Homem e Mulher
estratégias lingüísticas diferentes
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Luzia Schalkoski Dias (UFPR)

Introdução

A idéia de que homens e mulheres apresentam características conversacionais diferentes já está bastante difundida no senso comum, e não é raro livros de psicologia e antropologia apresentarem capítulos inteiros sobre como entender o sexo oposto. Porém, como estudiosos da linguagem, pretendemos ir além dessas supostas “receitas”, buscando respostas para questionamentos tais como: Qual a natureza das diferenças lingüísticas existentes entre homens e mulheres? Como podemos analisar as estratégias lingüísticas usadas nessa interação? Assim, neste trabalho, nos propomos a analisar essas questões a partir da perspectiva oferecida pela Teoria da Polidez de BROWN e LEVINSON (1986), uma vez que a Pragmática é a área da lingüística que nos oferece suporte teórico para podermos avançar na descrição das regras e princípios que estão em vigor quando nos comunicamos, e que permitem uma melhor compreensão dos mecanismos presentes no uso que os falantes fazem da língua.

Gênero, linguagem e polidez

As diferenças lingüísticas entre os gênero masculino e feminino começam desde a aquisição da linguagem, pois já se sabe que as meninas são mais precoces do que os meninos. As mulheres têm demonstrado uma vantagem sobre os homens nos testes de fluência, complexidade da oração, escuta e compreensão no material escrito e falado, vocabulário e ortografia. Por outro lado, os homens são mais propensos à gagueira e a dificuldades para escrever, assim como a sofrer desordem afásica depois de um dano cerebral (CHAMBERS, 1992: 199; apud HOLMES, 1995: 2). Além dessas particularidades apresentadas na fase inicial, mulheres e homens também usam a linguagem de forma diferente e é nesse terreno que as diferenças na polidez podem ser observadas. Mas, afinal, o que é polidez lingüística?

Tradicionalmente, o termo “polidez” foi concebido como um conjunto de mostras de respeito ou deferência. Em um enfoque moderno, a polidez é entendida como fruto da necessidade humana de manter o equilíbrio nas relações interpessoais e a sua manifestação externa seria o conjunto de estratégias lingüísticas que podem ser utilizadas por um falante para evitar ou reduzir o conflito com o interlocutor quando os interesses de ambos não coincidem. Esta é a perspectiva predominante na obra de BROWN e LEVINSON (1986).

Estes autores trabalham com a noção metafórica de face, que é a imagem pública que cada indivíduo tem e reivindica para si. Essa imagem apresenta duas vertentes: por um lado, o desejo de não sofrer imposições, que é a face negativa; por outro, o desejo de ser apreciado pelo outro, que é a face positiva. Assim, não prejudicar a imagem alheia e proteger a própria é a melhor maneira de manter as boas relações sociais. Este duplo objetivo, que na maioria dos casos tem prioridade sobre o objetivo de conseguir uma comunicação econômica e eficaz, tem a seu serviço um instrumento específico: as estratégias de polidez. Vejamos o seguinte exemplo:

(1) Um homem jovem bate à porta de um desconhecido e pede ajuda a um homem idoso.

Eu lamento incomodá-lo, mas nosso carro quebrou. Será que eu poderia usar seu telefone para chamar a assistência?

O homem jovem em (1) expressa-se muito polidamente. Ele se desculpa pela intrusão, justifica-se, e seu pedido de ajuda é feito em termos muito polidos. A polidez é uma expressão de preocupação como os sentimentos dos outros. As pessoas podem expressar tal preocupação de muitas formas, lingüísticas e não-lingüísticas. Desculpar-se por uma intrusão, abrir a porta para outro, convidar um novo vizinho para um chá, usar títulos corteses como “senhor” ou “madame” e evitar palavrões em uma conversação com sua avó poderiam ser considerados exemplos de comportamento polido.

No uso cotidiano, o termo “polidez” descreve um comportamento formal e distante, que pretende não ser intrusivo ou impositivo. Já na perspectiva de BROWN e LEVINSON, a polidez pode tomar também a forma de uma expressão de camaradagem e empatia. O comportamento que evita imposições sobre o outro (ou evita ameaçar a face dele) é descrito como evidência de polidez negativa. Já quando o comportamento do falante expressa apreço pelo destinatário, temos a polidez positiva. Como exemplo da polidez positiva, temos os elogios, as felicitações, mostras de solidariedade etc.

Com isso, comportamentos como evitar telefonar para um colega no domingo de manhã ou desculpar-se por interromper um falante são manifestações de polidez negativa. Quando mandamos uma cartão de aniversário a um amigo ou tratamos alguém próximo de forma carinhosa, trata-se de polidez positiva. Embora a polidez possa ser expressada tanto de forma verbal como não verbal, neste trabalho nos interessa a polidez lingüística, ou seja, as formas nas quais as pessoas expressam a polidez através do uso da linguagem.

