MANUEL BANDEIRA: O HOMEM E O POETA

Luci Mary Melo Leon (UERJ)

EPÍGRAFE

SOU BEM NASCIDO. Menino,

Fui, como os demais, feliz.

Depois, veio o mau destino

E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida

Rompeu em meu coração

Levou tudo de vencida,

Rugiu como um furacão

Turbou, partiu, abateu,

Queimou sem razão nem dó__

Ah, que dor!

Magoado e só,

– Só! – meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes

Na sua paixão sombria...

E dessas horas ardentes

Ficou esta cinza fria.

– Esta pouca cinza fria...

Dia 19 de abril de 1886, data em que nasceu Manuel Carneiro Bandeira Filho em Recife. O menino Bandeira muda-se para o Rio de Janeiro com a família, em 1890, depois para Santos, São Paulo, mais uma vez para o Rio e novamente volta para Recife. A família retorna para o Rio de janeiro em 1896. O menino Bandeira não brinca com os meninos da sua idade. Seu interesse é manter contato com as pessoas mais simples: açougueiro, padeiro, quitandeiro.

No externato do Ginásio Nacional, que no tempo presente é o Colégio Pedro II com a ajuda do Professor Silva Ramos e do Lingüista Sousa da Silveira, Bandeira demonstra interesse pelo estudo de nossa Língua. Não podemos esquecer que seu colega de classe Antenor Nascentes, que amava Literatura, entusiasmava o futuro poeta.

Manuel Bandeira começou a escrever versos desde os dez anos de idade. O primeiro contato com a poesia nasceu dos contos de fadas e histórias de carochinha. Nesta fase do colegial, ele publica no Correio da Manhã o seu primeiro poema. O jovem que só fazia versos por brincadeira, se depara com uma triste realidade.Em 1903, o poeta influenciado pelo pai vai para São Paulo e se matricula na escola Politécnica. Ele pensava em ser arquiteto. Porém, a doença o levaria para uma nova descoberta.Em fins de 1904, “veio o mau destino”. Exatamente como na primeira estrofe do primeiro poema de seu primeiro livro. O poeta utiliza as palavras para narrar seu sofrimento.

No fim do ano letivo adoeci e tive de abandonar os estudos, sem saber que seria para sempre. Sem saber que os versos, que eu fizera em menino por divertimento, principiaria então a fazê-los por necessidade, por fatalidade

Primeiramente, Bandeira busca ajuda em Teresópolis. Depois, em 1913, parte para o Sanatório de Cladavel, na Suíça. E ali convive com o poeta francês Paul Éluard e com o poeta húngaro Charles Picker, que é vencido pela doença. Em 1914 o médico- chefe do sanatório, afirma que Bandeira tem lesões incompatíveis com a vida. Poderá viver cinco, dez, quinze anos.... O homem continuou a esperar a morte para qualquer momento. No poema abaixo podemos conviver com essa dor:

PNEUMOTÓRAX

FEBRE, HEMOPTISE, dispnéia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

– Diga trinta e três.

– Trinta e três...trinta e três...Trinta e três...

– Respire.

– o senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão

[direito e infiltrado.

– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Em 1914, o poeta volta a morar no Rio. Em 1916 a primeira perda: sua mãe. No ano seguinte Bandeira publica seu primeiro livro, A Cinza das Horas. Em 1918 morre a irmã do poeta. Era sua enfermeira, sua amiga e sua professora de música. No ano de 1919, seu pai custeia a publicação de Carnaval. Mas, logo depois, em 1920 mais uma perda. Morre o pai de Bandeira, e o poeta se instala na solidão.

A morte de meu pai e a minha residência no morro do Curvelo, de 1920 a 1933, acabaram de amadurecer o poeta que sou. Quando meu pai era vivo, a morte ou o que quer que me pudesse acontecer não me preocupava, porque sabia que pondo a minha mão na sua, nada haveria que eu não tivesse coragem de enfrentar. Sem ele eu me sentia definitivamente só. E era só que teria de enfrentar a pobreza e a morte...

