TEORIA DA CORRELAÇÃO REVISITADA

Ivo da Costa do Rosário (UERJ, UFF e UFRJ)

 

RESUMO

Pelo menos desde o século passado, verificamos que alguns autores propõem a existência de não apenas dois processos de estruturação sintática, mas três. Entre eles, podemos destacar Oiticica (1952), que desenvolveu a clássica teoria da correlação. Outros autores filiaram-se à proposta do autor, tais como Melo (1978) e mais recentemente Rodrigues (2007). Por outro lado, buscando um viés diverso, alguns teóricos admitem a existência da correlação, desde que associada aos clássicos processos de subordinação e coordenação, funcionando apenas como uma característica secundária. Entre esses autores estão Camara Jr. (1981), Bechara (1999), Luft (2000) e Kury (2003). Nossa proposta visa, portanto, a investigar essas posturas divergentes e traçar uma proposta de tratamento mais uniforme para o assunto.

 

(Quanto ao estudo da correlação), faço-o agora o mais completo que posso. Outros, futuramente, com mais lazer, alargarão as pesquisas, pois, neste assunto, deparam-nos os autores, floresta inexplorada. (Oiticica, 1952:02)

 

Considerações iniciais

É marcante, em nossos compêndios, a polêmica quanto à existência e à caracterização da correlação, entendida como processo sintático distinto da coordenação e da subordinação.  A maioria dos gramáticos tradicionais, por influência da Nomenclatura Gramatical Brasileira, não incluiu em suas obras a correlação, apesar de esta apresentar especificidades bem particulares em relação aos processos mais canônicos de estruturação sintática.

A despeito de a NGB preconizar apenas a existência dos processos sintáticos de subordinação e coordenação, no âmbito do chamado período composto, houve vozes e opiniões dissonantes ao longo do percurso de sua normatização.  Chediak (1960: 74), consultado acerca do assunto, na época da elaboração da NGB, afirmou: “É lamentável que o Anteprojeto tenha excluído a correlação e a justaposição como processos de composição de período”.

Ainda durante o período de consultas para a elaboração da NGB, Chediak (1960: 213) nos informa que o Departamento de Letras da Universidade do Rio Grande do Sul, em 1958, também requereu a inclusão deste processo de estruturação sintática como distinto da subordinação e da coordenação.

Camara Jr. (1981: 87) assevera que a correlação “é uma construção sintática de duas partes relacionadas entre si, de tal sorte que a enunciação de uma, dita prótase, prepara a enunciação de outra, dita apódose”.  A explicitação teórica do autor admite que a correlação apresenta um arranjamento sintático particular, mas assume posição dissonante da de Chediak (1960) ao defender que a correlação não deve ser considerada como um processo de estruturação sintático distinto, pois ela se estabelece tanto por meio da coordenação como por meio da subordinação.  Concordam com Camara Jr. (1981) vários teóricos como Bechara (1999), Luft (2000) e Kury (2003).

Carone (2003: 62), à maneira de Camara Jr. (1981), também prefere considerar as correlativas, bem como as justapostas, como variantes dos processos de subordinação e coordenação, entretanto, não presta maiores esclarecimentos que sustentem a opção teórica tomada. Vejamos:

As relações estabelecidas entre orações podem apresentar, por vezes, características de realização que as distinguem do usual, o que tem levado alguns gramáticos a ver nisso outros tantos procedimentos sintáticos. Trata-se da correlação e da justaposição, variantes formais dos (...) processos (de subordinação e de coordenação).

Azeredo (1979), em concordância com Luft (2000), também opta por defender a correlação como um subtipo ora da subordinação ora da coordenação, funcionando como um verdadeiro recurso expressivo de ênfase.

Poucos gramáticos brasileiros, entre os quais José Oiticica, têm identificado na correlação e na justaposição processos de estruturação sintática distintos da subordinação e da coordenação. A maioria entende que aqueles processos servem apenas para materializar certas relações fundamentalmente coordenativas ou subordinativas. (grifos do autor)

Oiticica (1952), citado por Azeredo (1979), defende a idéia de que as orações consecutivas e comparativas devem ser consideradas correlatas, diferentemente do que preceitua a tradição gramatical brasileira que as considera como subordinadas adverbiais.

