Diadorim
o pacto como emblema trágico do corpo

Leonardo Vieira de Almeida (UERJ)

 

A série de significados que sublinha o pacto em Grande Sertão: Veredas apresenta sua principal metonímia na figura de um moço guerreiro: Diadorim. Nele se unem tanto a possibilidade do contrato social (a erradicação da barbárie jagunça através da morte dos Judas) e o pacto de amor, vertente idealizada na promessa de Riobaldo em meio à batalha final do Paredão: “- ‘... Mas, porém, quando isto tudo findar, Dia, Di, então, quando eu casar, tu deve de vir viver em companhia com a gente, numa fazenda, em boa beira do Urucúia... (...)” (ROSA, 1980: 445). Depois do casamento com Otacília, o chefe Urutú-Branco pretende dividir seu amor com a amizade por Diadorim. Anseio logo posto em xeque pela própria consciência dos fatos reconstruídos pela lembrança[1], mimetizando o passado através do duplo expediente da dúvida, que serve como mediação entre o já conhecido e seu adiamento; tout court erradicado pelo desencadear das perguntas que não encontram respostas: como no “Podia ser? Impossivelmente” (ROSA, 1980: 445).

O “poder ser do impossível”: “Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível (...)” (ROSA, 1980: 454). Desencantada pela morte, após a luta com o Hermógenes, Diadorim se inscreve como “encanto tão terrível”. Mas a escritura se dá, nesse momento, como nudez. O corpo nu desencanta-se na ausência das vestes jagunças. Daí que podemos tentar construir a hipótese do emblema trágico no sertão roseano.

O emblema, por seu caráter simbólico de objeto concreto representativo de uma idéia abstrata, tem grande parte de sua natureza ligada à Heráldica. Não é possível determinar com rigor quando os símbolos passaram a ser empregados como marcas de posse. A Heráldica assume um aspecto singular dessa tendência humana, que se tornou, na Idade Média européia, um sistema de regras precisas, passando a distinguir uma determinada instituição ou ordem. Os emblemas da cavalaria indicavam justamente a que grupo pertencia o indivíduo, por meio dos símbolos e cores que compunham sua tábua de valores.

Podendo-se falar de um emblema do sertão de Guimarães Rosa, seria este o vestuário jagunço. Suas cores e símbolos: o couro das roupas, a quicé, cartucheiras, botas e armamentos. A brasonaria representa a Lei do sertão. Os jagunços de Grande Sertão: Veredas encontram-se divididos em grupos distintos: os que pertencem aos bandos que disseminam a selvageria e o terror, pela prática de invadir cidades, saque, estupro, desafio à autoridade e tortura dos inimigos: os hermógenes; ou aqueles que, chefiados por Medeiro Vaz ou Joca Ramiro, buscam ainda uma certa forma de justiça e lutam contra a barbárie extremada, regidos por um código de honra[2].

Se o vestuário jagunço instaura-se como elemento característico de um grupo, símbolo de macheza, selvageria, como “ordem” regedora dos bandos, há de se observar, pelo próprio caráter incerto dos personagens de Rosa, que o emblema sertanejo representa tanto o mal, a condição do homem que vive seu “cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade”, quanto se constrói como veículo de uma prática mais justa, pela vontade de destituir o sertão da impiedade do Hermógenes e de Ricardão. Aliás, o termo “cristo-jesus” possui um caráter ambíguo: é a forma espelhada de Jesus Cristo, que se apresenta como um recurso da lógica sofística utilizado por Guimarães Rosa. Construída a partir de um onomástico, a palavra em questão não procura demonstrar a forma absoluta de uma tese. Trata-se de dissoi logoi, discursos duplos que lutam entre si sem se destruir mutuamente, cada uma das argumentações contrárias podendo vencer a outra por meio da força do verbo[3].

