixo adv. e In fine do verbete: ? etim b. –lat. bassus, a, um Èpequeno e gordo, atarracado, de pouca alturaÈ <prov. de orig. osca; e, adiante, ? sin/ var como adj.: ver sinonímia de canalha e malcriado: como s. m.: ver sinonímia de depressão, gafe e indiscrição ? hom baixo (fl. baixar; baixa (f. adj.)/ baixa (s. f.) e, mais ainda, 2baixo s. m. mús. red. de contrabaixo.

Tudo o que se explanou nos últimos parágrafos, resumida e simplificamente, quase que topicalizando os temas, veio à tona para demonstrar algumas das dificuldades e percalços pelos quais se passa na hora de selecionar e classificar o núcleo ou centro da locução prepositiva (ou peposição complexa), ora morfossintaticamente ora em relação ao seu significado semântico, que influenciam, diretamente, na seleção e enquadramento de um contexto como parte do rol das Lpreps.

A classificação morfossintática das Lprep encontrando-se sob controle, impõe-se a necessidade de serem aperfeiçoados os mecanismos metodológicos de classificação e sub-classificação das Lpreps quanto ao enquadramento em campos semânticos, para que haja um igual tratamento a ser aplicado em todos os corpora, ao mesmo tempo procurando-se simplificações taxionômicas para esses recortes nos quais se podem agrupar as Lpreps, uma vez que, dificilmente, se pode negar a realidade de que os sistemas são bem definidos e a essa realidade deve-se conjugar a certeza de que os fatos empíricos da língua se impõem.

 

TIPOLOGIA MORFOLÓGICA

(p ~ Ø) (p ~ Ø) (p ~ Ø) {adv, nome, prep, vp(p~pr)} (p ~ Ø) (p ~ Ø)

 

 

 

MARGEM ESQUERDA

NÚCLEO

MARGEM DIREITA

 

a

Com

de

em

per

a

Det

X

a

com

de

em

per

SN

 

por

até

 

por

 

de

 

 

ex

 

 

sobre

 

 

contra

 

sem

pur

sub

sem

pur

Tabela 2

Na Tese (2003), como mais adiante se verá, a classificação semântica foi realizada após o levantamento de todos os contextos, examinados um a um. Entretanto, somente se apresentou, uma divisão genérica das Lpreps, classificadas pelos seus aspectos de espaço, tempo e noção, campos semânticos cujas sub-classificações apresentaram-se muito complexas.

DESCRIÇÃO DOS TIPOS

p

p

p

X

p

p

Tabela 3

Na terceira parte, denominada descrição dos tipos, descortina-se a tipologia propriamente dita que se apresentou para explicar a formação e mudanças das locuções prepositivas no período pesquisado, conforme ilustração abaixo.

A pesquisa sobre locuções prepositivas conta, na atualidade, com um acervo de cerca de cinco mil ocorrências de Lpreps, recolhidas dentre textos galegos e portugueses investigados, todas elas catalogadas e identificadas, em fase posterior da análise, compondo, pouco a pouco, um corpus únificado de Lpreps que desde a tese de doutoramento vem sendo pesquisado também pelos campos semânticos espacial, temporal e nocional, tendo ocorrido problemas que se tenta resolver quanto a uma sub-classificação taxionômica posterior.

Em relação ao português as indagações detêm-se, no momento, sobre o português setecentista das Cartas Brasileiras do Maranhão e da Bahia [estas últimas não enfocadas aqui] escritas pelo Padre António Vieira, na segunda metade do século xvii, mais precisamente entre junho de 1651 e junho de 1661, as cartas do Maranhão (e entre 1682-1687 as da Bahia) examinadas na edição de Azevedo (1971), que constitui parte da obra de Vieira [8] sobre a qual se executa a pesquisa coletiva Aspectos da gramaticalização na história do português – Projeto gram, inserida em um dos campos de estudo do grupo prohpor, isto é, o das mudanças morfossintáticas e sintáticas ocorridas na história da língua portuguesa, onde se participa enfocando as Lpreps no século xvii, como indicado em a nota 7.

No caso da apresentação das locuções prepositivas coordenadas, ou melhor das seqüências aditivas selecionadas, como abaixo vê-se nos exemplos (c) a (i), colhidos dentre os muitos exemplos encontrados, utilizou-se do mesmo número inicial conferido ao contexto examinado, que se repetirá, uma ou mais vezes, só que em negrito, na apresentação das Tipologias, para seguir proposta metodológica usada nos demais casos, enquadrando-se, perfeitamente, as seqüências de Lpreps coordenadas na formula composicional multicitada, pelo desdobramento das duas ou mais Lpres existentes.

