ENFERMIDADES ENDÊMICAS[1]
DA
CAPITANIA DE MATO-GROSSO
POR
ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA

 

De Vila Bela a Casal Vasco 8 léguas

De Casal Vasco à Missão de Santana[2] 32, e a Santo Inácio 36, indo por Santana.

Está a missão de Santana a s[ul] da de Casal Vasco, dista da de Santo Inácio em travessia 6 léguas, consta de 500 almas; e a de Santo Inácio de 1000.

Depois de eu ter observado, pelo espaço de dous anos, quais eram as enfermidades endêmicas da capitania de Mato-Grosso; e de ter ao mesmo tempo reconhecido, que a maior parte delas se não remediava, como poderia ser, em se vulgarizando os necessários conhecimentos médicos, para com eles se suprir a falta, de livros e[3] de professores: Assentei comigo, de vulgarizar os que possuía, ou sofrem próprios, ou[4] alheios; e concluído que fosse este opúsculo, franqueá-lo aos que o quisessem ler e tirar dele o proveito, que se lhes pode seguir. Empreendi pois a execução deste plano, e despois de empregadas nele as minhas horas de descanso, saio ultimamente este pequeno sinal do meu zelo, e não do meu Instituto. Entendo, que a estes habitantes, nenhum outro presente posso eu fazer, que mais digno seja da sua aceitação, do que o de lhes dar a ler, de um modo, que entendam todos, a arte de se conhecerem a si mesmos, quando enfermos, e de se tratarem em algumas de suas enfermidades, segundo o que tenho lido, ou sabido por experiência própria. Ou eles assim o entendam, ou não, fiquem certos, que nenhuma paga lhes peço pelo meu trabalho.

Assaz recompensado fico, com a satisfação, que tenho, de trabalhar para ser lhes útil.

Para melhor se entenderem as causas próximas e remotas, de que, procedem as enfermidades de toda esta capitania. Principiarei este opúsculo por uma breve noção física do país. De maneira, que a vista dela, possam os seus habitantes ajuizar sobre as qualidades do céu e do terreno, onde vivem. Em outra parte (a)[5] tenho mais circunstanciadamente dado as suas noções políticas, geográficas e hidrográficas etc. Conseqüentemente o que pertencia a esta, era o exame particular da natureza da terra, do ar, das águas etc. Contudo algumas noções daquelas repetirei, quanto baste, para inteligência destas.

Pelo caráter dos naturais (dizia eu a respeito dos habitantes da capitania do rio Negro, em participação de 28 de outubro de 1787, dirigida ao governador e capitão geral João Pereira Caldas) pela sua cor e fisionomia; pelas suas vozes e outros visíveis efeitos da influência do clima, pode-se logo ajuizar das qualidades do céu e do terreno, em que vivem. A cor, em quase todos os filhos dos brancos, ou sejam tais, ou mamelucos, é macilenta, as vozes débeis e desentoadas; e todos eles ociosos e negligentes. O que faz concluir que este nenhuma diferença tem para menos, do que se experimenta nos climas das outras colônias portuguesas, que estando situadas entre os trópicos são cortadas por caudelosíssimos rios, cobertos de altíssimos arvoredos.[6]

Em os principais rios nomeados da América (diz o autor do Tratado da Conservação da Saúde dos Povos, citando a Brasilia Medica de Guilherme Pison) entra por todos os lados infinidade de outros rios menores.[7]

Com as continuadas chuvas, despois do mês de março, todos saem do seu álveo, inundam muitas terras a roda, a distância muitas vezes de três e quatro léguas: além destas continuadas chuvas, o clima é inconstante; por todo o ano chove, mesmo no dia mais sereno; o céu tempestuoso, com trovões, relâmpagos e raios. Mas estas inundações não são simplesmente de água; como todas levam consigo imensidades de árvores, ficam nos bordos, justamente com imensidade de peixes e animais terrestres: quando as águas entram no álveo dos rios, os campos ficam cheios de charcos; com o calor apodrecem, morrem neles os peixes com os corpos dos mais animais e vegetais: gera-se então imensidade de insetos, que todos vêm a apodrecer; e como o calor é quotidiano, mais se sutilizam cada dia, até que tudo convertido em vapores e exalações podres se desvanece na atmosfera.

Desta podridão provêm aquelas febres pestilentes, que chamam carneiradas, nas minas de Mato-Grosso, Cuiabá e Goiás. Da mesma origem vêm outros males, tão comuns a todo o Brasil, como são os insetos mais nocivos à saúde e outras moléstias vulgares...

No tempo dos calores, as diarréias e as disenterias aparecem e são mortais; e quanto mais a sezão dos calores estiver avançada, maiores estragos fazem aquelas doenças, porque os ardores do sol têm apodrecido já aquelas matérias das enxurradas e estão já todas tão utilizadas e espalhadas pela atmosfera, que ninguém se pode preservar da sua violência; reinam febres intermitentes, mas de natureza tão maligna, que se terminam ordinariamente por hidropisias e estão com a morte, muitas vezes se convertem em febres ardentes com delírios e morrem por parótides, pintas e carbúnculos ...

Tanto em Portugal, em todos os lugares, que borda o Tejo, em Angola, aonde tantos rios inundam aquele Reino, como em toda a América, despois das inundações, logo que as matérias das enxurradas começam a apodrecer, o ar se infecta e produz semelhante podridão nos corpos; manifesta-se por toda a sorte de febres podres, e sobretudo, por disenterias etc.[8]

As enxurradas das águas, que escorrem das serras das cabeceiras dos rios (diz o licenciado Antônio José de Araújo Braga, cirurgião da quarta partida da diligência da demarcação de limites [9]) arrastam consigo diversas substâncias térreas, salinas sulfúreas,[10] e metálicas, de que abundam as mesmas serras. Os[11] rios então correm[12] turvos; ainda mais turvos se fazem com as inumeráveis terras caídas que consigo levam as correntezas; e os que por costume bebem daquelas águas, logo que as tiram dos rios, sem esperarem, que assentem nos potes, de um para outro dia, depõem no ventrículo[13], de cada vez que as bebem, um sedimento térreo, o qual obstruindo os orifícios dos pequenos vasos, anuncia pela colorosis, a obstrução que todo o mundo sabe, que é um seminário de outras queixas, em que degenera, como são as palpitações do coração, as cardialgias, a icterícia, a hidropisia, a caquexia etc.