Por que mulheres e homens
interagem de forma diferente?

De acordo com HOLMES (1995: 2), a maioria das mulheres gosta de falar e vê a fala como um importante meio de permanecer em contato, especialmente com os amigos e as pessoas íntimas. Elas usam a linguagem para estabelecer, manter e desenvolver as relações pessoais. Já os homens, tendem a ver a linguagem mais como uma ferramenta para obter e transportar informações. Eles vêem a fala como um meio para chegar a um fim, e o fim pode freqüentemente ser definido com precisão – a tomada de uma decisão, a obtenção de uma informação ou a resolução de um problema.

Estas diferentes percepções do propósito da fala mostram uma ampla variedade de diferenças na forma como homens e mulheres usam a linguagem. Certos padrões variam de acordo com o contexto. Por exemplo, o homem tende a dominar o tempo da fala pública, enquanto a mulher parece esforçar-se para fazer o sexo oposto falar na privacidade do lar. Algumas dessas diferenças refletem diferentes significados atribuídos a uma mesma forma lingüística. As mulheres tendem a usar perguntas e marcadores pragmáticos como “você sabe”, presente no exemplo (2), para encorajar o interlocutor a falar.

(2) Você sabe como é fim de semestre na faculdade, uma loucura!

Já os homens tendem a usar tais marcadores para verificar a certeza ou validade da informação que eles estão dando.

Desta forma, observa-se que as razões que os homens têm para falar geralmente estão focalizadas sobre o conteúdo da fala ou sobre seu resultado e não em como isto afeta os sentimentos dos outros. Já as mulheres enfatizam este aspecto da fala que demonstra preocupação com o interlocutor, o que justificaria o fato de que elas elogiam e pedem desculpas com mais freqüência do que eles.

Uma variedade de explicações têm sido propostas para as diferenças de gênero no uso da linguagem (HENLEY & KRAMARAE, 1991; UCHIDA, 1992; NOLLER, 1993; apud HOLMES, 1995). Alguns argumentam a favor das diferenças biológicas inatas que se manifestam já no processo de aquisição da linguagem, assim como as diferenças na orientação psicológica ou de temperamento (MCKEEVER, 1987; GOTTMAN & LEVENSON, 1988; apud HOLMES op. cit.). Quanto às diferenças psicológicas, as mulheres são mais preocupadas em fazer conexões, buscam envolvimento e focalizam a interdependência entre as pessoas. Os homens são mais preocupados com a autonomia e destaque, buscam a independência e focalizam as relações hierárquicas. Dentro desta perspectiva, é possível observar como tais diferenças psicológicas poderiam apontar para diferenças de uso da linguagem entre homens e mulheres. A preferência por autonomia se relaciona mais com as estratégias lingüísticas que afirmam controle. Já o foco nas conexões está mais vinculado aos dispositivos lingüísticos que envolvem o outro e enfatizam a natureza da fala interpessoal.

Outros estudiosos vêem na socialização um fator explicativo (TANNEN, 1987). Em diferentes sociedades, meninas e meninos experienciam diferentes modelos de socialização e isto levaria a diferentes formas de usar e interpretar a linguagem.

Uma quarta explicação atribui as diferenças no comportamento lingüístico entre os gêneros à distribuição desigual de poder na sociedade. O grande poder social dos homens permite que eles definam e controlem situações. Assim, as normas masculinas tendem a predominar na interação (WEST & ZIMMERMAN, 1987). Também tem sido sugerido que aqueles que estão em uma situação de menos poder devem ser mais polidos (DEUCHAR, 1988; apud HOLMES, op. cit.).

Acreditamos que as explicações acima têm sua própria aplicabilidade, sem serem excludentes entre si. Sendo assim, cada uma pode contribuir de alguma forma para a compreensão das diferenças no uso da linguagem por homens e mulheres.

Como podemos analisar e medir
a polidez lingüística?

Sabemos que há muitas formas de demonstrar preocupação com o sentimento do outro (felicitação, cumprimentos, desculpas, uma resposta animadora, um tom de voz gentil,...). As línguas apresentam infinitos recursos para expressar significado e a polidez lingüística utiliza-se produtivamente de tais recursos. Assim, os meios lingüísticos pelos quais a polidez pode ser expressada são muito variados. As escolhas lexicais entre diferentes palavras podem ser importantes em certos contextos. Selecionar a construção gramatical pode diminuir ou aumentar a polidez. HOLMES (1995: 127-128) aponta algumas diferenças nas construções sintáticas e nas escolhas lexicais nos elogios feitos por homens e mulheres no inglês da Nova Zelândia. Vejamos alguns exemplos:

(3) Eu amo esta camiseta.

