A ELABORAÇÃO DIDÁTICA
NOS DOCUMENTOS OFICIAIS DE ENSINO
E NA SALA DE AULA DE UMA REDE MUNICIPAL
DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Maria Rosânia Viana (UNESC; ESUCRI)

 

Introdução

Graças ao esforço dos pesquisadores e de muitos professores, a partir dos anos 90 a concepção de língua baseada na interação verbal proposta por Bakhtin (2000, 2002) surge com mais força como concepção teórica em documentos norteadores de educação, para que possa ser apropriada pelos professores e utilizada em sala de aula no dia-a-dia do mundo escolar na disciplina de Língua Portuguesa. É nessa época e nesse contexto de ensino que surge, na França, a noção do processo de elaboração didática como contraponto à noção de transposição didática. A transposição didática refere-se ao conhecimento produzido pelo sábio (didático) transformado em conhecimento escolar. A opção feita por elaboração didática em detrimento de transposição didática nos vem das colocações de Halté (1998). Isso porque, em primeiro lugar, nem todo conhecimento teórico disponível e ensinável deve ser ensinado (a pergunta é: que conhecimentos devem compor o currículo escolar?); em segundo lugar, porque na disciplina de Língua Portuguesa os conteúdos científicos transformam-se em conteúdos procedimentais para o aluno.

Nesse trabalho, analisa-se o processo de elaboração didática nos documentos oficiais de ensino, bem como, na prática pedagógica em sala de aula na disciplina de Língua Portuguesa no 2º ciclo (3ª e 4ª séries) de uma rede municipal de educação. Para isso, analisa-se o processo de elaboração didática ocorrido no documento reelaborado para a 4ª série no ano de 2002, confrontando-o com o anterior e com os PCNs. Posteriormente, analisa-se a elaboração didática do professor em sala de aula a fim de verificar como aconteceu a elaboração e se quem norteou essa elaboração foi o documento oficial reelaborado, os PCNs ou outro material.


 

A Concepção de Gênero do Discurso

De acordo com Bakhtin (2000), as mais diversas esferas da atividade humana estão relacionadas com o uso da língua, e esses usos podem ser tão variados quanto as próprias esferas. Para o autor, o uso da língua efetua-se sob a forma de enunciados (orais ou escritos), que nascem da interação dos membros de uma ou outra esfera da atividade humana. Assim, os enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada esfera social, considerando-se não somente o conteúdo (temático) e o estilo verbal realizado pelos recursos da língua (recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais), mas principalmente sua organização composicional, pois “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2000: 279, grifo do autor). São esses tipos de enunciado que o autor chama de gêneros do discurso.

Como a atividade social exercida pela humanidade é imensamente rica e inesgotável, também os gêneros do discurso são igualmente ricos e inesgotáveis, e podem modificar-se e ampliar-se, de acordo com a esfera em que circulam, pois estão vinculados às esferas sociocomunicativas. Dessa forma, eles podem formar-se e desenvolver-se, à medida que se desenvolve e se complexifica a sua esfera social (RODRIGUES, 2001).

De acordo com Rodrigues (2001), os gêneros do discurso funcionam, para o interlocutor, como um horizonte de expectativas que indica mais ou menos a dimensão da totalidade discursiva, a composição do enunciado e os aspectos ligados à expressividade dele. Assim, segundo a autora, no relacionamento entre os interlocutores, eles podem inferir o gênero no qual o enunciado foi formado, o que possibilita a interação.

Os gêneros do discurso são resultado da interação humana, por isso, não são universais, antes, são tipos[1] de enunciados constituídos historicamente, sujeitos a variações culturais. No entanto, de acordo com Bakhtin (2000), não se pode afirmar que o uso criativo e livre de um determinado gênero signifique a criação de um novo gênero:

Cada gênero, nas diferentes esferas sociais da comunicação discursiva, possui suas finalidades específicas, sendo que o uso criativo, mais individual no que se refere aos aspectos estilístico, composicional ou temático do enunciado, reflete uma possibilidade já inscrita no próprio funcionamento do gênero, ou melhor, faz parte dos seus objetivos intencionais, ou, então, constitui-se como resultado de tipos de interação verbal mais livres, menos estáveis e normativas, cujos gêneros são menos padronizados, permitindo essa abordagem mais livre e criativa (RODRIGUES, 2001: 42).

Para Bakhtin (2000: 301, grifo do autor), as pessoas falam por meio dos gêneros: o “querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso”, e essa escolha não é aleatória. Para o autor, ela é determinada de acordo com: a esfera social em que se fala, as necessidades do objeto do sentido, o grupo constituído dos parceiros etc., ou seja, para cada situação social de interação, o falante usa um gênero apropriado, ajustando e adaptando sua subjetividade discursiva ao gênero escolhido. Por isso,

El emisor debe optar por el género que se adecue a la circunstancia concreta de emisión. No sólo las formas lingüísticas (el léxico y la gramática) son obligatorias para el hablante, sino también las formas discursivas, los géneros[2] (SILVESTRI; BLANCK, 1993: 96).

No ato da comunicação (oral ou escrita) o falante molda sua fala de acordo com as formas de gênero, o qual pode ser mais padronizado ou mais maleável.

