PANORAMA ATUAL DAS LÍNGUAS CÉLTICAS
NAS ILHAS BRITÂNICAS

João Bittencourt de Oliveira (UERJ e UNESA)

INTRODUÇÃO

O propósito deste trabalho é dar continuidade a trabalhos anteriores sobre as línguas célticas.

Como já salientamos, os celtas eram um povo de língua indo-européia cujas grandes migrações se perdem nas brumas dos tempos pré-históricos. Segundo alguns lingüistas, os celtas foram os primeiros povos a se espalharem pela Europa. Conhecidos dos gregos como Keltoi (Κελτοι) e dos romanos como Celtae, por volta do século V a. C., falavam uma língua que tem sido reconstruída com o nome de proto-celta ou celta comum.

O berço da civilização céltica situava-se na Europa Central, numa região que corresponde à Boêmia e à Baviera (em alemão Bayern) atuais. Dessa região se viram compelidos para a Gália, para a Espanha, fixando-se principalmente, na região da Galícia (século VI a. D.), para as Ilhas Britânicas, para o vale do Pó, até que, finalmente, foram submetidos pelos romanos entre os séculos II a. C. e I d. C. Um outro grupo, conhecido como gauleses, dirigiu-se para as regiões dos Bálcans e da Ásia Menor, fixando-se na Galácia (já mencionada numa das epístolas do apóstolo Paulo no Novo Testamento da Bíblia Cristã), onde foram derrotados por Átalos I em 241 a. C. Esse grupo de celtas foi chamado pelos gregos de Galatae (Γαλαται)1 e sua língua permaneceu em uso até o século V d. C. Os celtas que se dirigiram para a Espanha eram conhecidos como Celtiberi (mescla das raças céltica e ibérica). Foram conquistados por Cartago e depois pelos romanos (século II a. C). Nenhuma língua céltica sobreviveu na Península Ibérica, onde a implantação dos celtas é bastante antiga (cerca de 1000 anos a. C.), e onde a língua manteve-se na Galícia até o século VII d. C.

Foi, porém, na Bretanha, no país de Gales e na Irlanda que o tipo e as línguas dos celtas melhor se têm conservado.

No presente trabalho, procuraremos apresentar o panorama atual dessas línguas ainda faladas no domínio geográfico das Ilhas Britânicas; são elas: o gaélico, o manx (ou manquês), o galês e o córnico.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS LÍNGUAS CÉLTICAS

Embora existam muitas diferenças entre as línguas célticas individualmente, podemos notar algumas semelhanças que dão às línguas célticas modernas um caráter totalmente original. É bem verdade que nem todas essas características são exclusivas das línguas célticas, porém poucas são as línguas que reúnem as seguintes:

· Mutação consonantal inicial

· Preposições flexionadas

· Padrão frasal VSO (verbo + sujeito + objeto)

· Apenas dois gêneros gramaticais

· Ausência do artigo indefinido

· Construção genitiva por aposição

· Contagem vegesimal 2

OS DOIS RAMOS DAS LÍNGUAS CÉLTICAS

Distribuem-se as línguas célticas em dois ramos distintos: o insular e o continental.

Celta continental é o nome genérico para as línguas faladas pelo povo conhecido dos escritores clássicos como Keltoi e Galatae. Durante um período de 1.000 anos (aproximadamente de 500 a. C. a 500 a. D.), os celtas ocuparam uma área que se estendia da Gália à Ibéria, ao sul e à Galácia, ao leste. A maior evidência do celta continental consiste em antropônimos, nomes de tribos e topônimos registrados por escritores gregos e latinos. Somente na Gália e no norte da Itália encontram-se algumas inscrições, cujas interpretações são ainda duvidosas. Os celtas que atingiram a atual Península Ibérica ficaram conhecidos como celtiberos. Além de topônimos, o parco conhecimento que se tem dessas línguas está confinado a alguns traços fonológicos e uma pequena parte do vocabulário.

O celta insular refere-se às línguas das Ilhas Britânicas, juntamente com o bretão (falado na Bretanha, França). Embora exista alguma evidência escassa das fontes clássicas – principalmente topônimos – e algumas inscrições nos alfabetos latino e ogham3 do final do século IV ao VIII a. D., a principal fonte de informação sobre os primeiros estágios dessas línguas são os manuscritos realizados a partir do século VII, em irlandês, e um pouco mais tarde em outras línguas britânicas.