Se ao que tenho dito, se ajuntar, que os moradores das povoações situadas sobre as margens dos rios, com as imundices, que neles despejam, e com as nenhumas cautelas, que neles praticam relativamente as diversas preparações de seu uso, concorrem pela sua parte, quanto podem, por infeccionarem cada vez mais a água, que bebem, de nenhum modo se estranhará, que tanto perigo corram as suas vidas. Sirva de exemplo o que por[14] aqui estamos vendo a respeito da mandioca. Vemos, que cada morador a põe de molho no porto da sua roça. O suco cru daquela raiz, é um mortal veneno, para a maior parte dos animais, que o bebem.

O ar pela sua parte, com os efeitos do seu calor, causa diversas enfermidades. A porção mais espirituosa do sangue, todos os dias se dissipa, sai pela transpiração pelo suor e pela urina; o que fica no corpo, é um sangue seco, térreo e espesso; donde procedem as melencolias, as lepras, os vômitos pretos, as câmeras de sangue, as febres ardentes etc.

Apliquem-se à capitania de Mato-Grosso, as observações, que acima transcrevi[15]; e ver-se há como de sua constituição física, naturalmente procedem as enfermidades de seus habitantes.

Subindo-se da capitania de Grão-Pará, pelo grande rio das Amazonas, e deixando-se este, para se entrar no da Madeira, que deságua naquele, pela sua margem austral, em 3° e 23' de latitude ao sul e em 318° e 52' de longitude oriental a Ilha do Ferro: Vê-se que a capitania de Mato-Grosso, pelo lado do norte, principia na latitude austral de 8° e 52', aonde está situada a Cachoeira Grande do Salto, que é água acima, a segunda do rio da Madeira. Passadas mais dez cachoeiras, até meia légua acima da última, que está situada na distância de até 236 léguas acima da sua foz inferior, deixa-se o rio da Madeira, para se entrar pelo do Mamoré, que com ele conflui em 10°, 22' e 30'', de latitude e em 312°, 15' e 27'' de longitude. Também neste se passam cinco cachoeiras e subidas 45 léguas de andamento do rio, deixa-se ao lado ocidental a sua verdadeira foz e entra-se pela do Guaporé, que confluem, ambas na latitude austral de 11°, 54' e 46'', sobre a longitude de 312° e 28' ½.

Navega-se por ele acima o dilatado espaço de boas 250 léguas, que são as que se sobem desde a sua foz, até as suas cabeceiras. Estão situadas no cume da alta serraria dos Parecis, em 14° e 35' de latitude e em 318° e 43' de longitude. Por ambas as suas margens, até meia légua acima da capital de Vila Bela, deságuam nele segundo minha lembrança vinte e dous rios, que são pela margem oriental, o Cautários Grande, o Cautarinhos e o Cautários, São Miguel, São Simão, São José, ou rio dos Micheins, o Corumbiara, o Piolho, o Cabixi e Guariteré, o Galera e o Sararé. Pela ocidental, o Itunamas, o Baures, São Martinho e São Simãozinho; o Rio dos Tanguinhas, o Caturiri, o Paragaú, Rio Verde, Capiuari e Rio Alegre; sem falar de inumeráveis lagos e Ribeiros, que engrossam as águas do Guaporé.

É na sua margem oriental, que estão situados os atuais estabelecimentos que temos neste rio: a saber, o Forte do príncipe da Beira, do qual já em outra parte se disse, que estava fundado na distância de 21 léguas, acima da foz do rio e na de quase meia, acima do lugar aonde esteve a antiga Fortaleza da Conceição, em 12° e 26' de latitude e 312° e 57' 1/2, de longitude. Seguem-se os dous lugarejos de Lamego e Leomil, o Destacamento das Pedras, por outro nome Palmela, na latitude austral de 12° 52' 35'', sobre a longitude de 314° 37' 30'', e ultimamente a capital de Vila Bela, na situação que abaixo se dirá. No lado oposto o que atualmente existe sobre a margem do rio, na latitude de 13° 29' 40'', são umas pequenas relíquias do estabelecimento, que em outro tempo tivemos na Serra de Santo Antônio dos Guarujus.

Ora sendo certo, que umas e outras margens, tanto as do Guaporé, como as dos seus colaterais, são pela maior parte baixas; necessariamente por todas elas se hão de derramar os rios, quando cheios. Conseqüentemente é então, que recebem inumeráveis cadáveres de quadrúpedes, aves, anfíbios, peixe[16], insetos e vermes; os quais misturados com as raízes, troncos, ramos, folhas e frutos das árvores, que caem e apodrecem, ali ficam encarcerados em fossos e lagos, donde os não levam as correntezas, até que o calor do sol lhes volatiliza as partes mais sutis, e as espalha pela atmosfera. Em quanto senão espalham, fica o ar demasiadamente denso, privado da sua elasticidade e incapaz de entrar nos pulmões, o que causa diversas enfermidades.

Mesmo no tempo da vazante, estão vendo os que viajam, que pelas suas margens ondeiam dilatados prados de diferentes plantas aquáticas, principalmente o aguapé, a canarana, o capim de água, a aninga e outras, que em algumas partes atravessam a largura total dos rios, e embaraçam a sua navegação. Grandes lagoas se encontram nestes territórios, que não são mais, que uns vastos arrozais. As margens dos rios que tenho navegado, todas são bordadas de inumeráveis árvores e arbustos aquáticos, o morototó, o molongó, o mututi, o macucu, a ambaúba, a bicoíba, o narinari, a taxiúa, a sumaumeira e outras. Servem-lhes de guias, que as equilibram, infinitos cipós,[17] que se entrelaçam uns com os outros, parecendo todos, quando estão floridos, outros tantos festões pendentes, que aos olhos do espectador atento oferecem perspectivas mui pitorescas – Há nestes países (continua o Licenciado Braga, a respeito do rio Negro) algumas plantas e árvores tão venenosas, que instantaneamente morre quem usa delas. Tais são o assacu, a erva de rato e o timbó, com que os índios matam o peixe, além de outras muitas, ainda hoje pouco conhecidas pelos domésticos. Dos gentios, é certo, porque o estamos vendo, que dos sucos das plantas venenosas preparam as suas ervas duras. Nem as ditas plantas se criam somente pelo centro do mato, mas também pelas margens dos rios, como é o dito assacu de que os mesmos índios até a sombra receiam.