(c)           dn –m

(120)      Chelas                                                                  1273              077                 002

                /2 do Termio de Lixboa de mãdado e doutorgameto de Maria sauhaschaes Prioressa

                                                   p    Xnome        [p  Xnome]       p

 

(d)           cm-g

(2)           Nendos                 1262                                     Doc. 1      041                               003

                veó tiaro de Subrado  ĩ   uoz   ª   ĩ  nomeú4 de Don Johan Perez, abbade de Subrado,

                                             p  Xnome      p  Xnome     p

 

(e)           dn –m

(892)      Chelas                                                                  1417              470                010

                cõsjrando serujço de deus e proll/10 e honrra do dicto moesteiro

                                                       Xnome             Xnome   p

 

(f)           dn –m

(1081)   Vilarinho             1509                                     564                042

nenhua l... l emprazameto /42 fazer ssem autoridade e comsimtymento do dicto prior

                                                                        p         Xnome                 Xnome                   p

 

(g)           dn –m

(906)      Chelas                                                                  1426              480                 006

ou mãdem proçeder sobre e per Razom [...] da qual cousa ellas dizem que som hisentas

                                              p         p     Xnome              p

 

(h)           cm-g

(465)      Pontevedra          1506                                     Doc. 136      243                          010

                he feyto en honrra,  prol   ª   proueyto noó  ª  do dito mooóteyro

                        p    Xnome      Xnome          Xnome                  p

 

(i)            v-cm

(44)        Maranhão             1653                                     LXIV            

... da grande necessidade de doutrina que dentro e fora daquelas ilhas se padecia;

 

... e estes nos ofereceram uma petição por escrito, com um relatório tão largo da grande necessidade de doutrina dentro e fora daquelas ilhas se padecia;

Constatou-se também a ocorrência do fenômeno que Bechara (1999: 301) refere como sendo no português, um acúmulo de preposições e que Varela (1999: 300-325) denomina de sobrepreposición, referindo-se a igual fenômeno que ocorre na língua galega e que Macêdo (2003: 196-7) levanta, apartamente, sob o denominação combinação de preposições.

(206)         Evora                                                                91                        1533                       135            4

                   procurador de monseor de Quelcougar, segundo por elle veres;

                                                                                 p         p

 

 (223)        Evora                                                                101                     1533                       147            11

                   ondequer que estevese, segundo no dito Regime)to lhe vay declarado.

                                                        p            p

 

(185)         Evora                                                                81                        1533                       123            7

                   e Bastiam de Myrãda, pera cõ vosa Resposta tomar cõcrusam

                                               [ppp

 

(467)         Almeiri                                                             361                     1551                       387            3

                   escrevermoeis loguo, pera cõ vosa Reposta mandar dar ao dito Cristovão de Castro o despacho

                                              [pp]   p

Dentro do contexto reportado, o objetivo precípuo deste texto é apresentar as reflexões sobre as dúvidas e dificuldades taxionômicas com as quais se debateu a investigadora na busca de encontrar itens lexicais prototípicos formadores de núcleos de locuções prepositivas ou “preposições complexas”, como assim denominam muitos estudiosos, através da subclassificação de locuções prepositivas em três amplos campos semânticos espaciais, temporais e nocionais. Constata-se que um mesmo “item lexical” pode, com a mesma forma e a mesma combinação sintática, classificar-se nos três grandes campos nos quais foram agrupados: isto quer dizer, com a relevância significativa espacial, temporal e nocional e tornou-se inquietante generalizar taxionomias.

 

Referências Bibliográficas

AFONSO X, o Sábio. Cantigas de Santa María. Edição crítica de Walter Mettmann. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1959-72. 4. v.

––––––. Cantigas de Santa María. Edición, introducción y notas de Walter Mettmann. Reproducción fac-similar de la edición de Coimbra, en 2 tomos, con Limiar del profesor Ramón Lorenzo. Vigo: Xerais, 1981.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

bosque, Ignacio; demonte, Violeta. Gramática descriptiva de la lengua española. Madrid: espasa, 2000. 3 v. (Colección Nebrija y Bello). p. 644-6.

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1976.

FRANCO, José Eduardo. Duas utopias em confronto: A História de Portugal do Padre Fernando Oliveira e a História do Futuro do Padre António Vieira.

MACÊDO, Anna Maria Nolasco de. Locuções prepositivas na constituição histórica da língua portuguesa: período arcaico. Dissertação de Mestrado em Letras. Salvador: Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, 1997, [2 vol.]