O emblema em Diadorim salienta a ambigüidade do corpo que não se cala inteiramente pela “ordem” a que remetem as vestes jagunças. Seus olhos são verdes: ao mesmo tempo esperança e perdição; vida e morte: vegetação e cor dos corpos apodrecidos. A esmeralda, uma pedra papal, é também a de Lúcifer antes de sua queda. Embora o verde, enquanto medida, fosse o símbolo da razão – os olhos de Minerva – na Idade Média tornou-se também o símbolo do irracional e o brasão dos loucos. Essa ambivalência é igual à de todo símbolo ctoniano: Satanás, num vitral da Catedral de Chartres, possui pele e olhos arregalados verdes (Cf. Chevalier e Gheerbrant, 1999: 941-942)[4].

Portanto, torna-se marcante a exploração da reversibilidade do olhar de Diadorim por Guimarães Rosa: “Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados” (ROSA, 1980: 219). Verde mutável, da cor da “água de todos os rios”, e ao mesmo tempo de seus “lugares ensombrados”. “Travessias... Diadorim, os rios verdes” (ROSA, 1980: 235). De certo modo, a associação aos rios remete ao próprio nome de Riobaldo: Rio-baldo (frustrado) (MACHADO, 1976: 60). A um só tempo claridade e sombra, o curso do personagem é marcado pelo seu permanente fluir, que não se fixa num só caminho; errância que pode ser, do mesmo modo, codificada no título do romance. Vereda, como o nome Diadorim, é palavra equívoca, podendo significar: caminho estreito, senda, sendeiro (regionalismo do Centro-Oeste do Brasil); em sentido figurado, por derivação: orientação de uma vida, de uma ação, rumo, direção, ocasião, momento, oportunidade; campo ou terreno brejoso, situado em encosta, perto de cabeceira de rio, geralmente coberto com vegetação rasteira graminosa; várzea ao longo de um rio (regionalismo de Goiás); na região dos cerrados, curso de água orlado por buritizais (regionalismo de Minas Gerais); o contrário de caminho: “pântano”[5]. Como se vê, vereda pode se caracterizar como um lugar aprazível, locus amoenus, ou lugar infernal, locus terribilis. “Ouro e prata que Diadorim aparecia ali (...)”. Conforme a Tabula Smaradigma, a distribuição masculino-feminino se faz da seguinte forma: “masculino: o sol, ouro, o fogo, o ar, o rei, o espírito de enxofre; feminino: a luz, a prata, a terra, a água, a rainha, o espírito de mercúrio” (grifo meu) (BRANDÃO, 2000: 200). Ouro associado ao princípio masculino e ao espírito de enxofre; a prata ao princípio feminino e ao espírito de mercúrio. Desse modo, os símbolos heráldicos consubstanciam a complexio oppositorum, a “união dos contrários”, estampada no próprio nome Diadorim: Diá como Diabo; Diá como dea, Deus; Dia, em suas conotações de tempo, luz, brilho (de ouro); Dor; Adorar; Durar, idéia de duração e também de dureza do guerreiro: “Aquilo era de chumbo e ferro” (ROSA, 1980: 324); Ódio, odiar; Rio; -im, sufixo diminutivo ambíguo, servindo para masculino ou feminino, e sublinhando a afetividade” (MACHADO, 1976: 66-67).

A potência ambígua do nome revela, por sua vez, o caráter mercurial da linguagem[6]. Mercúrio, deus alquímico, designação latina de Hermes, é o mensageiro dos deuses, guia dos seres na sua transmutação e instrumento do Lógos. Sua insígnia principal é o caduceu, em grego kerýkeion, que significa bastão de arauto, em torno do qual se enroscam, em sentidos inversos, duas serpentes: a direita e a esquerda, o lado benéfico e o maléfico, diurno e noturno (BRANDÃO, 2000: 200).

No primeiro encontro com Diadorim, nas margens do de-Janeiro, quando ainda é chamado o Menino, Riobaldo já o vislumbra em roupas masculinas: “Ali estava, com um chapéu-de-couro, de sujigola baixada, e se ria para mim” (ROSA, 1980: 80). Desde sempre Diadorim se configura através de um emblema, heráldica que esconde, mas de certo modo revela, por traços fugidios, sua natureza vital e feminina[7].