Os gêneros são heterogêneos, porque nascem das mais variadas esferas da atividade humana, desde uma curta réplica do diálogo cotidiano (relato familiar, carta, ordem padronizada etc.) até um repertório formal, sofisticado e padronizado (relatório, tese etc.). Na prática, o falante pode utilizá-los com segurança e agilidade, ainda que não os domine teoricamente.

Bakhtin (2000) estabelece distinção entre os diferentes gêneros, agrupando-os em dois tipos: gêneros primários (os quais chama de simples) e gêneros secundários (complexos). Para o autor, os gêneros primários (cartas, réplicas de diálogos, relatos cotidianos etc.) podem tornar-se componentes dos gêneros secundários, transformando-se dentro deles (por exemplo, uma carta dentro de um romance), adquirindo outra característica, perdendo, dessa forma, a relação imediata com a realidade existente, deixando de ser uma atividade cotidiana para constituir um acontecimento artístico no romance. Os gêneros secundários (romance, editorial, tese etc.) aparecem na comunicação cultural mais complexa e mais evoluída, principalmente na escrita (artística, científica etc.). Ao se formar, os gêneros secundários utilizam, muitas vezes, os gêneros primários.

Os gêneros assumem papel importante na vida da sociedade e da língua, uma vez que estabelecem relação mútua entre língua e ideologia. Eles trazem consigo os modos de ver e perceber o mundo, pois respondem às condições específicas de uma dada esfera, podendo ser agrupados de acordo com as esferas em que circulam, conforme mostra Rodrigues (2001: 74, grifo da autora):

– Gêneros da esfera da produção: ordem de serviço, instrução de operação de máquinas, aviso, pauta jornalística etc.;

– Gêneros da esfera dos negócios e da administração: contrato, ofício, memorando etc.;

– Gêneros da esfera cotidiana: conversa familiar, conversa pública diário íntimo, saudação etc.;

– Gêneros da esfera artística: conto, romance, novela etc.;

– Gêneros da esfera jurídica: petição, decreto etc.;

– Gêneros da esfera científica: tese, artigo, ensaio, palestra etc.;

– Gêneros da esfera da publicidade: anúncio, panfleto, folder etc.;

– Gêneros da esfera escolar: resumo, seminário, “texto didático” etc.;

– Gêneros da esfera religiosa: sermão, encíclica, parábola etc.;

– Gêneros da esfera jornalística: entrevista, reportagem, notícia, editorial, artigo etc.

Como visto, as formulações discursivas dos falantes concretizam-se dentro de um determinado gênero, ou seja, fala-se por meio dos gêneros. Assim, é fundamental que, na escola, o ensino de Língua Portuguesa esteja pensado a partir das concepções dos gêneros do discurso, porque o querer-dizer do aluno está atrelado a um gênero, ainda que o aluno desconheça tal concepção. Todo falante da língua, mesmo de forma inconsciente, na prática, utiliza os gêneros para produzir os enunciados, seja em casa, na igreja, na rua, na escola.

A escola, por exemplo, deve abrir as portas para a entrada dos mais variados gêneros, a fim de melhor desempenhar o seu papel como formadora de cidadãos.

 

A Transposição Didática

A partir da década de 1980, começaram a surgir, no campo educacional, no interior da reflexão de cunho epistemológico, conceitos como o de ‘transposição didática’ (TD). De acordo com Petitjean (1998), tal conceito emergiu na sociologia em 1975, pelo sociólogo Michel Verret, o qual observou que, por meio de operações múltiplas, o conhecimento científico transforma-se em conhecimento escolar. O conceito de TD migrou da sociologia para várias outras disciplinas, dentre elas, a didática, de modo específico, para a didática da matemática, sendo então rediscutido por Yves Chevallard, em 1985 (PETITJEAN, 1998).

De acordo com Chevallard (1985 apud PERRELLI, 1996), o termo TD refere-se ao esforço de transformar um objeto de conhecimento produzido pela comunidade sapiencial (científica) em objeto de ensino escolar, ou seja, para adentrar a sala de aula, o saber de referência ou original passa por inúmeras transformações, considerando-se que, em sala de aula, será estudado e entendido por pessoas que não têm o mesmo grau de conhecimento do ‘sábio’. Nesse sentido, o processo de transposição que resulta no saber ensinado ocorre, primeiramente, em instância externa à sala de aula, caracterizando-se pela passagem do saber científico ao saber a ensinar e, desse, ao saber efetivamente ensinado.

Essas transformações ou passagens de saberes podem ser mais bem entendidas se forem especificadas, de acordo com Perrelli (1996), as diferentes pressões que Chevallard diz serem produzidas no processo de transformação do saber: o savoir savant (conhecimento científico) constituído pelos detentores e produtores contínuos do saber, como os matemáticos, lingüistas, filósofos, pesquisadores etc.; o savoir à enseigner (conhecimento a ser ensinado), constituído pelo saber dos programas, documentos oficiais, livros didáticos etc.; e o savoir enseigné (conhecimento ensinado), constituído pelo saber que, de fato, é ensinado em sala de aula.

