A RELEVÂNCIA DO GERÚNDIO
NUMA GRAMÁTICA DESCRITIVA
DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA

Bruna Rafaele S. da Silva (PUC-Rio)

Para a composição deste trabalho, partimos do pressuposto de que é necessária uma observação mais detalhada da língua portuguesa, variante do Brasil para que possamos descrever o uso real do Português utilizado entre seus nativos, na atualidade. É importante ressaltar que a variante do Brasil utilizada neste trabalho ocorre no Rio de Janeiro, entre informantes da classe média, de ambos os sexos.

Um ponto de destaque neste trabalho trata-se do enfoque no contraste entre o emprego do gerúndio por falantes nativos de português e como é aconselhado o uso desta forma nominal de verbo de acordo com as normas de emprego apresentadas nas gramáticas de português língua materna e em manuais de técnicas de redação.

A importância de uma descrição do uso real do PL1 se justifica, pois auxilia o processo de ensino e de aprendizagem de Português língua estrangeira (PLE). Além disso, pode oferecer bases de sustentação para a criação de uma gramática descritiva de PLE, por se tratar de uma pesquisa com base no uso real do Português como língua materna, o que dá margem para o ensino funcional do PLE.

Particularmente se tratando do gerúndio, percebemos a importância de uma pesquisa em torno desta forma verbal por detectarmos o emprego de tempos compostos por gerúndio mesclado com o uso de tempos simples tanto na língua oral quanto na língua escrita, na variante do Português do Rio de Janeiro.

Outro ponto importante a ser destacado em torno da pesquisa sobre o uso do gerúndio se apresenta com base na aplicabilidade do ensino desta forma verbal na sala de aula de PLE, com o objetivo de facilitar a compreensão dos aprendizes sobre o uso escrito e oral da língua portuguesa, formal e informal.

O surgimento deste trabalho parte do princípio de que na língua portuguesa, temos uma grande variedade entre o uso ideal e o uso real do gerúndio caracterizado como forma nominal do verbo, que aparece muitas vezes na língua corrente em tempos compostos. Destacamos o uso de gerúndio em períodos compostos o que ocorre com maior freqüência na língua escrita.

Durante o processo de pesquisa, foram consultados alguns manuais de redação onde pudemos verificar que em alguns casos, o gerúndio é tratado com certo preconceito pelos autores, entre eles Erbolato (1991: 106), Lage (1999: 28), Martins Filho (1997: 104) e Marques (2003: 13). Todos os autores pesquisados foram categóricos quanto ao uso desta forma verbal. Muitos afirmam que o uso do gerúndio deve ser comedido para tornar o texto mais claro e objetivo e, seu uso em títulos de artigos não é adequado.

Martins Filho afirma que “há sempre uma forma do presente que pode com vantagem, substituir o gerúndio” (Martins Filho, 1997: 285), mas observamos que este fato não ocorre em todos os casos como em ele entrou na casa cantando, em que observamos o emprego do gerúndio com valor adverbial na frase. Além disso, o valor aspectual do gerúndio nem sempre pode ser substituído por uma ação no presente como em eu estava dormindo quando o telefone tocou..

A pesquisa se estendeu à busca em Gramáticas de Português como língua materna de descrições sobre o uso do gerúndio para os falantes nativos. De acordo com Cunha e Cintra (2001: 490), o gerúndio apresenta duas formas, uma simples (lendo) e outra composta (tendo ou havendo lido). A forma composta é de caráter perfeito e indica uma ação concluída anteriormente à que exprime o verbo da oração principal, como em não tendo conseguido dormir, fui escaldar um chá na cozinha e dei de cara com a Rosa e a Idalina (Cunha e Cintra, 2001: 490).

Cunha e Cintra afirmam que a forma simples expressa tanto uma ação em curso, que pode ser imediatamente anterior ou posterior à do verbo da oração principal ou as duas formas verbais podem ter o mesmo valor. Além disso, segundo os autores o valor temporal do gerúndio depende de sua colocação na frase. Os autores tentam caracterizar a durabilidade do gerúndio em tempos compostos com estar, andar, ir e vir os relacionando ao valor semântico de orações de textos de língua escrita formal.

Em Gramática Descritiva do Português, Perini faz um breve comentário sobre o gerúndio e a sintaxe do português. Segundo o autor, em frases em que ocorre o gerúndio, há falta de clareza para a classificação do sujeito, como em Marivânia chegando, a farra vai começar. (Perini, 1995: 78), pois não há concordância entre o verbo e nenhum termo exposto na oração e, “Marivânia funciona apenas como um sujeito, o que cria um problema quanto a sua análise” (Perini, 1995: 78), sendo que no uso real do Português tanto em língua escrita quanto oral, é muito bem compreendido pelos interlocutores que a farra começará quando Marivânia chegar, ou seja, Marivânia assume o papel de sujeito desta oração.