Porém, na rua do Curvelo surge uma definitiva amizade com o vizinho e poeta Ribeiro Couto. Foi na rua do Curvelo que Bandeira reaprendeu o caminho da infância, pois escreveu quatro livros, três de poesia, O Ritmo Dissoluto, Libertinagem e quase toda a Estrela da Manhã, e um de prosa, as Crônicas da província do Brasil. O contato com Ribeiro Couto faz com que Bandeira passe a conhecer a nova geração paulista e carioca. O relacionamento de Bandeira com Mário de Andrade só trouxe bons frutos. Eles se correspondiam freqüentemente. O poeta e o homem permanecem na mesma direção. É impossível separá-los. Por meio de Mário, Bandeira escreve um poema na revista modernista Klaxon, em 1922. No entanto, Bandeira não desejava participar do Movimento Modernista, já que os parnasianos e os simbolistas o influenciaram e por isso ele os admirava. Por isso, não quis participar da Semana de Arte Moderna , em 1922.

Desde então, nova fase se inicia. Em 1935, é nomeado inspetor do Ensino Secundário por Gustavo Capanema, e, em 1938, professor de Literatura do Colégio Pedro II e membro do conselho Consultivo Do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além disso, o poeta tem editada a Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana e guia de Ouro Preto.

Não podemos deixar de comentar que em 1940, o poeta é convidado para concorrer à Academia Brasileira de Letras. Primeiramente, hesitou. Dois dias depois resolveu aceitar. Entrava para academia o “São João Batista do Modernismo”, na definição de Mário de Andrade. Em 1943, deixa o Colégio Pedro II para assumir a cadeira de literatura hispano- americana na Faculdade Nacional de Filosofia. Muitos amigos falavam com carinho do homem Bandeira. Dante Milano comenta a roda de amigos no Bar Nacional. No meio de estudantes, bebedores, jornalistas e artistas Bandeira ria de um jeito ainda menino. O poeta adorava ter amigos. Escrevia diariamente para cada um que o conhecesse.Nada era mais parecido com o poeta do que suas poesias. A obra de Manuel Bandeira é ele mesmo, com sua dor e sua solidão. Quem conhecia o homem, sempre admirava o poeta. Gustavo Capanema com algumas palavras tentou falar um pouco do poeta:

Bandeira é na verdade, um homem naquele sentido com que Napoleão falou de Goethe. Ele é simples, forte, bom, sincero, lead. Tem a maneira humilde, mas o tom grave

Bandeira é na verdade, um homem naquele sentido com que Napoleão falou de Goethe. Ele é simples, forte, bom, sincero,lead. Tem a maneira humilde, mas o tom grave e elevado. Considera os homens com benevolência e chega mesmo a compreendê-los. Executa as tarefas com seriedade e amor. Tem, em, no mais alto grau, o sentimento dos deveres humanos ante as coisas fugitivas ou eternas. É bem um homem.” (Homenagem, p. 95)

O homem Bandeira é um solitário. Vive em várias direções. A sua poesia é ele mesmo. Tem o lirismo na morte e na vida. Pelos amigos era considerado como uma pessoa agradável e honesta. Quando via defeitos em alguém, apontava-os. Por causa da doença, tornou-se disciplinado. Tinha o relógio como companheiro. O amigo Ivan Junqueira comenta que Manuel Bandeira adorava tirar fotografias, de contar piadas e olhar as mulheres.O poeta e o homem concentram-se na mesma imagem.

Sua vida aflorou na maturidade e no sofrimento. Talvez por isso,Antônio Cândido afirmou que Bandeira era um poeta sem Deus. O próprio Antônio Cândido diz ter ouvido tal afirmação do poeta. Porém, o bandeirólogo, Edson Nery da Fonseca menciona que essa declaração foi num momento de total desesperança. Para Edson Nery a religiosidade era a esperança do menino que um dia foi feliz, mas que o destino fizera dele o que quis. O poema “Contrição” é uma prova da religiosidade do poeta.Todavia, não conseguiu, pois ele lutou e venceu. O homem só morreu aos 82 anos e o poeta jamais irá morrer.Certamente, o destino pregou-lhe a doença e o fato de não ter sido enterrado na sua Terra Natal.

