A ARGUMENTATIVIDADE
NA COMUNICAÇÃO INFORMATIVA

Carmen Elena das Chagas (UFF)

 

RESUMO

Baseado na influência dos meios de comunicação em massa, em que o jornalismo impresso tem um papel primordial, e fundamentado pelos pressupostos teóricos da Teoria da Argumentação e Análise Crítica do Discurso, este trabalho investiga os recursos argumentativos subjacentes ao corpus de uma entrevista com um economista inglês, Nicholas Stern, cujo título é “O alerta global” feita pelo repórter Diego Escosteguy, da Revista Veja, datada em oito de novembro de 2006, demonstrando como os elementos significativos que o compõem se prestarão a comprovar a relevância da seleção adequada de argumentos, assim como a da aplicação da teoria de argumentação defendida por Philippe Breton  para que a reportagem obtenha a adesão do público-alvo.

 

INTRODUÇÃO

Baseado na influência dos meios de comunicação de massa, em que o jornalismo impresso tem um papel primordial, e fundamentado pelos pressupostos teóricos da Teoria da Argumentação e Análise Crítica do Discurso, este trabalho investiga os recursos argumentativos subjacentes ao corpus de uma entrevista com um economista inglês, Nicholas Stern, cujo título é “O alerta global” feita pelo repórter Diego Escosteguy, da revista Veja, datada em 08/11/2006, que demonstra como os elementos significativos que a compõem se prestarão a comprovar a relevância da seleção adequada de argumentos, assim como a da aplicação da teoria de argumentação defendida por Philippe Breton para que a reportagem obtenha a adesão do auditório.

Várias são as possibilidades de comunicação que possuem como objetivo obter que uma pessoa, um público ou um auditório tenham um determinado comportamento ou que aceitem uma opinião específica. Estas comunicações estão presentes em situações cotidianas tanto da vida privada quanto da profissional. Para que este ato de convencer aconteça, os mais diversos meios são utilizados e um deles é chamado de argumentação.

O ato de convencer é usado como uma alternativa contrária ao uso da violência física. Isto porque se pode conseguir de alguém uma resposta que não seja atribuída à força em si, mas ao ato de argumentar como, por exemplo, o  convencimento através da propaganda, reportagem, anúncio, etc.  Assim, várias formações em comunicação não são nada além de um aprendizado de processos que visam a colocar o outro em uma espécie de armadilha mental da qual ele sairá apenas se adotar a ação ou a opinião que lhe são propostas. Pode-se também convencer através da sedução, já que o orador utiliza meios mais suaves de convencimento. Como exemplo de sedução, seria a atitude dos políticos ou as figuras de estilo que deixam o discurso mais agradável e embelezável. Outros meios de convencer procuram utilizar a razão ou a demonstração, onde há um conjunto de meios que permitem transformar uma afirmação em um fato estabelecido sem contestação, a não ser que seja contrário a algum fato anteriormente relatado.

O estudo da argumentação foi feito por muito tempo por filósofos e por especialistas literários da linguagem. Os primeiros, sempre se perguntaram tradicionalmente se a argumentação possui estratégias que permitem chegar à verdade ou provar a falsidade. Mas na verdade pouco importa se a mensagem é verdadeira ou falsa, pois se trata, na maior parte dos casos, de opiniões que são argumentadas e não verdades ou erros. Já os literatos se preocuparam com a argumentação com uma finalidade mais estética. Por outro lado, os lingüistas, representado por (Ducrot, 1988), preocuparam-se mais com a língua em geral do que com as situações de comunicação que são provocadas pela divergência de opiniões.

Uma nova visão de argumentação se deve ao fato de um filósofo do direito, (Perelman, 1970), assumir o conceito de que um raciocínio pode convencer sem ser cálculo, pode ser rigoroso sem ser científico, definindo a argumentação como o “estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão das pessoas às teses que são apresentadas para seu assentimento.”. (ibid, p. 5) O exercício de uma boa argumentação, que seja cidadã, foi alterado pelas situações de manipulação da palavra e das consciências oriundas das técnicas de comunicação do século XX e com o poder da mídia faz-se necessário uma maior reflexão sobre a argumentação oposta à manipulação das massas.

