A CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS:
elementos
para uma edição crítica

Fábio Frohwein  (UNESA e UFRJ)

 

RESUMO

Esta comunicação apresenta algumas das questões com que lidamos na elaboração da edição crítica d’A Confederação dos Tamoios (1856), de Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882). Como é sabido, sua publicação foi imediatamente seguida de oito cartas veiculadas no Diário do Rio de Janeiro entre 10 de junho 15 de agosto do mesmo ano por José de Alencar sob o pseudônimo Ig. Em linhas gerais, Alencar reclama da qualidade do poema, expondo problemas quanto à rima, métrica, língua, construção de personagens, descrição das belezas naturais do Brasil, argumento central do poema, dentre outros.

Um dos maiores problemas para a compreensão dos ataques alencarinos à Confederação consiste no fato de em determinados pontos o crítico basear-se em passagens da primeira edição que foram modificadas ou suprimidas por Magalhães na segunda edição (1864). A tradição impressa da obra, por seu turno, passou a tomar por texto-base a segunda edição, de acordo com a vontade do autor expressa em sua advertência. Na elaboração da edição crítica da Confederação, julgamos oportuno, portanto, informar nos aparatos críticos as variantes autorais relativas às primeira e segunda edições, não para que se recupere integralmente o sentido da crítica de Alencar, bem como se recomponham e estudem passos da criação do poema assinalados na tradição impressa. Integraram ainda os aparatos elementos das versões prototípicas dos cantos primeiro, quarto, sétimo e oitavo publicados na Revista Nacional e Estrangeira em 1839.

 

A Confederação dos Tamoios (1856), poema épico de Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), narra o episódio histórico homônimo ocorrido entre 1554/5-1567, em que índios do norte de São Paulo e sul fluminense reuniram-se com o objetivo de expulsar os portugueses daquela região. O poema tem por herói Aimbire, filho de Cairuçu, que busca vingar a morte do pai, escravizado até a exaustão por Brás Cubas, governador da Capitania de São Vicente. Aimbire persuade os chefes indígenas a unirem-se numa confederação, apoiada pelos franceses, e investe contra os lusos. A obra finda com a derrota dos índios e conseqüente morte do herói, sepultado por José de Anchieta.

Do manuscrito da peça Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, consta um pós-escrito segundo o qual Magalhães começou a redigir A Confederação em 1837. Por outro lado, não foram localizados até agora indícios materiais da pré-história do poema, senão as publicações esparsas na Revista Nacional e Estrangeira de dois anos depois. Da mesma forma, são por enquanto de paradeiro desconhecido quaisquer originais manuscritos autógrafos. Hélio Viana alude a um exemplar com anotações de Magalhães enviado a Pedro II, mas não se trataria propriamente de um original empregado como modelo para a edição ou reedição da obra.

Embora Magalhães tenha publicado apenas dois itens relativos à Confederação em 1839, o material traz o embrião de quatro cantos, a saber, os primeiro, quarto, sétimo e oitavo. As alterações do estado da Revista Nacional e Estrangeira para o da editio princeps abrangem desde modificações micro-estruturais, como acréscimo, supressão e modificação de versos, até remanejamento da matéria narrada. A rigor, conforme os títulos, os itens dizem respeito aos cantos primeiro e quarto, porém o cotejo com a edição de 1856 revela que do embrionário canto primeiro se originaram os cantos sétimo e oitavo. À parte mudanças mais localizadas, o canto quarto foi posteriormente alongado, mantendo a mesma unidade nos testemunhos posteriores.

