O SUJEITO OCULTO, O INDETERMINADO
E O INEXISTENTE
QUE SUJEITOS SÃO ESSES, AFINAL?

Deizi Cristina Link (PUCPR)
Elaine Maria Bergmann (PUCPR)
Mayla Eloize de Farias (PUCPR)

 

RESUMO

Com base em modernas teorias sobre a sintaxe da língua portuguesa, o presente estudo faz uma análise crítica do modelo tradicional dos conceitos de sujeito – termo essencial da sintaxe das gramáticas tradicionais – oculto, indeterminado e inexistente, propondo um levantamento do que pode ser considerado problema em relação a essas definições e, em que medida, elas comprometem o que se pretende ser um trabalho de descrição sintática da língua. As gramáticas tradicionais apresentam noções, às vezes, vagas sobre sujeito.  Assim sendo, o objetivo é contribuir com aqueles que se interessam pelos assuntos pertinentes à língua portuguesa: estudantes de Letras, professores e, ainda, pesquisadores que se inquietam diante de muitas incoerências dos manuais tradicionais no estudo gramatical de sujeito.

 

Introdução

A conceituação de sujeito na gramática tradicional é um dos tantos pontos que merecem uma maior apreciação por parte dos que trabalham tentando descrever aspectos da língua, já que as análises até então efetuadas não têm dado conta do tipo de investigação necessária nesses casos, caracterizadas por um maior aprumo e precisão. As gramáticas tradicionais apresentam noções, às vezes, vagas sobre sujeito.  Assim sendo, o objetivo é contribuir com aqueles que se interessam pelos assuntos pertinentes à língua portuguesa: estudantes de Letras, professores e, ainda, pesquisadores que se inquietam diante de muitas incoerências dos manuais tradicionais no estudo gramatical de sujeito.

Se o ensino de língua portuguesa tem sido realizado, na maioria das instituições escolares, de forma dogmática, isto se deve, em grande parte, por estar ancorado no tradicionalismo das gramáticas normativas que, por sua vez, se ancoram em poucas reflexões sobre o que, de fato, são as estruturas lingüísticas. Para que se consiga, então, fazer com que os alunos “memorizem” a gramática da língua portuguesa, novos “métodos” são criados, com eles vêm as mesmas definições gramaticais, agora, imbuídas do didatismo, desta forma a pseudo-compreensão dos alunos será mais rápida. Esses métodos facilitadores para a aprendizagem levam a explicações simplistas que ajudam os aprendizes a captar e decorar; todavia, não apresentam resultados positivos para os falantes sobre a estrutura de sua própria língua.

Ora, se é notável que a velha abordagem da gramática da língua portuguesa apresenta pontos falhos no que tange a sua evolução, decerto, se encontrarão em muitos dos seus conceitos[1], inadequações de regras e estruturas que não condizem com o português contemporâneo.

Seria interessante, por isso, abordar o contexto geral das gramáticas tradicionais, no entanto, o propósito deste trabalho se restringe a dois problemas: onde estão essas inadequações, que se tratando dos conceitos dos sujeitos oculto, indeterminado e inexistente nas gramáticas tradicionais? Haveria outros conceitos de sujeito que subjazem a esses?

Vendo que lacunas como essas acentuam as dúvidas dos falantes a respeito da gramática da língua portuguesa e atrapalham tanto professores dessa língua quanto seus alunos, um por não exercer plenamente sua função, e o outro pela falha em sua aprendizagem, é que se propõe essas reflexões.

 

Perspectiva Teórica

Retrocedendo ao século III a.C., percebe-se que os filólogos-gramáticos de Alexandria já debatiam sobre uma concepção de gramática baseada na existência de uma variedade de língua superior e na preeminência da língua escrita em detrimento da oral.

Pode-se dizer que, desde o início da sua história, a gramática foi conhecida como uma espécie de manual em que estariam registradas além das normas de uso superior da língua, também o dialeto da classe dominadora da época. Ainda em dias atuais, tem-se a idéia de gramática (etimologicamente “a arte de escrever”) como “um modelo ou padrão da língua”, e que, portanto, deve ser seguida por todos.

Assim sendo, vale ressaltar uma das questões a serem discutidas pela gramática tradicional, pois essa apresenta noções, às vezes, vagas sobre a definição de sujeito.

Uma conceituação científica deve ter seu fundamento em uma investigação sistematicamente ordenada dos elementos que possuem relação com a mesma.

Dessa forma, no momento em que se esclarece um conceito, necessário se faz “conhecer as regras, os limites, os defeitos, e, evidentemente, o próprio conceito de definição, além da determinação inequívoca de outros conceitos” (HAUY: 1987).

É certo de que cada gramático segue um estilo e uma determinada linha de raciocínio, no entanto o que se espera é que eles tendo adotado um determinado ponto de vista, reúnam critérios coerentes o bastante para dar conta da descrição dos fatos a que se obrigam explicitar.