O homem, hoje, no seu dia-a-dia, é confrontado com vários episódios de argumentação, construindo um saber espontâneo e empírico que faz parte da cultura básica que todos podem adquirir por imitação, uma vez que a argumentação é exposta, às vezes, como um objeto de um programa de ensino.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Argumentação

Argumentar é, primeiramente, convencer, isto é, vencer junto com o outro, andando ao seu lado, tendo como base a ética. É também saber persuadir, preocupar-se em ver o outro por inteiro, saber ouvi-lo, entender suas necessidades e se sensibilizar com suas emoções. Sendo assim, argumentar é um processo que apresenta dois aspectos: primeiro, ordenar idéias, justificá-las e relacioná-las ente si; segundo, buscar capturar o ouvinte, seduzi-lo e tentar persuadi-lo em alguma convicção. Assim, argumentar é uma operação delicada, já que é necessário construir idéias e não uma realidade. É saber integrar-se ao universo do outro para se obter aquilo que se quer, mas de modo cooperativo e construtivo, traduzindo uma verdade dentro da verdade do outro.

O discurso argumentativo foi caracterizado de maneira intradiscursiva por suas diferentes formas estruturais, e de maneira extradiscursiva pelo efeito perlocucionário[1] ao qual estaria vinculado. Este efeito foi colocado em primeiro plano pela definição neoclássica de (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1970: 5), para quem “o objeto da teoria da argumentação é o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou ampliar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam ao seu assentimento”. Segundo estes autores, este é o escopo básico da argumentação, pois não se argumenta contra a evidência, mas sim através de técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão das pessoas às teses que se lhe apresentam ao assentimento. Entre os elementos da lógica argumentativa há alguns que são básicos como: a asserção inicial ou a premissa; a asserção final ou a conclusão; e algumas asserções intermediárias

A argumentação pode ser através de indução ou dedução. A primeira começa dos fatos até chegar a um modelo e a segunda, parte de um julgamento e tenta descobrir implicações específicas que a levam a três proposições: a premissa maior, a premissa menor e a conclusão. Para uma boa condição de argumentação é necessário ter definidos vários aspectos como: uma tese e saber para que tipo de problema essa tese é resposta; ter uma linguagem comum ao auditório para que se fala; é importante ter um contato positivo com o auditório, ou seja, com o outro; e, principalmente, agir de forma ética, isto é, deve-se argumentar com o outro de forma honesta e transparente para que haja maior credibilidade nos propósitos.

Na verdade, argumentar pressupõe que o indivíduo que se envolve na argumentação reconheça que ele faz parte de uma relação de comunicação e que se recuse a fazer uso de meios a qualquer preço para conseguir a eficácia de uma proposta. Embasada nas teorias de Aristóteles, a argumentação pertenceu por um longo tempo à Retórica, mas o objeto da argumentação evoluiu mais rápido que a teoria, através da evolução da linguagem, dos modos de comunicação e dos exemplos escolhidos, tornando-a  assim um matéria viva.

Desta forma, argumentar é a arte de gerenciar informações, convencer o outro de alguma coisa no plano das idéias e persuadi-lo no plano das emoções, levando-o a fazer alguma coisa  que se deseja que ele faça.

 

Argumentar, convencer e persuadir.

Como já se observou acima, argumentar é a arte de convencer e persuadir. Cabe, agora, mostrar a diferença entre convencer e persuadir.

Convencer é saber gerenciar informações, é falar à razão do outro, demonstrando ou provando alguma asserção, é construir algo no campo das idéias. Já persuadir é gerenciar relação, é falar à emoção do outro. A origem desta  está ligada à preposição “per” (por meio de) e a “Suada” (deusa romana da persuasão), nesta concepção é fazer algo por meio do auxílio divino. É construir algo no terreno das emoções, ou melhor, é tentar sensibilizar o outro para agir. Quando se consegue persuadir alguém, este realiza aquilo que se deseja.  Persuadir refere-se à possibilidade de fazer com que o outro aceite as suas conclusões como verdadeiras. Para (Charaudeau, 2004: 374) “a persuasão pode ser vista como o produto dos processos gerais de influência.”

Persuadir é mais que convencer. Conforme (Perelman, 1997: 59), a persuasão acrescentaria à convicção a força necessária que é a única que conduziria à ação, enquanto que convencer é uma primeira fase. Assim, o essencial é persuadir, ou seja, abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicção que lhe foi comunicada.