De acordo com Petitjean (1998), ao transpor-se um saber científico para um saber ensinado, pressupõe-se que essa transposição seja enquadrada no processo de escolarização, passando a depender dos objetivos e das imposições institucionais. Durante o processo de seleção dos conhecimentos científicos (savoir savant) a serem ensinados em sala de aula, há articulação feita entre o sistema didático e a instituição escolar, que pesa muito, pois o resultado dessa articulação influencia a entrada ou não dos conhecimentos científicos que farão parte dos programas escolares. Essa articulação é acompanhada por operações que caracterizam a didatização dos conhecimentos, tais como: a descontextualização/recontextualização, a despersonalização, a programação, a publicidade e o controle.

Descontextualizar um saber é

Extrair um conceito de sua lógica científica original (abstração coerente, mas polêmica e frágil, elaborada para outros fins que não ensino e aprendizagem) para transformá-lo em noções suscetíveis de uma aprendizagem especializada (recontextualização). (PETITJEAN, 1998: 02)

Em outras palavras, quando um saber científico é transposto para o âmbito escolar, ele é descontextualizado da história à qual estava ligada a pesquisa. Assim, na escola, faz-se um trabalho de reconstrução didática do saber para colocá-lo em novos contextos, havendo, dessa forma, a recontextualização (PERRELLI, 1996), que não leva em conta e nem topicaliza como objeto de ensino as condições de produção desse saber científico.

Na despersonalização, “a noção a ser ensinada não é associada ao fundador do seu conceito nem ao seu campo científico de referência” (PETITJEAN, 1998: 03). A despersonalização do saber refere-se ao processo autoral do saber produzido na pesquisa científica, que, no processo de TD, é perdido quando (re)contextualizado, porque aquilo de humano (do pesquisador) que havia na etapa inicial da produção do conhecimento (científico) fica para trás no ato da produção do texto didatizado, suprimindo, dessa forma, as motivações iniciais do seu produtor (PERRELLI, 1996).

O saber científico, em statu nascendi, está atado a seu produtor e faz, por assim dizer, parte dele. O conhecimento, mesmo no interior da comunidade sábia, supõe certo grau de despersonalização, que é o que permite a publicidade do saber (CHEVALLARD, 1985 apud PERRELLI, 1996: 72, grifo do autor).

Com o passar do tempo, esse saber ganha novos enfoques, podendo, assim, tornar-se um saber escolar.

Pela programação, o saber a ser ensinado é decomposto e misturado a outras noções conceituais, obedecendo a uma ordem, de acordo com os objetivos de ensino-aprendizagem (PETITJEAN, 1998).

Na publicidade, “o conhecimento a ser ensinado é denominado e definido, por exemplo, num texto oficial, mesmo que esse texto tenha ou não uma nomenclatura e um glossário” (PETITJEAN, 1998: 03). O conhecimento que será ensinado na escola deve ser definido de acordo com o público-alvo. No ensino de gênero, por exemplo, seria plausível se o professor solicitasse a um aluno de 1ª série (do ensino fundamental) a produção de um conto de fadas, mas não seria lícito se solicitasse um romance do começo do século XX, ou seja, o saber transposto necessita ser adaptado ao seu público-alvo. Ainda, o saber a ser ensinado é renomeado pelas diferentes instâncias que compõem a esfera escolar.

O controle refere-se à verificação da transmissão do conhecimento, por meio de processos que garantam a aquisição dos conteúdos a serem ensinados (PETITJEAN, 1998), isto é, as transformações sofridas não podem distanciar-se muito do saber de referência.

 

A Presença da Noosfera

A didatização dos conhecimentos científicos pode ser operacionalizada pelo sistema didático, que é composto, de acordo com Chevallard (1985 apud PERRELLI, 1996), por três elementos que estão relacionados entre si: o saber, o aluno e o professor. É no sistema didático que se opera a transposição didática interna.

Por intermédio da transposição didática, conforme visto, o conhecimento, para tornar-se apto a ser ensinado, sofre modificações. Para designar os agentes que pensam sobre os conteúdos a serem ensinados de forma integrada entre sistema didático, sistema de ensino e o ambiente social da escola, Chevallard propõe a nomenclatura noosphère (noosfera) (PETITJEAN, 1998).

A noosfera é a instância que age como verdadeiro filtro do saber, pois é nela que se produz o saber a ser ensinado, explícito em documentos oficiais de ensino, propostas curriculares, livros didáticos etc. É por meio da noosfera que Chevallard distingue os agentes da TD externa, como os redatores de programa, os autores de artigos em revistas didáticas e pedagógicas, os formuladores de manuais e os atores da TD interna, como os professores. Tanto na TD externa quanto na TD interna, os agentes atuam em função de suas representações, estando subordinados aos regulamentos da disciplina e dos conhecimentos que ela deve programar (PETITJEAN, 1998). A noosfera é, então, “o centro operacional do processo de Transposição” (PERRELLI, 1996: 82), e dela fazem parte todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o sistema de ensino: secretarias de educação, professores, especialistas, diretores de escola, associação de pais e professores etc. É claro que, embora sejam muitos os agentes da noosfera e todos trabalhem no sentido de renovar o saber a ser ensinado, eles não têm o mesmo poder de decisão (PERRELLI, 1996). Em cada uma das categorias, os diferentes agentes da transposição interferem a partir dos interesses que estão em jogo e das regras que são próprias a cada contexto específico (GABRIEL, 2004).