Sei, que sem embargo disto, e que ainda sem serem as razões da comodidade econômica, que oferecem as margens dos rios, outras muitas razões obrigam algumas vezes a fundar povoações em semelhantes sítios. Porém o que delas sente a boa física, ao mesmo passo, que trata de emendar com a arte os defeitos da natureza, é o que agora se lerá, para se confrontar despois, com o que se ler de Mato-Grosso.

Raras vezes (diz o apaixonado da saúde dos povos) se vêem vales dilatados, sem que sejam regados e inundados por rios, que em certos tempos tudo alagam. Ficam as terras cobertas de águas turvas, podres, e que por último vêm a apodrecer, ou nas adegas, ou em todos os lugares desiguais que bordam aquelas torrentes. Raras vezes os ventos são puros; ordinariamente trazem consigo, ou as partículas da neve do alto das serras ou os vapores dos lagos e terras alagadas. No inverno estes sítios são frios e úmidos, no estio ardentes, pelo reflexo do sol que vier de uma e da outra parte dos montes. Daqui mesmo nascerá o ar sufocado, os bichornos e outras doenças mortais. Se nestes sítios houver bosques espessos, arvoredos altos a umidade e o frio será maior. Por experiência sei que semelhantes lugares são infestados cada ano com febres intermitentes de peior sorte, com febres ardentes e pestilenciais.

As povoações plantadas nas vastas campinas, sem vizinhança nem de montes, nem de arvoredos, têm também muitas incomodidades. Quanto mais úmido for o terreno, tanto mais dificilmente se dissiparão os vapores dele porque faltando os montes e os bosques, os ventos regulares são raros, também as águas serão de má qualidade. Aonde não há montes, nem outeiros, as fontes são raras e se alguma existe, não é de propriedades louváveis: mas as águas da chuva, não tendo corrente, ficarão encharcadas e apodrecerão, e não sendo ventiladas pelos ventos a atmosfera será sempre úmida e podre.

Está a populosíssima cidade de Pequim plantada em uma vastíssima campina: todas as casas são térreas, o terreno é úmido; e o que preserva esta nação de muitos males é dormirem sempre sobre o fogão, ou cheminé, onde cozinham[18] ... Em Rússia o térreo coberto de neve por 8 meses e de dilatadíssimos bosques, é sumamente úmido; todos os seus habitantes vivem em casas térreas ou muito baixas; raríssimos são os montes e contra a umidade exorbitante do terreno, defendem-se somente dormindo de verão e de inverno, sobre as cheminés feitas como os nossos fornos. Poderia ser útil esta introdução na América, principalmente naquelas povoações situadas junto dos grandes rios e terras baixas, mostrando-lhes já os tapuias o exemplo de dormirem nas [hamacas       ], sempre com fogo debaixo – Isto suposto examine cada qual se são tais os estabelecimentos desta capitania, e no entretanto sirva de exemplo o da capital de Vila Bela.

Está esta vila situada, como já disse, sobre a margem oriental do rio Guaporé, na distância de boas 200 léguas acima da sua foz, em 15° 0' de latitude austral e em 317° e 42' de longitude. Estende-se de poente para o nascente por uma campanha de terreno alagadiço, entre duas serras, que são pelo poente a serra da Vila, ou do morro do Grão-Pará, e fica da outra parte do Guaporé, com distância de uma légua contada, até a base de um pequeno morro redondo e mais avançado sobre a frente, ao qual pela sua figura se dá o nome de Chapéu de Sol, porém desde a borda do rio até ao cume da verdadeira serraria são 2 léguas. Pela nascente corre norte sul a serra de São Vicente, que dista 7 léguas. Toda esta campanha, a que se chama da vila, é um terreno alagadiço, de estéreis áreas, finas, glareosas, extremamente movediças, quando secas, a que por essa causa dão os naturais o nome de areia manteiga, e[19] se alguma ligação tem, é a que lhes comunica uma menor porção de argila misturada com terra humosa e são as que o fazem produzir uma grama das menos favoráveis ao pasto dos animais, exceto nos primeiros meses da sua vegetação, quando despois das ordinárias queimadas, por setembro e outubro, rebentam de novo. A inundação desta campanha pelas águas das chuvas e dos rios que se demoram nela, a resfria e endurece. Pela mesma causa é o inseto copi[20] obrigado a levantar os planos de suas casas, que são feitas de terra, parecendo elas de inverno, outros tantos ilhotes de 5 e 6 palmos de diâmetro aonde nascem diferentes árvores e arbustos que povoam o campo.

A vila em si é regular; as ruas direitas, porém pouco largas e por calçar; donde vem que com as invernadas se encharcam, e a todo o tempo facilmente as escavam os porcos que vagam por elas, fossando o terreno e abrindo nele fossos e charcos para se deitarem. As casas sim estão alinhadas, porém são térreas[21] cobertas de telha vã, e todas elas, ou simplesmente aterradas, ou ladrilhadas[22] de tijolo. As janelas poucos rasgadas e comumente defendidas por gelosias, ou empanadas, ou esses tecidos de esteira, a que chamam gurupemas[23] que fazem das casas outras tantas câmeras escuras e tristes e impedem o livre acesso do ar.

Em qualquer parte que se cave a terra, no rigor mesmo do verão se apresenta água para os lagos e poços artificiais. Convida[24] a gente a bebê-la, por ser clara, fria e cristalina. Ela nem cheiro tem, nem sabor mau. O abuso que dela se faz consiste em banhos intempestivos que se tomam no rio, ao pino do meio-dia; e[25] quando se bebe fria, ou[26] se entra nele com o corpo fatigado e suado[27]. Durante a enchente do rio, com as chuvas de janeiro, fevereiro e março, que engrossam não só o Guaporé, mas também o Sararé, o Galera, e com eles muitos ribeirões, fica a vila rodeada de água, e ela mesma dentro em si toda encharcada. Lembra-me, que recolhendo-me eu da Serra de São Vicente, aos 16 de março de 1790 (que não foi ano aquele de grande cheia) e passando pela campanha da vila, todas aquelas sete léguas andou a minha besta ordinariamente com água sobre os artelhos, porém algumas vezes, até quase aos joelhos. De uns por outros anos, se alaga a vila baixa. O templo de Santo Antônio, que em Vila Bela é o único que assim se pode chamar, e algumas moradas de casas, que com ele estão situadas sobre a margem do rio, alguns anos ficam todo aquele tempo ilhadas, de maneira que não havendo barco, interrompe-se a sua comunicação. Se não fossem os altos baldrames de pedra tapaiunacanga, sobre que estão edificadas, a muito já que se teriam demolido como sucedeu a outras que estavam muito mais afastadas do rio. Quando são cheias extraordinárias, como foi a do ano de 1783, sobe a inundação até ao meio da vila. Veja-se a relação daquela cheia, segundo a vi escrita nos Anais Históricos da Câmara de Vila Bela.