Para Edson Nery da Fonseca do ponto de vista literário Manuel Bandeira foi parnasiano, simbolista, romântico e até concretista. Seus poemas representavam um paradoxo. Havia o erótico e o religioso; o satânico e o sensual

Bandeira não se casou. Porém, o amigo Edson Nery, de Pernambuco, comenta em uma entrevista do jornal O Globo alguns romances vividos pelo poeta Bandeira. Na universidade do Rio de Janeiro as alunas costumavam fazer uma paródia com a música “ Mulher rendeira”, cantando Olé Manuel Bandeira, Olé Manuel Bandá/ Tu me ensina a fazer verso / que eu te ensino a namorar”.

Também comenta em sua entrevista que não existe no mundo inteiro, um poeta tão musicado quanto Manuel bandeira. Seus poemas foram musicados 102 vezes.

Cita o poema “Os sapos” como um hino da Semana de Arte de 1922. Esse foi lido sob vaias em São Paulo, mesmo sendo um dos melhores. Bandeira ridiculariza os parnasianos pela preocupação com o ritmo e a forma.

Em seu livro Itinerário de Pasárgada Bandeira diz que não seria um poeta de grande esforço. Chega até a se arrepender de ter escrito suas memórias. O poeta sente dificuldades em refazer seu itinerário.

“Tomei consciência de minhas limitações. Instruído pelos fracassos, aprendi que jamais poderia construir um poema à maneira de Valéry”. O poeta se considera um poeta menor. Mas ao mesmo tempo compreende que a literatura se faz com palavras e não somente com sentimentos. Muito embora seja a força do sentimento que faça as combinações de palavra a palavra.

Ao publicar seu primeiro livro, o homem afirma que não tinha intenção de começar carreira literária. Seu objetivo era de não viver inteiramente ocioso. Contudo, o elogio de alguns amigos, como João Ribeiro e Castro Menezes fez ele pensar em um novo livro: Carnaval. Com Carnaval Bandeira conseguiu o que desejava. Na Revista do Brasil, ao tempo dirigida por Monteiro lobato, apareceu este comentário: Carnaval – Manuel Bandeira – Rio, 1919. É este um folhetinho de versos como os outros. Bem como os outros não: porque não há em todos belezas como estas”.

Em 1945, o poeta publica Obras Poéticas de Gonçalves Dias e os Poemas traduzidos. Publica ainda, no México, Panorama de la poesia brasileña. O poeta que um dia pensou em desistir, agora só enxerga sua ascensão. Enquanto o poeta escreve todos os dias, o professor Manuel Bandeira se aposenta em 1956. Em 1958 a editora Aguilar publica a obra completa em dois volumes. Com os oitenta anos grandes comemorações acontecem. São lançados os volumes Estrela da vida inteira( poesias completas e poemas traduzidos) e Andorinha, andorinha ( seleção da obra em prosa).

O homem morre em 13 de outubro de 1968. O poeta vive todos os dias nos becos, em Pasárgada, diante do farto lirismo e das prostitutas bonitas. A doença que fez dele um escravo da dor não foi cúmplice na despedida. Manuel Bandeira morre vítima de hemorragia gástrica. Finalmente, encontra sua companheira de tantos anos, presença constante em sua poesia.

CONSOADA

QUANDO A INDESEJADA das gentes chegar

(não sei se dura ou caroável),

Talvez eu tenha medo.

Talvez sorria, ou diga:

– Alô, iniludível!

O meu dia foi bom, pode a noite descer.

(A noite com os seus sortilégios.)

Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,

A mesa posta,

Com cada coisa em seu lugar.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIGUCCI JR., Davi. “ Humildade, Paixão e Morte. A Poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

BACIU, Stefan. Manuel Bandeira de Corpo Inteiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Poesias Reunidas. 11ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.

––––––. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.

––––––. Andorinha, Andorinha. [sel. e coord. de textos de Carlos Drummond de Andrade)]. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.

––––––. Itinerário de Pasárgada. In: Poesia e Completa e Prosa. [Vol. Único. Rio de Janeiro]: Nova Aguilar, 1985, p. 33-102.

––––––. Mafuá do Malungo. Rio de Janeiro: São José, 1955.

CAPANEMA, Gustavo. Um homem, em Homenagem a Manuel Bandeira. Rio De Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1936.

ROSENBAUM, Yudith. Uma Poesia na Ausência. São Paulo: Edusp, 2002.

JUNQUEIRA, Ivan. Testamento de Pasárgada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

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