Curiosamente a primeira amostra que Magalhães oferece d’A Confederação é o canto quarto, publicado em maio de 1839. Dois meses depois, em julho, o canto primeiro viria a público. No canto quarto, há a despedida dos guerreiros, que seguem pela floresta para o ataque à vila de São Vicente, deliberado na assembléia do canto segundo. A meio do canto, lia-se originariamente o subtítulo “IGUASSÚ”, marcando o início do monólogo da esposa prometida de Aimbire. O lirismo da fala da índia destacava-se de tal forma, que parecia ser o assunto principal. Entretanto, na editio princeps, o canto passou a abrigar também o episódio da tangapema, que se sobrepôs ao monólogo de Iguaçu, pela funcionalidade (elemento maravilhoso), dramaticidade (tensão entre Aimbire e o Pajé) e extensão em versos (271 contra os 129 da cena da índia).

No estado da Revista Nacional e Estrangeira, o canto primeiro abarcava elementos dos cantos primeiro, sétimo e oitavo do estado da edição de 1856. Abrangia a invocação ao sol e aos gênios da natureza, a descrição das belezas do Brasil, dos rios Amazonas e Paraná, comentários acerca dos indígenas, a chegada dos portugueses e a escravização dos brasílicos. Além disso, mencionava o fato de Anchieta e Nóbrega não lograrem êxito ao tentarem dissuadir os lusos dos maus tratos aos índios e a questão do livre-arbítrio trabalhada nos versos 4059-4067, ambos remanejados para o canto sétimo. Remetia ainda aos ardis de Satã para desencaminhar os lusitanos, refundidos no canto oitavo. Na versão definitiva, o canto primeiro ganhou a cena em que Aimbire chega à aldeia de Pindobuçu e assiste ao funeral de Comorim, gancho para o canto segundo.

Na edição de 1856, A Confederação enfim apareceu completa em público. Em 20 de maio, Francisco de Paula Brito, responsável pela tipografia imperial Dois de Dezembro, entregou os primeiros exemplares a Pedro II (Viana, 1970: 64). Ao que tudo indica, havia grande expectativa e ansiedade em se ler o poema de Magalhães, haja vista os comentários sarcásticos dos críticos que atacaram a obra e o simples fato de se terem publicado dois anos antes os fragmentos mencionados. A qualidade do trabalho tipográfico foi muito elogiada, mas o texto em si recebeu duras críticas, dando margem a uma das mais famosas polêmicas literárias do século XIX. José de Alencar, sob o pseudônimo Ig., publicou de junho a agosto de 1856 no Diário do Rio de Janeiro oito cartas, ainda no mesmo ano compiladas no livro Cartas sobre A Confederação dos Tamoios. (Apud Castello, 1953)

Em linhas gerais, Alencar reclama da qualidade do poema, expondo problemas quanto a rima, métrica, língua, construção de personagens, descrição das belezas naturais do Brasil, argumento central do poema, dentre outros. Os ataques instigaram os defensores d’A Confederação a participarem do debate. Pedro II e Manuel de Araújo Porto-Alegre saíram em defesa de Magalhães. À parte demais críticas de menor freqüência nas páginas dos jornais, o frei Francisco de Monte Alverne quis equalizar a situação, apontando tanto incongruências das cartas de Ig, quanto problemas estilísticos d’A Confederação.

À guisa de exemplo, a segunda carta de Alencar, publicada a 11 de junho, aborda em específico o segundo canto do poema. O crítico de início manifesta profunda decepção a despeito da descrição das belezas naturais do Brasil. Compara A Confederação aos Natchez, de Chateaubriand, asseverando que a natureza brasileira na pena de Magalhães em muito deixa a dever às regiões e rios da América do Norte.

Alencar critica a abertura do segundo canto. Entende que um poeta épico precisa alçar as raças e as ações à dimensão divina, para fazer jus ao uso da épica. Reclama da falta de grandiosidade na descrição do conselho. E prossegue:

P’ra acabar co’os ataques reiterados

Dos Lusos, confederão-se os Tamoyos.

Eis o começo do segundo canto.

Eis a causa d’essa grande confederação que merece uma epopéa! Eis o motivo d’essa guerra de morte, d’essa vingança estrondosa! Eis o principio de um drama terrivel que acaba pela destruição de um povo!