Bechara (2003), em seu capítulo sobre verbo não explica o uso de gerúndio, mas faz uma menção sobre o emprego do gerúndio quando trata das orações reduzidas (Bechara, 2003: 514). Ele se reporta ao gerúndio quando explica a sintaxe do português ao afirmar que esta forma verbal pode ter valor de predicativo e que em frases como os alunos estão saindo e as lições foram aprendidas sem esforço, o gerúndio não constitui uma oração reduzida.

Quando o gerúndio assume o valor de adjetivo, como em água fervendo, Bechara (2003: 224), o autor afirma que este tipo de construção é apontado como galicismo, por ser uma tentativa de ocupação do particípio presente que deixou de ser forma verbal para ser forma nominal no português.

Buscando encontrar uma visão pragmática sobre o emprego de gerúndio elaboramos questionários e fizemos pesquisa no Jornal O Globo para verificarmos o uso da língua portuguesa escrita entre os falantes nativos. Na composição desta pesquisa, o emprego do questionário teve o objetivo de verificar o uso de tempos verbais em português.

O questionário segue em anexo no fim do trabalho. No total, tivemos 14 informantes. A média de idade dos informantes foi 35 anos e todos pertencem à classe média.

Os informantes ao responderem à pergunta o que você faz? 100% não empregou o gerúndio e muitos responderam sobre sua profissão. Sobre a pergunta o que você estava fazendo antes de responder a este questionário? 100% empregou o gerúndio e apenas dois informantes empregaram o gerúndio em tempos compostos: estava tentando consertar um interruptor (informante 1) e estava colocando um conector (informante 11).

Como respostas para a questão o que você está fazendo agora? Apenas um informante empregou uma forma verbal que não apresenta gerúndio vou arrumar a casa (informante 12). No último comando oferecido, descreva o que cada pessoa faz nos quadrinho, houve grande variedade de respostas. Sobre o quadrinho a, apenas dois informantes não empregaram o gerúndio em suas respostas.

O quadrinho b obteve 7 respostas sem o emprego do gerúndio. O quadrinho c obteve 4 respostas sem gerúndio, mas outra forma nominal de verbo foi empregada, o particípio: um rapaz sorridente (informante 3) e o senhor está parado (informante 10).

No quadrinho d apenas 5 informantes responderam empregando o gerúndio. Destacamos o quadrinho d pelo fato dos informantes preferirem se reportar a ele descrevendo ações no pretérito perfeito simples como em comprou um bolo (informante 5) e no futuro, 5 informantes empregaram a expressão estar prestes a como em uma senhora prestes a cair com uma bandeja de doces (informante 7).

Um outro ponto observado foi o emprego de gerúndio na Revista O Globo, já que pesquisamos em manuais de técnica de redação jornalística as regras de como se deve escrever bem no contexto jornalístico e observamos que os autores apontam para a escrita sem o uso de gerúndio. Os grifos são de autoria da pesquisadora.

Na Revista O Globo, de 19 de junho de 2005, podemos observar uma grande quantidade de gerúndio, principalmente no texto de Paulo Coelho (p. 35), onde encontramos:

o guerreiro da luz está agora, despertando de seu sono; Mas o dia raiou e não se interessa pelo que ele está pensando; o guerreiro esteve dormindo por muito tempo, e é natural que vá se despertando aos poucos; tomando a decisão a seguir a luz; um guerreiro da luz não fica repetindo sempre a mesma luta; entendendo o sentido da trégua; cada um cedeu um pouco, aprendendo com isto a arte da negociação; tendo cuidado com os comentários; tudo que é dito a respeito de alguém sempre termina chegando aos ouvidos dos inimigos dessa pessoa e em por isso o guerreiro, quando fala das atitudes de seu irmão imagina que ele está presente, escutando o que diz.

Uma hipótese para a grande quantidade de emprego do gerúndio neste texto de Paulo Coelho pode ser porque o autor quis contar uma história tentando se aproximar da língua oral.

No artigo sobre maquiagem corretiva, ainda na Revista O Globo de 19 de junho de 2005 (p. 4), podemos perceber que ao descrever a aplicação da maquiagem, o autor do artigo emprega o gerúndio substituindo o imperativo como em o corretivo deve ser aplicado com a ponta dos dedos, pressionando a pele e nunca espalhando o produto”.

Elisabeth Orsini, em sua coluna Íntimo e Pessoal (p. 8) inicia com o título Lilia Cabral: no divã, emitindo sons. A seguir inicia seu texto contendo muitos gerúndios:

Lilia Cabral está arrasando no divã. Calma, não é nenhum surto sexual como você pode estar pensando. A atriz é a estrela absoluta da peça “Divã”, uma adaptação do romance homônimo de Martha Medeiros em cartaz no Teatro das Artes, no shopping da Gávea. Trata-se de uma mulher de meia-idade que decide procurar um analista e acaba vivendo uma experiência devastadora. Na vida real, Lilia faz o estilo extravagante:

– Vivo comprando sapatos e bolsas sem necessidade – diz a atriz.