––––––. Gramaticalização de locuções prepositivas na história do galego e do português. Tese de Doutorado em Letras e Lingüística. Salvador: Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, 2003, [3 vol.]

MAIA, Clarinda de Azevedo. História do galego-português: estado lingüístico da Galiza e do noroeste de Portugal desde o século XIII ao XVI (com referência ao galego moderno). Coimbra: INIC, 1986

MARTINS, Ana Maria. Clíticos na história do português. Apêndice documental. Dissertação de Doutoramento (inédita), Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1994.

MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Estruturas trecentistas: elementos para uma gramática do Português Arcaico. Lisboa: IN/CM, 1989. Estudos Gerais, Série Universitária.

OLIVEIRA, Klebson. Textos escritos por africanos e afro-descendentes na Bahia do século XIX: fontes do nosso latim vulgar? Dissertação de Mestrado em Letras. Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, 2003, [2 vol.]

REEVES, Marjorie. The Influence of Prophecy in Later Middle Ages. A Study in Joachimism. Oxford, 1969,

riiho, Timo. Por y para: estudio sobre las orígenes y la evolución de una oposición prepositiva  iberorrománica. Commentationes Humanorum Literarum. n. 62, Helsinki: Societas Scientiarum Fennica, 1979.

BARREIRO, Francisco Xavier Varela (1998). As locucións prepositivas e a sobrepeposición do galego medieval ó moderno. In: Actas do XIV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Lingüística – APL (Aveiro-Portugal). [no prelo].


 


 

[1] Projeto individual em andamento, aprovado pelo Departamento de Letras Vernáculas da ufba, com duração de dois anos (outubro/2003 a outubro/2005), intitulado Locuções prepositivas no século xvii, que se insere no projeto coletivo do prohpor denominado de gram – aspectos da gramaticalização na história do português.

[2] Projeto individual em andamento, aprovado pelo Departamento de Letras Vernáculas da ufba, com duração de dois anos (agosto/2003 a julho/2005), intitulado Locuções  prepositivas em documentação notarial escrita em territórios galego e português – séculos xiii a meados do xvi –, vinculado ao prohpor e ao centro de estudos da língua e cultura galegas – celga/ufba.

[3] O editor de texto Word, por exemplo, permite a inclusão de caracteres diversos com a instalação de fontes especiais. O Excel, programa de planilhas eletrônicas, em geral usado para números, apesar de inviabilizar, diretamente, a utilização de símbolos, aceita que, depois de editados no Word, nele sejam colados os símbolos que se fazem necessários. O programa de Banco de Dados do Access, ao contrário, rejeita-os, completamente, não aceitando qualquer tipo diferente de caractere, bem como, vale salientar, tem uma série de restrições quanto à utilização de pontuação, símbolos, e recursos vários, como o uso de negrito, itálico ou sublinhado, em pequenas partes de seus dados, o que fez que dele somente se utilizasse o recurso de Consultas.

[4]  Cf. mattos e silva (1989: 39): “Uma gramática representativa do português arcaico deverá levar em conta a diversidade diacrônica representada nos documentos de natureza distinta remanescentes da Idade Média. Uma gramática geral do português arcaico não deverá prescindir de gramáticas parciais e específicas de conjuntos de documentos de natureza similar...

[5] Dá-se notícia de que foram realizadas outras recolhas, não apresentadas na Tese de Doutoramento já referida, em diversificada e clássica documentação galega, como, entre outras, a Crónica Troiana, a Historia Troiana, a Tradução galega da Crónica Geral e da Crónica de Castela, os Miragres de Santiago, quando da temporada de sete meses de pesquisa, em 1999, no Centro Ramón Piñeiro para Investigação em Humanidades, em Santiago de Compostela, Espanha, desfrutando de bolsa de estudos concedida pela Consellería de Educación Universitaria da Xunta de Galicia. A investigação em documentação notarial particular galega continua no projeto de pesquisa já citado anteriormente em a nota 8, e nele a fase de recolha se faz, atualmente, nas obras Libro do Concello de Santiago (1416 – 1422) e Minutario Notarial de Pontevedra (1433 – 1435).

[6] Cf. bosque & demonte (2000: 644-6). [A relação completa de locuções prepositivas que ali se encontram figura no Apêndice documentai i, em anexo.]

[7] Atenção para o fato de que suprimir não é o mesmo que substituir. Estaria se mantendo o mesmo critério que se utilizou no caso do exemplo (a)?

[8] Os demais textos de Vieira que fazem parte do projeto são: os três Sermões da Quarta-feira de Cinzas e o Sermão da Sexagésima.

 

 

...........................................................................................................................................................

Copyright © Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos