A Influência do Contexto Social na Conscientização Literária

Erika Coachman (Mestranda/ UFRJ)
Orientadora: Sonia Zyngier

 

1. Introdução

Dados de pesquisas desenvolvidas pelo Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA; 2000, 2003 e 2006) revelam que há uma grave crise de leitura no Brasil. Embora a taxa de escolarização tenha aumentado nas últimas décadas, grande parte da população é analfabeta funcional. Tal constatação é confirmada pelo Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (INAF, 2005) ao afirmar que apenas 26% dos cidadãos brasileiros com idade entre 15 e 64 anos são plenamente alfabetizados, enquanto a grande maioria se divide entre os níveis de total analfabetismo e alfabetização rudimentar ou básica.

                Pesquisas desenvolvidas pelo Projeto REDES (Fialho & Jandre, 2005; Fialho & Zyngier, 2003; Mendes & Zyngier, 2002; Carvalho, 2001) também comprovam a existência dessa crise. De acordo com essas fontes, há um distanciamento do leitor com relação ao texto que aumenta em se tratando de textos literários. Os dados destas pesquisas apontam para uma dificuldade de construção de significado a partir desse tipo de leitura. Os leitores participantes demonstraram um sentimento de rejeição, chegando a considerá-lo demasiadamente complexo.

                Estudos realizados por meio da parceria entre o Instituto Telemar e o projeto REDES (Fausto, 2005; Mendes & Almeida, 2005) revelaram que há uma significativa perda do prazer de ler na transição do terceiro (6a e 7a séries) para o quarto ciclo (8a e 9a séries) do Ensino Fundamental. Como encaminhamento, foi elaborado um material de Conscientização Literária (Zyngier, Jandre & Coachman, 2006) propondo atividades de leitura e produção textual que promovessem o prazer de ler. Tais atividades baseiam-se no entendimento do papel ativo do leitor no processo de construção do significado a partir do texto (Ingarden, 1973; Iser, 1978), tornando-o capaz de avaliar a sua experiência durante e após a leitura. Através da utilização deste material de Conscientização Literária, buscou-se ainda verificar sua eficácia na promoção do prazer pela leitura na 6a série do Ensino Fundamental.

                Contudo, não foram desenvolvidos ainda estudos comparativos no que diz respeito ao ensino de Conscientização Literária em diferentes contextos sociais. Diante dessa lacuna, foi desenvolvido o presente estudo de cunho quantitativo a fim de comparar como grupos do centro e da periferia de duas escolas da cidade do Rio de Janeiro reagem diante de aulas de Conscientização Literária. Buscou-se compreender como e até que ponto o contexto social afeta o desenvolvimento da Conscientização Literária, que aspectos são gerais e quais são específicos, entre outros.

 

2. Área de Inserção

Esta pesquisa parte do entendimento de Lingüística Aplicada como uma ciência social cuja investigação tem por objetivo propor caminhos para questões referentes ao uso da linguagem em diferentes contextos. Segundo Celani (1992), é justamente essa preocupação social motivadora de novas investigações que caracteriza a Lingüística Aplicada.

Entende-se, portanto, que o objeto de pesquisa proposto está inserido na área de interesse da Lingüística Aplicada, uma vez que se propõe analisar o desenvolvimento de uma oficina de Conscientização Literária em contextos sociais distintos. Uma vez entendidos os efeitos da Conscientização Literária em diferentes contextos sociais, pretende-se apontar novos caminhos para amenizar a crise de leitura no Brasil.

Pode-se afirmar que além de Lingüística Aplicada, a presente pesquisa está inserida na área de interesse da Ciência Empírica da Literatura, uma vez que entende o leitor como agente de um sistema social e apóia-se em dados empíricos para validar e sustentar as hipóteses levantadas no decorrer da pesquisa. Vale ressaltar também que o projeto é orientado pela teoria de Conscientização Literária, cujo desenvolvimento pretende-se avaliar em diferentes contextos sociais. Também são relevantes as bases teóricas sobre “reader-response”, as quais foram de suma importância para a fundamentação teórica da pesquisa em questão.

 

3. Ciência Empírica da Literatura (CEL)

Teoria literária orientada por pressupostos construtivistas, a CEL foi proposta por Siegfried J. Schmidt em Foundations for an Empirical Study of Literature (1980) como alternativa aos estudos literários de cunho hermenêutico.

