SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA

Maria Lucia Mexias-Simon (USS)

 

RESUMO

Os homens sempre cogitaram sobre o relacionamento entre os sons utilizados na comunicação sistemática e seu significado. Haverá alguma razão lógica, ou será resultado de mera convenção? Por outro lado, os elementos lexicais e/ou vocabulares (não se trata da mesma coisa) estão em solidariedade, uns com os outros, por relacões sinonímicas, hipo– e hiperonímicas e pertinência ao mesmo campo. Essa solidariedade é fator de coesão do texto e também abre portas para novas criações, que vêm preencher lacunas surgidas por alterações no nosso cotidiano.Toda essa rede significativa está a disposição  e a serviço do falante para atuação sobre seus ouvintes e sobre seu mundo, pondo a Semântica no terreno da Pragmática.

 

Semântica é o estudo do significado, isto é a ciência das significações, com os problemas suscitados sobre o significado: Tudo tem significado? Significado é imagem acústica, ou imagem visual? . O homem sempre se preocupou com a origem das línguas e com a relação entre as palavras e as coisas que elas significam, se há uma ligação natural entre os nomes e as coisas nomeadas ou se essa associação é mero resultado de convenção. Nesse estudo consideram-se também as mudanças de sentido, a escolha de novas expressões, o nascimento e morte das locuções. A semântica como estudo das alterações de significado prende-se a Michel Bréal e a Gaston Paris. Um tratamento sincrônico descritivo dos fatos da linguagem e da visão da língua como estrutura e as novas teorias do símbolo datam do século. XX.

As formas lingüísticas são símbolos e valem pelo que significam. São ruídos bucais, mas ruídos significantes. É a constante referência mental de uma forma a determinado significado que a eleva a elemento de uma língua. A significação lingüística envolve:

– uma referência permanente a coisas do mundo exterior;

– um enquadramento desses significados nas categorias mentais que a língua em questão tem em conta;

– um índice da relação que nas frases da língua se estabelece entre as formas constituintes.

As significações do primeiro tipo dizem respeito aos semantemas. As do segundo e terceiro tipos se consubstanciam nos morfemas, que tem, ora significação categórica, ora significação relacional. Os morfemas são estudados na chamada gramática da língua. No estudo dos morfemas temos a significação gramatical ou interna da língua. O estudo das significações dos semantemas cabe à chamada semântica lexical. A semântica pode ser, também, diacrônica evolutiva ou sincrônica descritiva (estrutural). Essa última, Bloomfield e seus seguidores colocariam fora do domínio da lingüística, já no terreno da filosofia, por influência do behaviourismo, que nega a atingibilidade da mente pela ciência.

Há uma clara relação entre significado e uso. O único laço entre o semantema cão e um certo animal doméstico é o uso que se faz desse semantema para referir-se a esse animal. Cada língua “recorta” o mundo objetivo a seu modo, o que Humboldt chama “visão do mundo” . Registre-se a existência da linguagem figurada, a metáfora, uso de uma palavra por outra, subjazendo à segunda a significação da primeira. Há que se levar em conta a denotação (significado mais restrito) e a conotação (halo de emoção envolvendo o semantema _ casa/lar).

O estudo dos semantemas é difícil, pois são em número infinito e sua significação fluída, sujeita às variações sincrônica, sintópica etc. A polissemia faz da significação dos semantemas um conglomerado de elementos e não um elemento único: ele anda a passos largos/anda de carro/anda doente. Quanto à significação interna dos morfemas, ela se distribui nas categorias gramaticais que enquadram um dado semantema numa gama de significações para maior economia da linguagem.

As significações lingüísticas consideram a significação interna ou gramatical referente aos morfemas e a semântica externa ou gramatical, isto é, objetiva, referente aos semantemas. Pode ser diacrônica ou descritiva (como as línguas interpretam o mundo). A significação interna se distribui pelas categorias gramaticais para maior economia e eficiência da linguagem. A estrutura sintagmática é também relevante para o significado, donde poder-se falar em significado gramatical; dependendo da regência, da colocação e, até, de fatores como pausa, entonação que, na linguagem escrita são assinaladas, tanto quanto possível, pela pontuação. O significado da sentença não é, portanto, a soma do significado dos seus elementos lexicais, muito embora a relevância do significado destes. Os elementos lexicais que fazem parte do acervo do falante de uma língua podem ser:

– simples – cavalo

– composta – cavalo-marinho

– complexa – a olhos vistos, briga de foice no escuro (são sintagmáticos)

– textuais – orações, pragas, hinos (são pragmáticos, não entram nos dicionários de língua, a não ser por comodidade). O conceito de gato não está contido em "à noite todos os gatos são pardos "