Por sua ligação excessiva ao pai Joca Ramiro e sua coragem, Diadorim exclui-se tanto da possibilidade do relacionamento afetivo fora da philía familiar, quanto se torna agente que assume uma responsabilidade e iniciativa desnorteantes. Mas a responsabilidade, por sua vez, encontra-se associada, pelo jogo trágico, não ao caráter de Diadorim; ao contrário, é o caráter que parece, a princípio, estar ligado a um vaticínio que designa o destino[8] do personagem. Após sua convalescença na fazenda de seo Josafá Ornelas, quando a guerra jagunça já havia terminado, Riobaldo se decide a partir para Os-Porcos, nos gerais de Lassance, terra de Diadorim. Termina descobrindo, na matriz de Itacambira, o registro de nascimento de seu falecido amor:

Da matriz de Itacambira, onde tem tantos mortos enterrados. Lá ela foi levada à pia. Lá registrada, assim. Em um 11 de setembro da éra de 1800 e tantos... O senhor lê. De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor... Reze o senhor por essa minha alma. O senhor acha que a vida é tristonha? (grifo meu) (ROSA, 1980: 458)

No entanto, não se pode esquecer de que a inscrição que se segue ao nome de batismo de Diadorim é evocado sob a ótica de Riobaldo. Ponto de vista, já anteriormente referido, ligado ao sentido trágico que contamina todo o discurso. O êthos de Diadorim, de fato, encontra-se subordinado a um daímon. A causa externa que o levou a se servir desde jovem das vestes jagunças, nunca é apontada. De qualquer forma, o destino inscrito em Itacambira não deve ser lido como afirmação categórica, que colocaria em contradição o próprio caráter do nome Diadorim, em que a possibilidade de se seguir tanto o bem quanto o mal; a “dor” e o “adorar”, demonstra a ambivalência das proposições.

Por sinal, o daímon, com relação aos heróis trágicos gregos, era visto como a manifestação de uma potência religiosa que se constituía como um dos pólos pelos quais se exprimiam suas ações e falas. No caso de Diadorim – não se esquecendo de que o ponto de vista do narrador-personagem constrói o fluxo de lembranças, em que não se pode descartar a falta de certezas, seja do momento passado ou do presente -, essa manifestação religiosa estaria associado a um outro sentido, pelo artifício mimético de Guimarães Rosa: a inscrição que não admite qualquer possibilidade de origem.

Nesse sentido, os motivos que presidem a ação das personagens de Grande Sertão: Veredas, tanto para o bem como para o mal, muitas vezes não são explicitados. No caso de Maria Mutema, contado a Riobaldo pelo jagunço João Bexiguento, não existe uma razão que explique o porquê dos assassinatos do marido e do Padre Ponte. A lógica ambígua que rege o sertão joga em múltiplas esferas, deslizando de uma a outra, tomando clara consciência de sua oposição, mas sem renunciar a nenhuma delas. Ao mesmo tempo é o lugar da maldade e da graça, ou seja, não se reduz a nenhuma escatologia.

A lógica do êthos em Diadorim ainda pode ser melhor explicitada no episódio em que o moço Reinaldo revela ao Tatarana seu nome verdadeiro. De certo modo, este fato aponta para a questão incoercível do herói trágico, a impossibilidade de romper com o destino:

Escuta: eu não me chamo Reinaldo, de verdade. Este é nome apelativo, inventado por necessidade minha, carece de você não me perguntar por quê. Tenho meus fados. A vida da gente faz sete voltas – se diz. A vida nem é da gente... (grifo meu) (ROSA, 1980: 120).

