A LITERATURA E O ENSINO DE LEITURA
PARA O PÚBLICO JUVENIL

Márcia Nunes Duarte (UFRJ)
Leonor Werneck
(UFRJ)

Um trabalho diversificado e criativo com a leitura tem sido cada vez mais necessário na escola atual, tendo em vista as crescentes transformações e exigências da nossa sociedade e do mercado de trabalho, quanto à capacidade de ler e interpretar textos.

Qual é o papel da escola na formação de um cidadão crítico, participativo, de um cidadão-leitor? A escola e as aulas de Língua Portuguesa têm se preocupado com a formação de leitores?

Atualmente, percebe-se que os alunos ao chegarem ao ensino médio apresentam imensas dificuldades de leitura / interpretação de textos e que as aulas de Língua Portuguesa até então, não estão privilegiando a leitura e sim a gramática normativa. E essa abordagem tradicional da linguagem é uma das causas para as dificuldades dos alunos na área da leitura.

O presente trabalho de pesquisa vem analisar a relação leitura / literatura nas aulas de Língua Portuguesa; como a Literatura é encarada nesse processo de ensino de leitura, que tratamento é dado a ela desde a Pedagogia Tradicional até os dias de hoje; se a forma como tem sido ensinada contribuiu ou não para a resistência e dificuldade dos alunos com a linguagem literária; quais são os pressupostos teóricos a respeito da leitura e as diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e Médio acerca do assunto.

Segundo Antunes (2003), o trabalho com a leitura ainda está centrado em habilidades mecânicas de decodificação da escrita, muitas vezes sem reflexão, sem diálogo com o texto. Quando a leitura é utilizada, serve de pretexto para atividades metalingüísticas ou finalidades meramente avaliativas.

Para Kleiman (2004) existem duas concepções de texto e de leitura que se perpetuam ainda hoje nas escolas. Ou o texto é visto como repositório de mensagens e informações ou é visto como um conjunto de elementos gramaticais.

Partindo dessas concepções de texto, o trabalho com a leitura que daí deriva constitui-se de cópia literal de expressões do texto, leitura em voz alta,respostas a questionários de interpretação, extração dos significados das palavras, etc.

A leitura deve ser trabalhada de acordo com o gênero textual a ser utilizado; tendo objetivos diferentes para cada tipo de texto. São diversas as maneiras de ler como diversos são os textos e os objetivos de leitura. Para Geraldi (2004: 91), “leitura é um processo de interlocução entre leitor / autor mediado pelo texto. (...) O leitor não é passivo, mas agente que busca significações”.

Quanto ao texto literário, este tem uma linguagem específica, a conotativa, que em entrevista com os jovens de uma escola pública estadual foi constatada a dificuldade de interpretar essa linguagem. Tal fato reflete a falta de conhecimento da natureza do texto literário e evidencia a abordagem tradicional e autoritária que tem sido dada à Literatura e à leitura, pois os próprios jovens afirmaram que gostam de ler e reconhecem a importância da leitura.

Diante dessa realidade, percebe-se que não há interação entre o aluno e o texto literário. Por não entender que se trata de uma linguagem artisticamente trabalhada e não compreender seu vocabulário, que muitas vezes é de outro século, o aluno cria um distanciamento em relação à Literatura e acaba aceitando a interpretação do professor sem promover um diálogo com o texto.

Analisando a trajetória histórica do ensino de Literatura, constatou-se que esta disciplina sempre esteve ligada a interesses de grupos dominantes e a cada época com sua respectiva filosofia, era ensinada de forma que pudesse atender a determinados objetivos.

Segundo Zilberman & Silva (1990), a Literatura perdeu o caráter educativo que possuía na Antigüidade e vive uma crise no seu ensino, no que diz respeito a finalidades e objetivos.

Na Grécia, Literatura era sinônimo de poesia. Desde cedo, assumiu sua propensão educativa. A origem da Literatura estava nos mitos, de onde herdou seu caráter pedagógico.

Com o passar do tempo, de poesia foram sendo incluídos novos gêneros: a tragédia, o drama, o romance, gerando confusão terminológica. Até hoje é difícil definir ao certo o que é literatura. Segundo Magnani (2001: 6), “De acordo com Vernier, o melhor é falar em corpus literário, ou seja, um conjunto de textos eleitos, através de juízos de valor, como literários em determinada época e por determinada classe social.”

