FILÓLOGO CELSO PEDRO LUFT
DE MANUEL SAID ALI
À MODERNA GRAMÁTICA BRASILEIRA

Elvo Clemente (PUC-RS)

Dados biográficos

Celso Pedro Luft nasceu, em 28 de maio de 1921, Poço das Antas, distrito de Montenegro, hoje município do Rio Grande do Sul, região habitada por descendentes diretos de imigrantes alemães. O pai era mestre-escola, inculcou no menino o gosto pela música e a paixão pelas letras. Assim que foi alfabetizado era ledor incansável. Adolescente entrou para o seminário dos Irmãos Maristas, no Instituto Champagnat, em Porto Alegre.

Teve a formação no Ginásio e Escola Normal baseada nos livros da coleção FTD, Gramática e livros de leitura. Essa coleção, na parte da língua vernácula, era dirigida pelo Prof. Irmão Epifanio Maria Bachelet (1884-1967). Foi um estudioso e pesquisador nos autores franceses e brasileiros. Conhecia e se espelhava nos mestres da Gramática e da Filologia daqueles anos: Manuel Said Ali, Antenor Nascentes, José Joaquim Nunes, Eduardo Carlos Pereira, João Ribeiro e outros.

Em 1940, quando começaram em Porto Alegre os Cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Celso Pedro Luft matriculou-se em Letras Clássicas. Estudou durante três anos as gramáticas grega, latina e portuguesa. Foi grande mergulho na Filologia Clássica que lhe será base segura para novos cursos e novos estudos.

Em 1947, iniciou seu magistério nos Cursos de Letras na PUCRS, lecionando Língua Portuguesa: Filologia e gramática. Tinham grande valor as aulas de gramática histórica, compulsados na coleção FTD, no Antenor Nascentes e em Manuel Said Ali. Os estudos dos alunos e as pesquisas eram feitas nos livros dos gramáticos e filólogos da época. Induzia os discípulos a procurarem outros livros, outras fontes para melhor conhecimento da Língua Portuguesa.

Em todas as aulas havia pouca teoria e muita prática de análise de textos medievais, renascentistas e modernos, sempre olhando para o exemplo dos textos clássicos ou literários dos autores.

Em 1954, Celso Pedro Luft foi à Europa para um Curso de reciclagem profissional na França. Seguiu nos anos de 1955 e 56 para Portugal, onde realizou cursos com Luiz Lindley Cintra em Lisboa, e curso de especialização de Filologia Portuguesa, na Universidade de Coimbra com o Mestre Manuel Paiva Baléo e Lingüística com José Herculano de Carvalho. Retornou à Universidade em 1957, onde colocou em ação as ricas lições de Filologia e de Lingüística. O panorama científico de Celso Pedro Luft era outro, se alteava entre os colegas que lecionavam naqueles anos. As suas aulas eram estruturadas de maneira diversa, eram compulsados outros livros, junto com os livros de Paiva Boléo aparecia a Gramática secundária da Língua Portuguesa de Manuel Said Ali, professor do colégio Pedro II e da Escola do Estado Maior. O autor, no Prólogo propõe seu método de trabalhar. “É dever de todo o autor de gramática aplanar tanto quanto possível a estrada ao estudante e ajudá-lo a vencer as dificuldades técnicas próprias do idioma latino”.

Said Ali apresenta várias formas de gramática: histórica, descritiva e comparativa. A gramática divide-se em: fonética ou fonologia, estudo dos sons; lexeologia, estudo dos vocábulos, e sintaxe, estudo das orações e das palavras como partes da oração (p. 5 e 6).

A Gramática histórica nas primeiras décadas de 1900 era muito considerada e estudada. Estava ali a força da Filologia, dentro da tradição do século XIX, Na segunda metade do século XX ficou postergada a história da língua para ter maior importância a descrição do fenômeno, segundo os parâmetros da nova ciência da linguagem, a Lingüística.

Celso Pedro Luft sofreu as forças da Gramática Histórica e foi equilibrando os avanços da Gramática Descritiva. Soube manter o equilíbrio exigido para o formador de professores do curso secundário e superior.

Evanildo Bechara, em escorço biográfico de M. Said Ali, mostrou a sincronia e diacronia e de que transcrevo:

A preocupação de fazer da Gramática Secundária um registro do estado do português escrito e falado pelas pessoas cultas da época em que foi elaborada, levou o Professor a consignar numerosas observações que, quase sempre, são originais, além de apresentar o seu próprio testemunho como exemplo dos fatos lingüísticos expostos” (p. 13 Investigação Filológicas).

A Gramática secundária da língua portuguesa por M. Said Ali, da Companhia Melhoramentos de S. Paulo foi grande manual que orientou mestres e alunos durante várias décadas do século XX. Celso Pedro Luft soube consultá-la e estudá-la com carinho e profundidade.