A vida de Diadorim, de fato, não lhe pertence. A questão de um controle efetivo da vida, de modo a norteá-la para um caminho certo, é, na maioria das vezes, a meta inconclusa dos personagens de Grande Sertão: Veredas. A tentativa de Riobaldo explicar os impulsos que o fazem mover-se como “homem muito provisório”, de separar o certo do errado, quase sempre esbarra na questão do indeterminismo. Quando se pergunta o porquê de ter se encontrado, no porto do de-Janeiro, com o Menino, não obtém resposta. O rio, contido no próprio nome de Riobaldo, é que os une irrevogavelmente. Se a segunda fração do onomástico (baldo) demonstra, em certa medida, seu próprio curso, haverá a frustração apenas de uma das faces do amor: a consumação erótica. Por outro lado, o amor advindo da philía, irá sobreviver, em detrimento de Eros ou Thanatos[9].

Desse modo, se Eros está indissoluvelmente ligado a Thanatos, que terá seu pouso definitivo na batalha do Paredão, será através do encontro com o Menino e posteriormente com Diadorim, que a possibilidade do amor filial, a philía cristã, irá se concretizar pelos olhos de Deodorina. A leitura desprendida da natureza e a amizade que não exige moeda, podem ser exemplificadas pelas próprias palavras de Riobaldo:

Amigo? Aí foi isso que eu entendi? Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é. (ROSA, 1980: 139)

“Diadorim me pôs o rastro dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza” (ROSA, 1980: 25). Foi a amizade por Diadorim que ensinou Riobaldo a prezar o mundo. Mas, ao mesmo tempo, não compreende que alguém como ele, servindo-se de vestes jagunças, pôde revelar-lhe o amor: “Então, o senhor me responda: o amor assim pode vir do demo? Poderá?! Pode vir de um-que-não-existe?” (ROSA, 1980: 108). O emblema trágico se compõe a partir da tensão que se estabelece entre os símbolos que configuram a ordem da barbárie, a lei jagunça, e o corpo que não deixa de revelar e esconder os traços da philía.

Se desde sempre Diadorim se serve do emblema jagunço, será necessário que um determinado episódio sirva como catalizador da desmedida trágica. É a lei do Hermógenes, dos Judas, oposta à lei dos ramiros, de Zé Bebelo, que atrai Diadorim para o seu desfecho. Hermógenes, infringindo o código de honra dos paladinos jagunços, assassinando Joca Ramiro, desencadeia a desmedida, hýbris, acionando tanto para si mesmo quanto para o inimigo um destino trágico. Por sua vez, Hermógenes se constitui também como emblema, cuja construção se faz por meio da concatenação de fragmentos que remetem às forças demoníacas e monstruosas: é um homem cujo rosto se esconde na sombra das abas do chapéu; mistura de animais: “caramujo”, “tigre”, “cavalo”, “jibóia”, “irara”, “cão”, “suindara”. Heterogeneidade em movimento, bruteza, maldade despida de ética, porém alimentada por uma inocência do próprio mal. Um dos nomes de Satanás, na Bíblia, é Legião. Hermógenes pode ser lido como uma legião de símbolos malignos que proliferam: como os próprios nomes que procuram frustradamente designar o Diabo.