(4) Eu gosto desta camiseta.

(5) Que filhos adoráveis.

(6) Teus filhos são adoráveis.

Nessa língua, as formas (3) e (5) foram encontradas com mais freqüência entre as mulheres. Estas usam mais recursos para intensificar seus elogios. Já os homens, como em (4) e (6), mostram-se mais discretos, substituem “amar” por “gostar” e tendem a não usar o intensificador “que”. Parece-nos que esses padrões permaneceriam no português brasileiro (PB). Imaginemos a seguinte construção:

(7) Que gracinha de bebê!

No PB, (7) dificilmente seria usado por um homem, pois o uso de diminutivos seria mais freqüente entre as mulheres, também formas como “que graça de bebê” parecem não ser muito usadas pelo homem brasileiro. Este provavelmente usaria algo como “belo bebê”. Desta forma, também no PB haveriam diferenças na escolha de determinados itens lexicais, assim como nas formações morfossintáticas entre homens e mulheres. Lembramos que estas são considerações ainda bastante intuitivas e que estudos contrastivos empíricos neste terreno — a exemplo de outros países — serão muito bem vindos.

HOLMES (1995) também aponta que, no inglês da Nova Zelândia, as mulheres fazem mais elogios entre si, principalmente quando se trata da aparência. Elogios desta natureza entre o sexo masculino, naquela cultura, assim como na nossa, não são muito bem vistos. Assim, o fato de um homem elogiar algum aspecto físico de outro homem (como “gostei do teu corte de cabelo”) pode causar surpresa ou até mesmo embaraço. Porém é interessante notar que elogios por aquisições ou conquistas, já são mais freqüentes entre os homens do que entre as mulheres naquela cultura.

Observa-se que não há apenas uma grande variedade de formas para expressar a polidez lingüística, também uma construção pode expressar diferentes significados em diferentes contextos. Deste modo, não existe nenhuma forma lingüística intrinsicamente polida. Vejamos o seguinte exemplo:

(8) Você acha que seria possível contatar o Valério hoje?

O enunciado (8) pode parecer muito polido, mas não devemos chegar a tal conclusão sem conhecer o contexto social em que ocorreu. Se é a 1ª vez que o que o assessor de um político faz esse pedido à secretária, então pode ser identificado como uma forma polida. Depende do tipo de distância social existente entre os dois. Se eles normalmente interagem num estilo menos formal, e esta é a 2ª ou 3ª vez que o pedido é feito, tal formalidade pode ser uma expressão indireta de aborrecimento. As formas que parecem polidas teriam a função de expressar a irritação do falante. Assim, o significado de uma forma lingüística específica usada em um enunciado somente pode ser interpretada de modo seguro, se conhecemos o grau de distância e poder existente entre os participantes e o contexto particular no qual o enunciado foi produzido.

A partir dessas considerações anteriores, analisemos o seguinte exemplo:

(9) Gostei do seu vestido novo.

Se for um marido elogiando o vestido novo que a mulher está usando, provavelmente (9) será uma estratégia de polidez positiva. Por outro lado, a mesma construção dita por uma jovem que vê a irmã usando seu vestido novo que pegou emprestado sem pedir, pode ser uma reprovação, feita em forma de ironia. Neste caso, a falante, que também é a dona do vestido, ao escolher a forma indireta, acaba atenuando a ameaça à imagem negativa do ouvinte, pois se usasse uma forma direta como “vai tirar o meu vestido agora”, seria um ato muito mais ameaçador à imagem negativa da irmã — seu desejo de não sofrer imposições.

Dentro dessa perspectiva, a análise da polidez lingüística depende diretamente de três dimensões sociais: a distância relativa, o poder relativo e o contexto social. A distância relativa é determinada pelo nível de familiaridade existente entre os interlocutores. O poder relativo — status hierárquico — é entendido como o grau com que uma pessoa pode impor-se sobre a outra (BROWN e LEVINSON, 1986: 77). Tal poder pode derivar de vários recursos — dinheiro, conhecimento, prestígio social, entre outros. É interessante observar, entretanto, que o poder de uma criança mais velha sobre uma mais nova ou do homem sobre a mulher, são formas de poder construídas culturalmente. Quando se trata de gênero, a questão do poder relativo suscita muitas discussões, pois se aceitamos que as mulheres são geralmente um grupo subordinado com relação aos homens, então a interação de gênero e os outros fatores que contribuem para a avaliação do poder relativo apresenta grande complexidade. Em muitas comunidades, as mulheres são consideradas como subordinadas ou um grupo de menos poder e isto é refletido com freqüência nos mecanismos de polidez usados por elas ou usados com elas. WOLFSON (1984) sugere que o fato de que as mulheres são elogiadas com mais freqüência apresenta uma indicação de status subordinado. Além disso, subordinados podem ser tratados impolidamente, interrompidos ou até mesmo ignorados. Desta forma, a dimensão do poder é uma ferramenta essencial para analisar os modelos de polidez que caracterizam grupos diferentes.