Nas alterações sofridas nas relações entre as palavras estão as chamadas figuras de retórica clássica:

1) Metáfora – comparação abreviada

2) Metonímia – transferência do nome de um objeto a outro, com o qual guarda alguma relação de:

– autor pela obra – Ler Machado de Assis

– agente pelo objeto – Comprar um Portinari

– causa pelo efeito – Viver do seu trabalho

– continente pelo conteúdo – Comeu dois pratos

– local pelo produto – Fumar um havana

3) Sinédoque ( para alguns é caso de metonímia )

– parte pelo todo – Completar 15 primaveras

– singular pelo plural – O português chegou à América em 1500.

4) Catacrese – extensão do sentido de uma palavra, por extensão, a objetos ou ações que não possuem denominação própria – embarcar no ônibus; o pé da mesa

No levantamento da tipologia das relações entre as palavras assinalam-se ainda os fenômenos da sinonímia, antonímia, homonímia, polissemia e hiponímia. Os sinônimos se dizem completos, quando são intercambiáveis no contexto em questão. São perfeitos quando intercambiáveis em todos os contextos, o que é muito raro, a não ser em termos técnicos.

Por exemplo, em: casamento, matrimônio, enlace, bodas, consórcio, há um fundo comum, um "núcleo"; os empregos são diferentes, porém próximos. Nem todas as palavras aceitam sinônimos ou antônimos. A escolha entre séries sinonímicas é, às vezes, regional. (Ex: pandorga, papagaio, pipa). Quanto à homonímia, pode ocorrer coincidência fônica e/ou gráfica. A coincidência de grafemas e fonemas pode decorrer de convergência de formas (Ex: são). Ou de existência coincidente do mesmo vocábulo em línguas diferentes (Ex.: manga). Cumpre distinguir homonímia de polissemia, o que nem sempre é fácil. A distinção pode ser:

descritiva – considerando ser a palavra um feixe de semas, se entre duas palavras com a mesma forma, houver um sema comum, diz-se ser um caso de polissemia (Ex: coroa – adorno para a cabeça ou trabalho dentário). Em caso contrário, será homonímia (Ex.: pena – sofrimento ou revestimento do corpo das aves).

diacrônica – se as palavras provêm do mesmo léxico, diz-se ocorrer um caso de polissemia; (Ex: cabo – acidente geográfico e fim de alguma coisa) No contrário, ocorrerá um caso de convergência de formas (Ex: canto – verbo cantar e ângulo).

Um grande número de palavras aceita polissemia. Escapam os termos técnicos, palavras muito raras e palavras muito longas. O deslizar de sentido ocorre por muitas causas:

interpretações analógicas – (Ex: mamão).

transferência do adjetivo ao substantivo – (Ex: pêssego, burro).

adaptação de palavras estrangeiras – (Ex: forró).

O estudo da homonímia e da polissemia envolve o problema de significação principalmente universal e de significação marginalmente ocasional. Quando a mesma forma fônica cobre significações diferentes, embora correlatas, tem-se a polissemia; quando cobre significações completamente diferentes, tem-se a homonímia. A polissemia envolve matizes emocionais, é determinada pelo contexto; constitui, às vezes, linguagem figurada e linguagem literária. A tarefa do ouvinte é fazer uma seleção entre as significações alternativas, por meio do contexto em que se acha o signo.

As relações hiponímicas provêm do fato de um termo ser mais abrangente que outro: (Ex: flor > rosa, orquídea etc.)

Na evolução semântica, as palavras ganham conotação pejorativa (tratante), ou valorativa (ministro); ampliam o significado (trabalho), ou restringem (anjo).

As siglas são outra fonte do léxico, dando até palavras derivadas (CLT → celetista). Há que considerar os eufemismos e os tabus lingüísticos (mal dos peitos, doença ruim, malino>maligno etc).

Fontes de renovação do léxico em suas acepções, são as gírias (falares grupais) aí incluídos os jargões profissionais (chutar, no sentido de mentir; o doente fez uma hipoglicemia).

O signo lingüístico quebra a convencionalidade no caso da derivação (que se prende à semântica gramatical) e no caso das onomatopéias (sibilar). Há estudiosos defendendo a idéia de que, originalmente seria tudo onomatopéia. As onomatopéias são iconográficas; na poesia exploram-se as virtualidades da representação natural.