Não é pelo odio instinctivo da côr, não é pelo opprobrio e a vergonha de homens livres reduzidos á escravidão, não é pelo seu bello paiz, dominados por filhos de terras estranhas; não é para vingar as cinzas de seus pais, não é por nenhum d’esses incentivos nobres, que os Tamoyos se confederão; é unicamente para acabar com os ataques reiterados dos Lusos. (Castello, 1953: 11)

Outra crítica diz respeito à insistência na tradição acerca das águas do rio Carioca e do seu poder de adoçar a voz, aludida no primeiro canto, e certa “inexatidão historica sobre o territorio habitado pelos tamoyos” (Castello, 1953: 12), embora nas notas reveja o comentário. Compara os heróis de Magalhães aos de Basílio da Gama e avalia que as personagens d’O Uraguay foram compostas com mais força e belleza” (Idem, ibidem, p. 13). Observando ainda que o autor d’A Confederação inspirou-se no poeta setecentista, confronta várias passagens em que se contrastam a pele de jacaré usada por Aimbire e a pele verde negra do índio d’O Uraguay; as aljavas; os aspectos agressivos de Pindobuçu e Kobé.

A única concessão que faz é quanto à passagem em que Aimbire fala de seu pai: “Ia escapando-me citar um trecho do poema que, excepção feita de algumas palavras communs, achei lindissimo, e repassado d’essa poesia mysteriosa das lendas e dos mythos” (Idem, ibidem, p. 15). A seguir torna a atacar e reclama da falta de expressividade das cenas de combate entre lusos e franceses e a excessiva repetição das palavras fogo e sangue, que torna a descrição um tanto inadequada a um índio, em tese acostumado “aos combates mortiferos de massa e tacape, e a quem por conseguinte essas idéas de sangue devião parecer naturaes, e não causar tanta impressão.” (Idem, ibidem, p. 16)

As cartas sobre A Confederação foram publicadas no Diário do Rio de Janeiro em duas etapas. A primeira, de 10 de junho a 14 de julho, compreende cinco cartas. A segunda, de 9 a 15 de agosto de 1856, acrescenta mais três. Em princípio, a crítica limitar-se-ia às cinco primeiras, que a quinta se intitulava “última carta”. No entanto, somente após a quinta, começaram a surgir as respostas. O primeiro contra-ataque, de Porto-Alegre sob o pseudônimo O amigo do poeta, foi publicado no Correio da Tarde em 23 de julho, isto é, 9 dias depois da “última carta”.

Talvez a morosidade da réplica tenha decorrido da falta de sucesso dos pedidos de Pedro II. Hélio Viana relata o esforço empreendido pelo Imperador para obter junto a personalidades de vulto literário comentários favoráveis à Confederação. Alexandre Herculano e o poeta João Cardoso de Meneses e Sousa alegaram razões que os impedissem de participar da polêmica. Espantosamente membros da diplomacia brasileira, colegas de profissão de Magalhães, como Antônio Peregrino Maciel Monteiro, Francisco Inácio de Carvalho Moreira, Francisco Adolfo de Varnhagen, Joaquim Caetano da Silva e Joaquim Tomás do Amaral também se esquivaram da tarefa. O frei Francisco de Monte Alverne, por seu turno, atendeu à solicitação, ainda que tardiamente. Redigiu as Considerações críticas, literárias e filosóficas, publicadas no Jornal do Comércio em 23 de dezembro, cerca de quatro meses depois da oitava carta de Alencar.

Após a edição de 1856, a obra teve no ano seguinte uma reimpressão, que freqüentemente figura na tradição crítica como segunda edição. No entanto, apenas a edição brasileira de 1864 traz na página de rosto a indicação de segunda edição. A reimpressão de 1857 consiste na verdade num codex descriptivus e não introduz inovações, podendo, portanto, ser descartada sem prejuízo do trabalho filológico. Sua importância histórica circunscreve-se a ter servido de base para a elaboração da edição portuguesa de 1864, conforme abona a informação inicial. Por isso, as edições brasileira e portuguesa de 1864 são absolutamente diferentes, uma vez que seguem estados distintos do texto.