O estudo do autor, contido na célebre Teoria da Correlação (1952), advoga a existência da correlação como um mecanismo de estruturação sintática ou procedimento sintático em que uma sentença estabelece uma relação de interdependência com a outra no nível estrutural. Assim, a distinção entre a correlação e os outros processos de estruturação poderia ser atestada por meio do critério da dependência sintática. Teríamos, então, três processos:

a) Subordinação

– processo de hierarquização de estruturas em que as orações são sintaticamente dependentes. (cf. Rodrigues, 2007: 227);

b) Coordenação

– processo em que as orações são sintaticamente independentes uma das outras, caracterizando-se pelo fato de implicarem paralelismo de funções ou valores sintáticos idênticos. (cf. Rodrigues, 2007: 227);

c) Correlação

– processo em que “duas orações são formalmente interdependentes, relação materializada por meio de expressões correlatas”. (cf. Rodrigues, 2007: 231)

Melo (1978: 152) também considera a correlação como um terceiro processo de estruturação sintática, distinto da subordinação e da coordenação. Vejamos:

(A correlação) é um processo sintático irredutível a qualquer dos outros dois (subordinação ou coordenação), um processo mais complexo, em que há, de certo modo, interdependência. Nele, dá-se a intensificação de um dos membros da frase, ou de toda a frase, intensificação que pede um termo.

O autor (1978: 152) amplia o escopo da correlação que, segundo ele, abarca além das consecutivas e comparativas, também as equiparativas[1] e alternativas. O autor acrescenta que, na linguagem oral, a intensificação normalmente expressa por um advérbio de intensidade (primeira parte da correlação) seria foneticamente realizada por um esforço e alongamento acentuadamente maiores no produzir a tônica, como em: Chovia, que era um desespero!

Castilho (2004: 143) também filia-se às idéias de Oiticica (1952).  Na correlação, segundo o autor, a cada elemento gramatical na primeira oração corresponde outro elemento gramatical na segunda, sem o quê o arranjo sintático seria inaceitável.   Segundo o autor, há quatro tipos de correlação: aditiva, alternativa, consecutiva e comparativa.  As duas primeiras, nas obras tradicionais, geralmente são diluídas na coordenação e as duas últimas, na subordinação, o que não seria adequado devido às suas particularidades.

Com o autor concorda Módolo (1999), para quem a correlação é um

...tipo de conexão sintática de uso relativamente freqüente, particularmente útil para emprestar vigor a um raciocínio, aparecendo principalmente nos textos apologéticos e enfáticos, que se destacam mais por expressarem opiniões, defenderem posições, angariarem apoio, do que por informarem com objetividade os acontecimentos.

Segundo análise de Módolo (1999), a tendência a negar a existência da correlação em um nível paralelo à subordinação e à coordenação advém da herança do paradigma estruturalista, fundado nas dicotomias saussurianas. Filiado ao estruturalismo lingüístico, Camara Jr. (1981) teria optado por defender opinião diversa da de Oiticica (1952) por ser fiel à disposição binária dos conceitos de Saussure, para quem a existência de um terceiro conceito na esfera da descrição lingüística aniquilaria a opção teórica pelas dicotomias.

Rodrigues (2007: 232-233) também advoga a existência da correlação como um processo que se distingue dos demais, por conta das seguintes características:

1º - a correlação apresenta conjunções que vêm aos pares, cada elemento do par em uma oração;

2º - no período composto por correlação, as orações não podem ter sua ordem invertida, isto é, não apresentam a mobilidade posicional típica das subordinadas adverbiais;

3º - as correlatas não podem ser consideradas parte constituinte de outra, como ocorre com as substantivas, as adverbiais e as adjetivas.

Vejamos um pequeno exemplário oferecido por Rodrigues, seguido de uma proposta de classificação, oferecida pela autora (2007):

(01) Hoje eu trabalho mais do que trabalhava. (Rodrigues, 2001:57) → Correlação comparativa.

(02) Quanto mais o conheço, tanto mais o admiro. (Cunha & Cintra, 2001:593) → Correlação proporcional.

