ITALO CALVINO NA SALA DE AULA

Carmem Praxedes (UERJ)

 

Introdução

Este trabalho é parte integrante de uma pesquisa cujo projeto consolidou-se pouco a pouco a partir da nossa experiência em sala de aula, especialmente com o ensino da Língua Italiana para estrangeiros falantes de Português do Brasil, em nível universitário. A caracterização desta sala de aula é a mais rústica possível, ou seja, sem ferramentas facilitadoras do processo de ensino-aprendizagem, a grosso modo, a situação com a qual nos deparamos é aquela do “cuspe e giz”. Deste tipo de relação didática advém diversas outras questões, como aquelas do uso de métodos e técnicas alternativas em sala de aula, também no Ensino Superior, sua eficiência e eficácia. Estas questões, todas elas relevantes, são apontadas e discutidas por nós e pelo grupo com que trabalhamos, através do desenvolvimento de projetos de ensino e pesquisa.

Neste momento, apresentaremos apenas uma pequena parte da pesquisa acima citada, mas que é, sem dúvida, de grande relevância, principalmente por se tratar do ensino de uma língua estrangeira –LE.

 

O método

No âmbito deste trabalho, compartilhamos com Balboni (2003: 03) a seguinte definição de método:

Um método é um plano geral para a realização operacional de uma aproximação. Um método inclui também critérios de seleção do corpus, opção a favor de alguns modelos operacionais em detrimento de outros, indicações sobre o uso e o relação das glototecnologias.(...)O método é o nível que permite a passagem da glotodidática à Glotodidassi.”[1] (tradução nossa).

Considerando Balboni, o nosso plano geral foi o da realização de uma dramatização de uma fábula de Ítalo Calvino (1993, p.20-4), intitulada E sette!, por alunos do 1º ao 4º períodos do Curso de Graduação em Letras, da habilitação Português-Italiano. Os critérios de seleção deste autor e desta fábula foram os seguintes: A contemporaneidade do autor e sua obra, a sua relevância no conjunto dos escritores italianos internacionalmente reconhecidos, pois Calvino foi um dos poucos italianos a ser convidado para dar aulas em Harvard - as Charles Eliot Norton Poetry Lectures, em 1985/86, que deram origem as Lezioni Americane, por nós conhecidas como Seis Propostas para o Próximo Milênio, que, infelizmente, Calvino não chegou a proferi-las, por ter sido vítima de hemorragia cerebral em 19 de setembro de 1985, em decorrência de um mal súbito. Também consideramos como relevante o fato de a fábula E Sette! ter sido escrita em italiano padrão, bem como o fato de ser uma narrativa breve que lança mão do discurso indireto e direto, sendo este último de mais fácil memorização. Além disso, memorizar uma fábula significa apreender o processo de significação de uma língua, considerando que este ocorre necessariamente em situação discursiva, privilegiadamente transfrástica.

 

A Dramatização

Segundo Balboni (Op.cit., p. 152), a dramatização é uma forma de simulação que não concede nenhuma liberdade, tratando-se de recitar ( lendo ou baseando-se sobre a memória) um texto proposto por um manual, narrativa ou poesia de um literário, por um professor ou pela própria classe. No que se refere à pertinência deste tipo de atividade, o autor salienta que a dramatização é uma espécie que é registrada e depois analisada conjuntamente com os alunos, permitindo que se trabalhe profundamente os aspectos fonológicos e paralingüísticos e quando pode ser filmada a reflexão a posteriori demonstra ao grupo de alunos, e não aos assistentes (professores e outros alunos), os aspectos extralingüísticos (gestuais) da competência comunicativa. Entre as vantagens desta técnica emerge a qualidade do léxico memorizado, além do uso de outras formas de expressão lingüística e não-lingüística. A dramatização é uma atividade completa de educação lingüística, principalmente se o grupo é convidado a predispor o texto dramático, partindo de textos narrativos como fábulas e contos. Neste caso, os alunos aprendem a analisar um texto subdividindo-o nas diversas situações que se sucedem, além de aprenderem a analisar, e então caracterizar sociolingüisticamente, os vários personagens, considerando as relações sociais, culturais e psicológicas. Se a classe é dividida em grupos que produzem copiões diversos, estes podem ser proveitosamente postos em discussão e confronto.

 

A Experiência

Em 1996, em uma das nossas primeiras turmas de graduação em língua italiana, percebemos, de maneira quase intuitiva, aquilo que anos depois viemos a conhecer como uma das formas de trabalhos preconizadas pela glotodidática: a dramatização, a nossa proposta, ainda uma nebulosa, tinha em vista envolver os alunos em uma história, em que eles se expusessem para além das repetições estruturalistas dos again, again ou dos répétez,répétez, tão bem presenciadas pelos estudantes da nossa geração em cursos de inglês ou francês. Não estamos aqui desmerecendo o método estruturalista, pois ele teve seu tempo e seu valor, principalmente nas figuras de teóricos como Martinet, Jakobson e Hjelmslev leitores dialéticos da obra de Saussure. Mas, naquilo que concerne às leituras textuais enquanto molde, o estruturalismo deixou muitas lacunas.[2]