Diadorim, após a morte de Joca Ramiro, encontra-se preso a um “mandado de ódio”, o desejo cego, áte, de vingar-se do assassino do pai. O assassinato de Joca Ramiro pode ser visto como reviravolta, metábole, que cega Diadorim e o leva, tanto quanto Hermógenes, ao caminho traçado por sua desmedida. Como Antígona, de Sófocles, ele exclui-se radicalmente da vida. A heroína do trágico grego, por sua ligação irrevogável ao corpo do irmão Polinice, impedido de ser enterrado pela lei do tirano Creonte, é vítima da polução, miasma, por meio da qual encontra-se irrecuperavelmente perdida[10]. Diadorim, do mesmo modo, está ligado ao corpo morto de Joca Ramiro. Ao contrário de Riobaldo, errante nas escolhas, Diadorim assume um objetivo inevitável e necessário, que se estampa no emblema jagunço. Sua luta com Hermógenes, assistida do alto de uma torre, no Paredão, por Riobaldo, é o momento culminante trágico, em dupla vertente: Diadorim perde a vida por amor ao pai, e, a um só tempo, Riobaldo conhece a possibilidade do amor erótico justamente pela morte, quando se desfaz o emblema e revela-se plenamente o que estava oculto. Portanto, Diadorim morre pelo amor a um corpo morto, Riobaldo descobre que poderia ter amado eroticamente, mas nada mais lhe resta. Foi por meio do pacto nas Veredas-Mortas, momento que se constrói pela ocultação do nome de Diadorim, nunca pronunciado, mas operador do sonho utópico, também em dupla vertente, de conjugar o pacto social (pela erradicação da barbárie jagunça) e o pacto de amor (a vivência da philía por meio da amizade), que o destino no Paredão se alicerça. E se o emblema de certo modo ocultava, interditava o caminho da revelação, também escondia a decifração do próprio caráter mercurial, ambíguo do nome Diadorim e, desta maneira, da própria linguagem: (Dia/ Diá – dor/ adorar – im: afetividade e indeterminação da sexualidade). Morto Diadorim, os sentidos múltiplos a princípio se desfazem, o que resta é a verdade na morte, e aí “a estória acaba” (ROSA, 1980: 454).

O pacto fáustico realizado por Riobaldo culmina com a morte de Diadorim. Procurando ultrapassar o escampo infernal do Liso do Sussuarão, acesso ao bando dos Judas, o chefe sagrado Urutu-branco também convoca sua hýbris. O emblema trágico se apaga, revela-se o corpo de Deodorina. Como Helena de Tróia, tanto no Fausto de Marlowe, quanto em Goethe, a utopia da realização do amor erótico de Riobaldo pode ser traduzida como “neblina”. Porém, a “estória ainda não se acaba”. Mesmo amparado por uma suposta ética civilizada, Riobaldo vive, como fazendeiro, na véspera sempre prorrogada da irrupção da maldade. Revelada Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, o demônio, presença e ausência de seu antigo nome, Diadorim, não se erradica. O homem humano, possível conclusão para a jornada do jagunço-filósofo, é questionado mais uma vez pela dúvida[11]. Como último eco ou estampido dirigido ao senhor, descentraliza-se a decifração categórica: “O diabo não há! É o que eu digo, se for...” Se: abertura que deflagra novos sentidos; partícula inclusa no heteróclito universo do sertão roseano.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Pode-se dizer que toda a narrativa de Grande Sertão: Veredas encontra-se perpassada pelo fim trágico: a morte de Diadorim. É contaminado por essa lembrança que Riobaldo tenta marcar o “ponto dum fato”, que opera de forma vacilante, entrecortado pelas inúmeras cadeias sensíveis que se sucedem sem uma lógica aparente ou explícita.

[2] Quanto à criação literária do jagunço por Guimarães Rosa, recomendo o artigo de Sandra Guardini T. Vasconcelos, “Homens provisórios. Coronelismo e jagunçagem em Grande Sertão: Veredas”. Nele a autora defende que os jagunços do romance são recriados a partir da realidade, unindo traços tanto de homens que optaram pelo modo de vida provisório e nômade da jagunçagem quanto são independentes, como os cangaceiros, de quem imitam a organização do bando e certas práticas cotidianas. Ambas as diferenças são atenuadas pela ficção roseana. Sandra Guardini também destaca as anotações marginais feitas por Rosa num exemplar de Optato Gueiros, o comandante das forças volantes que mataram Lampião em 1938 e liquidaram com o cangaço no Nordeste brasileiro. (Cf. Vasconcelos, 2002: 321-333).

[3] Quanto ao papel do dissoi logoi na sofística e na lógica do homem trágico, necessariamente hostilizado por Platão (Cf. Vernant, 1999: 7-9).