Parece ter havido duas ondas de invasão: a primeira (provavelmente a partir do oeste da França) teve como alvo a Irlanda, no século IV a. C. e deu origem ao goidélico4 ou gaélico, que mais tarde alcançou a Escócia e a Ilha de Man; a segunda tomou o rumo do sul da Inglaterra e do País de Gales, e posteriormente, atravessando o Canal da Mancha, atingiu a Bretanha e desenvolveu numa variante céltica conhecida como britônico ou britânico (donde o atual bretão).

De qualquer modo, quase toda informação que se tem sobre a cultura e as línguas célticas provém dessa área.

As línguas insulares dividem-se em dois grupos – o gaélico (formado pelo gaélico irlandês, pelo gaélico escocês e pelo manx) e o britônico (formado pelo galês, pelo córnico e pelo bretão). O gaélico irlandês foi a única língua falada na Irlanda no século V, época em que se iniciou o conhecimento histórico daquela ilha. Os dois outros membros desse grupo, o gaélico escocês (ou escoto-gaélico) e o manx (ou manquês), surgiram das colonizações irlandesas que começaram naquela mesma época. Houve também colônias de falantes do gaélico irlandês no País de Gales, porém nenhum vestígio desse idioma restou a não ser algumas inscrições.

O britônico, que parece ter coberto quase toda a Grã-Bretanha e a Ilha de Man, recebeu marcada influência romana no período da ocupação (43-410) e, a partir do século V, sofreu forte e desvantajosa concorrência das línguas germânicas. Inscrições e antropônimos remanescentes da Escócia mostram, de modo claro, que ali já se falou uma língua não indo-européia, geralmente conhecida como Pictish,5 “picto”, e que foi mais tarde suplantada pelo britônico. Havia, sem dúvida, diferenças dialetais dentro da própria Ilha, porém os dialetos existentes surgiram da fragmentação do britônico resultante da invasão da Ilha de Man e da região da atual Escócia pelos irlandeses e pelas invasões dos anglo-saxões que começaram pelo sul da atual Inglaterra e que finalmente alcançaram a Escócia. Como se sabe, a Escócia foi desde então dividida em dois compartimentos lingüísticos – o inglês (também conhecido como Scots) e o gaélico, atestado já no século V a. D., é ainda empregado no interior da Irlanda, no interior da Escócia e, muito precariamente, por alguns idosos na Ilha de Man. Um dialeto britônico, hoje conhecido como cúmbrio perdurou nas fronteiras ocidentais entre a Inglaterra e a Escócia até por volta do século X, mas nada se conhece a seu respeito. No atual País de Gales, o britônico sobreviveu como língua dominante até meados do século XIX; atualmente é conhecido como galês, ainda falado por cera de meio milhão de pessoas. Um outro foco do discurso britônico, o córnico, sobreviveu em Cornwall (Cornualha) desaparecendo no final do século XIX. Foi dessa região que, nos séculos V e VI a. D., os emigrantes haviam trazido o céltico mais uma vez para o continente europeu estabelecendo uma colônia ao noroeste da França, ainda conhecida como Bretanha.

Do ponto de vista lingüístico, o primeiro grupo de línguas é conhecido como celta com Q–, porque essas línguas preservam o som /kw/ do proto-indo-europeu; o segundo grupo é identificado como celta com P–, porque o mesmo som /kw/, nessas línguas, se desenvolveu para /p/. Esse contraste pode ser observado em pares de palavras como, por exemplo, os equivalentes para os numerais “quatro” e “cinco”: ceathair e cúig (irlandês); pedwar e pump (galês), pevar e pemp (bretão).6

PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO

Na falta de um critério mais rigoroso, podemos dividir a história das línguas célticas em quatro grandes épocas bem delineadas, a saber: a primitiva, a antiga, a média e a moderna.

A época primitiva situa-se entre os séculos V e IX, em que surgem as primeiras inscrições no gaélico irlandês, no galês, no bretão e no córnico. É reduzido o material lingüístico dessa época, constando de escassas inscrições, principalmente no alfabeto ogham.7 São, em sua maioria, lacônicas inscrições fúnebres, todas gravadas em pedra ou em madeira.