Embora seja a noosfera que decida a entrada de novos conteúdos no campo do saber a ser ensinado, eles não são introduzidos no ambiente escolar por méritos próprios, porque se leva em consideração se o conteúdo é ou não ensinável, isto é, se ele pode ser operacionalizado no sistema didático, se dele podem ser geradas as práticas típicas de sala de aula, como exercícios, atividades, tarefas e avaliações, dentre outras razões.

 

A Elaboração Didática

Na seção anterior, discutiu-se o conceito da TD no que se refere ao ensino-aprendizagem de língua. Halté (1998), que defende uma didática praxiológica (ensino operacional e reflexivo) no ensino de língua materna e analisa a noção de TD de Chevallard, diz que, no caso do ensino de línguas, há menos transposição didática e muito mais reelaboração de conhecimentos, que convoca pluralidade de saberes de referência e que é preciso selecionar, interagir e operacionalizar. Por isso, ele nomeia esse processo como Elaboração Didática dos Conhecimentos. A elaboração didática (ED), para o autor, situa-se num projeto didático que privilegia o sistema didático inteiro como protagonista da operacionalização do conhecimento.

Halté (1998) defende que, no ensino de língua materna, a aula de leitura ou escritura abrange em sala de aula conhecimentos de todos os tipos, porque há sincretização, ou seja, há mistura entre o conhecimento científico, a prática social de referência, a especialidade e o conhecimento geral. Para o autor, sem a sincretização, o ‘puro’ conhecimento científico, o modelo das práticas e o conhecimento especializado não teriam o menor sentido e nem chance de serem apropriados. O conhecimento produzido em sala de aula é um acontecimento único e irrepetível, pois o texto produzido por meio da interação verbal muda, à medida que é construído, direcionando-se pela atividade interativa. Assim, a lógica que prevalece

É a das atividades de linguagem em que as intenções de dizer pré-construídas correspondem aos ditos efeitos que não encobrem as intenções que surgem nos jogos de interpretação recíproca, nos ‘riscos do ao vivo’ [...]. (HALTÉ, 1998: 19, grifo do autor)

Dessa forma, na elaboração didática do conhecimento, a aprendizagem é construída por meio das práticas de linguagem exercidas pelos turnos de fala do professor e dos alunos.

Assim, pode-se afirmar que o saber no conceito da ED está atrelado às unidades básicas de ensino propostas por Geraldi (2002), porque o aluno, na prática de produção de textos, na prática de leitura e na prática de análise lingüística, opera com conhecimentos de modo a guiar seu ato discursivo por meio de atividades de ordem epilingüística. Tais ações têm caráter subjetivo, uma vez que não são necessariamente objetivadas (atividades metalingüísticas). Os turnos de fala são dirigidos, administrados ou adaptados pelo aluno de forma intuitiva e em função da interlocução.

De acordo com Halté (1998), a escola, a exemplo de outras instituições, como a família, a empresa, é também lugar de aprendizagens incidentes. Entretanto, como lugar explicitamente construído para ‘importar’ conhecimentos e ‘transmiti-los’ de forma dirigida, ela caracteriza-se como o lugar do ensino intencional, ou seja, em sala de aula, o aluno aprende por meio de circunstâncias que podem ser provocadas intencionalmente pelo professor, mediante a prática reflexiva do processo de ensino-aprendizagem. Dessa maneira, no ensino de língua, o que se quer não é apenas ensino aplicacionista com atividades guiadas por um modelo, mas melhor percepção das lógicas de ensino-aprendizagem, processo que

Focaliza mais sobre as modalidades de intervenção didática e de apropriação didática do que sobre a simples transmissão de conhecimentos; mais sobre a relação conhecimento/aluno do que a relação conhecimento/professor. (HALTÉ, 1998: 18, grifo do autor)

No conceito da ED, o conhecimento apropriado pelo aluno caracteriza-se por uma metodologia implicacionista (e não aplicacionista) do conhecimento, que Halté (1998) chama de savoir faire, ou seja, saber fazer. De acordo com Perrenoud (2002: 85, grifo do autor), o savoir faire pode ser considerado saber procedimental, podendo ser aplicado pela inteligência humana. O savoir faire é um esquema de ação elaborado a partir de uma disposição interiorizada, construída laboriosamente e que dá “o domínio prático da ação”. Coll (2003) também diz que o saber fazer refere-se a um conhecimento procedimental.

Nesse sentido, a ED apresenta-se como o conceito do saber fazer seguido pela reflexão prática da ação. Ao considerar o ensino de língua materna, a partir dessa abordagem, de modo específico nas séries iniciais do ensino fundamental, percebe-se que se quer para o aluno não apenas a apropriação do conhecimento, pois não se quer que ele somente se aproprie de um conhecimento e aplique algumas regras. Também, o professor não quer que o aluno apenas saiba (re)produzir textos como um gesto de transposição de idéias advindas de um manual didático ou outra fonte. Por fim, também não se quer que ele leia para provar que sabe ler. Quer-se que ele tenha o domínio prático da ação, ou seja, que ele saiba fazer (falar, escrever, ler, ouvir).