 

O auditório

O auditório é o conjunto de pessoas que se quer convencer e persuadir. Este pode ser dividido em dois tipos: primeiro, o auditório universal que é um conjunto de pessoas sobre as quais não se tem controle das variáveis; segundo, o auditório particular, um conjunto de pessoas cujas variáveis  pode-se controlar.

Perelman (1996: 22) define auditório como “conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.”. Na realidade, o que caracteriza um auditório não são os valores que o mesmo admite, mas como ele os hierarquiza. As hierarquias de valores variam de pessoa para pessoa, em função da cultura, das ideologias e da própria história pessoal. Porém, para se descobrir a hierarquia de valores do outro é necessário descobrir a intensidade de adesão a valores diferentes que sinalizam uma escolha hierárquica. Aquele que quer persuadir deve saber previamente quais são os verdadeiros valores de seu interlocutor ou do grupo que forma o seu auditório. Desta forma, a eficácia das técnicas e de um argumento é sempre dependente do auditório que se tem e que se quer persuadir.

 

Contrato de comunicação

Pode-se dizer com (Charaudeau, 1994: 35) que todo ato de comunicação social supõe um contrato, chamado de contrato de comunicação. Para ele, todo ato de linguagem realiza-se dentro de um tipo específico de relação contratual implicitamente reconhecido pelos sujeitos e que define, por um lado, aspectos ligados aos planos situacional (a identidade dos parceiros, seus objetivos, o assunto de que falam)  e discursivo (maneiras de dizer).

O contrato é um quadro de reconhecimento no qual se inscrevem os parceiros para que se estabeleça a troca e a intercompreensão, sendo portanto, da ordem do imaginário social. Ele só é válido se os dois parceiros se submeterem mentalmente a certas condições discursivas que lhes permitam identificar-se como verdadeiros parceiros de troca, ao mesmo tempo em que reconhecem a validade do ato de comunicação. Contratos de comunicação funcional são, assim, como parâmetros ou códigos implícitos sobre o modo de funcionamento das situações de comunicação e sobre os discursos prováveis em cada tipo de situação entre os parceiros.

É preciso ressaltar que parceiros (emissor e receptor) são na concepção do autor  desdobrados, respectivamente, em dois “eus” e dois “tus”: o Eu-comunicante, o Eu-enunciador; o Tu-interpretante e o Tu-destinatário. O eu-comunicante e o Tu-interpretante são pessoas reais, com identidade psicossocial seres do “fazer”, do circuito externo do ato de linguagem e o Eu-enunciador e o Tu-destinatário são entidades do discurso, seres do “dizer”, do circuito interno do mesmo ato.

O contrato de comunicação, definido através destes sujeitos, compõe-se então, de um espaço de restrições que constitui as condições que não podem ser infringidas pelos parceiros, sob pena de não haver a comunicação, e um espaço de estratégias que compreende os diferentes tipos de configurações discursivas de que o sujeito comunicante dispõe para satisfazer as condições do contrato e atingir seus objetivos comunicativos.

 

A dinâmica argumentativa

Os moldes argumentativos possuem vários nomes como argumento quase lógico, argumento ad hominem ou argumento pelo exemplo, mas cada um destes termos define uma forma específica na qual uma opinião defendida pode ser de certa forma encaixada. O termo argumento ainda é usado para designar, na linguagem corrente, o conjunto constituído pelo argumento e seu conteúdo particular. Em suma, tudo está em tudo e, às vezes, pode se discutir sem parar na análise de um texto sobre qual é o tipo de argumento que está presente. Pode-se também constatar que se certos argumentos são próximos uns dos outros a ponto de se ter confusão e que existem  grandes famílias de argumentos que se diferenciam pela essência do raciocínio que eles utilizam.

Argumentar é comunicar, dirigir-se ao outro, propor-lhe boas razões para ser convencido a partilhar de uma opinião.

O primeiro objetivo de um argumento é modificar o contexto de recepção do auditório para a introdução de uma opinião. Isto requer que se veja cada auditório como único e individual, tornando a argumentação em arte muito delicada.

A dinâmica da comunicação possui duas etapas. A primeira visa construir um real comum ao orador e ao auditório e a segunda se apoiará para construir um vínculo entre este acordo e a opinião proposta, formando um duplo gatilho argumentativo que designa o que parece ser o aspecto essencial desta dinâmica. Assim se dirige aos outros  para que eles mudem sua visão das coisas, em seguida para lhes mostrar que a nova opinião proposta está de acordo com esta nova visão das coisas.