A época antiga começa no início do século IX e se prolonga até o século XII. O antigo galês, o córnico e o bretão já podem ser diferenciados com base no léxico. Graças aos trabalhos dos missionários cristãos8, o material disponível para o estudo dessa época é muito mais abundante no antigo irlandês, daí a dificuldade em se estabelecer uma linha divisória entre a literatura irlandesa da época antiga e da média.

A média inicia-se no século XII e vai até o século XV. Os textos literários que então aparecem são redigidos em galês e irlandês, várias peças em córnico e alguns fragmentos em bretão. Não há ainda literatura no gaélico escocês, já que os gaélicos escoceses escreviam em irlandês.

A época moderna inicia-se no século XVI e vem até os dias atuais.

ALGUNS REGISTROS

Embora quase nada permita supor que na antigüidade tenha-se organizado um reino tipicamente celta, não faltam motivos para se presumir que os povos que falavam o celta comum (ou proto-celta) e, mais tarde, as suas variedades, viveram numa vasta região da Europa Central; pois, além de inúmeros sítios arqueológicos, deixaram alguns milhares de topônimos que, mesmo tendo sofrido grandes alterações fonológicas e morfológicas, ainda servem como evidência de sua longa presença nessas áreas.

Na pequena lista que abaixo apresentamos, tivemos o cuidado do só mencionar termos cuja origem se aceita sem discussão, ou pelo menos se considera muito provável. Por ela, poderemos formar uma idéia da contribuição que as línguas célticas trouxeram a algumas línguas modernas, principalmente ao inglês. O asterisco ao lado da palavra indica forma hipotética.

Vocabulário geral: empréstimos

Através do latim

Alguns vocábulos célticos são muito antigos, pois penetraram no latim quando os romanos entraram em duelo com os gauleses na alta Itália (século IV a.C.). A lista que se segue apresenta as formas latinizadas.

BARDUS. Do velho celta bardd, “bardo”. Até o fim do século XVI encontrado somente nos escritos escoceses ou nas formas representantes do galês bardd, e aplicava-se aos poetas trovadores celtas ou aos menestréis ambulantes; já empregado com o sentido de poeta em geral por Lucano (Córdoba, 39 – Roma, 65), “Phrasalia” 1,449 “Plurima securi fudistis carmina, bardi”. Apud ONIONS (1966: 74). Segundo os autores antigos, os bardos constituíam, juntamente com os druidas e os vates, uma das três categorias da elite intelectual celta.

CARRUS. De *karron (*karros), "veículo de quatro rodas". Cf. inglês car, francês car (da antiga forma normanda char), alemão Karren, "carroça" (diferente de Wagen), italiano, espanhol e português carro.

CARPENTUM. De *carpentos, "carro, veículo de carga; veículo de exército, entre os gauleses". Desse termo somente o derivado carpentariu-s, "fabricante de carros", parece ter vingado em outras línguas. Cf. inglês carpenter, francês charpentier, provençal carpentier (donde o espanhol carpintero, o português carpinteiro e o italiano carpentiere).

CERVESIA. Vocábulo atestado desde Plínio (século I a. C.). "Bebida alcoólica obtida a partir da fermentação de certos cereais (cevada, trigo, aveia ou centeio)". Cf. francês cervoise, espanhol cerveza, português cerveja. O alemão Bier, o inglês beer e o italiano birra derivam do velho alto alemão bior, "bebida fermentada". Somente o inglês mantém os termos beer e ale para designar o mesmo produto; as línguas escandinavas somente ale, e as demais línguas germânicas somente beer.

DUNA. Ligado ao latim da Gália dunum, “monte de areia, duna”. Cf. Francês antigo dune, velho inglês dūn; cf. ainda os topônimos Augustodunum, Ludgunum e Caladunum, cidades localizadas na Galécia, antiga província romana a noroeste da Hispânia, hoje Galiza.