Nas gramáticas, a oração é dividida em sujeito e predicado. Esses compêndios apresentam esses dois termos como sendo essenciais à oração. Sob essa perspectiva, têm-se contradições e incoerências internas, pois se ambos os termos são essenciais, como explicar a existência de orações em que não há a presença do sujeito.

Para ser pontual ao tema, precisa-se, antes, comentar sobre o conceito do que é sujeito. Para a maioria dos gramáticos, sujeito “é o ser sobre o qual se faz uma declaração” (Celso Cunha: 2002), ou ainda, é aquele com o qual o verbo concorda, ou mais simploriamente, é aquele que pratica uma ação.

Para os conceitos de sujeitos oculto, indeterminado e inexistente encontrados, tem-se, respectivamente, na maioria das gramáticas tradicionais “...é aquele que não está materialmente expresso na oração, mas pode ser identificado pela desinência verbal, pela presença do sujeito em outra oração do mesmo período ou de período contíguo.” (Celso Cunha: 2002). “Algumas vezes, o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu conhecimento. Dizemos, então, que o sujeito é INDETERMINADO” (Celso Cunha: 2002). “Não deve ser confundido o SUJEITO INDETERMINADO, que existe, mas não se pode ou não se deseja identificar, com a inexistência do sujeito. Em orações como as seguintes: CHOVE, ANOITECE, FAZ FRIO...interessa-nos o processo verbal em si, pois não o atribuímos a nenhum ser.”   (Celso Cunha: 2002).

A crítica deste trabalho aos conceitos de sujeitos oculto, indeterminado e inexistente parte, inicialmente, do significado da palavra sintaxe, oriunda do grego syntaxe, que designa a organização interna das palavras dentro da frase. Ora, se ela se refere, especificamente, à composição frasal, como dizer que conceitos como os de sujeito apontados acima mereceriam atenção particular da sintaxe, tendo em vista que eles não estão na frase, mas fora dela?

Conforme Carone (2005) “(...) o conceito tradicional de sujeito (...) é mais lógico do que sintático.”  Isto é, o sujeito lógico é o que oscila, é o sujeito ontológico/filosófico e que está no mundo e não no contexto frasal. Levantam-se, também, outras críticas, como: quem são os sujeitos oculto, indeterminado e inexistente para os gramáticos?

Aceita-se, claro, que “a estruturação lógica do pensamento ocidental está estreitamente vinculada à indispensabilidade do sujeito na oração, bem como do próprio elemento de ligação da proposição básica atributiva A é B.” (Viesenteiner: 2005). E, por isso, a necessidade de se registrar esse sujeito dentro das gramáticas. A crítica está longe de se referir a isso; no entanto o que se vê é a falta de critério para estabelecê-los. Falta à gramática admitir outras reflexões sobre e seus sujeitos e afastar o simplismo de se dizer, como citado acima, que o sujeito oculto é o marcado pela desinência, como em: “Fiz todo o trabalho naquela manhã”. Importa unicamente que se encontre o pronome pessoal do caso reto para a conjugação do verbo ou que se encontre o sujeito que, de fato, realizou a ação, seja, Carlos, Verônica ou quem quer que os tenha realizado. O exemplo citado tem o papel de incitar a reflexão. O sujeito de que a gramática quer tratar, não seria somente o frasal, visto que, pode ser encontrado dentro de uma estrutura?

Outras falhas em que incorrem essas gramáticas dizem respeito à indicação de que para se encontrar um sujeito basta procurar o termo “com o qual o verbo concorda” (Perini: 1985). Se o termo com o qual o verbo concorda não aparece, não se tem, então, sujeito. Está aqui o mal das generalizações gramaticais, um conceito prejudica o outro.

Considerando a afirmação de Azeredo (1979), que diz ser a sintaxe “a parte do sistema da língua que permite criar e interpretar frases”, prevê-se ser o propósito das gramáticas uma abordagem sobre essas possibilidades; no entanto, alguns conceitos como, por exemplo, os de sujeito oculto e indeterminado limitariam a reflexão do aprendiz ao propor substituições banais com pronomes pessoais do caso reto, substituições do verdadeiro sujeito implícito. Já, por isso, se percebe que conceitos de sujeito não conseguem, ao mínimo, atender aos “verdadeiros sujeitos”.

Apontam-se nas gramáticas sujeitos inexistentes, julga-se, o que é um desperdício de conceitos. Qual seria a relevância de se apontar, dentre os termos essenciais – portanto imprescindíveis, um sujeito que não existe?