Tendo o rio enchido e vazado nos meses de janeiro e fevereiro, no dia 3 de março, encheu com grande corrente, até as bocas das ruas, observando-se que no decurso de 24 horas, enchia de 4 até 8 linhas. Continuando a enchente, no dia 7, entrou por algumas ruas e casas. No dia 10 principiaram a cair algumas casas da vila baixa e no dia 11 foi grande a ruína de muitas, e a enchente crescendo de 8 até 15 linhas subiu a altura de 2 e 3 palmos, sobre os alicerces das casas. No dia 12 parou a enchente, mas não os seus estragos pelas casas e paredes dos quintais; e só na rua de Santo Antônio caíram mais de 20 moradas. Julgou-se haver-se arruinado quase uma terça parte das casas das mais ruas. Sua excelência com os seus ajudantes de ordens e oficiais das demarcações, por muitas vezes andou embarcado, não só pelos campos, mas pelas ruas inundadas da vila baixa.

Principia a chover pelos fins de novembro e continua até março; porém são chuvas interpoladas; e os verdadeiros meses chuvosos, são os de janeiro e fevereiro. Com as primeiras águas repontam os primeiros repiquetes da enchente e, já pelo meado de março, se declaram os da vazante. Na margem onde está situada a capital, a enchente sobe ordinariamente 14 até 15 palmos[28], sobre o livel da maior vazante. As enfermidades que então aparecem, são principalmente, muitas febres intermitentes e catarrais, porém sem aquela malignidade, que trazem as do estio. De março[29] por diante até os fins de julho, e algumas vezes até setembro, reinam de quando em quando as friagens, que traz o sul e são grandes os estragos que fazem. Com estas súbitas variações da atmosfera, muito se altera a saúde dos habitantes. Por aquele tempo, o ordinário calor do clima, a todos eles traz lânguidos, porque lhes promove uma mais copiosa transpiração. Conseguintemente nenhum anda apercebido contra estes frios irregulares.

Eis que entra a toldar-se o céu, ventando sul, e por toda a parte se difunde o frio, que dura 2, 4 até 8 dias, ou com chuva , ou sem ela. Como todas as casas são térreas[30], com as paredes de [adobes] dobrados e cobertas de telha vã, maior é o desabrigo que se experimenta . Acodem logo as constipações, as pontadas, as defluxões catarrais etc. Das incursões destes frios participam não só os habitantes das povoações de água abaixo, dentro do rio Guaporé, mas também os navegantes do Mamoré e Madeira, até a Cachoeira de Santo Antônio. Por ele subia eu, aos 10 de março de 1789, quando pela primeira vez experimentei semelhante friagem, que aliás foi pequena. Também o foi a segunda que me sobreveio na cachoeira do Ribeirão, se bem que esta durou de 6 até 11 de abril. Ao romper do dia 31 de maio, foi ela tão grande no rio Mamoré, que me obrigou a aportar quase onde tinha pernoitado e todo aquele dia passamos rodeados de fogueiras, porque os índios não podiam remar. A maior de todas foi sem dúvida a que se declarou no Forte do Príncipe, aos 28 de junho: sendo que o seu maior rigor principiou logo a declinar a 2 de julho. A que experimentei com a minha chegada ao Porto dos Guarujus onde desembarquei a 11 de agosto, não passou de um dia arrepiado. Das que passei por todo o seguinte ano de 1790, a mais considerável foi a dos primeiros dias do mês de julho, achando-me eu no Arraial das Lavrinhas, de viagem para a vila do Cuiabá.

Em se avançando mais a sezão do estio, (que com o calor do sol, se tem[31] exaltado e espalhado pela atmosfera os vapores podres das margens dos rios, dos lagos e das terras inundadas) são infalíveis as carneiradas. Constam da peior sorte de febres podres, malignas e intermitentes, de corrupções, garr[o]tilhos pontadas, disenterias e outras moléstias que triunfam da disposição mais robusta e da vida mais regulada de todas elas, e juntamente do contágio do sarampo que então pela primeira vez se difundiu por Mato-Grosso, constou a peste do estio de 1789. Desde os fins de agosto, até os princípios de janeiro de 1790, que ela grassou na vila e nos Arraiais da serra de São Vicente, faleceram, que se souberam dos livros dos assentos dos óbitos, homens [1]54, mulheres 47 todos 201. Por toda aquela campanha, morreram muitas bestas muares. Nos mesmos matos apareceram mortos alguns porcos silvestres, antas e veados[32]. Não poucas bestas e vacas deixaram o campo e procuraram os arraiais, algumas delas com as fauces prodigiosamente inchadas. Da catarral, que grassou por[33] setembro e outubro de 1790[34], em que a população total da capitania de Mato-Grosso contava de 6.465 almas, faleceram homens 113, mulheres 56, todos 169.[35] Abatam-se desta soma 55 mortos que couberam a todos os arraiais do distrito e ver-se-á que constando a população da capital de 2.733 pessoas tão [somente] ela pede [esse     ] [ para        ] dentro em mês e meio, perdeu 114 vezes não tendo em todo o ano nascido mais de 63 pessoas. As mesmas bestas muares se empestam e o mais eficaz remédio que tem mostrado a experiência é o de se lhes dar sal a comer, da mesma sorte que em Friburgo na Suíça se pratica com o gado vacum e lanígero para o preservar de moléstias contagiosas.

Comumente o termômetro de reaumur, dentro em uma casa de telha vã que pouca diferença faz do ar aberto anda por[36] 23° 1/2 até 24° do meio dia, para a uma hora da tarde. O menor calor que se tem observado é de 9° ordinariamente nos dias de friagem, anda por 11° 1/2, 12° e 13°. A variação da magnete, em março de 1790, foi maior do que havia sido 6 anos atrás, porque então era de 9° 55' e em março foi de 10° de nordeste.