DRUID. De *dru|wids, “aquele que sabe com certeza”. Nome dos primitivos sacerdotes gauleses e bretões. Cf. francês druide, latim plural druidae, druides, grego druidai < gaulês druides (= irlandês draoi, genitivo plural druadh, gaélico draoi, draoidh, druidh) < velho celta *derwijes (donde galês dewydd-on) de *derwos (donde galês obsoleto derw, “verdadeiro”, irlandês derb, “certo”), donde o sentido etimológico “adivinho, vaticinador”. Há uma outra hipótese baseada em *dru, “carvalho” (associada aos rituais druidicos com essa árvore). O velho inglês tinha dry, “mágico”, < velho irlandês drui. – Os druidas, que formavam uma classe sacerdotal, possuíam uma doutrina religiosa e filosófica: acreditavam na imortalidade da alma e em reencarnação. Atribuíam virtudes misteriosas a certas plantas. As suas atribuições judiciárias lhes permitiam ter influência política, social e religiosa sobre as nações celtas (Gália, Bretanha e Irlanda).

LANCEA. De origem ibérica, de acordo com Varrão, "arma de guerra", desconhecida, originariamente, pelos romanos. Cf. inglês e francês lance, alemão Lanze, provençal lansa, espanhol lanza, italiano lancia, português lança.

VĀTE. De vates, “profeta”, “adivinho”; “poeta”.

São provavelmente de origem céltica as palavras dun, “de cor escura” e ass, “asno” (através do latim asinus), todas tomadas de empréstimo no período pré-anglo-saxão.

Quando os romanos finalmente conquistaram a Gália e impuseram sua língua, um certo número de palavras célticas relacionadas à vida rural penetraram no latim, algumas ainda se conservam em dialetos franceses como mouton, “carneiro”, ruche, “colmeia” e arpent, “medida de terra”.

Do celta insular provieram, ao longo dos séculos, algumas dezenas de termos ligados principalmente a acidentes geográficos, muitos dos quais predominam somente no inglês. Dentre esses termos contam-se:

Através do bretão

DOLMEN. De *taolvean, *tolven, "dólmen", monumento druídico, pré-histórico, formado por uma grande pedra achatada, colocada sobre outras em posição vertical. Os mais famosos dólmens encontram-se em Cornwall.

MENHIR. De men hir (de mean, "pedra" + hir, "longa"), "menir", monumento formado por um bloco de pedra cortado verticalmente.

Através do gaélico

BANSHEE. De bean sidhe, "espírito feminino" (folclore).

BOG. De *bhugh, "terra úmida e esponjosa".

BROGUE. De rogue < brog, "tipo de borzeguim rústico do couro cru “(usado especialmente na Irlanda e Escócia).

CAIRN. De carn, "pilha de pedras".

CLAN. De clann, "clã", "tribo".

COLLEEN. De cailin, diminutivo de caile, "menina".

CORRIE. De coire, "sorvedouro, remoinho de água".

CRAG. De *krako, "rochedo íngreme".

CRANNOG. De crannog, "antiga habitação lacustre".

GALLORE. De gu leóir, "em abundância".

GLEN. De gleann, "vale estreito, ravina".

LOCH. De loch, "lago". (Cf. Lochness, lago da Escócia, a sudoeste do Inverness, conhecido pela lenda do monstro).

PLAID. De plaide, "manta ou capa de lã escocesa em xadrez".

SLOGAN. De sluaghghairm, "slogan", "lema”.

STRATH. De strath, "vale largo".

TOR. De tòrr, "pico rochoso e pontudo".

TORY. De *tóraighe, "perseguidor"; a partir de 1689, nome de um grande partido político conservador da Grã– Bretanha.

TROUSERS. De triubhas, "calças".

WHISKEY. De <uisgebeatha, "uísque" (literalmente "água da vida", decalque do latim aqua vitae).

Através do galês

CORACLE. De curach, "barquinho dos antigos bretões feito de vime ou madeira recoberta de couro ou oleado".

CROMLECH. De cromlech (de crom, "curvado" + "lech, "pedra"), "elevação pré-histórica de grandes pedras brutas"

CWN. De cwm, "vale escarpado".

FLANNEL. De gwlanen, "artigo de lã, de gwlā, “lã”, flanela".

FLUMMERY. De llymru, "tipo de papa ou mingau de aveia".