Rompe também a convenção do signo lingüístico a motivação intra-lingüística (maçãÕmacieira; pena de aveÕpena de caneta). Na chamada linguagem figurada há várias ocorrências: elipse (bife com fritas); similaridade (chapéu-coco); sinestesia (cor berrante); contigüidade (beber Champanhe); perda de motivação (átomo); eufemismo (vida-fácil) _ às vezes por tabus lingüísticos. Esses fenômenos são grupais, acabam por convencionalizar-se. Toda criação de palavras repousa em associações, sendo a língua uma estrutura. O valor de uma palavra se estabelece em relação a outras e em relação ao sistema, é o centro de uma constelação associativa; toda mudança em um conceito resulta em mudança nos conceitos vizinhos (mulher / senhora; sopa fria / água fria)

Enfim, o sentido das palavras não é transcendental nem produzido pelo contexto; é a resultante de contextos já produzidos. A relação entre significante e significado é flutuante, está sempre em aberto. Disso resultam os problemas lexicográficos. Mesmo aqui, usamos termos como palavra, vocábulo e outros sobre cujas acepções divergem os estudiosos, muito embora o seu fundo comum, do qual temos, inclusive os leigos, um conhecimento intuitivo.

É preciso considerar que as línguas possuem variadas funções. As proposições podem ser declarativas, imperativas, ou imperativas. As declarativas podem ser afirmativas ou negativas (falsas ou verdadeiras). Há, então, uma grande divisão entre Significado descritivo e não-descritivo. (João levanta tarde (!?). Entre o não-descritivo inclui-se o expressivo e o social quando este visa a manter ou estabelecer papéis sociais. Numa visão mais ampla podemos aí incluir das formas ritualizadas (cumprimentos, brindes etc.) até os enunciados científicos que tem por objetivo fazer adeptos e influenciar comportamentos. O que é dito e o modo de dizer dependem das relações sociais entre os interlocutores. Quanto aos lexemas, há que se considerar que eles também transportam conteúdo sêmico (do Significado), quanto a informações gramaticais expressas nas desinências e nos determinantes e nas funções que expressam na sentença. Há informações portanto, mórficas e sintáticas, apontadas já no dicionário. (p. ex. subst. fem., v. trans. etc.). O conceito de semântica gramatical se torna claro ao compararmos: O menino mordeu o cachorro / O cachorro mordeu o menino. Há também variações estilísticas: o emprego do condicional é mais gentil que o presente do indicativo. Entram no significado as palavras gramaticais: preposições, conjunções, artigos e alguns advérbios. O uso de uma dessas partículas por outra, influi no Significado gramatical, embora sejam tidas, em consenso, como menos lexicais que os substantivos, os adjetivos, os verbos e os advérbios em -mente. O Significado gramatical advém, ainda dos mecanismos de concordância: Ele matou-a em casa dele / em casa dela.

A significação lexical não envolve maiores dificuldades; é simplesmente significação no sentido de uma noção apropriada, experimentada em conexão com o uso da palavra em causa. A significação gramatical está ligada aos morfemas, sem se desligar da significação léxica; refere-se às propriedades e relações dos signos verbais dados e às propriedades e relações dos objetos reais que são refletidos na linguagem e no pensamento: gênero, número etc. A significação sintática é, por assim dizer, uma extensão da significação gramatical – lato sensu, diz-se que a significação dos morfemas é um elemento da significação sintática; na significação sintática sempre se acrescenta um elemento qualquer à significação léxica; isso provém dos morfemas, das regras da ordem das palavras e das palavras funcionais. Quando o quadro de morfemas é pobre, a ordenação e as palavras auxiliares tornam-se importantes. Essas últimas são morfemas, tanto quanto os afixos, pois sempre aparecem em companhia das palavras mais lexicais e acrescentam algo à significação dessas (bater no / com o carro de Maria).

Nas línguas naturais ocorrem, ainda,  sentenças com:

– pressuposição – Quanto tempo ele ficou em Brasília? – supõe: Ele foi a Brasília.

– implicação – Muitos estudantes não foram capazes de responder à pergunta. implica:  – Só alguns estudantes responderam.

A compreensão dos significados das sentenças envolve os elementos lexicais isolados e o modo como eles se relacionam. A análise do significado das palavras requer o uso de regras semânticas. Menino implica macho, jovem, humano: são os traços pertinentes ou componentes semânticos, que se apontam na  análise componencial. O significado da palavra é um complexo de componentes semânticos ligados por constantes lógicas. X bate em Y – implica _ Y apanha de X; Caso Paulo venha, Pedro partirá. – implica – Caso Paulo não venha, Pedro não partirá. Pedro continua a beber – pressupõe – Pedro bebia antes. A pressuposição com a frase negativa continua a mesma: Pedro não toma bebida alcoólica – pressupõe – Pedro não gosta, ou está proibido pelo médico, ou por autoridade religiosa, de tomar bebida alcoólica.