Existem  três razões para se aderir a uma opinião, a saber:

a) a ressonância – a argumentação que se apóia em valores é um exemplo dos efeitos da ressonância, isto é, uma nova apresentação dos fatos pode entrar em ressonância com a nossa visão mais geral do mundo, permitindo que esta nova apresentação seja aceitável.

b) a curiosidade – o gosto pela exploração, o desejo de mudança levará a se admitir uma apresentação particular dos fatos e a examinar suas conseqüências, com isto a curiosidade nos levará a examinar com boa vontade uma nova maneira de ver as coisas ainda não vistas.

c) o interesse – o interesse pode ser um formidável vetor de aceitação de uma visão de mundo que se poderia avaliar como algo que seria conveniente. A aceitação desta referência apresentaria para o auditório um interesse, um valor de uso no interior de sua própria economia de pensamento.

Segundo Breton (1999), há duas técnicas bem relevantes em relação à argumentação: enquadramento do real e vínculos.

 

Enquadramento do real

O enquadramento do real dita a ordem do mundo e propõe que a partilhemos. Ele se apóia na partilha a priori de valores ou de crenças ou, então, será invenção, combinação, em resumo, reenquadramento. Assim, o enquadramento se divide em: afirmação pela autoridade, valores e pontos de vista e reenquadramento.

A afirmação pela autoridade – O real descrito é o real aceitável, porque a pessoa que o descreve tem a autoridade para fazê-lo. Dois casos são pertinentes: ou o orador apóia o enquadramento sobre a sua própria autoridade ou ele convoca  uma autoridade externa à sua pessoa. Distinguir-se-ão três tipos de raciocínio de autoridade.

A competência – O argumento de competência supõe que haja previamente uma competência científica, moral, profissional ou técnica que vai legitimar o olhar sobre o real que deriva dela.

 

A experiência

O argumento da experiência é menos baseado em sua competência efetiva no domínio em que o orador se exprime.

 

O argumento de testemunho

O fato de estar em um acontecimento confere ao orador uma autoridade segura que fundamenta este argumento de testemunho.

Valores e pontos de vista – os valores comuns constituem uma base importante para desenvolver uma argumentação, pois fazem parte de um ser comum que constitui as bases da cultura e que as formas segundo as quais os indivíduos de um grupo vivem em um mesmo mundo. Já os pontos de vista segundo (Robrieux, 1993: 159) define-os como argumentos coercitivos e mostra seu caráter manipulador, por causa do seu status de pressupostos e, portanto, à incerteza do acordo dos interlocutores sobre sua verdade. Os valores e os pontos de vista possuem em comum o fato de serem hierarquias.

O reenquadramento – o reenquadramento não ataca o problema, enfrentando-o, mas o contorna de outra forma, através de outros ângulos. Assim, um reenquadramento só tem validade se considerar as opiniões, expectativas e hipóteses, isto é, se levar em consideração o conceito dos indivíduos cujos problemas se deseja modificar. Os argumentos de reenquadramento serão divididos em três categorias:

 

A definição

Definir para o ser humano, atualmente, é um mola-mestra de reenquadramento, já que implica em certa criação. O emprego de uma definição e a tentativa de impô-la como quadro de referência para avaliar o real não implica em que não existam outras definições possíveis.

Apresentação

A apresentação pode ser através de uma descrição, de uma qualificação, de uma amplificação ou de uma expolição.

 

A associação e a dissociação

A associação – a similitude entre os fatos ou abordagens possibilita que existam comunidades de pensamentos de mesma natureza.

A dissociação – o argumento por dissociação permite que se quebre a unidade de noções muito dogmáticas e induz uma melhor flexibilidade para se mover no real.

 

Vínculos

Os vínculos podem ser feitos por analogia ou dedução.

 

A analogia

O uso da analogia é um vínculo menos garantido que a dedução,  mas mais poderoso devido à convicção que provoca como resposta. O vínculo pela analogia pode ser feito através de três argumentos:

a) Comparação – a comparação é freqüentemente usada na vida cotidiana para argumentar. Comparar consiste em tecer um vínculo entre duas realidades, colocando-as em relação de maneira aceitável e produzindo através deste fato uma transferência de qualidade de uma realidade para a outra.

b) Exemplo – o exemplo é bem diferente de uma comparação, pois quando usado para convencer é muito observado numa seqüência de argumentação.

c) Metáfora – a metáfora é uma elipse da analogia e só é um argumento quando serve para convencer ou é colocada a serviço da defesa de uma tese ou de uma opinião.