Até o século XVIII a Literatura foi vista como educativa. Na Renascença, perdeu o caráter comunitário e passou a ter caráter particular e íntimo.

Com o surgimento da escola moderna, a aprendizagem deixou de ser facultativa e tornou-se obrigatória; docentes e discentes passam a ter status diferenciado e o ensino é hierarquizado em diversos graus e níveis. E a partir de então, começam as avaliações contínuas para a passagem dos alunos de um estágio a outro do conhecimento.

Primeiramente, a Literatura integrou o currículo dissolvendo-se entre a Gramática, a Lógica e a Retórica. Depois, privilegiou o ensino da cultura clássica e serviu de modelo para o estudo das línguas grega e latina.

A partir da Revolução Francesa, foi introduzida na escola pelos franceses a literatura nacional, estudada sob a perspectiva da História Literária. A língua dos poetas foi consagrada como a língua oficial, desprezando-se os falares regionais e populares; a escola utilizava a literatura como veículo de difusão da língua, da cultura e da identidade nacional, apostando no seu prestígio. Como diz Zilberman (1990: 15-16),

A Literatura foi institucionalizada e deixou de ter finalidade intelectual e ética para ter cunho lingüístico, vernáculo.(...) Estas convicções não têm fundamento pedagógico e sim ideológico de modo que confirmá-las não deveria ser atribuição da escola.

No Brasil, por voltada década de 1970,surgia o ensino profissionalizante, que procurava utilizar a escola como formadora de mão-de-obra para a industrialização crescente. Segundo Zilberman & Silva (1990: 45), a literatura “virou pacote para consumo rápido”, na pedagogia tecnicista. Ao aluno só estava reservada a tarefa de ler o suficiente para as exigências do mercado de trabalho. As apostilas resumidas, os resumos de romances para o vestibular, as provas de múltipla escolha etc., correspondiam à ideologia da objetividade, da qualidade total e do behaviorismo de Skinner, nas quais a pedagogia tecnicista se baseava.

Diante dessas considerações, pode-se começar a entender hoje a falta de familiaridade com o texto literário por parte dos alunos e de muitos professores. Estes, sem refletir sobre a natureza ficcional, poética e artística da literatura, acabam reproduzindo sem saber a ideologia burguesa, repetindo as informações do livro didático e dando ênfase demasiado histórica à literatura.

O ensino de Literatura precisa ser repensado e libertado de associações ideológicas ou históricas que sirvam a uma determinada classe social que dita quais obras literárias devem ser modelos para a leitura; de que forma a escola deve trabalhá-las em sala; o que deve ser ensinado. E desvinculado de pedagogias que ofereçam receitas a serem seguidas, importadas de realidades estrangeiras.

A Literatura precisa ser encarada como fenômeno artístico, considerada em sua natureza educativa por excelência, porque traz valores, crenças, idéias, pontos de vista de seus autores, que podem enriquecer a vida daqueles que a lêem. Não deve estar presa a modismos pedagógicos e sim ser considerada como uma atividade prazerosa de conhecimento do ser humano e das diversas funções da linguagem, dentre elas a função poética, pois retrata e recria as questões humanas universais, numa linguagem esteticamente trabalhada, transgressora da rotina cotidiana.

Segundo Silva (1990: 43), “os protocolos de leitura estão estremecidos, como estão estremecidos os cânones autoritários de interpretação. Nada – é isso que resulta de respostas fechadas aos textos literários.”

Dependendo da forma com que é trabalhada em sala, a literatura pode ser tudo ou nada. Tudo se conseguir unir sensibilidade e conhecimento, nada se seguir cegamente os passos de uma pedagogia tradicional e burguesa.

Para Kleiman (2004b), o ensino de leitura pode ser viável se não privilegiar uma única leitura autorizada. Uma proposta coerente seria o ensino de estratégias de leitura e o desenvolvimento de habilidades lingüísticas, que são características de um bom leitor. Partindo de um modelo de leitor proficiente, o professor modelaria e exercitaria no aluno estratégias de leitura.

Para a autora é preciso que se tenha um objetivo para a aula de leitura e em segundo lugar se faça predições quanto ao conteúdo do texto a ser lido. Essas predições se baseiam em conhecimentos prévios sobre o assunto, o autor, a época, o gênero, o desenvolvimento do tema,etc. O importante é o aluno perceba que para cada tipo de texto e principalmente para o texto literário, ele precisará utilizar estratégias diferentes para a leitura e compreensão dos textos.