A CEL propõe a investigação empírica como meio eficaz de organização e interpretação dos dados, que por sua vez são úteis para avaliação das hipóteses. Mesmo sendo a Literatura uma Ciência Humana, entende-se que a contribuição de métodos oriundos das Ciências Exatas e Sociais pode ser muito relevante para elaboração e validação de novas teorias e práticas.

Em se tratando da CEL, também é válido ressaltar que os estudos empíricos adotam o entendimento da Literatura como um sistema social no qual diferentes agentes desempenham os seguintes papéis: produtores (autores), receptores (leitores), mediadores e pós-processadores (críticos). Para tanto, entende-se que o significado é construído pelo leitor a partir do texto literário, com base em seu conhecimento de mundo e vivências.

Logo, constata-se que a partir do entendimento da sociedade e da literatura como um sistema de interações comunicativas, os estudos empíricos surgem como método capaz de promover a análise intersubjetiva dos dados obtidos, viabilizando assim a formulação de teorias.

 

4. Conscientização Literária (CL)

Proposta por Zyngier (1994), a teoria de Conscientização Literária aponta para a importância da sensibilização dos leitores para a manipulação dos recursos lingüísticos, bem como para sua relevância na elaboração de interpretações sustentáveis. De acordo com a presente teoria, o leitor sensibilizado é capaz de fundamentar sua compreensão do texto não apenas através do conteúdo do mesmo, mas também por meio das operações lingüísticas nele realizadas. 

Desta forma, a percepção e compreensão dessas operações lingüísticas ajudam o leitor a transcender o impacto inicial, que pode ser meramente subjetivo, e o impulsiona em direção ao entendimento de como o texto funciona (McRae, 1998). O conhecimento acerca de tais operações aproxima o leitor do texto literário, já que ele é capaz de avaliar o processo de leitura.

 

5. Estudos de Recepção e “reader-response

 No fim dos anos 70 e início dos anos 80, ocorreram profundas mudanças na crítica literária. Tais mudanças consistem na rejeição da busca pelo verdadeiro significado do texto e a aceitação do papel fundamental do leitor na construção de significados e interpretações. Dentro dessa nova perspectiva, o leitor deixa de ser aquele que procura as verdades escondidas no texto literário, tornando-se um ativo construtor de significados. Portanto, a atenção da crítica se desloca do conteúdo da obra para as respostas do leitor, sendo focados assim o ato de ler e o ato de interpretar.

                Ao se pensar nessas mudanças, faz-se necessário o entendimento da grande contribuição da fenomenologia para o fortalecimento dessa nova perspectiva. Primeiramente, é preciso ressaltar que fenomenologia é a ciência dos fenômenos que defende o entendimento do texto como uma construção da consciência humana. Para um crítico da corrente fenomenológica, a questão da leitura, a percepção estética e a maneira como o leitor se apropria de um texto literário são pontos centrais. A leitura por sua vez, seria uma atividade na qual o leitor constrói o significado do texto, por meio de seleção e organização, antecipação e retrospecção, formulação e modificação de expectativas.

                De acordo com Ingarden (1973), ler é um processo que requer uma busca por elementos que determinem a multiplicidade de concretizações corretas. É relevante observar nesse ponto, que não há apenas uma possibilidade de concretização correta. A aceitação de uma determinada concretização decorre da coleta de fatores e elementos presentes no texto que a fundamentem. Para Ingarden, o texto literário contém certos pontos de indeterminação (“spots of indeterminacy”) que devem ser preenchidos pelo leitor. Essas lacunas existem para que o leitor transcenda o texto, reduzindo as ambigüidades, ou sabendo conviver com elas, como no caso da multiplicidade de significados de um texto literário.

                Iser (1978), ao reformular as postulações de Ingarden, afirma que esses pontos de indeterminação exigem concretização. Logo, o preenchimento dessas lacunas constitui um movimento constante na leitura de um texto literário. Esses espaços, segundo Iser são verdadeiros estímulos presentes na interação leitor – texto. Ao contrário de Ingarden, Iser afasta seu foco dos resultados e se concentra no processo da leitura.

