TIPOS DE MORFEMAS

Priscila Brügger de Mattos (UERJ)

 

Introdução

Este trabalho possui como principal objetivo conceituar morfemas e; também, fazer uma breve ilustração dos variados tipos de morfemas presentes na Língua Portuguesa. Iremos enfocar os morfemas aditivos, subtrativos, alternativos, reduplicativos, de posição e zero.

 

O morfema

Chama-se morfema a unidade mínima significativa ou dotada de significado que integra a palavra. Tomaremos como base o que diz J. Mattoso Câmara Jr. , em seu Dicionário de Lingüística e Gramática (verbete morfema). Segundo o autor, os morfemas, do ponto de vista do significante, podem ser : aditivos, subtrativos, alternativos, reduplicativos, de posição e zero.

 

Morfemas Aditivos

Como o próprio nome o indica, os morfemas aditivos são segmentos que se ligam a um núcleo, ou seja, a um radical. Em nossa língua, são os morfemas mais produtivos. De acordo com Evanildo Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa (2001), os morfemas aditivos são representados por:

1. prefixos: anteposição à base lexical: pôr-repor; quieto-inquieto

2. sufixos, interfixos e desinências: posposição à base lexical

3. infixos: intercalação no interior da estrutura da base

4. circunfixos: anteposição e posposição simultaneamente à base (parassintéticos)

5. descontínuos: fragmentação pela intercalação de outro morfema

6. reduplicativos: repetição da parte inicial da base

Convém ressaltar a diferença entre interfixo e infixo; o interfixo une uma raiz a um sufixo ou dois radicais de um composto: grat-i-dão, fil-ó-sofo. Por outro lado, o infixo insere-se dentro de outro morfe, normalmente a raiz :pensar, pensamento.

 

Morfemas Subtrativos

São morfemas resultantes dá supressão de um fonema do radical para exprimir alguma diferença de sentido. São mais raros que os morfemas aditivos; podemos citar como exemplos:

                   Anão / anã

                   Órfão / órfã

Após uma primeira análise dos pares acima, podemos concluir que nesses casos o feminino é obtido através da eliminação do /-o/ do masculino. A noção de feminino, em vez de aparecer indicada através da adição de um morfema à forma masculina, processo básico de formação do gênero em Português, decorre da própria subtração dessa forma.

Partindo a análise dos masculinos, não podemos afirmar que o feminino resulta da queda do /-o/; visto que substantivos em –ão apresentam vários tipos de femininos:

Irmão / irmã

Leão / leoa

Sultão / sultana

Assim, quando temos o feminino em –ã, o masculino é automaticamente em –ao; se o masculino termina em –ão, há variadas possibilidades de feminino.

 

Morfemas Alternativos

Consistem na substituição de fonemas do radical, que passa a apresentar duas ou mais formas alternantes; dessa forma resulta o morfema.

Veremos os casos de alternância vocálica. Podemos distinguir três tipos de alternância de timbre da vogal tônica:

1. /ê/ - /é/; /õ/ - /ó/

Essas alternâncias aparecem em alguns nomes e pronomes; marcando a oposição entre masculino e feminino ou singular e plural : esse/essa; novo/nova; ovo/ovos.

Também ocorrem em alguns verbos da segunda conjugação, opondo, no presente do indicativo, a primeira pessoa do singular às demais pessoas que apresentam acento tônico no radical: bebo/bebes; torço/torces.

2. /ê/ - /i/; /ô/ - /u/

Estabelecem distinção, nos pronomes, entre o animado e o neutro: esse/isso; aquele/aquilo; todo/tudo.

3. /i/ - /ê/; /u/ - /ô/; /i/ - /é/; /u/ - /ó/

Ocorre em alguns verbos da terceira conjugação, marca, no presente do indicativo, a oposição entre a primeira pessoa e outras formas rizotônicas: minto/mentes; sinto/sentes;

sumo/somes; firo/feres; durmo/dormes.

Em Portugal, em geral, é o timbre aberto ou fechado da vogal tônica que distingue a primeira pessoa do plural do presente do indicativo e do pretérito perfeito dos verbos da primeira e segunda conjugação : lavamos /â/-presente, lavamos /á/-pretérito perfeito;

devemos /ê/-presente, devemos /é/-pretérito perfeito. No Brasil não fazemos em regra esta distinção, que fica a cargo do advérbio adequado : Hoje falamos disso. Ontem falamos disso.

A partir dos exemplos citados acima, podemos constatar que o morfema –mos

(desinência) acumula dois valores. Este processo é chamado de Cumulação, ou seja, é o fato de um mesmo morfema comportar mais de um significado, cuja existência podemos comprovar pela Comutação; que é a troca de um segmento do plano da expressão, e possui como resultado uma alteração no plano do conteúdo.

 

Morfemas Reduplicativos

Em alguns idiomas, a repetição da parte inicial do radical possui valor morfológico. Verificamos essa ocorrência em Latim, em que certos verbos apresentam, no

pretérito perfeito do indicativo, uma forma caracterizada pela reduplicação ou redobro: cano, ”canto” /cecini; do, ”dou” /dedi.