Pensando-se, então, o ensino de língua materna a partir da apropriação do conhecimento sobre os gêneros discursivos, por exemplo, não se quer, em primeira instância, um ensino unicamente conceitual, em que o aluno saiba apenas reconhecer ou dizer o que são os gêneros do discurso, mas um ensino procedimental que implique um saber fazer. Assim, na produção de textos, o saber fazer significa o professor instigar, provocar, desafiar o aluno para que ele desenvolva suas competências e assuma-se como autor de sua escrita, sujeito de sua ação e de sua prática reflexiva. A autoria, nesse sentido, nasce subsidiada pelo conhecimento trabalhado em sala de aula, mediado pela interação e reflexão da prática pedagógica. Nos turnos de fala realizados, a autoria estaria presente nos argumentos lançados na contrapalavra, na relação aluno-aluno e aluno-professor. Quanto ao saber fazer leitura, no conceito de ED, seria o professor remeter o aluno a textos de fontes diversas, de acordo com os interesses entrelaçados na produção do conhecimento em sala de aula, de forma que, posteriormente, o próprio aluno vá ao texto na busca do que necessita, de acordo com seus interesses. A leitura, aí, seria a ponte mediadora entre o mundo interno e externo à sala de aula.

Já a prática de análise lingüística, no ensino de língua materna, resultaria do processo de produção de textos e da prática de leitura e implicaria maior criticidade e consciência do aluno em relação a sua preparação para a vida. Nesse sentido, a questão da autoria assumiria dupla dicotomia na vida do aluno: produzir textos e resolver problemas relacionados não somente à vida escolar, mas também à vida fora da escola, pois esta é uma das funções da escola: preparar o aluno para a vida, e isso não significa somente prepará-lo para prestar exames no final do bimestre ou na entrada da universidade.

O objetivo da escola não deve ser apenas transpor conteúdos. Aliás, de acordo com Perrenoud (2002), o sistema educacional não deve perder tempo reconstruindo a transposição didática, o que deve fazer é avançar em termos de procedimentos didáticos em sala de aula, de forma a dinamizar o saber, preparando o aluno para atuar na sociedade moderna, e não para passar em exames, acumulando saberes, e de forma que saiba mobilizar conhecimentos aprendidos em situações reais nas mais variadas esferas em que estiver inserido.

 

A Elaboração Didática em Documentos Oficiais
de Ensino de uma Rede Municipal

Na rede municipal de ensino em análise o documento norteador de educação maior são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Essa rede municipal não possui nenhuma proposta curricular. O que se tem em termos de elaboração municipal são os ‘planos de curso’ que são elaborados pela própria secretaria e enviada aos professores que devem nortear seu trabalho de acordo com o que ali estiver exposto. Cabe dizer que do ano de 1999 ao ano de 2001[3] os professores utilizaram o mesmo plano de curso. Somente em 2002 esses planos sofreram mudança para que ficassem em consonância com os PCNs, logo, há mudança significativa no objeto de ensino assumido no documento reelaborado[4]. Será abordado, então, de forma sucinta o objeto de ensino assumido nos documentos mencionados.

a) Os Parâmetros Curriculares Nacionais: Os conteúdos e objetivos apresentados nos PCNs (1997) para desenvolver o trabalho com o ensino de Língua Portuguesa sugerem a tomada do texto como unidade de ensino e a do gênero do discurso como objeto de ensino. Esses documentos valorizam a língua nas modalidades oral (usos e formas) e escrita (usos e formas), envolvendo a prática de leitura e a prática de produção de texto. Os PCNs sugerem também a análise e reflexão sobre a língua (oral e escrita).

b) O documento oficial de ensino do ano de 2001: O documento oficial de ensino analisado do ano de 2001 sugere um ensino de língua no qual a própria língua é tomada como unidade de ensino e o ensino conceitual de gramática é tomado como objeto. A preocupação maior desse documento de ensino é a de escrever e falar gramaticalmente correto.

c) O documento oficial de ensino do ano de 2002: O documento oficial de ensino reelaborado do ano de 2002 prioriza o texto como unidade de ensino e, implicitamente, os gêneros como objeto de ensino. Isso porque a intenção desse documento de ensino no que diz respeito ao objeto e à unidade de ensino assumidos, é a de manter-se igual aos PCNs, pois os objetivos e conteúdos que figuram nesse documento de ensino foram transcritos dos PCNs.

No que se refere ao objeto e à unidade de ensino assumidos no documento de 2002 comparando-os com os de 2001, em termos de ensino-aprendizagem, há diferença entre os documentos, porque o documento de 2001 assumi a língua como unidade de ensino, tendo como objeto o ensino conceitual de gramática. Já o documento de 2002 assumi o texto como unidade de ensino, tendo os gêneros (implicitamente) como objeto de ensino.

