Práticas de ensino de LM & LE

Renata da Silva de Barcellos (UFF e CETOP)

 

RESUMO

O minicurso tem por objetivo propor um debate acerca da atual prática pedagógica dos professores de LM e de LE nas diversas instituições públicas e particulares. E a partir disso, apresentar uma metodologia de ensino reflexivo com base nos PCN´s, no material midiático e na teoria de Vygotsky.

 

O mundo moderno exige pessoas preparadas para enfrentar e absorver as novas formas de mensagens que chegam até elas. (Adilson Citelli)

 

As múltiplas linguagens

Como a linguagem é “a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los em sistemas arbitrários de representação” (PCN´s, 2002: 124), neste trabalho, é considerada como um ato de comunicação. E como tal, faz-se necessário dizer que três tipos: a verbal, que se realiza através de uma língua, a não-verbal, que pode ser um gesto, um desenho etc; e a mista, em que há a utilização da palavra e da imagem - gesto. Segundo Bechara, o professor de LM e/ou de LE é professor de linguagens. Por isso, na nossa prática pedagógica, devemos contemplar esses três tipos.

Ao longo do tempo, a escola ficou restrita ao uso da linguagem verbal e a sua exploração, porém, atualmente, com a evolução da tecnologia, há a necessidade de trabalhar a linguagem não-verbal. Então, para se obter melhorias na qualidade do ensino, a escola precisa de professores capacitados para que haja transformação na sua estrutura, a partir da nova prática pedagógica adotada pelos professores.

Ao utilizarmos a linguagem não-verbal, nós, professores, desconstruiremos o conceito que as pessoas têm do que seja texto (um conjunto de signos lingüísticos) e passar a entendê-lo como sendo “toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e auto-suficiente do ponto de vista da ação ou da comunicação” (Bronckart, 1999). O texto é o elemento básico com que devemos trabalhar no processo de ensino de qualquer disciplina. É através do texto que o usuário da língua desenvolve a sua capacidade de organizar o pensamento/conhecimento e de transmitir idéias, informações e opiniões em situações comunicativas.

No caso da linguagem não-verbal, especificamente, a imagem, podemos dizer que ao explorá-la, devemos aproximar os conhecimentos sistematizados dos internalizados pelos alunos. Também cabe ressaltarmos que ao visualizarmos uma imagem, várias questões são suscitadas, tais como: um sentimento, um acontecimento, um sentido (olfato, paladar...). Para que possamos conscientizar os alunos desse fato e levá-los a uma reflexão, a uma consciência crítica, é preciso que adotemos material midiático, tais como: jornal, revista, programas de televisão, filme etc. E, ao explorá-los, devemos utilizar ao máximo as redes de informação para assim criarmos as redes de conhecimento. Enfim, muitos professores ainda não perceberam quetudo que ocorre no mundo perpassa pela língua (...). Precisamos usar todos os nossos recursos!” (Freitas, apud Mollica, 2004: 93).

Quanto ao corpus, devemos selecionar não relacionados com os temas transversais: ética, meio ambiente, saúde, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho e consumo, que são temas de interesse dos jovens; como também com o conteúdo programático, a fim de cumprir o programa de uma determinada série. Portanto, cabe ressaltar que as propostas de atividades apresentadas para os diferentes profissionais estão pautadas na concepção sócio-histórica de Vygotsky. Teoria essa que aborda à questão da interação social, pois, segundo o autor, o desenvolvimento humano “se dá, portanto, de fora para dentro” (1994:18). Ao elaborarmos atividades cujo ponto de partida seja o conhecimento de mundo do aluno, todo o fazer pedagógico do professor desenvolverá a zona de desenvolvimento proximal do aluno. Então, este conseguirá realizar as atividades que lhes forem propostas com autonomia, pois “o que antes era desenvolvimento potencial passou a ser desenvolvimento real” (Vigotsky, 1994: 30).