Na advertência à segunda edição, Magalhães assume que alterou o texto. As modificações não chegam a ser macro-estruturais como as observadas anteriormente do estado de 1839 para o da editio princeps. O que se nota são acréscimos, supressões e modificações de versos, como o próprio autor declara. Em carta de 31 de agosto de 1856 para Porto-Alegre, até agora inédita, Magalhães diz não se abalar com a crítica:

Que pensas? Que fiquei muito afflicto com a leitura das 4 cartas empressas no Diario do Rio sobre a Confederação dos Tamoyos? Enganas-te. Não me surpreendeo, nem muito incommodou-me essa critica assim tão saturada de fel, que por isso mesmo quase prova o contrario do que diz. Eu não esperava parabens e louvores: quem os merece entre nós os recebe de alguns raros amigos.

Refuta alguns dos principais ataques, como a questão em torno à ação central do poema. Afirma que o crítico

...não leo todo o poema, e que vai expor as suas idéas na mesma ordem em que as formulou, isto é de canto em canto. Dahi afirma que eu faço derivar a acção do poema, e a alliança das tribus de um incidente insignificante, como seja a morte de um indio. O que é completamente inexacto. Quando Aimbire se apresenta a Pindobuçú, e o acha dando sepultura a um filho, que na defesa de sua tenra irmã, fora morto por alguns colonos que pertendiam raptal-a, todas as tribus, como Aimbire altamente o declara, estão confederadas, para defesa da propria liberdade, das suas vidas, e das suas terras, unicos bens de homens incultos; Que razão mais forte? Creio que pelo menos vale o rapto de uma mulher. Não faço pois depender a acção do poema, e a alliança das tribus da morte de um indio, como erradamente assevera o auctor das cartas. Faltava uma tribu; o que fiz de proposito para começar o poema por um quadro animado de grandes paixoens, por uma scena pathetica e inesperada de uma familia, de uma tribu inteira que chora a recente morte do filho do seu chefe, victima do inimigo commum.

Na advertência à segunda edição, Magalhães não menciona críticas negativas à Confederação. Acerca da revisão da obra, alude aos louvores, e ainda mesmo a critica benevola com que o acolheram os litteratos nacionaes, e alguns estrangeiros. Cita em nota os nomes de D. João Guttierrez, Ricardo Ceroni, Ferdinand Wolf, J. Soares de Azevedo, e Inocêncio Francisco da Silva. Em carta (In Viana, 1970) ao Imperador de 12 de julho de 1859, o autor justifica os melhoramentos de outra maneira:

Conveniente julguei ajuntar um Prólogo, mais duas Notas, e aumentar a 7.ª, do 4.º Canto, para responder às censuras que me fizeram, e prevenir outras de igual natureza. O nosso público, e ainda mesmo os nossos críticos, não são tão instruídos que dispensem explicações. (Viana, 1970: 69)

De fato, a recepção crítica influenciou nas reformulações para a segunda edição. No entanto, Magalhães tinha por hábito modificar seus textos quando de novas edições. A Confederação não é um caso isolado de revisão. Veja-se, por exemplo, a edição crítica dos Suspiros poéticos, para que se tenha noção do modus operandi do autor. Logo, seria leviano concluir que as alterações no texto de 1856 significam em absoluto que Magalhães se abateu com a crítica desfavorável.

A carta a Pedro II pormenoriza inovações que com efeito se verificam na edição de 1864:

Seguindo o exemplo constante de Camões, e de quase todos os bons poetas portugueses, escrevo agora para, em vez de p’ra, mais usado no Brasil que em Portugal; pelo que foi necessário corrigir muitos versos. (Viana, 1970: 69)

Nos aparatos críticos ao texto d’A Confederação, ilustram-se várias passagens em que se substituiu p’ra, variante sincopada da preposição para, mais de acordo com a oralidade brasileira, pela forma plena. Há quatro categorias decorrentes da substituição da forma sincopada:

a) simples substituição pela forma plena:

primeira edição

segunda edição

Que estende os braços p’ra abarcar a terra!