 

A dedução

a) Argumentos quase-lógicos – os argumentos quase-lógicos usam um raciocínio próximo do raciocínio científico e isto que os torna difíceis de se distinguirem da demonstração.

b) Argumentos de reciprocidade – trata-se de uma regra de justiça, onde os indivíduos de uma mesma classe devem ser tratados da mesma forma.

c) O argumento causal – consiste em transformar a opinião que se quer manter em uma causa ou em um efeito de alguma coisa sobre a qual exista um acordo.

A argumentação necessita de bases éticas como a liberdade de adesão à opinião proposta, à autenticidade dos argumentos usados e à relatividade das idéias que se defende, que na verdade, são opiniões.

 

Análise do corpus

Entrevista com Nicholas Stern, economista inglês, com o título “O alerta global” feita pelo repórter Diego Escosteguy, da Revista Veja (08/11/06).

1-    Na introdução da entrevista, já se encontra o argumento da autoridade através da apresentação da competência do entrevistado, observe:

O inglês Nicholas Stern, chefe do serviço econômico do governo de seu país, recebeu há dezesseis meses uma tarefa colossal: medir o impacto do aquecimento global na economia mundial. Ex-economista chefe do Banco Mundial e diplomado pelas universidades de Cambridge e de Oxford, Stern lançou mão de modernos modelos econômicos...

O argumento da competência supõe que haja previamente uma competência científica, técnica, moral ou profissional que vai legitimar o olhar sobre o real que deriva dela. No exemplo acima, o entrevistado mostra que possui a competência para falar sobre o assunto através de sua experiência profissional e de sua formação acadêmica.

2-    O enquadramento da autoridade pelo testemunho pode ser observado no fragmento da resposta abaixo:

Veja- Existe tecnologia disponível para cultivar biocombustíveis em terra inférteis?

Stern- Essa tecnologia está quase disponível. (...) Estive no Brasil em abril deste ano e participei de debates interessantes sobre o uso de menos carbono na economia. Foi uma visita muito produtiva.

O fato de o economista ter estado presente a estes debates confere-lhe uma autoridade que fundamenta o argumento de testemunho.

3-    Logo abaixo desta mesma resposta o entrevistado apresenta o enquadramento do argumento da autoridade feito pela experiência para complementar o assunto.

Stern- “Pretendo voltar ao Brasil para investir nas possibilidades de produção de energias limpas, porque o país tem se mostrado original nessa área. O Brasil também está pensando e agindo na questão do desmatamento da Amazônia.”

O argumento da experiência é menos baseado em uma competência, suspeita de ser teórica, do que em uma prática efetiva no domínio em que o orador se exprime. Aqui no caso, o economista possui a experiência de conhecer as ações do Brasil e pretende voltar para aprender mais.

4-    O enquadramento através da crença e dos valores está presente na resposta abaixo:

Veja – O que é preciso fazer?

Stern – O certo é que, se começarmos a investigar seriamente em tecnologias limpas, por volta de 2050 atingiremos um patamar de menor agressão ao meio ambiente.

Nesta resposta há um apelo para que se utilize um meio considerado melhor para a vida do meio ambiente, ressaltando assim o valor do comprometimento com este objetivo.

5-    A presença do reenquadramento pelo argumento da apresentação/amplificação é observado abaixo no seguinte fragmento:

Veja – Por que os países pobres serão mais atingidos pelas mudanças climáticas?

Stern – Por várias razões. Uma é a geografia: os países mais próximos do Equador sofrerão duramente, porque são os mais quentes. É onde estão os países mais pobres, por azar geográfico.Outro fator é a limitação das atividades econômicas desses países. Países mais pobres têm economia centrada em atividade agrícolas, setor mais vulnerável às mudanças climáticas que sofreremos. E terceiro, os países pobres dispõem de menos dinheiro para investir em formas de se proteger contra os efeitos do aquecimento global. Nesses lugares, há menos dinheiro para gastar em infra-estrutura e na adaptação necessária para protegê-los.

A apresentação através da amplificação é feita com a insistência para ressaltar a repetição, da acumulação de detalhes, da acentuação de certas passagens. Neste caso o economista foi apresentando várias situações para confirmar a sua resposta.