Quanto ao contexto, BROWN e LEVINSON consideram que na análise de qualquer interação, os fatores situacionais são avaliados juntamente com as dimensões de poder e distância social. Enfatizam o fato de que as avaliações de poder e distância são sempre dependentes do contexto. Os modelos de interação entre os gêneros são muito diferentes nos contextos formal (público) e informal (privado). Isto refletiria a ênfase que cada um deposita na função da interação nos diferentes contextos. Como a polidez é dependente do contexto, os julgamentos sobre o significado social das escolhas lingüísticas devem levar em conta o grupo e as normas da comunidade. Portanto, se homens e mulheres utilizam normas diferentes, como sugere TANNEN (1990), o potencial para a não comunicação é grande.

A partir da análise de vários estudos sobre o inglês da Nova Zelândia, HOLMES (1995: 66) aponta que, pelo menos em alguns contextos, as normas interativas de homens e mulheres contrastam drasticamente. A interação masculina mostra-se mais competitiva, agressiva e argumentativa do que a feminina. Para a mulher, ser negativamente polida envolve evitar, minimizar ou suavizar desacordos; ser positivamente polida implica concordar com os outros, encorajá-los a falar e expressar apoio verbal enquanto o outro fala.

Considerações finais

Um exemplo da importância que este tipo de estudo está conquistando dentro da Pragmática é o trabalho que vem sendo coordenado por BLUM-KULKA e seus colaboradores. Seu grupo, que reúne pesquisadores de vários países, se dedica a investigar como relacionar as formas como as línguas são usadas para realizar certos atos de fala com as variáveis sociais e situacionais que orientam seu uso. A investigação intercultural dos atos de fala tem dado atenção especial a dois aspectos: (a) o valor e a função da polidez na realização do ato de fala; (b) a universalidade dos fenômenos de polidez entre línguas e culturas (BLUM-KULKA, 1989b). Neste trabalho, nos propusemos a apresentar um breve panorama sobre as possibilidades de estudo das diferenças lingüísticas entre os gêneros e de como tais diferenças podem estar atreladas às dimensões de poder e distância social e ao contexto cultural.

Não podemos deixar de apontar a necessidade de estudos sócio-pragmáticos dentro de uma proposta contrastiva. Os estudos realizados por BLUM-KULKA (1989a) demonstram que cada cultura tem preferências específicas por determinados tipos de estratégias. Os dados levantados por esta autora revelaram, por exemplo, que o espanhol é mais direto ao fazer pedidos, se comparados aos inglês ou ao alemão. Embora este tipo de estudo já venha sendo feito desde os anos 80 com várias línguas, no espanhol e no português brasileiro é uma modalidade que está apenas começando. Desta forma, apontamos a necessidade de estudos interculturais e interlingüísticos que levem em consideração o fator gênero. Dentro deste cenário, este trabalho é uma primeira aproximação e o foco da nossa pesquisa será investigar as diferenças na realização de atos de falas específicos — como os elogios e os pedidos — por homens e mulheres no português brasileiro e no espanhol.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLUM-KULKA, S. Learning to say what you mean in a second language. Applied Linguistics 3(1): 29-59, 1989.

BLUM-KULKA, S.; HOUSE and KASPER, G. Cross-cultural pragmatics: requests and apologies. Norwood: Ablex Publishing, 1989.

BROWN, P. & LEVINSON, S. Politeness. Cambridge University Press, 1986.

ESCANDELL-VIDAL, V. Cortesía, fórmulas convencionales y estrategias indirectas. Revista española de lingüística, 25, 1. 1995, p. 31-66.

GARCÍA MOUTONM P. Cómo hablan las mujeres. Madrid: Arco libros, 2000.

HOLMES, Janet. Women, men and politeness. New York: Longman, 1995.

TANNEN, Deborah. You just don't understand: women and men in conversation. New York: William Morrow, 1990.

WEST. Candence; ZIMMERMAN, Don H. Doing gender. Genger and society, 1,2: 125-51.

WOLFSON, Nessa. 'Pretty is as pretty does': a speech act view of sex roles. Applied Linguistics 5, 3: 236-44. 1984.

 

 

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