                Para Iser, a leitura é um processo no qual o leitor constrói constantemente conexões entre as partes do texto. É durante o ato de leitura que o leitor lança expectativas sobre que eventos podem acontecer em seguida. Iser (1978), ao contrário de Ingarden, entende como benéficas as quebras de expectativas do leitor, uma vez que estas fazem com que ele repense o que foi lido anteriormente e reajuste essas idéias. O texto, por sua vez, contém instruções para a construção do significado. Cabe ao leitor, portanto, seguir essas instruções, sabendo que muitas das vezes elas não serão suficientemente claras. É justamente essa falta de clareza e espaços de indeterminação que exigem do leitor criatividade no preenchimento de lacunas e na construção de significado a partir do texto literário.

 

6. Socialização Literária

                Estudos recentes (Cobb-Walgren, 1990; Van Peer, 1991;Kraaykamp, 2001) apontam para a relevância de um ambiente que ofereça estímulos, bem como atividades de interação social que possam favorecer o desenvolvimento cultural e literário da criança. Sendo assim, entende-se que a socialização literária ocorre quando há um ambiente capaz de motivar o engajamento da criança em atividades de leitura.  Segundo Kraaykamp (2003), a infância é o momento crucial para a promoção do prazer de ler. No entanto, vale ressaltar que o conhecimento cultural e a competência do indivíduo como leitor não advêm de experiências literárias isoladas. Logo, é imprescindível que se incentive uma ativação duradoura e constante de hábitos que promovam o desenvolvimento da criança.

                De acordo com Kraaykamp (2003), o ambiente familiar, a biblioteca e a escola são as três instituições responsáveis pela promoção da socialização literária. Tendo em vista que a socialização literária é mais profícua nos anos de formação do indivíduo, isto é, dos 5 aos 20 anos de idade, verifica-se a relevância de assegurar um contexto social favorável ao desenvolvimento cultural, principalmente nessa faixa etária. Kraaykamp (2003) mostra que indivíduos que tiveram experiências literárias significativas na infância mantêm o gosto pela leitura mesmo na fase adulta. Os pais, por exemplo, podem encorajar o desenvolvimento cultural da criança seja pelo seu próprio exemplo como leitor assíduo ou através de estímulos para que seus filhos se engajem no universo literário. Essas duas maneiras de socialização promovidas pelos pais são conhecidas como imitação e instrução (Bandura and Walters, 1963). Da mesma forma, freqüentadores constantes de bibliotecas na infância têm maiores oportunidades de desenvolverem o gosto literário e mantê-lo na idade adulta.  Sendo a escola o espaço onde grande parte do conhecimento é construído, sua contribuição para o processo de socialização literária é também de extrema relevância. Deve-se ressaltar que a ênfase dada à leitura na escola pode incentivar posteriormente o gosto do indivíduo por gêneros literários mais complexos.

Logo, entende-se que é de suma importância assegurar uma experiência contínua e significativa das crianças com a leitura. Para tanto, é preciso que as três instituições mencionadas (família, biblioteca e escola) ofereçam às crianças os recursos e estímulos necessários para seu desenvolvimento cultural. Verifica-se, portanto, a importância da socialização literária para a formação de leitores competentes, capazes de interagirem com diferentes tipos de textos.

 

7. Objetivo

Segundo estudiosos (Orlandi, 1999; Jouve, 2002; Kleiman, 2002), a leitura é uma atividade extremamente dinâmica e enriquecedora, de importância crucial para a construção do conhecimento. Sendo assim, entende-se a relevância de estudos que reflitam acerca da formação de leitores mais críticos e ativos, uma vez que o letramento e o acesso à informação são ferramentas essenciais para o exercício da cidadania plena.

De posse das constatações acima, objetiva-se elaborar um estudo comparativo acerca do desenvolvimento de Conscientização Literária em diferentes contextos sociais. A partir da compreensão da leitura como ferramenta indispensável para fins comunicativos, bem como pré-requisito para o acesso à cidadania, torna-se necessário assegurar que todo cidadão, independente de sua classe social, disponha de uma formação que lhe assegure as condições necessárias para exercer seus direitos e deveres.  Logo, é preciso propor novos caminhos para o ensino da leitura no Brasil que viabilizem a formação de leitores competentes e criativos. Para tanto, a presente pesquisa tem como objetivo apontar rumos e lançar propostas para o ensino de leitura nas escolas brasileiras, a partir das semelhanças e diferenças averiguadas durante o processo de desenvolvimento da Conscientização Literária no centro e na periferia.