As mesmas enfermidades acima declaradas perseguem os habitantes das povoações vizinhas. Na margem [...] do rio dos Barbados, confluente do rio Alegre, em distância de 8 léguas por terra[37] e 10 pelo rio, ao sul de vila Bela, está situada a povoação de Casal Vasco, na latitude austral de 15° 20' e na longitude de 317° 40'. Também toda ela se alaga [com as] invernadas, que engrossam o rio e formam largos pantanais, sendo as terras baixas e planas. Por esta razão é algumas vezes perciso, quando se sai ao campo, caminhar por dentro de capões de mato, e outras vezes, não há mais remédio que passar por lagoas e baías, mais e menos fundas, cobertas de ervas aquáticas, e tão tecidas umas com as outras, que dificultosamente se rompem. Com o recolhimento do tenente de cavalaria auxiliar Manoel Veloso Rebelo de Vasconcelos, que aos 23 de agosto de 1780, se recolheu da diligência a que foi mandado, de explorar aquele rio, se soube que a 8 léguas de distância do curral de Custódio José da Silva, haviam dilatadas terras salinas que davam grande quantidade de sal, e apresentou amostras dele. Na coleção das observações astronômicas e físicas, praticadas pelos doutores astrônomos e oficiais engenheiros, que de ordem de sua Excelência o senhor Luís de Albuquerque de Melo, Pereira e Cárceres, reconheceram o território limítrofe, desde os suburbanos de Vila Bela, se lê a observação seguinte.

Na campanha que fica entre poente e sul, do curso geral do rio Jauru do registro para baixo e a nascente da serra do Aguapeí, se observaram doze léguas quadradas do país salitroso, aonde se encontram repetidas eflorescências de sal gema, umas mais e outras menos ricas. Todo o terreno é alagado na estação das chuvas; mas com pequena despesa e benefício se poderia conseguir uma feitoria de sal culinar, que provesse todo este continente interior. Há mais de 25 anos que o velho João de Almeida conhece aquelas salinas, e por meio de decoadas e de lixívias extraiu da terra o sal de que se servia, e a sua numerosa família, e com ele beneficiava carnes secas, mas três ou quatro léguas mais para a serra, contando a feitoria do dito velho, é que encontramos a maior abundância de salinas, aonde só de uma tomamos, mais de 2 alqueires da medida de Portugal, todo puro em pó branquíssimo, semelhante ao de escuma, que se fabrica nas marinhas do rio maior, Comarca de Santarém etc.

Deste mesmo sal das salinas do Jauru, extraiu no verão de 1790, e purificou muitos alqueires, o escrivão da câmara Luís Ferreira Diniz. Também eu, quando[38] por ali passei[39], em agosto do mesmo ano, dali fiz recolher boas três quartas para as repartir pelos negros que me acompanhavam, e pelas bestas do transporte das cargas, além das amostras dele e de salitre que fiz recolher para o Real Museu de Sua Majestade.a)[40]

Porém o que tenho dito, dela não se deve entender somente dos territórios adjacentes aos referidos rios da Madeira, Mamoré e Guaporé, até a capitania de Mato-Grosso, mas também de todo o seu sertão interior como em qualquer parte dele estão vendo os que o penetram. Sirva de exemplo essa parte de sertão que se anda desde Vila Bela, até a do Cuiabá, que está ao nascente dela, é certo que em semelhante jornada, nem por isso observará o viajante essas grandes matas, onde perpetuamente se conserva a umidade dos rios e dos lagos; porque principalmente desde o Jauru até ao Cuiabá, tudo são campinas ventiladas, ainda que igualmente interceptadas de amiudados ribeirões e lagos. Contudo logo a quem sai de Vila Bela e anda por aquela campanha 3/4 de légua, ao rumo de les-sueste se oferece a entrada do mato do cravari, que até a sua saída para a outra parte do campo, tem uma légua e 1/4 de caminho. Dista nove léguas e meia, da mesma capital, a outra grande mata, que deu àquela capitania o nome de Mato-Grosso a qual principia na bocaina da serra de São Vicente, e com 13 léguas de extensão, acaba na estiva, em 15° e 28' ao sul. Todos os rios e ribeiros que se atravessam, continuando a jornada até o Cuiabá, são mais ou menos bordados de Palmares Tabocais e diversos arvoredos, assim como as lagoas e as várgeas[41], semeadas de arroz vermelho e outras gramas.

Os rios que atravessei, seguindo aquela derrota, foram quatro a saber, na distância de 13 léguas e 1/2 da vila capital. O mesmo Guaporé, que ali tem uma ponte pela qual se atravessa a largura de 15[42] braças. Na de 34[43] léguas o rio Jauru, que ali tem situado um registro em 15° e 45' de latitude, e até ali se difundem as sezões de Mato-Grosso. Na de 54[44] léguas, o Paraguai, que também ali tem situada, da outra parte do rio, a povoação da vila Maria, na latitude de 16° e 4'. Ultimamente na de 92[45] léguas, o rio Cuiabá, que em cuja margem oriental está fundada a vila deste nome em 15° e 36' de latitude em 321° e 35' de longitude.

Dos 71 ribeiros, que contei, entre grandes e pequenos, abaixo indico pela sua ordem, os nomes que se me disseram (h) e o asterístico* denota os maiores. Também aí vão indicados os das 11 lagoas de que dei fé (i), seguindo estrada direita, sem me desviar para qualquer de seus lados. Várgeas inundadas pelo inverno são inumeráveis. Alguns as confundem com as lagoas e por isso contam muito mais.

 

(h)

DE VILA BELA ATÉ LAVRINHAS

1. Corgo do Pé do Morro

2. Do Barreiro*

3. Do Buriti*

4. Do sítio do Padre Fernando

5. Do Barreiro*

6. Do Brumado*

 

DAS LAVRINHAS ATÉ O JAURU

7. Corgo das Pitas

8. Da Estiva*

9. Da Tapera*

10. Dos Bagres*

11. Sem nome

12. Corgo Fungo*

13. Da Laje Grande

14. Das Areias*

15. Das Lajinhas

16. Ribeirão do Santíssimo*

17. Do Tombadouro

 

DO JAURU ATÉ O PARAGUAI

18. Do Anande*

19. Das Pitas*

20. Sem nome

21. Do Caité

22. Do Pé do Morro do Caité

23. Olho de Água.

24. Sangradouro do Pe Inácio*

 

DO PARAGUAI ATÉ O CUIABÁ

25. Corgo do Facão*

26. Do Barreiro*

27. Corgo Seco

28. Jacobina*

29. Ribeirão das Pedras

30. Tacoaral*

31 e 32. Dous corgos juntos do curral das Éguas, um tem água doce e outro salobra*