 

Língua Estrangeira

Aprender a LM ou uma LE não significa apenas decodificar códigos lingüísticos, implica um processo amplo que envolve vários aspectos, como por exemplo, a leitura.

Nós, professores de LE, devemos conscientizar os alunos de que é ilusão pensar que nos tornaremos o outro, isto é, “aprenderemos” uma LE e nos expressaremos fluentemente como um alemão, francês, inglês, etc. Atualmente, com a globalização, os métodos estão sendo elaborados seguindo os preceitos da abordagem comunicativa. Para essa abordagem, o que interessa é o aluno se fazer compreender (não sendo prioridade a forma como se expressa, ou seja, se está fazendo os devidos acordos, regências etc.). Precisamos nos conscientizar de que o estrangeiro sabe que estamos nos expressando em outra língua. Evidente que é necessário considerarmos a finalidade do uso da língua. Se por acaso for para fins profissionais, como para a função de professor ou de secretária executiva é exigido um bom conhecimento da língua, da norma culta. Então, ao nos dispormos a aprender uma língua, devemos estar cientes de que não somos o outro e nunca o seremos. Sendo função do professor fazer este esclarecimento para o aluno, ao ministrar suas aulas, mostrando-o, na medida do possível, que cada povo tem uma visão de mundo.

Enfim, enquanto professores de LE, precisamos adotar a visão de Humboldt: a língua não pode ser ensinada, mas podem ser criadas condições para que o aprendizado surja. Para isso, devemos propor diálogos, encenações a partir de temas pertinentes ao panorama sócio-hiistórico-cultural-econômico da sociedade no qual estamos inseridos, a fim de desenvolvermos um ensino reflexivo, e, por conseqüência, tornarmos o ensino cada vez menos superficial.

 

Cultura

Percebendo a relevância do aspecto cultural para o estudo de línguas e entendendo cultura comoum sistema de crenças e valores e uma organização sociopolítica que configuram um modo de agir e de interagir, de fazer e de comportar-se de uma dada sociedade” (Trouche apud Júdice, 2005: 69), devemos estar conscientes de que, na sala de aula, somos representantes da cultura de um povo, difusores de sua cultura. Portanto, a língua não está dissociada da cultura, ou seja, uma não existe sem a outra, não é mais importante que a outra, apenas se complementam.

Desse modo, ao ministrar aulas de LM ou LE, devemos destacar os aspectos semelhantes e distintos entre as línguas e sempre ratificarmos que cada grupo social tem seus hábitos e costumes e assim cada qual o mundo de uma forma. Não podemos exigir que o outro, no caso o estrangeiro, perceba o mundo da mesma forma que a nossa e vice-versa.

Cabe ressaltar que ao longo das décadas, a metodologia ignorou ou utilizou muito pouco o aspecto cultural no processo de ensino-aprendizagem de uma LE, a ênfase era no aspecto lingüístico (exercícios estruturais, regras de uso, etc.). Assim, ao longo das suas aulas, de acordo com os conteúdos trabalhados, o professor deve se referir ao aspecto cultural. Por exemplo, ao trabalhar o conteúdo alimentação na LM ou LE, podemos explanar acerca dos hábitos alimentares daquele povo, os pratos típicos, as receitas e a etiqueta de como se comportar a mesa. Concomitantemente, devemos verificar as semelhanças e diferenças entre as culturas. Ao propor atividades reflexivas, devemos sempre ressaltar que não cultura melhor do que a outra, pois como cada um de nós temos características próprias, os habitantes de uma região constroem em conjunto seus hábitos, suas regras, suas religiões, sua língua, suas tradições, etc. E a partir da nossa realidade, podemos mostrar ao aluno que, apesar de existirem semelhanças, cada um tem a sua individualidade.