6-    O reenquadramento através da definição apresenta uma tentativa  de impor a definição como quadro de referência para avaliar o real, não implicando que existam outras definições possíveis.

Veja – O que o senhor achou da proposta de “internacionalizar” a Amazônia, sugerida por David Miliband, secretário do Meio Ambiente do governo britânico?

Stern – (...) Mas o resto do mundo, que se beneficiaria do fim do desmatamento, deveria ajudar  os países que estão fazendo esforços para cessar o desmatamento. Porém, cabe ao país, sozinho, determinar sua forma de trabalhar. E isso por duas razões. Em primeiro lugar, por uma questão de soberania e, em segundo, porque o país saberá bem melhor do que qualquer estrangeiro o que fazer.

7-    O reenquadramento do real pelo argumento da dissociação das noções é um método que, a partir de uma noção que remete habitualmente a um único universo, permite “quebrá-lo” e gerar dois universos distintos. Perelman (1970) vê este procedimento como um argumento essencialmente filosófico, sobretudo a partir do binário “aparência-realidade” que “constitui o protótipo de toda dissociação nocional.”

Veja – O esforço global para reduzir a emissão de gases poluentes pode prescindir do apoio dos Estados Unidos, que são responsáveis por 36 % das emissões?

Stern – Não. Claro que precisamos que os Estados Unidos se conscientizem da necessidade de diminuir as emissões de gases poluentes, e acho que as atitudes e as idéias dos americanos começam a mudar. Eles estão desenvolvendo iniciativas significativas na Califórnia e em importantes cidades do nordeste.

O economista aqui apresenta uma resposta que foge à esperada, já que apenas um país polui quase a metade, o provável seria uma resposta afirmativa, mas ele prefere negar e depois amenizar a afirmativa através de sua opinião, realçando a mudança da atitude dos Estados Unidos.

Os argumentos por vínculos podem ser de natureza análoga ou dedutiva. Deduz-se que uma opinião parte da realidade assim enquadrada, ou se propõe que a realidade enquadrada constitui um dos termos de uma analogia. O uso da analogia constitui o vínculo que a argumentação tece entre a opinião  e o contexto de recepção.

8-    Observe-se o exemplo abaixo:

Veja – O senhor está  otimista quanto à perspectiva de conservação da Floresta Amazônica?

Stern – (...) Essa pressão permanente  junto com o papel do país no desenvolvimento de biocombustíveis e o esforço para proteger as florestas, faz do Brasil um ator extremamente importante na luta pela diminuição das emissões de gases poluentes.

Neste exemplo, o entrevistado utiliza o argumento dedutivo da onipotência para  mostrar a responsabilidade do Brasil para o assunto tratado. Este argumento supõe que o Brasil ainda não tenha pensado  que a convocação de seu poder o obriga a aceitar uma tese com a qual ele não estaria necessariamente de acordo.

9-    O vínculo dedutivo de reciprocidade trata-se de uma regra de justiça, de natureza puramente formal segundo a qual “os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma maneira” (Perelman, 1988, p. 80).

Veja – Dentro de quanto tempo o mundo começará a sentir os efeitos do aquecimento global?

Stern – Dentro de quarenta  a cinqüenta anos sentiremos o impacto do que já fizemos contra o planeta. São efeitos que aparecerão na forma de desastres naturais, como secas, enchentes e furacões progressivamente mais intensos. Não importa o que fizermos agora, esses efeitos serão sentidos, eles já são inevitáveis.

A reciprocidade existe na medida em que se deduz que quanto maior o problema, maior será a conseqüência. Isto é, o que o ser humano fizer ao planeta, ele devolverá ao ser humano.

10-  O argumento pertencente ao vínculo analógico está presente na comparação abaixo:

Stern – O Brasil tem grandes áreas de terra pobre, assim como a Ásia Central e a América do Norte.

Comparar consiste em tecer um vínculo entre duas realidades, colocando-as em relação de maneira aceitável e produzindo através deste fato uma transferência de qualidades de uma realidade para outra.

11-  Já no trecho abaixo, percebe-se uma analogia através do argumento do exemplo.

Stern – Apesar de não terem apoiado o Tratado de Kioto, os Estados Unidos estão começando a mudar. E não são os únicos. A Índia e a China também estão mudando. Na China já foram definidas fortes metas de eficiência no uso de energia.