33 até 39. Corgos pequenos e sem nome, até a fazenda das Frechas

40. Ribeirão das Frechas*

41. Sem nome

42. Corgo da Encruzilhada Velha

43. Do Curral dos Veados

44. Sem nome

45. Tacoaral

46. Corgo Paratudo

47 e 48. Dous sangradouros pequenos

49. Sangradouro grande de Melo*

50. Corgo de Macacos*

51. Da Figueira*

52. Do Limoeira

53. Dos Lambaris

54. Do Anandi

55. Sem nome

56. Corgo da Cacunda*

57, 58 e 59. Sem nome

60. Corgo de Beto Gomes*

61. Do Ibauaçu, ou do Palmeiro*

62. Dos Mutuns*

63. Ribeirão de S. Ana*

64. Do Buriti

65. Da Contage

66. Dos Cocais*

67. Do Barreiro

68. Tarumã

69. Boa Vista

70. Sem nome

71. Antônio Alves

 

(i)

LAGOAS

1. Da saída do Mato do Cravari.

2. Do Chapéu do Sol.

3. Do Xavierzinho .

4. Da Couceira

5. De fronte da quarta por nome Tapaiunacanga

6. Do Buriti.

Conclua-se do que tenho dito, que da perigosa alternativa do calor e da umidade que se experimenta nas terras baixas da capitania de Mato-Grosso é que principalmente procedem as enfermidades de seus habitantes. Elas são as mesmas que as das outras partes do Globo, aonde se verificam as mesmas circunstâncias, conseqüentemente serão próprias do país as febres, que ao diante se expõem a obstrução, a hidropisia, o escorbuto, a catarral, o pleuris, a constipação, o tenesmo, as hemorróidas, a disenteria, a corrupção, a sarna, a impigem, o bócio e outras.

Destas somente é que se trata, como endêmicas que são destes rios e seus territórios. Para que as entendam todos, e todos, à falta de professores, sejam suficientemente capazes de as remediar, expõem-se as suas naturezas, quais são as suas causas, sintomas e prognóstico. E ultimamente se conclui com o curativo médico de cada uma delas, especificando-se ambos os seus métodos, o europeu e o americano.

7- Do Ibauaçu

8- da Chapada do Cachorro.

9- Lagoa Seca

10- Dita do Tenente Gregório.

11 – Do Uacorizart.

 

Nota B

Está o referido sítio da Tapera do Almeida em 16° e 19' de latitude A[46] e em 13 léguas de distância do registro do Jauri. Há mais dous lugares donde se tira sal, que estão uma légua distantes um do outro, vindo o primeiro a distar duas ao sul da dita tapera. E passando-se outra légua adiante, aonde está um pantanal, ou a vareda[47] das pitas, dali se volta a poente, para se encontrar outras minas de sal, ainda mais copiosas que as antecedentes.

Outras muitas salinas, além destas, se encontram nas várzeas mais ou menos remotas da estrada, que presentemente freqüentam os que passam à Vila do Cuiabá. Por ela tinha antes de mim passado o Doutor Antônio Pires da Silva Pontes, o qual prevenindo-me a respeito da minha Viagem Filosófica, que me propunha fazer à dita Vila, em uma Memória físico-geográfica, de 29 de maio de 1790, me disse o mesmo, que eu ao despois presenciei em agosto do mesmo ano – esta grossa serra (diz ele, falando da serra do Paraguai, que em distância de légua e 1/2 da povoação de vila Maria ao rumo de Leste e Les-Sudeste se vai cortar por uma bocaina, ou aberta favorável) em cada vertente sua oferece águas salobras e lapidíficas, vendo-se na Ribeira da Jacobina (4 léguas despois que se entra na serra pela parte de leste) as árvores, que estão na vizinhança do rio e da que faz moer o Engenho de Leonardo Soares de Souza, com perfeitas incrustações, e dali até a fazenda de gado do mesmo Leonardo, que são outras 5 léguas, tudo é serra, e tudo calcário e salobro, e as várzeas assistidas de sal, a que os indígenas chamam lambedores, e se estende esta faculdade salina até ao Sangrador do Mello. Passado o grande ribeirão do Sangrador, onde entram os salgados da fazenda do Marques e outros muitos, se vai por alagadiços até ao Coutinho etc.

De ordem de sua excelência o Senhor Luís Pinto de Souza Coutinho, quando governava esta capitania, se mandou em setembro de 1769 fazer experiência para se descobrir sal mineral, junto da Fazenda do Cunha, donde com efeito se extraiu, porém ainda ficou por fazer uma verdadeira análise sobre a utilidade que daria o descobrimento do dito sal. Não deixei de procurar a este respeito mais positivas notícias, que as que me dava o sobredito Luís Ferreira Diniz, que também ali,[48] bem a sua custa ajudou a trabalhar a um certo Luís Antônio de Noronha[49] (homem de nome mudado) por ser o seu próprio nome, como ao despois se soube, Bernardo Lopes da Cunha[50] e folheando as Memórias da Câmera, no Anal de 1770, achei o seguinte.

Pelo mês de agosto chegou a esta vila a sempre aplaudida notícia certa do novo descobrimento do sal da terra fabricado nas campanhas dos cocais da Vila do Cuiabá, perto da fazenda de Manoel da Cunha de Abreu, e com tal certeza, que já naquela vila, tinham entrado dez cargas dele tendo cada uma três quartas, e se venderam estas por serem as primeiras, a cinco oitavas.

Este sal, pelo que se viu das suas amostras, é tão puro, que na alvura compete com o das marinhas, e animada a fábrica, pode exceder na grandeza e quantidade as salinas do Pilão Arcado, sitas no Sertão Geral dos Currais da Bahia nas margens do rio de São Francisco que assim como estas dão sal para todo aquele sertão e para todo o distrito, das Minas Gerais e Goiás, também estoutras o podem dar para toda esta capitania etc.