Havia no Latim, o chamado redobro expressivo ou intensivo, com repetição da consoante inicial do radical acompanhada de uma vogal acrescida da vibrante /r/:murmur, ”murmúrio”; turtur, ”rola (ave). Este recurso, tinha por função dar mais realce ao vocábulo; seu emprego era mais estilístico. Observa-se o caráter onomatopéico dos exemplos apresentados.

A Língua Portuguesa não apresenta morfemas reduplicativos. Em nossa língua, o fenômeno da reduplicação é comum na linguagem infantil e nos hipocorísticos:papai, mamãe, vovô, Zezé, Fifi; ocorre, também em alguns compostos:pingue-pongue, reco-reco, tique-taque. Esses exemplos não possuem valor morfológico; na verdade, ilustram o chamado redobro expressivo.

 

Morfema de Posição

O morfema de posição distingue-se dos outros tipos aqui apresentados por não se constituir nem em acréscimo, nem em subtração de segmentos.

A disposição dos morfemas na frase pode ter valor gramatical. Podemos citar como exemplo duas frases: 1. João vê José / 2. José vê João. Na primeira frase temos João como sujeito e José como objeto; já na segunda temos José como sujeito e João como objeto.

É válido ressaltar que temos seqüências de ordem livre como, por exemplo, em: Hoje, vou sair/Vou, hoje, sair/Vou sair, hoje; em que a posição variável do advérbio não lhe altera a função. Acrescentamos, ainda, que há combinatórias que não podem ocorrer:*homem o (diferentemente do que se passa em romeno, em que o artigo é posposto : omul).

Para os lingüistas de orientação distribucionalista, as combinações de segmentos internos ao vocábulo são estudadas na morfologia, cabendo à sintaxe o estudo das combinações ao nível da frase, o morfema de posição ocuparia uma parte importante da sintaxe.

 

Morfema Zero

São comuns, em Língua Portuguesa, os exemplos de morfema 0 na flexão verbal:com freqüência, as desinências modo-temporais e números-pessoais são representadas por esse tipo de morfema. Lembremos, contudo, que não se deve postular um morfema 0 quando estamos diante de um elemento recuperável: em ame, não se deve falar em vogal temática 0, visto que, no tema amA-, a vogal temática se elide antes da desinência modo-temporal –e: am(a)e.

Essa observação nos previne contra o uso indiscriminado do morfema 0, que só deve ser postulado em caos de verdadeira necessidade.

Flávia Carone, em Morfossintaxe (1994) nos oferece mais exemplos de ocorrência do morfema 0 em nossa língua. De acordo com a autora, o singular dos nomes não se concretiza em um ponto do vocábulo, mas está presente como categoria de número, o que se comprova com o plural: livro-s / livro-0. O ponto que, no plural, é ocupado pelo morfema –s, no singular é um conjunto vazio, que representamos pelo símbolo 0

e denominamos de morfema zero. Ambos, porém, são realidades morfêmicas: aliás, como noção gramatical, cada um deles só existe graças à existência do outro. Sem essa oposição sequer seriam cogitados esses conceitos. Assim, a categoria gramatical de número só existe porque um par opositivo a instaura: singular e plural.

 

Conclusão

Á guisa de conclusão, podemos afirmar que a Língua Portuguesa possui um número significativo de morfemas. Convém assinalar que os variados tipos de morfemas apresentados neste trabalho dividem-se em três grupos, caracterizados, respectivamente, pelo acréscimo, pela subtração e pela alternância de segmentos.

Em nossa língua, predominam, como já se observou, os morfemas aditivos; são freqüentes, também, os alternativos (normalmente, redundantes com relação aos morfemas segmentais), no terreno das flexões nominal e verbal. E raros são os casos de morfemas subtrativos em nossa língua.

Percebe-se que os morfemas reduplicativos estão relacionados à linguagem infantil, aos hipocorísticos e aos compostos. Não há este tipo de morfema em nossa língua.

É importante acrescentar que o morfema de posição é um tipo de limítrofe entre a morfologia e a sintaxe, o que dificulta o estabelecimento de uma rígida linha divisória entre os dois campos.

Temos também, o morfema zero que consiste na ausência de uma marca de oposição gramatical em referência a outro termo marcado. Só haverá este tipo de morfema se a noção por ele expressa for inerente à classe gramatical em que ele ocorra.

 

Referências Bibliográficas

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro : Lucerna, 2001.

CÂMARA JR. , Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 31ª ed. Rio de Janeiro :Vozes.

CARONE, Flávia. Morfossintaxe. 4ªed. São Paulo : Ática, 1994.

KEHDI, Valter. Morfemas do Português. 3ªed. São Paulo : Ática.

KOCH, Ingredore Villaça & SILVA, M. Cecília P. de Souza. Lingüística Aplicada ao Português: Morfologia. 9ªed. São Paulo : Cortez

MONTEIRO, José Lemos. Morfologia Portuguesa. 3a ed. São Paulo : Pontes, 1991.