Que estende os braços para abarcar a terra! (v.22)

b) simples substituição por outra(s) preposição(ões) com ou sem refusão do verso:

primeira edição

segunda edição

Donde p’ra seus irmãos o mal saía.

 

Toscas pedras p’ra o tosco monumento.

Donde incessante mal aos indios vinha

 

Toscas pedras em tosco monumento. (v.317)

 

c) substituição com refusão do verso:

primeira edição

segunda edição

Tão grande crime fugirá p’ra sempre?

Para sempre será tal crime extincto? (v.179)

 

d) substituição com refusão do verso e adjacências;

primeira edição

segunda edição

P’ra acabar co’os ataques reiterados

Dos Lusos, confederam-se os Tamoyos.

Em defensa da vida e liberdade,

Contra as injustas aggressões continuas

Dos Lusos, confederam-se os Tamoyos.

(vv.593-595)

Sobre o último exemplo, haveria ainda outro fator a ser avaliado. Trata-se da mencionada crítica de Alencar à abertura do canto segundo. De certa maneira, parece que Magalhães aceita o comentário de Alencar. Na primeira versão, a articulação dos tamoios é definida na abertura do canto apenas como um levante contra os ataques dos portugueses. Na segunda, a motivação da conjura tem por valor maior a “defensa da vida e liberdade, havendo um possível influxo das palavras de Alencar: não é pelo opprobrio e a vergonha de homens livres reduzidos á escravidão, (…) é unicamente para acabar com os ataques reiterados dos Lusos” (Castello, 1953: 11). Contudo, a problemática da liberdade desde o canto inicial se apresenta de forma significativa:

Mas nós, homens, a quem Tupan dêo tudo,
Nós, que livres nascémos nestes bosques,
Porque covardes, sem luctar, escravos
Nos faremos agora do estrangeiro?”

Deste geito discorrem os
selvagens.

(vv.218-222)

Como o próprio Magalhães escreveu a Pedro II, “o nosso público, e ainda mesmo os nossos críticos, não são tão instruídos que dispensem explicações” (Viana, 1970: 63). Talvez o autor tenha, além da substituição do p’ra, aproveitado para reiterar que os tamoios se confederavam pela causa libertária, frisando que o levante era em defensa da vida e liberdade. De qualquer forma, quase todas as censuras de Alencar a versos mal metrificados não foram aceitas. O autor d’A Confederação fala sobre correções de linguagem e de estilo. Com efeito, há correções métricas. Por exemplo, os versos 124 e 504 tinham originariamente nove sílabas:

primeira edição

segunda edição

O ar é tão nectareo, como o aroma

 

Ah, meu filho! parece o estou vendo!

Os ares tão nectareos, como aroma (v.124)

 

Ah, meu filho! parece que o estou vendo! (v.504)

 

Magalhães alterou seis dos versos censurados por Monte Alverne em função de cacofonia:

primeira edição

segunda edição

Que nem no ar voando ao tiro escapa.

 

Que a par dos versos teus mais te exhaltassem:

 

Até que á par do tio ajoelhou-se.

 

Do leal Camarão a par dos netos,

 

A par da Cruz de Christo que o decora,

 

A par do rico, que no fausto vive

Que nem alto voando ao tiro escapa. (v.1273)

 

Que alêm dos versos teus mais te exaltassem; (v.2019)

 

Até que juncto ao tio ajoelhou-se. (v.2409)

 

Do leal Camarão junctos co’os netos, (v.3202)

 

Juncto da Cruz de Christo que o decora, (v.4669)

 

Servo do rico, que no fausto vive (v.5275)