É certo, que examinando pessoalmente esta salina o Excelentíssimo Senhor Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cárceres, quando da Vila do Cuiabá, passou a tomar posse do governo na capital de Mato-Grosso, reconheceu bem o encarecimento, que dela se havia feito a seu Excelentíssimo antecessor, porém também é certo, que ao princípio de seu descobrimento se fabricaram bastantes alqueires de sal, e ainda hoje anualmente quando estão enxutas as campanhas, o fabricam os donos da fazenda grande de gado, que está no caminho de baixo, saindo-se da vila do Cuiabá, para o Arraial de São Pedro de El-Rei, aonde me eu achei a 11 de janeiro de 1791.[51] Está a referida fazenda duas léguas acima da mencionada salina; e era por esse tempo do Alferes Félix Gonçalves Neto; e hoje de dous filhos seus, os quais me disseram que descendo pelo ribeirão de Bento Gomes até a dada distância pela mão esquerda do dito ribeirão ficava a salina que eu queria ver, e eles todos os anos dali tiravam 40, até 50 alqueires de sal, e que poderiam tirar 100, se não tivessem outros embaraços. É uma formosa e dilatada várzea, pela qual estão espalhadas umas palmeiras, a que os naturais chamam carandas, e vegetação bem por todas as campanhas baixas e salinas, em cuja várzea se acham dispersas várias reboladas de sal comum e salitre, que pelo tempo do verão, se recolhe e purifica, para ser aplicável aos usos culinares. Tantas e tão diversas são as causas da umidade do país.[52]

A purificação do sal comum, que se tira da terra, e o método de o expurgar tanto dela, como do salitre e outras substâncias heterogêneas, que alteram a sua pureza, supõem certos conhecimentos de que depende o acerto e a felicidade da mão-de-obra. Pelo que, antes de se entrar nela, deve-se prenotar:

Primo: Que a natureza ordinariamente, se não cansa a formar de cada vez, uma só espécie de sal.

Os materiais, que são próprios para a composição do sal comum, igualmente o são, para a de outros sais. Estas diferentes combinações todas se fazem ao mesmo tempo. O salitre nas terras, salitrosas, anda sempre acompanhado[53] de sal comum, de base térrea, ou de alcalifixo. Ora, para que as mesmas substâncias e as mesmas circunstâncias possam formar diferentes sais, duas cousas são indispensavelmente percisas. Primeira: que os princípios do sal comum, por exemplo, se disponham por diferente modo, que os do salitre. Segunda: Que as moléculas, que compõem ambos estes sais, tenham a propriedade, de se atraírem mutuamente, sem se confundirem; isto é, que as moléculas próprias para a composição do sal comum, se unam e formem este sal; as do salitre, o salitre etc.

Secundo: Que todas as substâncias salinas se formam em veículos que lhes são apropriados. Na água do mar, se compõem muitos sais. O salitre, pelo contrário nem no mar nem no interior da terra.

Porque se o mar produzisse salitre, achar-se-ia nas terras, donde se ele tem retirado, alguma mina de semelhante sal, assim como se acham muitas de sal comum. Porém mina de salitre ainda até agora se não descobriu nos lugares, donde se retirou o mar. No interior da terra, também não: porque por mais abundantes que sejam as salinas de salitre, nunca passam de certa profundidade; e da superfície da terra, com mais, ou menos polegadas de altura, é que se tira o que nos vem do Egito e das Índias Orientais.

Tertio: Que o concurso da umidade é absolutamente necessário para a formação do salitre.

E a prova disso, é porque nas situações baixas e úmidas, sempre há mais deste sal, que nas elevadas e secas. Por isso os mais favoráveis lugares, para a sua produção são as margens dos rios e as várgeas, quando não estão inundadas, ou lavadas das chuvas; os entulhos de edifícios velhos e arruinados; os currais, as estrebarias, as adegas, as cozinhas, as latrinas e outros desta espécie que têm as circunstâncias seguintes.

(a) de estarem, sempre impregnadas de materiais vegetais e animais, que apodrecem.

(b) de habitualmente possuírem um grau de umidade favorável à putrefação.

(c) de estarem abrigados das chuvas, que encontrando este sal, o dissolvem e o entranham pela terra, ou o levam consigo, juntamente com as materiais, que são próprias, para o fornecerem.

Quartu: Que o concurso do ar, não é menos necessário, ou ele seja renovado, ou não.

Tanto se forma o salitre, nos lugares ventilados, como nos que o não são. Ultimamente as matérias vegetais e animais, que estão suficientemente úmidas, para poderem experimentar o movimento da putrefação, são as que acabam de completar as circunstâncias necessárias para a formação deste sal.

Quinta: Que o sal comum é muito abundante na natureza, o salitre, pouco, em comparação daquele.

Estes dous sais, se acham sempre reunidos nas terras salitrosas como já disse, porém em diferentes proporções. Umas abundam mais, de salitre; outras, de sal comum, além disto, cada um deles de per si, se acha em diferentes estados, de salitre de base térrea; salitre de base de alcalifixo, que é o ordinário. Salitre de base de álcali mineral e salitre amoniacal. Semelhantemente há sal comum de base térrea, de base de álcali vegetal, de base de álcali mineral, que é o verdadeiro etc.

Sexto: Que o sal comum perfeitamente puro, é o que mais invariavelmente conserva a figura regular de seus cristais[54] e são uns perfeitos cubos de um sabor agradável e mediocremente forte; sendo, que os do salitre, são uns sólidos alongados em prismas hexaedros (ou de seis faces) com as pirâmides também hexaedras, de um sabor frio e amargo. Isto suposto, purificar o sal comum, que se tira da terra, é separá-lo dela e do salitre, com que anda reunido. A terra de que se ele deve separar, ou é uma terra solta, isto é, a que com ele foi recolhida, e com ele anda misturada; ou uma terra combinada, isto é, a que lhe serve de base. O método de o separar da terra solta, ou purificá-lo dela, consiste em o fazer dissolver em suficiente quantidade de água pura, ou da fonte, ou de rio, e em coar o licor. Para o fazer dissolver, se lança a terra salina dentro de uma ou mais caldeiras de cobre, ou de ferro, contanto que estejam limpas de zinabre, de caparosa etc. que aliás comunicarão ao sal, a sua cor e veneno. Postas ao fogo as caldeiras, cada uma em sua fornalha, logo [a]o primeiro movimento da ebulição ou fervura, toda a terra que a água tem em dissolução se separa, e sobre a superfície, formando escumas, as quais se devem separar o mais exatamente, que for possível. Isto se faz, ajuntando-se lhe sangue de boi, que substitui bem a clara de ovo.

Quando a dissolução está feita, filtra-se toda aquela água por um pano tapado ou outro qualquer filtro, que não deixe escapar o menor átono de terra, de maneira que se veja que a água coada sai clara e cristalina. Ela se recebe dentro de um recipiente, que para esse fim se põe debaixo do filtro. Então o que nele fica é a terra solta que estava misturada com o sal. E quantas mais vezes se repete a operação de o filtrar, até não aparecer no filtro o menor sinal de terra, tanto mais purificado dela sairá o sal.