(ORSINI, Isabela, O Globo de 19 de junho de 2005: p. 8)

Podemos explicar o fato do uso gerúndio porque esta coluna apresenta entrevistas entre a jornalista e algumas personalidades, o que pode ser interpretado como uma transcrição de um diálogo, para contextualizar o leitor no momento da entrevista.

Um fato interessante é a observação de grande quantidade de gerúndio mesmo em textos em que há predomínio da língua culta padrão onde, de acordo com os manuais de redação não deveria ocorrer, o que pode servir de dados para comprovar a relevância de uso de tempos compostos por gerúndio no português do Brasil mesclado com tempos simples, tanto na língua oral como na língua escrita.

Não nos focamos no estudo do gerundismo, pois percebemos que o emprego de frases como vamos estar entrando em contato com o senhor em breve ocorre em pequena escala na população do Rio de Janeiro, sendo muito comum entre atendentes de telemarketing. Américo Venâncio Lopes Machado Filho em seu texto Gerundindo observa o uso deste tempo composto de forma bastante interessante, pois contrasta o uso de tempos compostos no português do Brasil e em Portugal.

Ao concluir esta pesquisa, percebemos que há diferenças quanto ao uso real do gerúndio no português e o uso ideal apontado pelos manuais de técnica de redação e em algumas gramáticas de Português língua materna sobre o emprego no gerúndio. Vimos que apesar de existir preconceito por essa forma verbal, ela é empregada em grande escala pelos falantes nativos em produções na escrita e, principalmente quando o falante quer marcar a durabilidade da ação.

Observamos que o emprego do gerúndio se baseia no aspecto, uma categoria gramatical do verbo que expressa a interpretação ou idéia subjetiva do desenvolvimento da ação e mostra a posição do falante a respeito do processo tanto nas orações reduzidas como em locuções verbais. Em ambos os casos, o gerúndio pode ser considerado um atualizador da categoria semântico-aspectual, por sua propriedade de designar a duração do processo.

A este trabalho será dada continuidade numa pesquisa que busca contrastar o uso de gerúndio no português e no francês, o que vai compor a dissertação da mestranda, para detectar possíveis dúvidas dos aprendizes a respeito do emprego de verbos em PLE.

Ao pensarmos sobre um possível capítulo numa Gramática Descritiva de PLE, buscamos criar explicações sobre o uso do gerúndio da seguinte forma:

Gerúndio

Gerúndio, infinitivo e particípio são formas nominais do verbo, pois exercem a função de nome. Podemos observar que no Português do Brasil, ocorre o uso de tempos compostos por gerúndio para exprimir o valor imperfeito ou inacabado de uma ação. O emprego do gerúndio pode servir para marcar uma ação em andamento ou uma ação simultânea a outra.

Quando a ação expressa pelo gerúndio ocorre ao mesmo tempo em que a oração principal acontece ou é imediatamente anterior à ação principal, podemos empregar o gerúndio como em bati com o carro, entrando em casa.

Devemos evitar construções como vi seu amigo correndo, pois elas oferecem duplo sentido. Neste caso o gerúndio pode oferecer o modo como a ação principal ocorre como também indicar a ação praticada pelo objeto da oração principal. Este tipo de construção pode ter um sentido ambíguo que dependerá do contexto onde ela é produzida.

Em português do Brasil, quando o falante tem a intenção de marcar a duração de ações no passado, no presente e no futuro, ele emprega estruturas que apresentam os verbos estar, ir, andar e ficar seguidos de gerúndio. A seguir, vemos exemplos de uso de gerúndio em tempos compostos baseados na durabilidade da ação:

a. O verbo estar acompanhado pelo gerúndio indica uma ação durativa num momento rigoroso e também é empregado em descrições:

- durante todo o espetáculo, Marta estava dormindo.

- quando você me telefonou, eu estava tomando banho.

b. O verbo andar acompanhado pelo gerúndio indica uma ação durativa em que se destaca a idéia de ações repetidas, sendo que este emprego geralmente não é acompanhado de expressões de tempo que delimitam um período curto:

- Andei comprando muita roupa para mim.

- Minha avó anda tendo crises de pânico.

c. O verbo ir acompanhado pelo gerúndio indica uma ação durativa que se realiza progressivamente ou por etapas sucessivas:

- Ao pensar no passado, lágrimas de saudade vão surgindo em seu rosto.

- Aos poucos ela vai ganhando a confiança do patrão.

d. O verbo vir acompanhado pelo gerúndio indica uma ação durativa que se estende até o momento ou lugar em que o falante a pronuncia:

- A gramática não explica como o gerúndio vem sendo usado pelos brasileiros.

- A noite vem chegando de mansinho.

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Informante número: _____ Idade: _____ Sexo: __________

1. O que você faz?

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2. O Que você estava fazendo antes de responder a este questionário?

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3. O que você está fazendo agora?

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4. Descreva o que cada pessoa faz nos quadrinhos

 

 

a.....................................................................................................................................................................................

b.....................................................................................................................................................................................

c.....................................................................................................................................................................................

d.....................................................................................................................................................................................

 

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