Assim, é inadmissível pensarmos o ensino de uma LE sem alusão à cultura do povo da língua-alvo. Imagine você em Paris tocando as pessoas ao se dirigir a elas. Essa ação é considerada inadequada, caracteriza invasão do território da pessoa abordada. , como em outros países, devemos manter certa distância do outro. Caso contrário, o resultado pode ser extremamente constrangedor. Outro exemplo é o ato de fazer compras, em que ao se dirigir ao outro para comprar um produto, há toda uma mise-em-scène para solicitá-lo. Caso você não o faça, você está infringindo as regras de boa conduta – de etiqueta estabelecidas naquela cultura. Por isso, quando formos nos referir a algum aspecto cultural da língua-alvo, podemos pedir para que os alunos representem como fazem na sua cultura. Por exemplo: como pedir um produto numa loja, como solicitar uma informação (onde fica a rua ...?).

Outra forma de explorarmos o aspecto cultural é através da utilização de textos literários, pois representam a cultura de um povo. Ao propormos atividades com texto literário, discorreremos sobre as questões sociais da época em que o texto foi escrito.

 

Os PCN’s,
o
material didático & o material midiático

Primeiramente, cabe tecermos algumas considerações acerca da origem dos PCN’s. As propostas apresentadas por esse documento compõem a reunião dos resultados e pressupostos teóricos de pesquisas desenvolvidas no Brasil desde a década de 1970, cujas bases teóricas (dentre elas a teoria da enunciação e do discurso e a lingüística textual) vão da Sociolingüística à Analise do discurso.

Quanto ao ensino de Língua Portuguesa, esta disciplina está sedimentada em três questões: leitura/escuta, produção textual e analise lingüística. Embora os autores dos materiais didáticos (doravante MD) digam que os elaborados, atualmente, esteja dentro dessas propostas, o que observamos ao analisá-los é que muito que se aprimorar com relação a essas três questões (ainda muitos exercícios estruturais e enunciados de interpretação de texto que não levam o aluno a uma leitura profunda do mesmo) para atender às propostas preconizadas nos PCN’s.

No caso de adotar um MD (quando a instituição solicitar), pois, particularmente, somos da opinião de que cada professor deve elaborar o seu, a partir da seleção de textos provenientes da literatura e da mídia. Isso significa dizer que podemos e devemos recorrer ao MD para termos mais um instrumento. Mas não adotá-lo, integralmente, ao longo da nossa prática pedagógica. Colaborando assim para o ritual da sala de aula: - onde paramos na aula anterior? – O livro diz que a resposta é essa, etc.

Dessa forma, caro colega, não é você quem o adota, mas sim ele quem está te adotando para que você transmita as ideologias pretendidas por ele (Se liga!!!). E, como conseqüência dessa prática, que ainda se perdura, estamos contribuindo para a nossa desvalorização perante a sociedade. Precisamos, então, resgatar o nosso saber fazer, a fim de recuperarmos não a nossa valorização, como também a nossa auto-estima. Até mesmo por que foi comprovado que quando não estamos entusiasmados, envolvidos com o que estamos fazendo, não incentivamos quem está a nossa volta.

 

Considerações finais

Não devemos considerar o aluno como um depósito, mas sim como seres pensantes. Para isso, podemos propor atividades que explorem as diversas potencialidades do discurso de um texto de qualquer natureza. Construindo assim com o aluno o conhecimento e não lhe impondo – doando o saber pronto. É preciso que o professor parta do conhecimento do aluno para aprimorá-lo e aprofundá-lo, tornando o aluno um cidadão, um sujeito e não um assujeitado.

Quanto à LM, ao ingressar na escola o aluno é falante da sua língua mãe. Competindo, então, a nós, professores, proporcionarmos momentos de reflexão acerca do funcionamento da mesma (através de um ensino mais discursivo e menos classificatório), não nos restringindo à classificação e muito menos à utilização da mesma metodologia e estratégias da LE.

Por sua vez, a LE requer outra abordagem e esta será determinada segundo os objetivos do aluno e as condições onde o processo de construção deste tipo de conhecimento se dará.

 

Referências bibliográficas

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