Topônimos

A maior evidência da presença dos celtas nas Ilhas Britânicas é, indiscutivelmente, a toponímia. A semelhança de alguns topônimos no galês, no córnico e no bretão é bastante transparente. O elememnto plou– (do latim plebs–, galês plwyf, “povo”) é bastante comum. Outros elementos associados a plou– incluem gui– e guic– (do latim vicus9, “povoado”, “aldeia”). Outros elementos comuns de origem britânica incluem lan (galês Llan, “igreja”), tré– (galês tref–, “subdivisão de uma paróquia”), coët (galês coed, “madeira”) e ker (galês caer, “aldeola”, “povoação”). A maior distribuição geográfica desses elementos encontra-se ao norte e a oeste da atual Bretanha. No sudeste, os elementos indicadores de topônimos mais freqüentes são –ac, –é e –y, derivados do sufixo galo-romono –acum, “lugar”, o que caracteriza uma menor intensidade de assentamentos britânicos nessa área.

A lista de nomes de lugares de origem céltica é surpreendentemente a mais extensa. Geograficamente, chega a alcançar até o território da Dinamarca, ao norte, da Romênia, Alemanha e Austria, a leste, e da Itália e Espanha, ao sul.

Muitas vezes as formas célticas são melhor identificadas na forma do radical, algumas atestadas apenas na forma latinizada. Nas Ilhas Britânicas registram-se, entre outros, os seguintes:

BELFAST. Do gaélico irlandês bael feirsde, “vau do banco de areia”.

CUMBERLAND. Do velho galês Cymry, possivelmente de uma forma mais antiga *Kombrogī, através do latim Cumbria, “compatriota”.

DEVON . Do galês Dyfnait, “vale profundo”.

DOVER. Do gaélico irlandês Dobar, “água”, através do latim Dubris.

DUBLIN. Do gaélico irlandês duib ou dubh, “negro” e linn, “charco”; o nome gaélico da cidade é Baile Átha Cliath, “cidade do vau das caniçadas”.

KENT . Do galês Canti ou Cantion, através do latim Cantium, "borda", "aba".

LONDON. Do inglês médio Lundin, London, velho inglês Lundenne, Lundres, através do latim Londinium, provavelmente do céltico londos, “selvagem”.

São também de origem céltica, nomes formados pelos elementos win-: Winchester, salis-: Salisbury, glou-: Gloucester, wor-: Worcester e lich– ou litch-: Lichfield.

Outros nomes de lugares de provável origem céltica incluem: Glasgow, York, Ecles, “igreja”, Bray, “monte”.

Palavras latinizadas como caester (e as variantes caster e cester), fontana, fossa, portus, vicus e o elemento –col, como em Lincoln10 (< colonia, “colônia”), foram empregadas para dar nomes a lugares durante a ocupação romana da ilha e transmitidas aos anglo-saxões pelos celtas. A primeira delas, castra (< castra, “campo” ou "cidade murada"), tornou-se um elemento bem familiar na formação de topônimos ingleses, sendo os mais importantes: Chester, Colchester, Doncaster (de Danum, nome de um rio), Dorchester (de Durnovaria, "briga de socos", talvez em referência a competições de pugilismo locais), Manchester (de Manucium, "nome de uma colina em formato de seio"), Winchester (de Venta, "lugar especial"), Lancaster, Gloucester (de Glevum, "luminoso"), e Worcester, Rochester (de Durobrivae, "ponte fortificada", em que apenas a sílaba ro pode ser identificada), Caeleon, Cardiff, Carlisle

No continente, a influência céltica está presente nos seguintes topônimos: Amiens, Avalon, Verdun, Novion, Metz (através do latim Mettis) e Bourges (na França); Nertobriga, Lacobriga, Turobriga, Mirobriga, Arcobriga, todos com a terminação –briga, que significa "altura", "montanha" (em Portugal). A estes nomes de lugar podem ser acrescentados: Coimbra (através do latim Coniumbriga), Bragança, Alcóbira e Ségovia (também em Portugal) e Madrid (na Espanha).

Nomes de rios

Nas Ilhas Britãnicas, são de origem céltica os nomes dos rios: Thames, “Tâmisa”, Avon, Exe, Esk, Usk, Don, Severn, e Wye.

No Continente, são também de origem céltica os nomes dos rios: Danúbio (alemão Donau, de danu–, "rio", através do latim Danuvius); Reno (alemão Rhein, de Renos, "correr, fluir", através do latim Rhenus); Sena e Tejo (através do latim Tagu).