A análise dos objetivos e conteúdos dos documentos de 2001 e de 2002 revela que há mudanças no objeto de ensino dos mesmos. E comparando o documento de 2002 com os PCNs percebe-se que as mudanças ocorridas correspondem a uma transcrição dos PCNs. Nesse sentido, pode-se dizer que não houve Elaboração Didática de Conteúdos no documento de 2002, porque os conteúdos desse documento de ensino estão iguais aos dos PCNs. Novamente comparando o documento reelaborado com o de 2001, percebe-se que o objetivo geral está igual o do documento anterior (2001). O que aparece de novo são os objetivos específicos para a oralidade, leitura, escrita e produção de textos. Essa inclusão dos objetivos específicos não leva a dizer que houve Elaboração Didática, porque ela é muito mais que pequenos ajustes ou remendos. Ela é planejamento, é reflexão. Assim, as mudanças ocorridas no documento reelaborado firmam-se nos PCNs, mas em um sentido figurado, pois os PCNs não foram usados como um documento capaz de suscitar questionamentos, debates e planejamento de um novo objeto de ensino-aprendizagem a ser construído e trabalhado pelo corpo docente e discente.

Assim, inferi-se que, a secretaria municipal de educação, órgão competente responsável pela educação municipal, naquele município, incorpora (em seus documentos de ensino) o texto como unidade de ensino e, implicitamente, os gêneros como objeto de ensino na disciplina de Língua Portuguesa, a exemplo dos PCNs, efetiva essas mudanças sem discussão e sem elaboração, usando os PCNs não como um suporte educacional norteador de ensino, mas como um modelo simplificado a ser transcrito diretamente para outro documento e enviado às escolas.

O documento oficial de ensino reelaborado mostra que, se de um lado há um avanço ao se introduzirem o texto como unidade de ensino e os gêneros do discurso (implicitamente) como objeto de ensino para as práticas de linguagem na disciplina de Língua Portuguesa, por outro, demonstra que ainda há um processo a ser construído, pois falta um trabalho reflexivo que articule as orientações dos PCNs com a realidade educacional do município.

 

A Elaboração Didática do Professor
em Sala de Aula e o Material Usado

De antemão, já se pode dizer que norteia a elaboração didática do professor, em sala de aula o livro didático De olho no futuro (1996), porque todas as aulas são planejadas de acordo com ele, conforme mostra uma das elaborações didáticas da aula da professora:

-Leitura e interpretação (p. 19) “A raposa e o corvo”.

-Gramática: sílabas (p.23-24).

-Ortografia (z intermediário / s com som de z) p. 25.

-Redação: comparação de cenas (p. 188-190. De Olho no Futuro).

(Caderno de elaboração de aula da professora)

Essa elaboração didática tem como primeiro item a prática de leitura oral, seguida pela interpretação da fábula A raposa e o corvo.

Analisando a prática de leitura encaminhada pela professora em sala de aula, percebe-se que o texto e a atividade de leitura são aqueles apresentados no livro didático. A leitura é encaminhada de forma que cada aluno lê um parágrafo. Nesse caso, a prática de leitura que se tem é voltada para a leitura vozeada, em que o aluno lê para ‘provar’ que sabe ler. Então, primeiramente, o aluno vai ao texto para mostrar que sabe ler, depois, para buscar respostas não às suas inquietações, curiosidades etc., mas para buscar respostas a uma prática escolar rotineira, em que ele tem que responder de maneira oral e mecânica, junto com outros colegas, à professora e, posteriormente, de forma escrita, no caderno, perguntas óbvias apresentadas pelo livro didático, como: “Quais são os personagens da história? Onde estava o corvo quando foi visto pela raposa?” GARCIA; CAVEQUIA; ALMEIDA (1996:20). Trata-se, nesse caso, de ir ao texto para escutá-lo, ou seja, retirar dele resposta a uma questão, que não surge de uma indagação do leitor, mas do mecanicismo do próprio material didático.

Observa-se também, que, em alguns momentos, a leitura era usada como castigo para alunos que não prestam atenção, distraindo-se. Assim, uma forma de fazer com que permanecessem atentos era punir os distraídos. Mesmo assim, as crianças gostam de ler, porque, às vezes, entre uma atividade e outra, aquelas que terminavam seus exercícios escritos pediam à professora que lhes desse alguma leitura, e ela os encaminhava à leitura do livro didático. O círculo de leitores aumentava à medida que outros terminavam a correção, e, em pouco tempo, toda a turma estava concentrada em alguma leitura do livro didático. Essa é uma prática de leitura, conforme coloca Geraldi (1999), de se ir desarmado ao texto, sem perguntas predeterminadas, nem pelo leitor nem pelo mecanicismo do livro didático, sem nenhuma pretensão de uso imediato. Assim, ela pode tornar-se uma excelente prática de leitura, porque o aluno poderia encontrar algo que realmente lhe interessasse. No entanto, a professora, ao perceber todos compenetrados na leitura, viu ali um momento para solicitar uma atividade do ensino gramatical que estava sendo desenvolvido. Assim, o que poderia ser uma prática de leitura descontraída, tomou-se o mesmo caráter das práticas a que o aluno já está acostumado, ou seja, ir ao texto buscar alguma coisa solicitada dentro de um padrão, tipicamente escolar, nesse caso, a busca de conteúdos gramaticais.

