A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO
PARA O PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA
NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO
DA PRODUÇÃO TEXTUAL DE SEUS ALUNOS

Alex Swander (UNIVERSO, UERJ)

INTRODUÇÃO

Nos dias de hoje uma grande queixa e um enorme desafio para o educador é a questão referente à produção textual. Entendamos primeiramente o que vem a ser produção textual. Ora, cumpre estabelecermos a diferença entre redação e texto. Enquanto este se encontra revestido de aspectos de textualidade como inferências intertextualidade, interdiscursividade, intenção comunicativa; aquele, por sua vez, não. Em suma, a redação é uma produção escrita que se configura de maneira menos original e rica que o texto efetivamente repleto de marcas textuais. O que é preciso então para desenvolver no aluno essa postura preconizada diante da prática textual?

Não há de fato receitas prontas; há alguns caminhos, pois é preciso fazer com que o aluno se sinta, sobretudo, autor de seu próprio texto, e abolir definitivamente a prática de redação como forma de castigo.

Escrever não é um Dom divino (como algumas pessoas erroneamente pensam); é técnica que deve ser como tal constantemente aprimorada.

Não queremos execrar a gramática, mas humanizar a postura daqueles que se tornam escravos da normatização, tratando a língua de maneira ortodoxa, de forma que esta se torna um todo acabado e não um continuum de sentidos em construção. Assim, desprezam a variante do aluno imputando-lhe o imperialismo da normatização, que concebe o falante como um mero reprodutor. Não devemos sucumbir à metalinguagem nem tampouco adotarmos a postura reducionista de que a língua é um sistema acabado, arbitrário e hermenêutico.

Conseqüentemente, tal postura repercute numa abordagem obtusa do ensino da língua, a defasagem da produção textual se opulenta e cada vez mais o nosso aluno está produzindo textos para a escola e não na escola. Enquanto neste ocorre a liberdade para o exercício de uma opinião própria e autêntica, naquele a preocupação com o interlocutor supera a intencionalidade de se externar um pensamento não-estereotipado.

Os fatos descritos acima são apenas reflexos de uma causa que remonta na problemática referente ao despreparo lingüístico de muitos professores. Observemos que, neste contexto, existe uma clara diferença entre aquilo que é ensinado e aquilo que deveria ser ensinado.

A produção textual se encontra vinculada às várias áreas do conhecimento, mas é no ensino e aprendizagem da língua materna que tal importância se notabiliza. Sabemos das dificuldades no campo em que muitos professores titubeiam e acabam cometendo vários equívocos e, principalmente, terminam por depreciar a competência natural do aluno, pois o que é considerado como relevante é apenas aquilo que está na contramão das expectativas do próprio educando. Pensemos mais um pouco: o que é falar e escrever bem? Numa visão tradicional é agir em concomitância quanto à norma culta padrão. Por outro lado, fugindo dos estereótipos da ortodoxia, veremos que falar e escrever bem é agir de maneira pragmática e coerente, permitindo a concatenação dos enunciados e a recuperação do sentido.

Doravante, analisemos os dados que seguem.

Redação A

Eu posso ser grande

Sabemos que não dá mais, tudo se passou a tempo, já ficou para trás. sei que nada vai voltar, ao que um dia foi nunca se repetirá, temos que acreditar que juntos podemos ser fortes e grande para transformar-mos o nosso amor em um campo verdade. As cartas que escrevi nunca te mandei, não posso entender a tonta que fui, é questão de tempo. Mil anos e outros quatro mil mais são o bastante para amarmos e juntos acreditar-mos que seremos grande o bastante, saiba que vivo querendo crer.

A.L.L.

 

Sobre a redação “A”:

PROFESSOR 1

PROFESSOR 2

PROFESSOR 3

Identificação:

A. C., trabalha como professora do antigo ensino primário.

Considerações:

“Emprego incorreto do a. Deveria ser há tempos. A palavra grande no singular. O texto é coerente, tem erros mas são toleráveis.”

Identificação:

M. L. trabalha como professora de 5.º a 8º séries.

Considerações:

“O aluno empregou indevidamente uma expressão; o correto é há tempos. O adjetivo grande não recebeu a concordância corretamente.

No meu modo de ver o texto não deixou de ser coerente apesar dos erros.”

Identificação:

W. B. trabalha como professor do ensino médio, pré-vestibular e pré-militar.

Considerações:

“Grafia incorreta de a.; a idéia de tempo passado está sendo indicada. Logo, a forma correta é o verbo flexionado em .

Ao que um dia foi nunca se repetirá.

O trecho acima retirado da redação, é uma construção incoerente em que ocorre a ruptura do pensamento a partir de um solecismo.

Temos que acreditar.

Emprego incorreto da palavra que no lugar da preposição de.

Concordância incorreta entre o determinante grande e seu determinado.

Erro ortográfico na palavra transformar-mos. A desinência verbal foi separada do verbo como se fosse um pronome. O mesmo se repete em acreditar-mos.

O texto é incoerente. Há muitos erros que perturbam a noção e a plástica do todo.”