 

8. Contexto de Pesquisa

    Foram oferecidas cinco aulas em uma escola particular da Zona Oeste do Rio de Janeiro, bem como em um instituto localizado na Zona Sul do mesmo município. É relevante lembrar que os alunos atendidos pelo instituto social são oriundos de escolas da rede pública. Os encontros realizados na escola particular ocorriam semanalmente durante o horário da aula de Língua Portuguesa. A oficina realizada no instituto social, por sua vez, ocorria duas vezes ao mês durante o tempo reservado às aulas de apoio pedagógico de Português. Vale ressaltar o problema da assiduidade dos alunos do instituto. Como as aulas não eram de caráter obrigatório, o índice de faltas no decorrer da oficina foi bastante alto

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9. Participantes

As oficinas contaram com um total de 122 alunos, sendo 99 deles oriundos de uma escola particular, e os outros 23 provenientes de escolas públicas e matriculados no instituto social. Os participantes das oficinas de Conscientização Literária eram alunos da 6a série do Ensino Fundamental. É importante considerar que alguns dos participantes da oficina oferecida no instituto cursavam a 7a série. 

 

10. Instrumento de pesquisa

As aulas foram ministradas com o apoio de material de Conscientização Literária (Zyngier, Jandre & Coachman, 2006), que foi produzido com o intuito de promover o prazer de ler na 6a série do Ensino Fundamental.

A fim de acompanhar o desenvolvimento da Conscientização Literária, bem como a reação dos alunos às aulas oferecidas, adaptou-se o questionário (vide Figura 1) utilizado em pesquisas desenvolvidas anteriormente pelo grupo REDES em parceria com o Instituto Telemar (2005). O questionário era utilizado sempre ao término de cada aula. Através da análise das respostas dos alunos aos questionários, foram comparadas as cinco primeiras aulas oferecidas em ambos os contextos sociais.

Figura 1

  1. Como você se sentiu na aula de hoje? Marque a carinha de acordo com sua resposta. 

 

 

  1. Como foi a leitura dos textos de hoje?

 

Muito fácil

Fácil

Neutro

Difícil

Muito difícil

 

Muito Chata

Chata

Neutro

Interessante

Muito interessante

 

  1. Você modificaria alguma coisa na aula? Por quê?
  2. O que você aprendeu hoje?
  3. Do que você mais gostou na aula de hoje?

                   

A fim de verificar se os alunos apreciaram as aulas ministradas positivamente ou não, foi preciso averiguar com que freqüência cada uma das opções foi assinalada. Para tanto, foi estabelecida uma correlação entre as carinhas assinaladas e a apreciação da aula, como mostra a Figura 2.

Figura 2

 

   

 

muito boa

boa

neutra

ruim

muito ruim

 

Da mesma forma, com o objetivo de averiguar o grau de dificuldade das aulas e o interesse dos alunos, verificou-se a freqüência com que cada uma das alternativas (vide Figura 1) foi selecionada.

                    As perguntas abertas, por sua vez, correspondem às três últimas perguntas do questionário utilizado para avaliação dos encontros. São elas:

  1. Você modificaria alguma coisa na aula? Por quê?
  2. O que você aprendeu hoje?
  3. Do que você mais gostou na aula de hoje?

 

                    Através das perguntas listadas acima, buscou-se observar as críticas dos alunos aos encontros, avaliar o processo de aprendizado, bem como verificar as atividades preferidas pelos participantes.

                    A fim de analisar as diferentes respostas dadas às perguntas 4 e 5, julgou-se apropriada a adoção dos papéis propostos por Schmidt (1980), que podem ser desempenhados por diferentes agentes em um dado sistema de interações comunicativas. São eles: produtores (autores), receptores (leitores), mediadores e pós-processadores (críticos). Com base nesses papéis, foram criadas três categorias: produção (2), recepção (3) e crítica (4). Foram adicionadas ainda outras três categorias a partir de respostas que não correspondiam às outras três propostas inicialmente. São elas: tema(1), imaginação (5), tudo/ nada (6) e outros (7). A Tabela 1 abaixo contém alguns exemplos, bem como a definição de cada categoria criada.