Antropônimos

Nomes de pessoas de origem céltica incluem: prenomes tais como Alan, Donald, Duncan, Eileen, Fiona, Gavin, Ronald, Sheila; patronímicos e sobrenomes em mac ou mc (MacDonald, McDonald) e O (O'Donald, O'Neil), e outros como Cameron, Campbell, Colquhoun, Douglas, Evans, Griffiths, Jones, Morgan, Urquhart.

DOMÍNIOS DAS LÍNGUAS CÉLTICAS

Por razões já bastante esclarecidas, a área territorial das línguas célticas é muito reduzida.

O irlandês

O irlandês (Gaeilge) é a língua falada na Irlanda há mais de dois mil anos. Possui uma vasta literatura que remonta ao século VII, com as incrições em pedra no afabeto ogham no século III.

Até o século XVII, o gaélico irlandês era a única língua falada em toda a Irlanda; porém a concorrência do inglês, os efeitos da fome no século XIX e a migração contribuiram para sua abrupta decadência. No censo de 1981, 5.000 pessoas se declararam falantes apenas do irlandês e mais de um milhão se declararam bilíngües (irlandês e inglês), sem, entretanto, especificarem o nível de proficiência.

Seu domínio se concentra em pequenas comunidades, a maioria na costa ocidental da Irlanda. A língua é também falada por um número indefinido de pessoas espalhadas por outras áreas do país. Uma região de fala predominantemente irlandesa é donomindada Gaeltacht (‘país dos Gaels’), cujas comunidades representam uma transmissão ininterrupta da língua. A grande ameaça à sobrevivência das Gaeltachts tem sido sempre a econômica; são as regiões onde, tradicionalmente, se concentram as populações mais pobres do país.

Dentre as línguas célticas ainda vivas, o irlandês é a única a gozar hoje de uma posição privilegiada. Após 1932, data da independência, multiplicaram-se os esforços para o ensino do irlandês nas escolas e já se publicou uma gramática da língua. A nova constituição de 1932 consagra o irlandês como a língua oficial do país.

Nas últimas décadas, tem sido cada vez maior o número de instituições de apoio ao ensino e à preservação da língua. Há alguns semanários em irlandês, como e Foinse, um jornal de grande circulação, o Irish Times, uma estação de rádio de tempo integral, a Raidió Gaeltachta e uma emissora de televisão, a TG4. Há manuais da gramática, dicionários e edições da Bíblia (1685-1989). O ensino da língua nas escolas é incentivado pelo governo.

O gaélico escocês

O gaélico escocês (Gàidhlig) é a língua céltica empregada no interior da Irlanda e nas montanhas ocidentais e nas ilhas Orientais da Escócia. É atestado desde o século V d.C. Com a crescente influência do inglês do norte, o uso e o prestígio do gaélico começou a declinar e desde o século XII tem havido uma retração gradual em seu domínio. Fatores políticos, pressões sociais e políticas educacionais vêm combinando esforços para impedir que a língua entre em processo de extinção. A partir das últimas décadas do século XX, atitudes mais positivas têm sido tomadas e esforços têm sido feitos para sustentar o gaélico, encorajar as políticas bilíngües e incluí-lo no currículo das escolas.

No censo de 1981, havia pouco mais de 80.000 falantes, dos quais menos de 1.000 com idade inferior a cinco anos. Em algumas comunidades, o gaélico escocês é empregado como meio de comunicação nos lares, nas igrejas e para fins sociais. Nas áreas bilíngües, o gaélico é geralmente usado como primeira língua de instrução. Há jornais e programas de rádio em gaélico. Há duas versões da Bíblia (1801-1992).

A língua é ensinada em três Universidades escocesas, duas das quais (Edinburgh e Glasgow) possuem uma cadeira de céltico.

O manx (ou manquês)

O manx (Manx Gaelic) é a língua céltica falada em toda a Ilha de Man11 (situada no meio do mar da Irlanda, entre a Escócia, o País de Gales e a Irlanda) até o século XVII. A partir do século XVIII começa seu declínio. No início do século XX havia em torno de 5.000 falantes. O último habitante da Ilha cuja língua materna era o manquês chamava-se Ned Maddrell e faleceu em 24 de dezembro de 1974, aos 97 anos. Maddrell foi, nos últimos anos de vida, curador da aldeia de Cregneish, e encorajado pelos membros da Manx Society conseguiu gravar o que ainda lembrava dessa língua.