Quanto a prática de escrita, ela, também é realizada de acordo com o livro didático, pois após a explicação da professora referente aos tópicos gramaticais apresentados pelo livro didático, os alunos são remetidos, primeiramente, à cópia desses conceitos depois à cópia dos exercícios estruturais. Desse modo, grande parte da prática de escrita dá-se pela cópia de conceitos e de exercícios estruturais do livro didático. Essa prática de escrita, automaticamente, está associada a uma prática de leitura e escuta que, posteriormente, fundir-se-á a uma prática de oralidade, porque, quando copia os conceitos ou os exercícios estruturais, a criança, automaticamente, faz a leitura daquela prática de escrita, indo, após esse processo, para o de correção, que envolve tanto a prática de leitura, escuta e escrita (correção=reescrita) quanto a prática de oralidade, seja com o exercício corrigido no quadro, seja corrigido de forma oral.

A produção textual solicitada pela professora aos alunos é aquela sugerida pelo livro didático, assim, o aluno ao produzir textos nem sempre consegue expressar sua subjetividade, porque tem que produzir um texto de acordo com os padrões já estipulados pelo livro didático. Raríssimas vezes a professora solicita uma produção de texto que parte de sua própria elaboração. Assim, ainda que de forma inconsciente, às vezes ela rompe um jogo regrado ditado pelo livro didático, possibilitando que os alunos, em alguns momentos, se assumam como sujeitos de suas ações. Quando isso acontece, a diferença de produção de texto é perceptível, uma vez que os alunos conseguem produzir textos muito mais elaborados.

Ainda no que se refere à produção textual, seja orientada pelo livro didático, seja orientada pelo professor, percebe-se que ela era sempre encaminhada sem planejamento prévio do que dizer, a quem dizer, por que dizer, ou seja, escrever apenas para cumprir uma função escolar; escrever para a professora com um objetivo único, ganhar nota. Nesse caso, a noção de produtor é a de produzir textos para a escola e não na escola, num processo dialógico.

O processo de revisão é algo camuflado, ou seja, não há troca, discussão, aprendizagem, tanto que a versão final acaba saindo repleta de erros novamente, porque o aluno não é levado a amadurecer com os seus erros. Ele erra, mas não é levado a entender o porquê. Assim, na realidade, a produção textual assume, na escola, a velha tradição básica de se escrever sem ter exatamente noção de o que e para que, porque o único objetivo conhecido pelo aluno, como dito, é o de ter nota. Mesmo assim, ele escreve, sem saber quais são as expectativas da professora, pois não sabe, exatamente, em que aspecto será avaliado. Por isso, quando a produção é solicitada com base no livro didático, o aluno tenta reproduzir um texto com as características dos textos apresentados naquela unidade, talvez, por acreditar que seria cobrado pela proximidade ao modelo.

Ainda que houvesse o processo de revisão da produção escrita, ela, praticamente, podia ser considerada um produto pronto, pois a revisão não era analisada em sala de aula com o produtor, que fazia a redação final em casa. Dessa forma, o texto não é considerado o produto de uma série de operações com as quais o produtor pode assumir-se mais efetivamente como sujeito do que diz, porque, às vezes, ele mesmo não sabe o que dizer, pois há um ‘tu’ nele chamado livro didático, e sua subjetividade fica, na maioria das vezes, limitada a esse material.

Dessa forma, a produção de textos, ancorada na perspectiva dialógica da linguagem, ou seja, de que produzir textos é produzir discursos, não assume, nesse caso, o seu caráter pleno, pois o aluno é levado a usar a língua, mas não é levado a refletir sobre as práticas de uso da linguagem para as suas produções discursivas e para a formação de um ser verdadeiramente letrado.

Outra questão que pode ser mencionada é a avaliação, já que esta também é fruto de uma elaboração didática que está diretamente ligada à elaboração didática da professora. Percebe-se que é cobrado e avaliado em prova aquilo que foi trabalhado em sala de aula, ou seja, o ensino conceitual de gramática, por meio de atividades metalingüísticas, em que a linguagem é assumida não como objeto de reflexão ligado a um processo de interação, mas como metalinguagem sistêmica, com a qual se fala da língua. A linguagem é então analisada por meio de conceitos, classificações e escrita mecânica (GERALDI, 2002). Assim também é o processo de verificação da aprendizagem. Ela acontece por meio de classificações, entendimento de conceitos, escrita de palavras por meio de ditados para verificar se houve aprendizagem e domínio da língua sistema.

Conforme foi dito, o que norteia, fielmente, o trabalho da professora em sala de aula não é o documento de ensino reelaborado da rede municipal em análise ou os PCNs, mas o livro didático. Viu-se que todo o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula está ligado a ele, constituindo ele o mestre direcionador das práticas de leitura, escuta e produção textual na elaboração didática da professora em sala de aula. Como o livro didático não prevê atividades de análise lingüística, a elaboração da professora também não as inclui.