 

Tabela 1 – Categorias Perguntas Abertas

Categoria

Definição

Exemplos

(1) Tema

Categoria utilizada quando o aluno define ou cita o tema da aula.

“sobre os tipos de textos” (Aluno 1, Aula 2)

“Como interagir com o texto” (Aluno 14, Aula 1)

(2) Produção

Categoria utilizada quando o aluno cita qualquer atividade em que ele seja o “produtor”. Esta categoria está intimamente ligada ao “fazer”.

“desenhar” (Aluno 3, Aula 1)

“de completar o texto” (Aluno 4, Aula 1)

“a criar histórias” (Aluno 6, Aula 1)

(3) Recepção

Categoria utilizada quando o aluno menciona atividades de caráter receptivo, tais como “leitura”, “texto” e etc.

“melhorei a leitura” (Aluno 10, Aula 1)

“a ler poesia” (Aluno 16, Aula 1)

“o poema” (Aluno 13, Aula 1)

(4) Crítica

Diferencia-se da categoria (3), pois nela é atribuído ao leitor um papel mais ativo no processo de leitura, uma vez que ele interpreta, diferencia ou critica o que é lido. Esta categoria também se aplica a casos em que o aluno estabelece relações de semelhança e diferença durante o processo de aprendizado.

“A interpretar poesia” (Aluno 4, Aula 1)

“Eu aprendi a interpretar o texto” (Aluno 33, Aula 1)

 

(5) Imaginação

Categoria utilizada quando o aluno menciona a atividade imaginativa ou mesmo o uso de criatividade

“que se pode usar a imaginação para tudo” (Aluno 41, Aula 1)

(6) Tudo/ Nada

Trata-se de uma categoria vazia. É utilizada toda vez que o participante responde de maneira extremamente vaga.

“Um bando de coisas” (Aluno 3, Aula 1)

“Nada de novo” (Aluno 9, Aula 1)

“De tudo” (Aluno 5, Aula 2)

(7) Outros

Utilizada para respostas que não se enquadram em nenhuma das outras categorias.

“a não ser egocêntrico” (Aluno 39, Aula 1)

 

                Com o auxílio das categorias listadas na Tabela 1, objetiva-se agrupar as diferentes respostas dos participantes. Dessa forma, acredita-se que será viável averiguar as possíveis semelhanças e diferenças entre periferia e centro, no que tange o processo de desenvolvimento da Conscientização Literária.

                No que diz respeito ao material didático utilizado, é importante ressaltar que cada aula ministrada corresponde a uma unidade do livro Conscientização Literária para o Ensino Fundamental (Jandre, Zyngier & Coachman, 2006). São elas:

Unidade 1 – Bate-papo com o leitor

Unidade 2 – Tipos de textos

Unidade 3 – Contando Histórias

Unidade 4 – Rima e Repetição

Unidade 5 – Iconicidade

                Por meio da abordagem dos temas acima, buscou-se sensibilizar o leitor para a manipulação da linguagem, a fim de que ele pudesse não apenas identificar operações lingüísticas em um dado texto literário, mas também produzi-las quando assim desejar. Dessa forma, pretende-se colaborar para a formação de leitores que exerçam um papel mais ativo e que sejam capazes de produzir interpretações sustentáveis. Ao estimular uma participação mais ativa dos leitores na construção de significado a partir do texto literário, acredita-se ser possível tornar a leitura uma experiência prazerosa.

               

11. Análise dos Dados

                Idealmente deve-se fazer um teste estatístico para observar a significância dos resultados. Tendo em vista que o universo deste estudo piloto ainda é muito reduzido, aqui serão apresentadas porcentagens. Em trabalho futuro, aumentar-se-á o número de participantes e se realizarão os testes estatísticos.

 

 11.1. Análise das Perguntas Fechadas

                Pretende-se analisar nesta seção do trabalho a reação dos participantes no que diz respeito à apreciação, interesse e dificuldade. Para tanto, foram analisadas as respostas dos alunos às duas primeiras perguntas do questionário utilizado (vide Figura 1).