No verso 1273, a contração da preposição com o artigo no junto com o infinitivo ar forma o som desagradável noar, no entender de Monte Alverne. Os versos 2019, 2409, 3202, 4669 e 5275 são exemplos em que se ouvem os cacófatos pardo, parda, pardos, apontados também em outras passagens que não foram alteradas. Magalhães parece atender mais às observações do frei, de quem foi discípulo, do que às de Alencar. A quinta carta à Confederação dos Tamoios traz uma seção dedicada à metrificação, em que se listam onze versos defeituosos. Modificaram-se somente dois, sendo que um deles muito provavelmente tenha sido alterado por causa do p’ra, a exemplo da segunda categoria apontada:

primeira edição

segunda edição

Facil foi-me o passar p’ra adiante os braços,

Facil foi-me o passar adiante os braços, (v.1100)

Magalhães fala da inclusão de um Prólogo. Nas Considerações, Monte Alverne, sobre a estrutura d’A Confederação, aponta um problema de organização, constante em poemas épicos: a anteposição da invocação à narração. Segundo o frei, “a invocação deve ser, portanto, posterior á narração (…)” (Viana, 1970). Para corrigir a inversão dos morfemas canônicos da epopéia, sugere que a invocação contenha essencialmente a exposição dos grandes factos que caracterisam a epopéa (…)” (Castello, 1953: 128). Provavelmente o poeta pretendeu fazê-lo para a segunda edição, ao cogitar em ajuntar um Prólogo(Viana, 1970: 69), mas depois voltou atrás e o suprimiu, uma vez que não aparece na edição de 1864. O exemplar com anotações autógrafas depositado na Biblioteca do Imperador, Museu Imperial de Petrópolis, esclareceria melhor a questão.

A carta a Pedro II de 1859 revela ainda outras alterações comprovadas pela colatio dos testemunhos. Magalhães suprimiu pronomes que julgou desnecessários e operou mudanças na colocação pronominal, reiterando a opção por um padrão mais clássico de língua portuguesa. Daqui também derivam categorias de modificação:

a) supressão de pronome com pequenas alterações do verso:

primeira edição

segunda edição

Onde estão? Tu perguntas? Pois não sabes

Onde estão? E o perguntas? Pois não sabes

 

b) mudança da colocação pronominal sem refusão do verso:

primeira edição

segunda edição

faltava-lhe o braço e a experiencia

lhes faltava o braço, e a experiencia (v.302)

Tencionou substituir em todo o poema a variante inda da preposição ainda: Onde se inda, pode-se escrever ainda, sem alterar o metro” (Viana, 1970). Em alguns versos, a alteração se verifica, mas não é uma regra geral:

primeira edição

segunda edição

Inda tudo não é! Mesmo no centro

 

Inda que as aguas suas reunissem,

Ainda tudo não é! Mesmo no centro (v.270)

 

Inda que n’um leito se ajunctassem, (v.56)

Não concorda com a censura ao verso Pelos mandiocaes e milharadas” (v.4302), feita por Alencar na quinta carta. Ainda que não o altere, Magalhães acrescenta o verso Que tanto afan, tanto suor custaram.” (v.4303). Objetiva assim pintar melhor a idéia(Idem, ibidem) da passagem apontada pelo crítico, que não merecia ser modificada ou substituída por perífrases. Observam-se também ressonâncias das sanções a respeito da repetição desnecessária de palavras, sublinhada tanto por Alencar, quanto por Monte Alverne. A repetição transcrita pelo autor das cartas não é alterada, conquanto haja um deslocamento de sintagma no verso 214:

primeira edição

segunda edição

E nem n’um tronco seu ninho tece;

Embora o tronco firme sobre a terra

Supporte a chuva, e o sol, e o vento, e o raio;

Nem tem membros o tronco que o [transportem.

E nem n’um tronco seu ninho tece;

Embora sobre a terra o tronco firme,

Supporte a chuva, e o sol, e o vento, e o raio;

Nem tem membros o tronco que o transportem. (vv.213-216)

Todavia, a colatio atesta passagens em que se substituíram palavras repetidas muito proximamente:

primeira edição

segunda edição

O corpo sacudio, e os fortes braços,

E por terra atirou os dous contrarios:

Como ligeiro e forte era meu filho!

