Explicação necessária

 

 Devo a reprodução de minha tese de 1975 ao querido amigo, meu confrade na Academia Brasileira de Filologia, o incansável Professor José Pereira da Silva, a quem agradeço de coração. Devo-lhe, ainda mais, a iniciativa de deslocar do final dos capítulos para o pé de página as referências bibliográficas.

Não era minha intenção simplesmente reproduzir um trabalho escrito há 33 anos – um texto redigido muitas vezes em condições pouco favoráveis. Segundo a legislação vigente, as teses para livre docência e para a cátedra, em concursos públicos de provas e títulos, nos termos do edital, deviam ser “de exclusiva responsabilidade do candidato”, que in illo tempore não pôde se beneficiar do atual regime de pós-graduação – sem sombra de dúvida, uma das melhores conquistas do ensino superior. Que falta me fez um interlocutor, o leitor crítico hoje formalizado no orientador da tese! Mas, deschoremos.

Também não vale a pena remoer motivos por que não publiquei a tese. Seriam páginas do meu interno, que não acrescentariam nada para um juízo crítico do trabalho. Um desses não-ditos é que a partir dos anos 80 saíram novas publicações, algumas excelentes, sobre esse instigante diário de viagem, que me habituei a chamar de Peregrinatio Aetheriae, título que hoje concorre com Itinerarium Egeriae. Meu texto mereceria, portanto, uma revisão cuidadosa para algumas atualizações.

Vale aqui registrar que a primeira tradução em língua portuguesa de que tenho notícia é de 1971, da Profª. Drª. Maria da Glória Novak, da Universidade de São Paulo, texto que cito na tese e que me foi muito útil. Só em 1998, que eu saiba, foi publicada uma segunda tradução em português: Egéria. Viagem do Ocidente à Terra Santa no séc. IV (Itinerarium ad loca sancta), edição de Alexandra B. Mariano e Aires A. Nascimento, Coleção Obras Clássicas da Literatura Portuguesa, Edições Colibri, Lisboa, 1998.

Se mexesse no texto, além das atualizações e correções necessárias, traduziria as citações em latim e em outras línguas, e reescreveria o 5º capítulo, intitulando-o Aspectos estilísticos da repetição, sem o subtítulo “A mentalidade id est”. Com a simples reprodução, acho que o leitor merece um esclarecimento. Naquele tempo, impressionou-me muito a interpretação estilística de Leo Spitzer sobre as repetições eterianas, no longo estudo que cito. Em certo momento, o notável lingüista usa a expressão forma mentis, que entendi como “maneira de pensar”, “atitude do espírito”, traduzindo-a por mentalidade. Minhas afinidades com a estilística de Spitzer levaram-me a exagerar suas considerações, e cheguei a fazer distinções sutis, como entre mentalidade id est, para exprimir o amor à verdade, e mentalidade iuxta consuetudinem, para exprimir a fidelidade à tradição. Sem dúvida, é um traço marcante a preocupação da nossa peregrina em registrar fidedignamente todas as ocorrências da longa peregrinação e assim transmiti-las a suas irmãs religiosas.

Enfim, ecce thesis! Aí está a tese, e só me resta, mais uma vez, agradecer aos colegas, alunos e ex-alunos – todos amigos – o incentivo para esta publicação.

Rio, 15 de setembro de 2008

Rosalvo do Valle