Percebe-se que ainda que tente, de vez em quando, usar uma ou outra atividade em sintonia com outras disciplinas, ou que não acate a sugestão de produção textual apresentada pelo livro didático, ou que pule algumas páginas do livro didático em sua elaboração didática, ainda assim, o que norteia e comanda a elaboração didática da professora em sala de aula não é o documento oficial reelaborado pela secretaria, nem os PCNs, tampouco a própria professora, mas o livro didático.

Como visto, o ensino sugerido no livro didático valoriza o ensino conceitual de gramática como objeto. Nesse caso, assume a língua como unidade, apresentando, assim, um ensino de língua mais conceitual e menos procedimental, estando, dessa forma, mais voltado ao ensino sugerido no primeiro documento oficial analisado (2001) do que ao ensino sugerido no documento oficial de 2002 e nos PCNs que, conforme dito, sugerem que se assuma o gênero como objeto e o texto como unidade de ensino.

Entende-se que, os manuais escolares são responsáveis por apresentar a elaboração dos conhecimentos a serem ensinados nas escolas, assim, a escolha das noções a serem ensinadas, as maneiras de concretizar essas noções, como elas serão definidas e apresentadas aos alunos, muitas vezes, já estão ali sugeridas, e, sabe-se, a esmagadora maioria dos professores utilizam em suas aulas o livro didático como suporte ou fundamento para a sua elaboração didática. Por isso, neste trabalho, defende-se que deve haver sincronia entre os produtores responsáveis pela entrada de novos conhecimentos na esfera escolar, ao mesmo tempo, pensa-se que os responsáveis pela escolha dos livros didáticos na escola devem fazer, ao menos, a escolha correspondente ao que é assumido como objeto de ensino na proposta a ser seguida. Por último, pensa-se que, em sala de aula, esse material didático deva assumir um lugar de suporte às práticas adotadas no documento oficial e não a de único norteador das atividades de sala de aula.

Cabe deixar claro que de forma alguma estamos nos opondo ao livro didático, pois todo material didático, por mais insignificante que seja, pode constituir-se em rica fonte de saber, quando bem utilizado. O que queremos dizer é que o livro didático não está aí para ser usado como mestre único em sala de aula, e que é necessário que nas escolas se adotem livros didáticos baseados em critérios que satisfaçam as expectativas assumidas em documentos norteadores de educação, pois a realidade é que há livros didáticos circulando por aí cujos conteúdos não dão conta das mudanças ocorridas no ensino de língua nos últimos anos, podendo, dessa forma, abortar muitas propostas boas de ensino.

Os professores da rede municipal em análise, agentes responsáveis pela elaboração didática do conhecimento em sala de aula, não foram chamados a fazer parte do grupo que reelaborou os documentos oficiais de ensino daquele município, logo, a elaboração didática em sala de aula não assume tal característica, talvez porque a professora não estivesse preparada para lidar com as mudanças ocorridas nos novos conteúdos de ensino para a disciplina de Língua Portuguesa, necessitando, assim, de uma formação continuada que a colocasse a par do novo conhecimento que passa a figurar no documento de ensino reelaborado.

Dessa forma, concluímos que, para haver mudança efetiva do objeto de ensino-aprendizagem (figurado em documentos norteadores de educação) na disciplina de Língua Portuguesa em sala de aula, e para que o professor tenha mais segurança ao fazer a sua elaboração didática de acordo com o documento oficial de ensino a ser seguido, é necessário que as discussões oriundas dos PCNs levem os órgãos educacionais[5], como, por exemplo, as prefeituras a tomarem algumas atitudes. Primeiro, elas devem elaborar suas próprias Propostas Curriculares.

Segundo, os municípios devem elaborar, à luz dos PCNs e das propostas curriculares de ensino, seus próprios projetos pedagógicos.

Terceiro, para poderem ministrar com segurança os conteúdos novos que passam a fazer parte de documentos norteadores de educação os professores necessitam, primeiramente, conhecê-los, pois é mais fácil e seguro trabalhar com o que já conhecemos e a que estamos acostumados do que com algo com que não temos intimidade, por isso, é de suma importância que os professores estejam em processo de formação continuada, pois no dia-a-dia em sala de aula eles serão os agentes responsáveis pela concretização das idéias ou das mudanças propostas nos documentos oficiais assumidos.


 

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[1] Na concepção bakhtiniana, a noção de ‘tipo’ dá-se pelo ângulo histórico, e não a partir de um processo teórico de abstração (RODRIGUES, 2001).

[2] O emissor deve optar pelo gênero que seja adequado à circunstância concreta de emissão. Não somente as formas lingüísticas (o léxico e a gramática) são obrigatórias para o falante, mas também as formas discursivas, os gêneros (tradução da pesquisadora).

[3] Vale dizer que, por se tratar de um mesmo documento, na referência bibliográfica o documento de 2001 aparecerá com a data de 1999.

[4] Em função do pouco espaço que se dispõe nesse artigo, não será transcrito os objetivos e conteúdos assumidos para desenvolver o trabalho com o ensino de língua nos PCNs, no documento de 2001 e no documento de 2002, limitando-se a apenas falar do objeto de ensino assumido em cada documento.

[5] Faz-se referência aos órgãos educacionais de modo geral, e em particular, ao órgão educacional em que foi realizada a pesquisa.

 

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