Segundo Geraldi (2004) o ponto primordial para o sucesso ao incentivo à leitura seria recuperar e trazer para dentro da escola o prazer de ler e o respeito às leituras anteriores do aluno. Até mesmo os professores não começaram sua trajetória como leitores lendo de início os clássicos. Segundo o mesmo autor (2004: 99), “não há leitura qualitativa no leitor de um livro”, o que significa que os professores devem propiciar aos alunos um maior número de leituras, ainda que a interlocução que o aluno faça hoje não seja a esperada pelos docentes.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, a Literatura deve estar integrada às aulas de leitura e a metodologia de ensino deve considerar o caráter sócio-interacionista da linguagem verbal, tendo o texto como objeto de trabalho, considerado nos diversos gêneros que circulam em nossa sociedade.

A língua deve ser considerada como uma entre outras linguagens existentes, que constrói e “desconstrói” sentidos. A língua materna deve ser trabalhada de forma contextualizada, tendo como ponto de partida a realidade cotidiana do aluno.

O objetivo do ensino de Língua Portuguesa e da aula de leitura será desenvolver no aluno sua visão crítica de mundo, a percepção das múltiplas formas de expressão da linguagem e sua habilidade de leitor proficiente dos diversos textos representativos de nossa cultura. Deve também considerar a necessária aquisição e o desenvolvimento de três competências: interativa, gramatical e textual.

A tradicional aula de Literatura Brasileira em que predomina a memorização das características de estilos de época, nome de autores e obras não atende mais às necessidades educativas dos alunos.

A seleção de conteúdos, de acordo com os PCNEM, não mais privilegiará a memorização de informações, mas será baseada em eixos estruturadores da Área de Códigos e suas Tecnologias. São eles: Representação e Comunicação; Investigação e Compreensão e Contextualização Sociocultural, que são organizados em competências / habilidades e temas, sugeridos por esse documento: Usos da Língua; Diálogo entre Textos: um exercício de leitura; Ensino de gramática: algumas reflexões e Texto como representação do imaginário e construção do patrimônio cultural. Esses temas podem ser desdobrados em unidades temáticas seguidas das respectivas competências e habilidades a serem desenvolvidas nas aulas de Língua e Literatura.

O trabalho com a leitura é mencionado quando se fala do diálogo entre os textos. Consiste em desenvolver as seguintes competências: analisar os recursos lingüísticos e expressivos dos textos e seus suportes; reconhecer as características dos diversos tipos de textos (poéticos, narrativos, argumentativos, opinativos e informativos); compreender as diferenças entre um texto literário e outro não-literário; reconhecer textos como um objeto sócio-historicamente construído; relacionar texto e contexto; perceber o diálogo entre os textos (intertextualidade) e confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes manifestações da linguagem verbal.

Os PCN de Ensino Fundamental estabelecem de forma mais detalhada os objetivos gerais e específicos para a área de leitura e relaciona também os conteúdos e os tipos de leitura a serem desenvolvidos em sala, facilitando o entendimento dos PCNEM.

De acordo com os PCN de Ensino Fundamental, os textos literários considerados para o trabalho com a leitura são: o conto, a novela, o romance, a crônica, o poema e o texto dramático. As aulas de leitura teriam como objetivos específicos o desenvolvimento de habilidades de inferência, análise e síntese, percepção de informações implícitas e da relação entre os textos e os seus mecanismos de construção e organização. Os conteúdos a serem trabalhados seriam a ambigüidade, a ironia, as figuras de linguagem, a intertextualidade, os pressupostos e subentendidos, o contexto lingüístico e extralingüístico etc.

Para Kleiman (2004b), identificar o contexto lingüístico do texto é importante para que seja ensinada e aprendida a habilidade de inferência lexical, que facilitaria a leitura do aluno quando se deparasse com um léxico desconhecido, principalmente em um texto literário. A fim de evitar a dependência do uso do dicionário e o estacionamento na leitura por não se reconhecer de imediato uma ou mais palavras, o ensino de estratégias de inferência lexical e o reconhecimento de pistas lingüísticas através de palavras-chave, torna o leitor mais ágil na leitura.