O uso do exemplo para convencer é freqüente, pois se observa que muitas vezes a pessoa está à procura de um exemplo para justificar a sua argumentação. No fragmento  acima, a Índia e a China estão seguindo o exemplo dos Estados Unidos em relação à mudança.

A função argumentativa consiste em analisar o funcionamento de um texto cujo objetivo é convencer de uma opinião. Para isto é preciso verificar se o texto em questão é realmente argumentativo e depois identificar os grandes argumentos usados bem como seu encadeamento.

No texto da revista Veja, as respostas dadas pelo economista Nicholas Stern possuem o objetivo de convencer o leitor de que o problema do aquecimento global é grave e que isto afetará seriamente o Brasil.

Não há presença de figuras de estilo, pelo contrário, o entrevistado trabalha muito com dados científicos baseados em estatísticas e exemplos. “Se deixarmos as coisas tal como estão hoje, o planeta vai perder entre 5 % e 20 % do PIB mundial. Estamos falando, portanto, de perdas que podem chegar a cerca de 7 trilhões de dólares.”

Nas respostas está presente um grande número de argumentos diferentes, já demonstrados anteriormente como os enquadramentos e os vínculos.

A entrevista se dirige aos cidadãos do Brasil, precisamente, aos políticos e empresários que precisam mudar o comportamento em relação ao meio ambiente. “Não falta tanto tempo assim. Pode acontecer durante a vida de nossos filhos e netos. Temos de agir fortemente nos próximos vinte anos para reduzir os riscos de que isso aconteça.”

 

CONCLUSÃO

Argumentar tem como objetivo transmitir ou partilhar uma opinião que é um ponto de vista que sempre pressupõe outro ponto de vista possível. Já a informação é subjetiva, porque é produzida por humanos e nem sempre será uma representação do real.  Nem tudo pode ser argumentado. Usar um argumento muito fora da opinião que se defende é igual a usar um recurso da demagogia. A argumentação pressupõe uma diferença entre a opinião do orador e a do auditório, portanto ela é um ato de comunicação. Na verdade há uma espécie de contradição ao se querer convencer alguém daquilo em que se acredita, afirmando, não somente que aquilo em que se acredita é verossímil, mais ainda, propondo ao auditório que não venha a aderir à opinião proposta.  O uso da sedução para obter esta adesão toma, às vezes, a forma de uma relação de contigüidade entre o orador e suas opiniões, entre as qualidades do orador e o que ele defende, sendo nomeado de  amálgama. Um meio que procura tirar a liberdade do auditório para aderir à opinião proposta consiste em intervir sobre a relação entre o argumento e o auditório, isto é, usar o argumento de tal maneira que o auditório se torne prisioneiro dele. O condicionamento das massas é feito através da repressão dos auditórios.

Na reportagem estudada, percebe-se que o público precisa se decidir por qual caminho seguir. No caso o caminho favorável ao que o entrevistado indica, pois ele utiliza argumentos que buscam pelo comprometimento dos mesmos, porque deles  depende a vida de toda a humanidade. Assim, o processo de persuasão e sedução convence o auditório virtual a manter um vínculo de cumplicidade e de aceitação desse contrato próprio do texto jornalístico.

Assim, argumentar é também escolher em uma opinião os aspectos relevantes que a tornarão mais aceitável para um dado público. A transformação de uma opinião em argumento, em função de um auditório particular, é exatamente o objeto da argumentação. E cada indivíduo tem predeterminado em sua mente um ponto de vista próximo da opinião que lhe é proposta. Argumentar é agir sobre a opinião de um auditório, é construir uma interação entre os mundos mentais nos quais cada homem pensa, age e, conseqüentemente, vive.

 

REFERÊNCIAS

BRETON, Philippe. A argumentação na comunicação. Trad. de Viviane Ribeiro. São Paulo: EDUSC, 1999.

CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004.

ESCOSTEGUY, Diego. O alerta global. In: Veja. 08 de novembro de 2006, p. 11-15.

GAVAZZI, Sigrid. Trabalhando domínios argumentativos em sala de aula. Niterói: UFF/Grupo CIAD.

GUIMARÃES, Cristiane. Entrevistas na mídia impressa: argumentação / persuasão das minorias sociais organizadas. Niterói: UFF, 2000

PAULIUKONIS, M. A. L. & SANTOS, Leonor Werneck. Estratégias de leitura – texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado de argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.


 

[1] Charaudeau, 2004: 73. “Atos efetuados pelo fato de dizer qualquer coisa”.