Com a criação da Sociedade para o Ensino do Manquês, há alguns anos, a língua vem se revitalizando, e de uma população de 77.000 habitantes, cerca de 600 pessoas falam a língua e a ensinam. A língua é também ensinada, como segunda língua, nas escolas da Ilha. Há uma gramática e uma versão da Bíblia de 1773.

O galês

O galês (Cymraeg) é a língua céltica do País de Gales (Gymru), região do oeste da Grã-Bretanha.12 O País de Gales ficou muito tempo à parte da civilização anglo-saxônica. Conquistada por Eduardo I (1277-1284), só se tornou parte integrante da Inglaterra no reinado de Henrique VIII (1536-1542). O País de Gales foi monolíngüe até o século XVI, quando o Act of Union with England (1536) tornou o inglês a língua oficial, o que contribuiu para o decréscimo do galês. Mesmo assim, até 1750 o galês ainda era a única língua utilizada nas cerimônias religiosas das igrejas anglicanas. No fim do século XIX, a situação degradou-se ainda mais e, desde o começo do século XX, o recuo do galês acentuou-se, tanto em números absolutos quanto em percetagem em relação à população como um todo.

Ainda nos séculos XVII e XVIII alguns movimentos de revivi cação do galês contribuiram, de certo modo, para despertar o interesse pelo ensino e aprendizado do idioma. Em 1761, Griffith Jones, o pai das Escolas Galesas Itinerantes, deixa, ao falecer, 3 mil escolas e graças a esse pioneiro, 158 mil galeses (perto de 30% da população) serão instruídos em sua língua. Em 1891 o governo britânico reconhece oficialmente o galês como língua de ensino e em 1942 uma nova lei britânica permite o uso do galês nos tribunais. Em 1949 o Congresso céltico adota novos estatutos para manter a cultura e as línguas dos povos celtas. Desde 1967, com o Welsh Language Act, o galês é reconhecido como uma das línguas oficiais do Reino Unido, o que significa que todos os documentos públicos podem ser redigidos nessa língua. Em 1974, os galeses conseguiram a instalação de placas de estradas bilíngües e a criação de vários programas de rádio e televisão cotidianos em galês.

De uma população total de 536.258 (censo de 1998), 19% falam a língua fluentemente e 33% conseguem compreendê-la; 44.600 crianças entre 5 e 9 anos e 47.100 entre 10 e 14 falam o galês. O ensino da língua é obrigatório na maioria das escolas da região e 525 escolas primárias e secundárias galesas oferecem o galês como meio de educação a mais de 82.000 crianças.

Existem gramáticas e dicionários para facilitar o estudo e aprendizado do galês. Há duas versões da Bíblia (1588-1988).

O córnico

O córnico (Kernowek) ocupa uma posição à parte entre as línguas célticas, pois a língua que se fala atualmente no condado da Cornualha (Cornwall) não é o resultado direto da língua falada na região. A região do Cornualha antigamente fazia parte de um território muito mais vasto, compreendendo também Devon e uma parte de Somerset. Porém, após a conquista romana, toda a região oriental foi ocupada pelos saxões.13

Por seu isolamento na extrema ponta ocidental da Grã-Bretanha, a Cornualha não pôde resistir por muito tempo à presença cada vez mais invasora do inglês. A língua começou a decair no período da Reforma, e sua última falante conhecida, Dolly Pentreath, da aldeia de Mousehole, faleceu em 1777.

Atualmente, de um total de 400 mil habitantes, pode-se ainda encontrar um número bem razoável de amadores que sabem ler o córnico. Já os que o falam são em torno de 1000, dos quais apenas uns 100 de maneira fluente.

Em 1979 foi criado o Kesva na Tavas Kernewek (Departamento de Língua Córnica), formado por membros da Gorsedd Kermnow (Assembléia da Cornualha), que difunde os materiais necessários ao ensino da língua e da cultura córnicas. Em 1984 iniciou-se o ensino do córnico em cinco escolas primárias e duas secundárias. Há programas de rádio e de televisão de curta duração em algumas emissoras locais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As invasões dos anglo-saxões no século V d. C. impeliram os celtas britânicos para o oeste e para o norte, o que levou os vários dialetos a assumirem formas bem distintas. Na região conhecida como Cornwall (Cornualha) e Devon, desenvolveu-se o córnico; no País de Gales, o galês; na Címbria e em partes da Escócia, o cúmbrio (extinto). Do sul da Inglatera, por volta do século V d. C., partiu um grupo rumo a Bretanha e deu origem ao bretão. No período inicial, o bretão e o córnico eram bem semelhantes e costuma-se dizer que ambas as línguas se mantiveram mutuamente inteligíveis até o século XV.