[4]. É importante também salientar que o verde pode estar associado à alquimia. A célebre Tabula Smaradigma, “A Tábula de Esmeralda”, reúne um conjunto de procedimentos para se obter a “pedra filosofal”, cuja tradução para o latim data do século XII: “ (...) e cujo texto teria sido gravado pelo próprio Hermes numa esmeralda, contém a base dessa busca. O fundamento simbólico é a separação dos sexos e a ‘re-união’ dos mesmos, patenteando a oposição e o equilíbrio dos dois grandes princípios do universo”. (Cf. BRANDÃO, 2000: 200).

[5] O significado de vereda como “pântano” foi descoberto por Ana Luiza Martins Costa, durante sua viagem pelo sertão de Minas Gerais em 1996, quando pôde conhecer o vaqueiro Zito (imortalizado em Tutaméia como o “vaqueiro-poeta”), que havia acompanhado Guimarães Rosa durante sua viagem pelo interior em 1952. (Cf. Costa, 2003: 147).

[6] Analisando o conto “Famigerado”, de Guimarães Rosa, que faz parte do volume “Primeiras estórias”, José Miguel Wisnik aborda a questão da potência ambivalente mercurial da língua. Nesta história, o jagunço malfeitor, Damázio, apelidado por um moço do Governo de “famigerado”, dirige-se a um homem culto, solicitando a elucidação do nome. Entre revelar a ambigüidade de sentido da palavra – o que poria em risco a si mesmo e ao moço do Governo – resta ao homem letrado servir-se de um único sentido: “Conotando, por contaminação metonímica, o contrário do que denota em significação primeira, o sentido da palavra acaba por fixar o deslizamento polar entre sentidos opostos – notável, benemérito e famoso, por um lado, ao mesmo tempo que mal afamado, perverso e obscuro, por outro”. (Cf. Wisnik, 2002: 177-198).

[7] A problemática de Diadorim encontra-se associada a de uma personagem que tem freqüentado a literatura, as civilizações, as culturas, a história e a mitologia durante séculos: a donzela-guerreira. Filha de pai sem a representação da mãe, seu destino é assexuado. Assim ocorre com Mu-lan, a chinesa de poema do século V indo à guerra contra os tártaros para substituir o pai sem filho masculino. Ou ainda Santa Joana d’Arc, Palas Atena, Camila, heroína dos volscos, na Eneida, de Virgílio. No Brasil, a donzela-guerreira aparece no romance regionalista-naturalista de Domingos Olympio, em 1903, Luzia-Homem. (Cf. GALVÃO, 1998: 11-13 e 174).

[8] Segundo Jean Pierre-Vernant, a vida do herói trágico grego se desenvolve a partir de dois planos, cada um dos quais a tragédia visa a demonstrar como inseparáveis: “ (...) cada ação aparece na linha e na lógica de um caráter, de um êthos, no próprio momento em que ela se revela como a manifestação de uma potência do além, de um daímon. Cf. VERNANT, 1999: 15).

[9] Devo a João Cezar de Castro de Rocha a hipótese das duas faces do amor em Diadorim, uma regida por Eros e outra pela philía, sendo que a última se perpetua para além do fim trágico.

[10] Kathrin Holzermayr Rosenfield estabelece a correspondência entre os destinos trágicos de Diadorim e Antígona, de Sófocles. (Cf. ROSENFIELD, 1993: 159-175. Leonardo Arroyo, por sua vez, associa, no plano mítico, a figura de Diadorim com a de Electra. (Cf. ARROYO, 1984: 80).

[11] Roberto Mulinacci aponta o caráter trágico de Grande Sertão: Veredas em oposição à tragédia, como, por exemplo, a de Édipo-Rei. Se o filho de Laio e Jocasta precisa arrancar os olhos face à verdade, Riobaldo, por sua vez, ao não conseguir separar o verdadeiro do falso, encontra-se num paradoxo sem saída. Assim, ao neutralizar a tragédia que, ao delinear-se, se nega a si própria, Guimarães Rosa entrega “ao romance o fantasma da sua dissolução”, ficando evidente o sentimento trágico de uma perda. (Cf. MULINACCI: 2004).

 

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