É interessante observarmos que os professores supracitados mantiveram comentários meramente voltados ao aspecto referente à normatização.

O professor 3 acaba tecendo mais comentários que os demais, suas considerações refletem grande conhecimento gramatical, entretanto em momento algum legitima a redação da aluna. É preciso que se entenda o contexto intencional que permeia a redação.

Nessa linha de raciocínio, observamos que há uma forte carga intimista, de forma que a autora do texto se utilize deste expediente para exteriorizar algo que a aflige.

É evidente que tal procedimento deve ser evitado em avaliações formais. Porém, quando o texto foi solicitado, nada foi dito quanto ao fato de que o mesmo devesse ser concebido de maneira não-subjetiva.

Os professores 1, 2 e 3, ao julgarmos por suas observações acerca da coerência são desconhecedores deste conceito. Cada um a interpreta como sendo uma característica textual vinculada necessariamente aos aspectos gramaticais.

Em outras palavras, para eles, um texto com “erros de português” é incoerente, o que na verdade é inconsistente. Se eles tivessem um razoável conhecimento lingüístico entenderiam que incoerências locais não fazem com que um texto seja perdido.

Redação B

Eu posso ser grande

Certamente eu posso ser grande, ser grande é o mesmo que progredir.

O homem que tem feito um enorme progresso material e científico, muitas vezes não usa corretamente sua capacidade, chegando infelizmente a causar danos a si mesmo e ao ambiente que vive.

Esse ser que consegue dominar a natureza e atingir extraordinário progresso material, precisa olhar mais para si mesmo, analisar-se, conhecer-se melhor para saber usar sua inteligência e sua liberdade na construção de um mundo mais humano.

M.F.S.

Sobre a redação “B”:

PROFESSOR 1

PROFESSOR 2

PROFESSOR 3

Identificação:

A. C., trabalha como professora do antigo ensino primário.

Considerações:

A redação está perfeita. Sem dúvida que ela é muito coerente.

Identificação:

M. L. trabalha como professora de 5.º a 8º séries.

Considerações:

Coerente!

Identificação:

W. B. trabalha como professor do ensino médio, pré-vestibular e pré-militar.

Considerações:

A redação se desdobra em início, meio e fim perfeitamente. Apresenta boa seleção de palavras mas peca logo no início pela ausência do artigo o. Em: É mesmo que progredir.

Entre o verbo ser e a palavra mesmo faltou o artigo definido o.

É lamentável, às vezes pequenos lapsos derrubam uma boa tentativa de se construir uma boa redação.

Enquanto os professores 1 e 2 apenas consideram o texto coerente, embora não tenham tecido comentários significativos, o professor 3, por sua vez, novamente foi incisivo ao avaliar a redação tão implacavelmente.

Ele nem observa toda a gama de referências do enunciados, como por exemplo, conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, e intencionalidade. Ora, o enunciador faz referências a certos aspectos humanos, mostra sua marcação pessoal de crítica, apresenta um posicionamento ideológico e “costura” muito bem os sentidos do seu texto.

Uma mera incoerência local (como a ausência do referido artigo) é um mero “grão de insignificâncias que em nada macula o louvável esforço de se redigir um texto crítico.

Redação C

Eu posso ser grande

Nós podemos ser grande em varias pespectivas como por exemplo na vida profissional, nos podemos dar como exemplo uma das pessoas mais ilustres do cenário brasileiro de telecomunicação o impresario e apresentador Silvio Santos que começou como camelô no centro do Rio de Janeiro e foi crescendo na vida financeira gradativamente e hoje ele e dono de uma das maiores redes de televisão do Pais; esse é um dos maiores exemplos de que a pessoa querendo acredita em si ela pode ser grande!

F.C.L.

Sobre a redação “C”:

PROFESSOR 1

PROFESSOR 2

PROFESSOR 3

- Identificação:

A. C., trabalha como professora do antigo ensino primário.

- Considerações:

A redação está horrível. O aluno nem se deu ao luxo de pontuar. Não dá para entender nada..

- Identificação:

M. L. trabalha como professora de 5.º a 8º séries.

- Considerações:

Ausência de pontuação e abundância de erros. Com certeza o aluno que escreveu isso é deficiente. Ele deve ter dificuldades sérias.

- Identificação:

W. B. trabalha como professor do ensino médio, pré-vestibular e pré-militar.

- Considerações:

Não foi possível compreender a redação, pois não foram observadas regras de pontuação. A redação é totalmente ilegível quanto ao aspecto coerência. Não é possível avaliar um amontoado de palavras sem sentido.