O movimento dos povos goidélicos continuou da Irlanda para a Ilha de Man e por volta do século X comunidades célticas povoaram a Escócia. As fronteiras geográficas facilitaram rapidamente a fragmentação lingüística original em três dialetos, a saber: o gaélico irlandês (ou simplesmente irlandês), o gaélico escocês e o manx (ou manquês). Não é possível determinar por quanto tempo esses dialetos permaneceram mutuamente inteligíveis, porém o desenvolvimento das diferentes tradições culturais e literárias na Idade Média tem levado os lingüistas a considerá-las como línguas autônomas a partir dessa época.

O fenômeno mais preocupante atualmente dessa família lingüística é, sem dúvida, seu dramático declínio, devido à concorrência das línguas dominantes: o inglês, no caso das Ilhas Britânicas e o francês, no caso da Bretanha.

A título de curiosidade e ilustração, transcrevemos a seguir algumas versões do Pai Nosso a partir do texto latino.

Latim

Pater noster, qui est in coelis, sanctificetur nomen tuum. Adveniat regnum tuum, fiat voluntas tua sicut in coelo et in terra. Panem nostrum cottidianum da nobis hodie et dimitte nobis dedita nostra, sicut nos dimittimus debitoribus nostris. Et ne nos inducas in temptationem, sed libera nos a malo. Amen.

Gaélico irlandês

Ar nathaír atá ar neamh, náomhthar hainm.
Tigeadh do ríoghaehd.
Deúntar do thoil ar an ttalamh, mar do nithear ar neamh.
Ar narán laéthamhail tabhair dhúinn a niu.
Agus maith dhúinn ar bhfíacha, marimhaithmídne dar
bhféitheamhnuibh féin.
Agus na léig sinn a ccathughadh, achd sáor inn ó olc.

Gaélico escocês

Faither o us aa, bidin abune, thy name be halie.
Let thy reign begin.
Thy will be dune, on the erthe, as it is in Hevin.
Gie us ilka day oor needfu fendinan forgie us aa oor ill-deeds,
e’en as we forgie thae wha dae us illas lat us no be testit,
but sauf us frae the Ill-Ane,
or the croon is thine ain, an the micht,
an the glorie, for iver an iver.

Manx

Ayr ain, t'ayns Niau, Casherick dy rou dt'ennym.
Dy jigg dty Reereeaght; Dt'aigney dy rou jeant er y Talloo
myr ta ayns Niau.
Cur dooin nyn Arran jiu as gagh laa.
As leih dooin nyn Loghtyn, myr ta shin leih dauesyn ta janoo loghtyn ny noi shin.
As ny leeid shin ayns Miolagh, agh livrey shin veih olk.

Galês

Ein Tad yn y nefoedd, sancteiddier dy enw; deled dy deyrnas;
gwneler dy ewyllys, ar y ddaear fel yn y nef.
Dyro inni heddiw ein bara beunyddiol,
a maddau inni ein troseddau,
fel yr ym ni wedi maddau i'r rhai a droseddodd yn ein herbyn;
a phaid â'n dwyn i brawf, ond gwared ni rhag yr Un drwg.
Oherwydd eiddot ti yw'r deyrnas a'r gallu a'r gogoniant am byth.
Amen.

Córnico

Pader an Arleth
Agon Taze nye, eze en Neve, Benegas bo tha Hanow.
Tha Gwlaskath gwrenz doaz; Tha Voth bo gwreze,
En Noer pecarra en Neve.
Ro tha nye an journama gon bara pub death,
Ha gave tha nye gon pehasow Pecarra tel era nye gava angye Neb eze peha war agon bidn. Ha na raze gon lewa en antall, Buz gweeth nye thurt droeg.
Rag an Gwlaskath Che a beaw, Han Nearth, han Worrians, Rag nevra venitha.
Andelna ra bo
Amen.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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