Segundo Antunes (2003), as pistas que o texto oferece ao leitor, não são tudo o que ele precisa para entender um texto. A interpretação de um texto depende em grande parte de outros conhecimentos além do conhecimento da língua. O conhecimento de mundo do leitor somado às pistas e informações que o texto traz, formam uma rede de reconstruções do sentido e das intenções pretendidas pelo autor.

Portanto, antes de se pensar em um programa de incentivo à leitura nas escolas não se pode deixar de diagnosticar a realidade sociocultural dos alunos e da comunidade em volta da escola. Quais são seus gostos? Seus anseios e sonhos? Reconhecem a importância da leitura e da literatura? Quais são suas experiências de leitura?

Segundo Silva (2003b: 103),

O ensino de leitura sempre pressupõe três fatores: as finalidades, os conteúdos (textos) e as pessoas envolvidas no processo, ou seja, as características dos alunos e da turma a ser trabalhada. Sem a presença desses três fatores, o trabalho com a leitura / literatura corre o risco de se tornar vazio ou um “receituário” em que se repetem esquemas já prontos.

Para se conseguir que o aluno se torne um leitor crítico, o ensino deve colocar o texto como uma possibilidade de reflexão e recriação, associando a atividade de leitura à produção de outros textos pelos alunos e facilitando a expressão de suas visões sobre o texto.

Porém, sabe-se que o professor encontra-se diante de uma realidade educacional que não permite em termos de estrutura, um trabalho diversificado em suas aulas. Para criar e inovar o professor precisa investir em sua formação continuada e em uma constante atualização.

Além das causas pedagógicas, que dificultam o desenvolvimento das habilidades de leitura / interpretação de textos, existem também as causas políticas e sociais, que condicionam a desigualdade de condições de acesso à leitura e ao livro no Brasil.

A maioria dos alunos de escolas públicas não têm condições de adquirir livros variados. A única opção de leitura destes alunos são os textos jornalísticos, que são mais baratos para aquisição e possuem uma linguagem mais próxima à sua realidade cotidiana. E os momentos na sala de aula talvez sejam os únicos momentos de leitura a que estes alunos estejam expostos.

Diante deste quadro, percebe-se uma distância entre teoria / prática, ensino / pesquisa que evidencia as contradições da realidade brasileira. O consumo da leitura repete as desigualdades no consumo dos bens materiais.

Em contrapartida, os alunos em resposta a um questionário de pesquisa realizado em uma escola pública noturna, demonstraram valorizar aulas dinâmicas, com músicas, poesias e filmes. Se os professores conversarem mais com seus alunos; promoverem debates sobre a leitura, sua importância e o prazer de ler; se procurarem investigar seus interesses e dificuldades, com certeza receberão muitas idéias e respostas positivas por parte deles.

Mesmo com falta de recursos da escola brasileira nos dias atuais, o professor deve e pode fazer alguma coisa dentro da sua realidade de sala de aula para amenizar as dificuldades de leitura dos alunos e sua resistência aos textos literários.

O texto literário deve ser discutido e analisado por professores e alunos, numa relação de diálogo, trocas e respeito à fala e à voz do aluno, bem como às suas leituras anteriores.

A Literatura, como toda arte, é a expressão do próprio homem. Como expressão humana, conduz ao autoconhecimento e por sua natureza ficcional, à imaginação. Num mundo tão conturbado como o nosso, a literatura é o espaço da criação, da liberdade de pensar, retirando a criatura da escravidão de pensamentos, da passividade própria de uma sociedade dominadora. Ela desenvolve a criatividade humana, leva a refletir sobre o indivíduo e a sociedade.

Por isso, a despeito de todo desprezo que possa sofrer nas mãos de determinadas políticas educacionais, a Literatura deve ser trabalhada de forma livre e criativa, aproveitando seu permanente diálogo com outras artes como a música e o teatro, para favorecer uma crescente aproximação do texto literário com o aluno.

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: Encontro e Interação. São Paulo: Parábola, 2003.

GERALDI, Wanderley João (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.

KLEIMAN, Ângela B. Leitura: Ensino e pesquisa. São Paulo: Pontes, 2004ª.

––––––. Oficina de leitura: Teoria e Prática. São Paulo: Pontes, 2004b.

MAGNANI, Maria do Rosário M. Leitura, Literatura e Escola: sobre a formação do gosto. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica / MEC, 1999.

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SILVA, Ezequiel T. da. Elementos de uma Pedagogia da Leitura. São Paulo: Martins Fontes, 2003a

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