 

11.1.2. Apreciação

                    Para avaliar a apreciação, criaram-se cinco categorias que variavam de muito bom a muito ruim (vide Figura 2). Os resultados encontram-se no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Apreciação Estudo Piloto

Observa-se que os alunos, tanto do centro como da periferia, apreciaram as aulas ministradas positivamente. O Gráfico 1 acima revela que 45,06% dos participantes da escola particular, bem como 42,19% dos participantes da rede pública avaliaram as aulas ministradas como muito boas. O percentual de alunos que avaliou o curso de modo negativo é de apenas 2,53% (centro) e 1,56% (periferia). Logo, verifica-se que os encontros foram apreciados pelos participantes de ambos os contextos sociais.

 

11.1.3. Dificuldade

Com relação ao grau de dificuldade das aulas, pode-se observar que a distribuição do Gráfico 2 aponta para diferenças bem relevantes entre os dois contextos sociais analisados.

Gráfico 2 – Facilidade Estudo Piloto

                    De acordo com o Gráfico 2, os alunos da escola particular consideraram as aulas mais fáceis do que os alunos da rede pública. Verifica-se que 41,49% dos alunos do ensino privado avaliaram as aulas como “muito fáceis”, enquanto apenas 19,70% dos alunos da rede pública assinalaram a mesma opção. O gráfico também revela que 56,06% dos alunos da rede pública consideraram as aulas “fáceis”. Entende-se, portanto, que apesar dos alunos da escola particular considerarem as aulas mais fáceis do que os alunos da rede pública, o percentual de alunos que avaliou as aulas como “difíceis” ou “muito difíceis” é bastante reduzido em ambos os contextos sociais, não ultrapassando a margem de 4% nos dois grupos. Desta forma, constata-se que apesar das diferenças apontadas entre os dois grupos, os encontros não apresentaram um grau de dificuldade acentuado.

 

11.1.4. Interesse

                    A fim de verificar o interesse dos participantes pelas aulas oferecidas, analisou-se a freqüência com que os participantes assinalaram cada uma das opções acima.

 

 

 

 

Gráfico 3 –  Interesse Estudo Piloto


                    Segundo o Gráfico 3, 73% dos alunos da escola particular e 86,67% dos participantes do instituto consideraram os encontros “interessantes” ou “muito interessantes”. Obteve-se, portanto, uma diferença de 13,67% entre os dois grupos. Este resultado revela um menor grau de interesse nas aulas por parte dos participantes da periferia. Tendo em vista que os alunos da rede pública também consideraram as aulas mais difíceis, pode-se sugerir uma possível relação entre interesse e facilidade. De acordo com essa hipótese, os alunos se interessariam mais pela aula à medida que as atividades se tornassem mais fáceis.

                    É importante ressaltar que, de modo geral, as aulas foram consideradas interessantes por ambos os grupos. O índice de alunos que avaliou a aula como “chata” ou “muito chata” é de 6,50% (centro) e 3,33% (periferia). Sendo assim, é notável a eficácia do material avaliado, já que a maioria dos participantes demonstrou interesse nos assuntos abordados em sala de aula.

 

12. Considerações Parciais

                    Com base nos resultados obtidos, entende-se que os participantes de ambos os contextos apreciaram as aulas positivamente, considerando-as também interessantes e fáceis. Observou-se também que houve uma diferença acentuada no que diz respeito ao grau de dificuldade e interesse dos encontros, uma vez que os alunos provenientes da rede particular consideraram os encontros mais fáceis e mais interessantes do que os alunos da rede pública. Deve-se ressaltar, no entanto, que o percentual de alunos que avaliaram as aulas como “difíceis” ou “muito difíceis” foi bastante reduzido nos dois grupos. Da mesma forma, tem-se um pequeno percentual de participantes que considerou as aulas “chatas” ou “muito chatas”.

                    Concluí-se, portanto, que os encontros de Conscientização Literária foram apreciados positivamente, tanto pelos alunos da rede pública como por aqueles da escola particular. Sendo assim, acredita-se que a Conscientização Literária seja um importante e eficaz meio de promover o prazer pela leitura mesmo em diferentes contextos sociais. 