(03) Trabalhou tanto que adoeceu. (Luft, 2000:61) → Correlação consecutiva.

(04) Não só trabalha de dia, senão que estuda à noite. (Rocha Lima, 1999:261) → Correlação aditiva.

(05) Você ou estuda ou trabalha, as duas coisas serão muito difíceis. (Castilho, 2004:143) → Correlação alternativa.

 

Estudos atuais acerca do assunto

A defesa da existência da correlação como um processo distinto dos demais parece estar novamente recuperando espaço nos debates acadêmicos, haja vista as contribuições de pesquisadores como Módolo (1999), Castilho (2004) e Rodrigues (2007).

Entretanto, a questão ainda está por ser pesquisada com maior profundidade, haja vista os estudos já realizados à nossa disposição terem sido publicados na forma de artigos, o que irremediavelmente conduz o pesquisador à necessidade de uma abordagem bastante sintética para o assunto.

Segundo Módolo (1999: 06), Oiticica (1952) propôs uma perspectiva funcional da teoria da correlação. Por ter sido publicado na década de 50 do século passado, Módolo (1999) advoga o título de funcionalista avant la lettre para Oiticica, por ter sido ele o precursor dos estudos funcionalistas nessa área da sintaxe, antes mesmo de tais estudos terem florescido no campo da investigação lingüística.

De fato, um dos pilares do funcionalismo lingüístico é a preponderância da função sobre a forma, ou seja, esta estaria a serviço daquela. Assim, diante da necessidade de maior expressividade ou de um tipo de argumentação mais formal ou enfática, nos termos de Luft (2000), houve a necessidade de criação de um arranjo sintático formal diferente dos já tradicionais esquemas subordinativos ou coordenativos. Vejamos:

(06) João é rico e feliz.

(07) João não só é rico como também é feliz.

Os exemplos (06) e (07), semanticamente similares, apresentam arranjos sintáticos diferentes e atendem a necessidades comunicacionais e pragmáticas distintas. No exemplo (06), a conjunção coordenativa aditiva e simplesmente reúne dois termos coordenados entre si, que funcionam como predicativos do sujeito. Por outro lado, no exemplo (07), não podemos afirmar que há uma simples união de predicativos referentes ao sujeito. De certa forma, há uma idéia de gradação enfática crescente do primeiro termo predicativo ao segundo, enunciados na superfície da sentença.

Percebemos que os argumentos em defesa da correlação como um terceiro processo de estruturação sintática são bastante contundentes.  Entretanto, a maioria dos gramáticos prefere não considerá-la como um processo distinto dos demais, provavelmente por influência da tradição normativista. Assim, a investigação da questão apresenta-se como altamente relevante para nossos estudos vernáculos.

 

Referências bibliográficas

AZEREDO, José Carlos. Sobre os processos de estruturação sintática. Niterói: Faculdade de Letras/UFRJ, 1979. (mimeo.)

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de lingüística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1981.

CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação – confrontos e contrastes. São Paulo: Ática, 2003.

CASTILHO, Ataliba T. de. A língua falada no ensino de português. São Paulo: Contexto, 2004.

CHEDIAK, Antônio José (org). Nomenclatura gramatical brasileira e sua elaboração. CADES, 1960.

CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. Rio de Janeiro: Ática, 2003.

LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. São Paulo: Globo, 2000.

MELO, Gladstone Chaves de Melo. Gramática fundamental da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.

MÓDOLO, Marcelo. (Pré) publications: forskning og undervisning. Danmark: Romansk Institut, Aarhus Universitet, 1999.

OITICICA, José. Teoria da correlação. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1952.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.

RODRIGUES, Violeta Virginia. Construções comparativas: estruturas oracionais? Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2001. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa.

––––––. Correlação. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues & BRANDÃO, Sílvia Figueiredo. (orgs.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.


 

[1] Melo (1978) afirma que a correlação equiparativa ocorre quando queremos estabelecer igualdade ou equivalência para o segundo termo, que vem fechar um pensamento deixado em aberto ou em suspenso no primeiro termo.  São normalmente utilizadas com as expressões “assim... assim também”, “não só... mas também”, “senão também”, “assim como... assim”.