Em frases como “Quem virá amanhã?” tem-se um sujeito denominado simples, representado pelo pronome interrogativo, no entanto, o que se percebe é que não há uma declaração sobre o sujeito e se quer o sujeito aparece. Apesar de o pronome quem ser considerado sujeito, não se pode admitir que há expressamente um sujeito nesta frase. Acaso ela não se refere a uma dúvida sobre isso? Seria esse um caso de indeterminação de um sujeito de mundo, que não está no contexto frasal?

Não se pode generalizar e dizer que em todas as gramáticas encontram-se conceitos de sujeitos tão falhos. Tem-se, por exemplo, uma descrição/explicação coerente na gramática de Eduardo Pereira (1942). Nela contemplam-se outras definições[2], como, por exemplo, as do sujeito indeterminado: “quando não é enunciado nem conhecido, sendo o verbo impessoal.” Como exemplo, ele traz o que hoje é apontado nas gramáticas tradicionais como o sujeito inexistente. Vê-se, então, mais lógica sua definição, visto que o conceito se torna incoerente por levar o falante a cometer “erros” como, por exemplo, o de classificar a inexistência como sujeito inexistente – se não há sujeito, não há por que querer destacá-lo.

Em se tratando de sujeito oculto e indeterminado, observa-se que esses conceitos acabam por confundir, ao invés, de esclarecer o falante. Qual seria o critério para estabelecer que a desinência em (bati - 1ª pessoa singular) traga mais informações que a desinência do verbo (bateram – 3ª pessoa do plural)? Ambas indicam desinência pessoal. Portanto, como se vê não faz sentido existir essa diferença, mas seria suficiente que esses dois conceitos de sujeito fossem designados como sujeito desinencial.

Em suma, as gramáticas tradicionais se limitam a um passado remoto de nossa língua, como se ela não sofresse nenhuma evolução, ancoram-se em clássicos para fundamentar seus conceitos inflexíveis. Ela se constitui de modelos perfeitos, portanto, inatingíveis a qualquer falante.

Além de todas essas críticas apresentadas, nota-se, atualmente, um conceito desvirtuado de reflexões sobre o sujeito. A função sintática denominada pelas gramáticas tradicionais como sujeito é mais complexa do que parece. Talvez seja essa complexidade que venha levando os compêndios gramaticais a apresentarem diferentes e conflitantes definições para o sujeito.

Por tudo isso, pode-se concluir que há uma disparidade entre o modo como a gramática apresenta e define os conteúdos e o que eles realmente são. Não se pode continuar tratando o estudo gramatical com explicações inconsistentes e refutáveis, já que boa parte da conceituação contida na gramática pode ser contestada e criticada por aqueles que se interessam pela língua.

Portanto, conceitos como os de sujeito oculto, indeterminado e inexistente devem ser repensados para que possa se tornar mais compreensível aos falantes, de fato, qual é a língua que eles falam e como funciona a sua estrutura. Há a necessidade de uma revisão crítica em muitos pontos de conceituação gramatical, mormente ao que se refere ao sujeito, o qual é objeto da análise em questão.

Propõe-se que as gramáticas normativas baseiem seus conceitos numa análise mais profunda da língua e, no caso específico do sujeito, pois os gramáticos abordam algo como sujeito, apenas o que ele é em alguns momentos e, não o que ele realmente é em sua essência.

Embora sejam as reflexões, deste artigo, importantes, evidencia-se a necessidade de maiores aprofundamentos a respeito desse assunto, visto tratar-se de um trabalho preliminar.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. Campinas, 39ª ed. São Paulo: Saraiva: 1994.

AZEREDO, José Carlos. Sobre os processos de estruturação sintática. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 1979 (mimeo.)

COMBA, Júlio. Programa de Latim. 19ª ed. São Paulo: Salesiana: 2003.

CUNHA, Celso, LINDLEY, Luis F. Nova Gramática do português contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

DIAS, Augusto Epifhanio da Silva. Syntaxe historica portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Clássica, 1954.

HAUY, A. B. Da necessidade de uma gramática-padrão da língua portuguesa. São Paulo. Ática, 1987.

HOUAISS, Antonio (ed.) Dicionário da língua portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

OLIVEIRA, Roberta Pires. Semântica formal: uma breve introdução. 1ª ed. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

PERINI, Mario A. Sofrendo a gramática. São Paulo. Ática, 1997.

––––––. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995.

––––––. Para uma nova gramática do português. São Paulo, 8ª ed. Ática: 1995

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. 1ª ed. Campinas: Mercado de Letras, 2000.

SILVA, Rosa Virginia Mattos. Tradição gramatical e gramática tradicional. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 2000.

VIESENTEINER, Jorge. A crítica da razão enquanto sua própria perversão: um entrecruzamento da linguagem com a fisio-psicologia de nietzsche. [s.n.e.?], 2005.

 


 

[1] Definição, noção, idéia, opinião. (Houaiss, 2001)

[2] Delimitação exata, significação precisa. (Houaiss, 2001)