Said Ali firmava-se nos princípios e nas práticas da Filologia. O autor, no Prólogo, apresenta dois parágrafos que julgo úteis para este trabalho.

É dever de todo o autor de gramática aplanar tanto quanto possível a estrada ao estudante e ajudá-lo a vencer as dificuldade técnicas próprias do idioma, e não criar-lhe novos embaraços colocando no caminho pedras de tropeço.

E do último parágrafo destaco:

Em lugar de puras teorias, encontrará o estudante algumas indicações práticas para a formação do bom estilo. Não creio se possa alcançar em poucas páginas o que não se consegue em tratados especiais sobre o difícil assunto, espero todavia que destas poucas indicações sempre venha a resultar algum fruto.

Celso Pedro Luft andou lavrando forte em todos os campos da Língua Portuguesa, desde 1954 quando publicou O Guia Ortográfico; em 1973 apareceu Novo Guia Ortográfico pela Globo.

Era grande preocupação naqueles anos a ortografia que sofreu várias reformas desde Gonçalves Vianna 1911. Para o mestre Said Ali a preocupação ortográfica não havia sido menor. Há muitas páginas em seus escritos que tratam da escrita correta do vocábulo. Outra grande preocupação de CPL foi a nova nomenclatura que lhe tomou preciosas horas a partir de 1958. Em 1960, na Explicação de Gramática Resumida, eis um parágrafo crivado de interrogações:

Estará finalmente em vias de se resolver entre nós o velho e nodoso problema da nomenclatura gramatical? Ver-se-ão, afinal, os estudiosos da gramática libertados desse dédalo de nomes, teorias, sutilezas e bizantinismos? Teremos, enfim, unificada, uma terminologia mais racional e mais simples (Gramática Resumida, 1960)

Said Ali apoiou-se em filólogos e gramáticos notáveis, por exemplo “Schmalz na Lateinische Grammatik”, para o ensino e para a confecção da Gramática

Celso Pedro Luft, no Prefácio, atento à evolução dos estudos das ciências da língua, afirma:

A Lingüística moderna, com seus avanços, ia revirando a Gramática de alto a baixo. Primeiro a Fonologia, depois a Morfologia e a Sintaxe. Saussure, Trubetzkoy, Hjelmslev, Bloomfield, Hockett, Nida, Fries, Pike – foram imprimindo marcas indeléveis nas folhas amareladas de minha Gramática. Por fim Chomsky – o furacão do seu Transformacionalismo varreu a sintaxe (Prefácio).

Concluindo seus esclarecimentos: “Quanto mais, repito que este livro não é para especialistas, e sim para professores, alunos e curiosos em geral” (Prefácio).

Ambos os autores de gramática foram sensíveis às inovações de seu tempo o primeiro atento às variações da Filologia, o segundo partindo da base filológica para as novidades dos lingüistas.

Mostraram que a Gramática não é um monumento estático da língua mas instrumento dútil a serviço dos utentes do bem escrever e do bem ensinar o vernáculo, espelho da cultura de uma sociedade, sangue vivo da civilização de um povo.

Celso Pedro Luft manteve-se fiel, no aprofundamento dos estudos da língua em várias edições da Gramática Resumida, no Dicionário Prático de regência verbal, Grande manual Globo de Ortografia, Regência nominal, Regência verbal, Novo Guia Ortográfico, Novo manual de Português, O Romance das Palavras, Língua e Liberdade.

A Moderna Gramática Brasileira constitui o monumento de seu saber lingüístico, legado imorredouro às novas gerações de estudiosos de Língua Portuguesa.

Das lições apreendidas nas gramáticas da coleção FTD, dos estudos filológicos realizados em Coimbra, das pesquisas e estudos da Gramática Secundária da Língua Portuguesa de M. Said Ali, das lucubrações pessoais resultou a Moderna Gramática Brasileira sempre atual ontem como hoje como amanhã porque o professor, o aluno, o curioso que souber usá-la lembrará a grande lição do mestre em seu livro-testamento Língua e Liberdade.

REFERÊNCIAS

SAID ALI, M. Gramática Histórica da Língua Portuguesa. 6ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1921.

––––––. Gramática secundaria da Língua Portuguesa. Cia. Melhoramentos de São Paulo, [s/d.].

––––––. Meios de Expressão e alterações semânticas. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1951.

––––––. Investigações Filológicas. Rio de Janeiro: IEL / MEC GRIFO / MEC, 1975.

LUFT, Celso Pedro. Gramática Resumida – explicação da Nomenclatura Gramatical Brasileira. 10ª ed. São Paulo: Globo, 1960.

––––––. Moderna Gramática Brasileira. São Paulo: Globo, 2002.

MENEGAT, Clarice Terezinha. Celso Pedro Luft – tenção entre Gramática e Lingüística. Porto Alegre: PUC-RS, 2004 (Tese de doutorado).

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