 

13. Análise das Perguntas Abertas

                Pretende-se analisar nesta etapa do trabalho as respostas dos participantes no que diz respeito a críticas, aprendizado e preferência. Para tanto, foram analisadas as respostas dos alunos às três últimas perguntas do questionário utilizado (vide Figura 1).

13.1. Modificações

                Com relação às modificações sugeridas pelos alunos, verifica-se que a maioria dos participantes de ambos os contextos optaram por não se posicionarem criticamente, como mostra o Gráfico 4.                    

Gráfico 4 – Modificações Estudo Piloto

               Observa-se por meio do Gráfico 4, que tanto os participantes do centro  como participantes da periferia mostram preferência por não criticarem as aulas oferecidas. É importante notar que os participantes oriundos da periferia são aqueles que constituem o grupo com menor percentual de posicionamento crítico com relação aos encontros.

                    A partir dessa constatação pode ser sugerida uma possível relação entre interesse, dificuldade e crítica. Tendo em vista que os alunos da rede pública consideraram as aulas menos fáceis e menos interessantes, pode-se supor que esses participantes não se julgaram aptos a criticarem algo que não compreenderam e que, conseqüentemente, não lhes despertou interesse.

                    De acordo com o Gráfico 4, 90,37% dos alunos da escola particular e 97,06% dos participantes da escola pública optaram por não proporem modificações para os encontros. Este fato aponta para certa passividade com relação à aula, uma vez que os alunos não se sentiram compelidos a formularem sugestões para o aperfeiçoamento da mesma, à medida que se anulam quando lhes é oferecida tal oportunidade.  Vale ressaltar que muitos alunos não justificaram o porquê de suas respostas, o que leva a crer na existência de descaso dos participantes com relação ao processo de ensino-aprendizagem.

 

13.2. Aprendizado

 

No que tange o conteúdo aprendido por meio dos encontros, o Gráfico 5 mostra os resultados. Através da análise realizada, pretende-se verificar o que os participantes identificaram como foco das oficinas de Conscientização Literária.

Gráfico 5 – Aprendizado Estudo Piloto

               Com relação ao aprendizado, 33,20% dos alunos da escola particular e 38,46% dos participantes da rede pública apontaram o tema das aulas como o conteúdo aprendido. Tal fato demonstra que os alunos souberam identificar adequadamente o assunto das aulas.                     Observa-se também que um número expressivo dos dois grupos, 35,63% (centro) e 25,64% (periferia), mencionou que aprendeu a produzir, o que leva a crer que o ato de “fazer” é de grande contribuição para o desenvolvimento da Conscientização Literária. Tal hipótese encontra-se diretamente relacionada às teorias de reader-response (Ingarden,1973; Iser,1978) e à própria Conscientização Literária (Zyngier, 1994), uma vez que ambas ressaltam a importância do papel ativo do leitor na construção de significado. Pode-se supor, portanto, que é parte crucial do processo de sensibilização do leitor para os recursos estilísticos (McRae, 1998), não apenas sua identificação, mas também a sua manipulação e utilização por parte do leitor em atividades de produção. Uma vez sensibilizado para a manipulação artística da linguagem, o leitor torna-se apto não apenas a entender como ela pode ser utilizada de modo a produzir certos efeitos, mas também a provocá-los ele próprio quando assim desejar. Ao compreender os efeitos produzidos no texto e avaliar sua experiência, entende-se que o leitor é capaz de assumir um papel ativo no processo de construção do significado a partir do texto literário, fato este que torna a leitura um processo mais prazeroso.

                    Os gráficos também demonstram que 11,34% dos alunos da escola particular e 5,13% dos participantes da rede pública apontaram a crítica como aprendizado obtido por meio dos encontros. Com relação à recepção, 9,31% (centro) e 11,54% (periferia) a identificaram como conteúdo aprendido durante as aulas. A categoria “imaginação” foi mencionada exclusivamente por um pequeno número de alunos do centro (2,02%).

                De acordo com o Gráficos 5, 5,26% dos participantes oriundos da escola particular e 17,95% dos alunos da rede pública tiveram suas respostas inseridas na categoria tudo/ nada. Estes índices levam a crer que um número significativo de alunos não esteve apto a identificar o tema da aula. Ao responderem de maneira tão vaga, o participante revela não apenas desconhecimento do aprendizado oferecido durante os encontros, mas também descaso e passividade para com as atividades escolares. Verifica-se que embora o percentual da periferia ultrapasse em mais de 10% o percentual do centro, tal fato revela apenas uma possível tendência, uma vez que o universo do presente estudo é bastante reduzido. Desta forma, é possível constatar que passividade e descaso para com o processo de ensino-aprendizagem existem nos dois contextos sociais.