Observemos que os professores avaliadores lançam mão apenas de uma apreciação pseudo-avaliadora que se articula meramente nos aspectos superficiais do texto. O professor 2, ainda que não consistentemente, vai mais a fundo e acaba percebendo um fato bem relevante; o aluno que redigiu o texto é bem conhecido por nós. De fato ele apresenta uma dificuldade na ordenação do seu pensamento ao escrever. A própria ausência de pontuação reflete em parte o problema. É fato, também, que ele já esteve bem pior e, hoje, já em tratamento, tem apresentado um relativo progresso. Não podemos, contudo, deixar de vislumbrar no texto desse aluno, que ele apresenta algumas inferências bem interessantes, além da própria intertextualidade (a menção de Silvio Santos como um ícone de pessoa popular que venceu mesmo vindo da pobreza) junto ao conhecimento de mundo. Vejamos quantas informações são apresentadas sobre o elemento mencionado (Silvio Santos):

Ele era camelô;

Veio do Rio de Janeiro;

O esforço profissional;

Gradativa prosperidade;

Vitória nos negócios.

O aluno apresenta uma forte ideologia social; defende o princípio de que para ser “grande” é preciso antes de tudo acreditar na força de seu trabalho. (podemos dizer que tal apontamento nos remete à Adam Smith – teórico capitalista -, que defendeu a idéia do trabalho como fonte de enriquecimento, como bem ilustra sua obra “A riqueza das nações”)

Precisamos entender que coerência não é linear, é uma faculdade ligada ao sentido que se instaura a partir do encadeamento de idéias em um texto. A coerência não depende de elos coesivos, é evidente que a presença dos mesmos pode facilitar a recuperação do sentido, todavia não é uma condição fundamental. Assim sendo, entendamos que mesmo um texto repleto de inferências, elos coesivos, intertextualidade e vários outros fatores de textualização nem sempre será coerente; ele somente o será se houver interlocução, isto é, só será coerente se o interlocutor conseguir recuperar o sentido do texto. Compreendendo os apontamentos descritos, é perfeitamente óbvio concordarmos que um texto por mais eloqüente que seja, só terá sua coerência garantida se ele “fizer sentido” para quem ler. Ora, na nossa concepção o texto analisado não perde o seu valor; os seus sentidos são recuperados e os problemas de ordem textuais e extra-textuais precisam ser cuidadosamente analisados. É sabido que o aluno precisa ser lapidado, ou melhor, ter algumas arestas aparadas. Entretanto, é imperativo reconhecermos que o referido aluno apresenta a mais importante de todas as virtudes preconizadas no que tange a questão produção textual: ele se assume como autor de seu texto; não se preocupa com a estereotipagem de se produzir um texto para a escola, mas em externar um pensamento assumidamente próprio.

É lamentável sabermos que muitos professores arbitrariamente julgando inaptos alunos como este, depreciam-lhes e, não descendo do pedestal, acabam sentenciando um ser humano ao ostracismo. Lembremos que Albert Einstein antes de ser reconhecido um gênio, foi reprovado em matemática e por muitos era considerado inapto e incapaz.

CONCLUSÃO

Após a cuidadosa pesquisa que conduziu a prossecução do presente trabalho, conseguimos refletir mais intensamente se estamos ou não fazendo um bom trabalho como profissionais da área de educação. É de crucial importância refletirmos se estamos ou não adequando nossas estratégias de ensino frente aos currículos (muitas vezes alheios à realidade, pelo fato de desprivilegiarem o educando ou torná-los meros reprodutores), para que assim conseqüenciemos a concatenação de um trabalho no mínimo digno e desprovido de demagogia. É fundamental e de crucial importância que os professores que trabalham e ensinam a Língua Portuguesa aliem à sua formação à aplicabilidade de conhecimentos lingüísticos. Refletimos intensamente a partir dos dados apresentados acerca de como as redações de nossos alunos têm sido avaliadas. Lamentavelmente constatamos que, face a tantas incoerências de certos professores, a produção textual é ferida sensivelmente quando senão cerceada por aqueles que se consideram verdadeiros avaliadores, que estufam orgulhosamente o peito para afirmarem bobagens concluídas após delimitarem o foco de atenção na mediocridade da informação periférica, subvertida numa visão meramente gramatical e pseudo-educativa. É preciso mudar esta postura, mas antes de tudo é preciso repudiar a intolerância não da Gramática, mas daqueles que se fazem dela meros escravos e fazedores de reprodutores de palavras sem o menor embrião de criticidade e ideologia. Em outras palavras, ensinar português é, sobretudo, interagir no processo de leitura e produção de textos, é ter um compromisso com a realidade e as necessidades do aluno, sem que para tal seja preciso constituir um palco no qual o professor tome para si o papel de um pretensioso protagonista, até porque na verdade não ele o é, e se esta consciência não for mudada, que país estaremos deixando para os nossos filhos?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FIORIN, J. & SAVIOLI, P. Lições de texto: Leitura e redação. 2ª ed.. São Paulo. Ática, [s/d.].

GARCIA, O. M. Comunicação em Prosa Moderna. 1ª ed.. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 1964.

GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: ––– (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.

ILLARI, R. e GERALDI, J. W. Semântica. São Paulo: Ática, 1985.

KLEIMAN, A. A interface de estratégias e habilidades. In: Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes / UNICAMP, 1993.

KOCH, I. & TRAVAGLIA, L.C. A coerência textual. São Paulo. Contexto, 2000.

––––––. A coesão textual. São Paulo. Contexto.2000

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TRAVAGLIA, L.C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

 

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