Como dissemos, para alguns autores, o significado do enunciado extrapola o âmbito da Lingüística, entrando no terreno da Pragmática. Essa ciência pode, em brevíssimas palavras, ser definida como “relações da linguagem com seus usuários.” Ou por outra, exame dos discursos formadores da e formados pela visão do mundo. Sendo a língua uma abstração, um agregado de dialetos, de socioletos, de idioletos, é a fala que tem existência real, merecedora de atenção por parte de todos que se interessam pelos fenômenos da linguagem. Quando se fala, faz-se mais que trocar informações. A fala é cooperação, mas é também conflito, persuasão, negociação. Todo ato de fala se realiza em determinadas condições psicológicas, dentro de um contexto sociocultural que, mais ou menos, as controlam. Para a real ocorrência, com sucesso, de um ato de fala são imprescindíveis os chamados fatores de textualidade:

FATORES LINGÜÍSTICOS

FATORES EXTRALINGÜÍSTICOS

Coesão

Intencionalidade

Coerência

Aceitabilidade

Intertextualidade

Situacionalidade

 

Informatividade

Esses fatores residem em competências do falante e do ouvinte, em um pacto social que começa no compartilhamento do mesmo idioma e que transforma a linguagem em discurso. Para AUSTIN dizer é sempre fazer. Além do simples fenômeno de emissão de sons bucais dotados de significação clara e permanente, coesos e coerentes, há necessidade de se situar a emissão, aceitar o emissor, perceber-lhe a intenção (ou, ao menos, a intenção frontal) para que ocorra a informação. Desse modo, podem os atos de fala, por si, mudar uma situação. Por exemplo, quando o juiz afirma ao casal de noivos – Eu os declaro marido e mulher – essas pessoas passam da condição de solteiros para a de casados. Muitos exemplos podem ser apresentados, inclusive o inicial de todos eles e de tudo mais– “Faça-se a luz”. As religiões, inclusive em suas cosmogonias, atribuem valor aos atos de fala, com recomendações de que sejam seguidos à risca para que surtam efeito.

Nos atos declarativos, há que se distinguir entre locutor e enunciador. Locutor será o autor das palavras, o que diz; enunciador será o indivíduo a quem o locutor atribui a responsabilidade do foi dito. Por exemplo, no enunciado “O homem teria chegado ao Brasil há 45.800 anos”[1] o locutor é o jornalista que redige a notícia e o enunciador a arqueóloga que faz a afirmação. O uso do Futuro do Pretérito, muito usado no discurso jornalístico, exime o jornalista da responsabilidade quanto à veracidade das palavras.

A essa superposição de falas dá-se o nome de polifonia. O locutor dá voz a um ou vários enunciadores, cujos discursos ele difunde, organizando-os e não deixando de manifestar a própria posição. Se o enunciador não é reconhecido pelo ouvinte (caso das citações muito repetidas – “Penso, logo existo”) esse fato não impede a comunicação, logo não impede o sucesso do ato de fala.

O mesmo se pode dizer da ironia, da hipérbole, que, mesmo quando não de imediato percebidas, de alguma forma atingem os objetivos do falante.

Outra situação remarcável é dos tropos: desvio de um sentido literal, primitivo a um sentido implícito. O brasileiro, tido como povo afável, é farto em tropos:

– Você pode me emprestar a caneta? – por– Empreste-me a caneta.

– Não está um pouco tarde? Não vá perder seu ônibus (para a visita) – por – Você está me cansando com sua permanência.

– Diga boa-noite a seus irmãozinhos. (a mãe para o filho de poucas semanas) – por – Vão se deitar. (para os filhos mais velhos).

A Pragmática é observável em todos os contextos. Porém, em algumas situações, torna-se mais evidente o trato da linguagem como instrumento de manipulação. É o que acontece nos discursos político, pedagógico, religioso e até no discurso amoroso. Em todos esses casos, há uma base afirmativa que, manipulada, serve aos objetivos do emissor. A diferença está no grau de consciência quanto aos recursos utilizados para o convencimento. A linguagem publicitária prima na utilização desses recursos para mudar ou manter a opinião do público-alvo.

Como um estranho não tem autoridade para mandar, a publicidade adota técnicas variadas:

Fazer-agir: Beba Coca-Cola!

Fazer-crer; Só Omo lava mais branco!

Fazer-buscar prazer: Se um desconhecido oferecer flores, isto é Impulse!