                 

13.3. Preferência           

              

A fim de verificar as atividades que os participantes consideraram mais prazerosas, foram analisadas as respostas dos alunos à pergunta 5 do questionário (vide Figura 1)

 

Gráfico  6  – Preferência Estudo Piloto                                     

         

        No que diz respeito à produção, observa-se que mais de 45,49 % dos alunos da escola particular preferem esta atividade, enquanto apenas 22,97 dos participantes da rede pública demonstraram o mesmo. Sendo assim, é possível afirmar que o aluno da escola particular tem maior prazer em atividades produtivas.          

        Através do Gráfico 6, observa-se que  27,03 % das respostas dos participantes da rede pública  se inserem na categoria tudo/ nada, contra cerca de 10% da escola particular. Embora ambos os índices sejam notáveis, averigua-se que os alunos da escola pública demonstram estar mais alheios ao processo de aprendizagem do que os da rede privada.

        Segundo o Gráfico 6, 11,16% dos alunos da escola particular e 20,27% dos participantes do ensino público apontaram o tema da aula como elemento preferido. Logo, pode-se afirmar que alunos de ambos os contextos sociais apreciaram positivamente os assuntos abordados durante a oficina.

        É interessante notar que a categoria “recepção” obteve percentuais altos no que diz respeito à preferência. Verifica-se que 31,33% dos alunos da escola particular e 28,38% dos participantes da rede pública apontaram a recepção como atividade preferida. Este resultado difere daquele obtido para a mesma categoria com relação ao aprendizado, uma vez que um número menor de alunos (9,31% e 11,54%) identificou a recepção como assunto central da aula. Logo, entende-se que embora a maioria dos participantes não tenha identificado a leitura (recepção) como foco do aprendizado, percentuais expressivos (31,33% e 28,38%) apontaram-na como atividade de sua preferência. Já o foco do aprendizado na produção apontado por muitos alunos deve-se ao papel crucial atribuído ao “fazer” no processo de Conscientização Literária. Verifica-se que à medida que o aluno se engaja em atividades produtivas e aprende a manipular recursos estilísticos, sua competência como leitor é aprimorada. Sendo assim, entende-se que quanto maior o engajamento do indivíduo em exercícios de manipulação estética da linguagem, maior será sua habilidade em atividades de leitura. Este resultado leva a crer que a oficina de Conscientização Literária foi eficaz em promover a leitura como uma atividade prazerosa.

 

14. Conclusões

 

Neste trabalho buscou-se verificar a eficácia de oficinas de Conscientização Literária em dois contextos sociais diferentes. Os resultados obtidos mostram que os encontros foram apreciados por participantes de ambos os grupos, uma vez que a maioria dos alunos considerou as aulas boas e interessantes. Observa-se também que os participantes apontaram atividades de recepção e produção como suas preferidas. Este fato indica uma possível sensibilização dos dois grupos em relação à percepção estética da linguagem, como também capacitação dos mesmos para a utilização dos recursos estilísticos aprendidos.

Ao sensibilizar o indivíduo tanto para a percepção como para a utilização da linguagem manipulada esteticamente, acredita estar-se contribuindo para a formação de leitores mais ativos. Espera-se, portanto, que o leitor uma vez sensibilizado esteja apto a interagir com o texto de maneira mais criativa, formulando interpretações sustentáveis que não se restrinjam a meras paráfrases do conteúdo lido (Zyngier, 1994; McRae, 1998). Desta forma, objetiva-se tornar a leitura um processo instigante e interativo para leitores de diferentes contextos sociais.

Vale ressaltar que este é apenas o início. Trata-se de um estudo piloto que deverá ser seguido de uma pesquisa com um número maior de participantes. Sendo assim, os resultados obtidos nesse microcosmo apontam determinadas tendências que deverão ser posteriormente averiguadas. 

 

15. Referências Bibliográficas

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