 

Para a grande vingança, de nós digna:

Não ha prazer que ao da vingança iguale.

O corpo sacudio, e os rijos braços,

E por terra atirou os dous contrarios:

Como ligeiro e forte era meu filho! (vv.486-488)

 

Para a digna de nós grande vingança,

Que a vida e a liberdade nos segure.

Não ha prazer que ao da vindita iguale.

(vv.578-580)

Além das correções de estilo e linguagem, nos termos de Magalhães, houve o aumento da paratextualidade. Os cantos primeiro, segundo, quinto e décimo ganharam cada qual uma nota, somando um total de 4 novas notas explicativas. Com relação ao acréscimo de versos, a segunda edição inova com passagens de implicações semióticas variadas. Observa-se, por exemplo, que foram enfatizados traços semânticos presentes nas categorias narratológicas do poema no estado de 1856. O autor conferiu aos índios um maior aspecto de heroísmo e bravura, problemática apontada por Alencar. A descrição das armas dos indígenas, que na primeira edição se limitava a um verso, desenvolveu-se por mais 6:

primeira edição

segunda edição

Arcos robustos, e emplumadas flechas.

Arcos robustos, lisos, e lustrados

Pelas lixosas folhas de embahiba;

Carcazes cheios de emplumadas frechas

De ligeiras ubás, tendo por pontas

Dentes de tubarões, e ossos buídos,

Seguros com tucúm, de icíca untado,

Que mais o fio aperta, e sêcca o esmalta.

(vv.628-634)

Com relação a Aimbire, Magalhães procedeu a retoques em diversas passagens. Alterou, por exemplo, a adjetivação forte Aimbire” para heróico Aimbire” (v. 635). Além disso, a descrição do chefe tamoio ganhou mais detalhismo com acentuados matizes de severidade e soberania:

primeira edição

segunda edição

Aqui se mostra á frente dos Tamoyos,

Pelo voto geral primeiro chefe.

Aimbire desde a infancia se amestrára

Dos Tamoyos á frente aqui se mostra,

Pelo voto geral supremo chefe.

De vulto herculeo, soberano o porte,

Olhar dominador, severo o rosto,

Bella estatua de bronze parecia,

Qual a de um Marte modelára um Phidias.

Aimbire desde a infancia se amestrára

(vv.638-644)

Aprofundou-se a dimensão psicológica do velho cacique Pindobuçu, personagem de grande força interior. Na caracterização da segunda edição, passaram a se mencionar a tristeza da viuvez e a postura encurvada, metáforas da resistência ao sofrimento e ao tempo:

primeira edição

segunda edição

De negras plumas, que a tristeza exprimem

Pela morte do filho, qu’inda chora.

Com negras plumas, que a tristeza exprimem

Da sua viuvez, e a dôr recente

Pela morte do filho, que ainda chora.

Curvo á mágoa, que mais que as cans lhe pesa,

Nas mãos do que lhe resta digno herdeiro

Descança do commando o sceptro e as honras;

Mas da antiga bravura exemplo dando,

Dos perigos da guerra não se exime.

(vv.684-691)

Demais alterações não em torno às personagens, bem como ao espaço, nas descrições da paisagem brasileira, poderão ser conferidas ao longo dos aparatos críticos ao texto d’A Confederação. Nesta comunicação, privilegiaram-se somente algumas das variantes autorais, deixando-se para outra oportunidade comentários acerca das flutuações ortográficas, merecedoras de um estudo à parte.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Castello, José Aderaldo. A polêmica sobre a Confederação dos Tamoios. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1953.

VIANA, Hélio. D. Pedro II e a “Confederação dos Tamoios”. Revista do Livro. Ano XIII – 4º trimestre, nº 43, 1970, p. 62-71.