A mensagem publicitária, utilizando a moderna tecnologia, promete, abundância, progresso, lazer, beleza, juventude. Ao contrário das catástrofes noticiadas nos jornais, a publicidade fala de um mundo bonito e prazeroso. Esse prazer está associado ao uso de determinado objeto, criando a linguagem da marca, o ícone do produto. Possuir certos objetos passa a ser sinônimo de felicidade. Se na linguagem do cotidiano muito pouco se usam as ordens, preferindo formas eufemísticas (faça o favor de entrar), a publicidade pode ser mais direta:

– Abuse e use C & A!.

A publicidade diz e, também, sugere sem dizer explicitamente. Usa recursos estilísticos:

1) Fonéticos: onomatopéias, aliterações etc.

2) Léxico-semânticos: criação de termos novos, novos significados, clichês, duplo sentido etc.

3) Morfossintáticos: grafias inusitadas, flexões novas, sintaxe não linear etc.

– A Ericsson fez um telefone com tudo em cima!

– Diet-Coke traz o prazer  de viver em forma!

– Ainda não inventaram um passe bem melhor que passe bem. (Carvalho, 1996)

O discurso publicitário cumpre seu papel por três vias:

1– psicológica – a eficácia do jogo de palavras resulta do fato de que esse jogo causa prazer, quando de sua decifração; é erótico, no sentido psicanalítico do termo;

2– antropológica – parte da proclamação de que o consumidor é irracional; reaviva arquétipos, ocultos, mas fundamentais;

3– sociológica – não se dirigindo a ninguém em particular; passa a impressão de que se dirige a cada um de nós, identificando-nos como membros de uma polis;

No domínio dessa linguagem, parece dizer-se sempre uma só coisa, utilizando-se o já utilizado, vendendo ilusão para vender produtos e serviços.

De tudo, parece válido concluir ser a linguagem uma variável com participação fundamental nos processos de convivência com a realidade física e social, além de sua importância na maneira de organizar as idéias sobre a realidade que nos rodeia. Sendo assim, a linguagem nunca se esgota em simples instrumento de referência ao mundo externo. Ao falarmos, manifestamos a nossa perspectiva, nossa avaliação do conteúdo do dito. Essa posição é resultado da soma de nossas experiências, de nossa própria ideologia, desaguando num discurso que, de modo algum pode ser simples e objetiva descrição da realidade. Todo discurso quer converter a uma ideologia e essa ideologia será, evidentemente, a ideologia do falante. Uma linguagem que vise, apenas, a reproduzir as próprias coisas esgota seu poder de informação a dados de fatos. Uma forma de expressão, se é produtiva, deve conter não só informações, como levantar procuras. O mesmo se pode dizer das artes visuais. Mesmo quando se dizem meramente representativas, na verdade, nunca o são. Sempre haverá a dimensão criativa.

A linguagem apenas prolonga a percepção e essa percepção sempre se mostrará dotada de uma dimensão produtiva.

 

Referências BIBLIOGRÁFICAS

AUSTIN, J. L. Quand dire c’est faire. Paris: Seuil, 1970.

CÂMARA JR. , J. Mattoso. Princípios de lingüística geral. Rio: Padrão.

CARVALHO, N. de. Publicidade, a linguagem da sedução. S. Paulo: Ática, 1996.

CUNHA, José C. C. da. Pragmática lingüística e didática das línguas. Belém: UFPA, 1991.

GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

GUIRAUD, Pierre. La semantique. Paris: Seuil, 1955.

ILARI et alii. Semântica. São Paulo: Ática, 1992.

LYONS, John. Linguagem e lingüística. Rio de Janeiro: Zahar, 1982

ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento. São Paulo: Brasiliense, 1993

PENNA, Antonio G. Comunicação e linguagem. Rio de Janeiro: Eldorado, 1986.

RECTOR, M., YUNES, E. Manual de semântica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980

 

ANEXO:
ANÁLISE COMPONENCIAL (Ilari et alii, 1992)

Afirmar

Assegurar

Asseverar

Atestar

Certificar

Garantir

Contar

Narrar

Relatar

Expor

Historiar

Refletir

 

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Levar ao conheci-mento do falante, com convicção

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Não provoca dúvida

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Com insistência

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+ provisório

+   definitivo

+ tem pra-o

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Verificar pela presença

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O falante se respon-sabiliza pe-la verdade

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Levar ao conheci-mento de alguém al-guma coisa

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Um só receptor

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Abordagem extensa

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Com for-malidade

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Reflexivo

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Com menção do ouvinte no enunciado

 


 

[1] La dépêche du Midi, in CUNHA (1991).