Enfim, propusemos aos alunos que se dedicassem dois tempos de aula por semana, numa disciplina de seis tempos (língua italiana II), ao estudo da fábula E Sette!. A estratégia fora a seguinte: 1º fiz a leitura em voz alta da fábula, depois convidava os alunos à encenação, buscando transmiti-lhes através de gestos aquilo que eles não compreendiam. Depois apresentava a proposta de trabalho e a expectativa, ou seja, ao final de dois meses os alunos deveriam estar aptos a preparar o cenário, incluindo a indumentária de cada personagem, para dramatizarem a fábula! O “estímulopara tão grande empreitada era a avaliação a qual iriam se submeter ao término dos dois meses, cujos critérios foram: competência oral ( proferir de maneira distintiva os fonemas da língua italiana), competência semiótica (investir de significação e estabelecer a comunicação, através de gestos e vestimentas etc), competência contextual (destacar na encenação os aspectos relevantes da cultura retratada por Calvino). Considerávamos também a capacidade de ressemiotização do aluno de se retro-alimentar e auto-regular, ou seja, numa situação de esquecimento, como o aluno iria se inserir em um contexto por ele previamente conhecido. Não esperávamos encontrar bons papagaios, mas estudantes dedicados que por nervosismo poderiam se esquecer de algumas partes da narrativa, mas não perderiam a contextualização que poderia ser realizada, tanto por gestos, quanto pelo ato de fala. Tudo isto era combinado previamente e ensaiado por, mais ou meno, 8 dias (16 aulas).

 

Os resultados

Realizamos a mesma proposta por pelo menos dez vezes em diferentes turmas, sendo que apenas uma vez, no ano de 2003/1, ousamos apresentá-la a uma turma de língua italiana I, paradoxalmente, este foi um dos nossos melhores resultados, conjuntamente à turma de língua II de 1996.

Os alunos fixam e ressemiotizam a fábula, entram na sua ambiance, proferem os fonemas com os traços distintivos do italiano e a aprendizagem não passa com o tempo. Em outros momentos, ela pode ser usada de outras maneiras e com outros objetivos.

A aceitabilidade dos alunos é de 90 a 95% da turma. Há sempre aqueles que por timidez, preguiça ou por estarem habituados às formas mecanicistas de ensino-aprendizagem preferem não aderir a este tipo trabalho.

Em termos econômicos, esta proposta custa muito gogó ao professor, mas é muito gratificante pedagogicamente.

Informativamente, concordamos com Balboni (op.cit), quando afirma que este tipo de atividade não deva ser usado como único instrumento de avaliação.

As conclusões

Consideramos ser esta uma atividade com suporte lingüístico-semiótico que nas palavras de Pais, apreendidas de suas aulas na Universidade de São Paulo – USP, “estão juntas porque não podem ser separadas”, pois como poderemos aprender e ensinar línguas, para além do “efeito papagaio”, conforme o apresentado no filme Paulie, sem lançarmos mão das Ciências da Linguagem, afirmadas por Saussure e da produção de significação nos termos de A. J . Greimas.

No caráter aplicado, a leitura de Balboni e Mezzadri apontou para um caminho bem definido no ensino da língua italiana, mas ainda lacunizado no caso que estudamos: O Ensino do Italiano em nível superior para falantes de português do Brasil.

De acordo com a sugestão de Balboni, ainda sentimos a falta de registrar em DVD a experiência, para depois discutirmos os seus resultados, principalmente com os licenciandos de italiano. Percebemos também a necessidade de organizar uma ficha de avaliação, de modo que os critérios citados sejam mais perceptíveis aos alunos. Notamos que esta atividade poderia ganhar status de oficina, contudo, ainda não encontramos um grupo de alunos com tempo e vontade suficientes.

 

Referências bibliográficas

BALBONI, Paolo E. Tecniche Didattiche per l’Educazione Lingüística. Torino: UTET Libreria, 1998.

CALVINO, Italo. Fiabe Italiane. Milano: Mondadori, 1993.

MEZZADRI, Marco. Il Quadro Comune Europeo a Disposizione della Classe. Perugia: Guerra, 2003.

PAIS, Cidmar T. Conditions Sématico-Syntaxiques et Sémiotiques de la Productivité Systémique, Lexicale et Discursive. Doctorat d’Etat ès-Lettres et Sciences Humaines. Directeur de Recherche: Bernard Pottier. Paris: Université de Paris-Sorbonne (Paris-IV) Lille: Atelier National de Reproduction des Thèses, V.I et II.


 


 

[1] Glotodidática é entendida por Balboni como a pesquisa teórica sobre a educação lingüística e glotodidassi como a pesquisa aplicada dos modelos operacionais. (Vide op.cit. p.02)

[2] Sobre o estruturalismo, recomendamos a leitura de Cidmar Teodoro Pais: “ Le structuralisme ‘classique’ ” In.: PAIS, p. 35-47.

 

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