É certo que a dissolução que ficou dentro do recipiente, despois de ter sido escrupulosamente filtrada, o que em si contém é o sal, ou simples, ou misturado com o salitre. É, para bem dizer, uma decoada de sal ou de sais, a qual se deve lançar nas caldeiras aonde possa ferver e evaporar até dar lugar a cristalização aos referidos sais.

Se a dissolução é de sal comum misturado com o salitre, assim mesmo se passa para as caldeiras e ali ferve e evapora, havendo sempre o cuidado de a escumar e de lhe substituir nova água, à proporção, que diminui a primeira. Ora, como os dous sais cristalizáveis que contém esta dissolução são o sal comum e o salitre, e o primeiro destes sais não se cristaliza, senão pela evaporação, e o segundo, somente pelo resfriamento, vem o sal comum a ser o primeiro que se cristaliza, durante a evaporação a fogo lento e assim se vai depondo em pequenos cristais cúbicos que procuram o fundo da caldeira.

À proporção que se ele vai formando, também se vai recolhendo com uma grande escumadeira e passando-se para algum cesto tapado, que se dependura ao ar do fumo, para escorrer a água do sal e o secar. Assim se continua a tirá-lo até mostrar a dissolução, que já está em termos de se cristalizar o salitre, se a deixarem esfriar. Conhece-se que está nesses termos, tirando-se de quando em quando da caldeira, uma pouca daquela dissolução e deixando-a esfriar, até ver-se que principia a cristalizar o salitre.

Eis, para o uso ordinário suficientemente separado o sal comum, tanto da terra solta como do salitre. Da terra solta se separou pelo filtro, e do salitre, pela evaporação. Contudo, para a perfeição, que requer, ou um gesto, ou uma manipulação delicada ele ainda não está, tão perfeitamente purificado, que lhe não reste parte de terra combinada, a qual serve de base a uma porção deste sal, para inteiramente separar o bom sal comum, de uma porção do mesmo sal de base térrea, que com ele anda misturado, não basta somente a cristalização. Por outra parte, o verdadeiro sal comum resulta da combinação do ácido marino com o álcali mineral. Conseqüentemente a última perfeição do método de o purificar da terra, consiste em decompor aquele sal, separando-o da sua base térrea, e recompô-lo, substituindo-lhe outra base de alcalino mineral.

Para a substituir, como deve ser, outra vez se dissolve em água pura e se filtra, todo quanto sal comum se recolheu do fundo da caldeira. Tem-se já dissolvido a parte em outra água, uma porção de cristais de soda, cuja dissolução se vai lançando aos poucos dentro da primeira. Imediatamente ao primeiro golpe da dissolução da soda se vê difundir-se pela do sal comum uma névoa branca que é base térrea que se separa dele e se precipita. Repete-se a dissolução da soda, até não aparecer mais a sobredita névoa. Filtra-se de novo[55] a dissolução do sal comum, antes de a fazer evaporar e evapora-se docemente, isto é,[56] retirando-se a maior força de lenha ou de carvão e entretendo-se com poucas brasas tão somente um moderado calor que não seja forte e acelerado: Porque[57] nesse caso, saem os cristais graúdos;[58] aliás saíram, pequenos, como sal moído, por ter sido feita a cristalização, mui confusa e precipitadamente.

De todo o salitre que se purifica se separa porção de sal comum. Conseqüentemente a purificação de um supõem a separação de outro. Toda a arte de o purificar consiste em lhe fornecer uma base de alcalino fixo e desembarcá-lo, inteiramente da terra e de outras impuridades. Ora o método de o conseguir, é o seguinte.

Recolhida a terra salitrosa, mistura-se com quase outro tanto de boa cinza, cirandando-a primeiramente, para não levar, nem carvão, nem outra impureza térrea. Lança-se esta mistura em barris, ou em tonéis, (conforme a quantidade de sal que se pertende) os quais estão postos em fileira e verticalmente assentados sobre seus fundos, ficando levantados do chão até cousa de três palmos. Faz-se no fundo de cada barril um buraco, que se guarnece de capim ou de palha, precisamente como praticam os saboeiros para fazerem escorrer uma decoada. Lança-se água sobre a mistura do primeiro barril. Ela sai carregada de todo quanto sal pode dissolver, e assim cai dentro de algum recipiente, que para esse fim se acomoda debaixo dele. Derrama-se esta mesma água do primeiro, sucessivamente por cada um dos outros barris que estão igualmente cheios da sobredita mistura de cinza e de terra filtrosa. E assim se vai aquela água saturando cada vez mais de matérias salinas, até que fica nos termos de uma decoada forte.

Então vai as caldeiras a ferver e evaporar, que é quando se precipita uma grande quantidade de sal comum, como já se disse o qual se separa com uma escumadeira. Continua à evaporação do salitre, até que a decoada mostre que está nos termos de cristalizar-se. Também já se disse que isto se conhecia, tirando-se de quando em quando uma pouca de decoada e deixando-a esfriar, até ver-se que se cristaliza o salitre. E nesse caso, o de que se trata é de a despejar para outra caldeira aonde se deixa esfriar e cristalizar pelo espaço de até quatro dias.

Nem toda a porção que se despeja se cristaliza inteiramente. Antes, despois da cristalização, sempre fica um licor grosso da consistência de xarope, ao qual se dá impropriamente o nome – de água mãe do salitre – despeja-se esta água mãe sobre outro barril de cinza para se lhe aproveitar o que resta de salitre, e assim se abrevia a mão-de-obra.

O salitre desta primeira cozida ainda é um salitre e necessita de ser purificado. Chama-se salitre da primeira cozida; e na Europa, quase a quarta parte de seu peso consta de sal comum, que pode ser aproveitado. Serve para fazer água forte ordinária; porém nem para a medicina, nem para a fábrica da pólvora, se pode ainda aplicar com acerto.

Para haver de entrar na composição da pólvora, deve ainda passar por mais duas purificações, a que se chama – cozidas – ambas consistem em dissolvê-las[59] segunda e terceira vez[60]; em escumá-lo o mais exatamente que for possível, mediante uma boa dissolução de cola de peixe em água, a qual se lança dentro da caldeira agitando a água que ferve para se incorporar a cola com ela; em separar-lhe todo o sal comum, que se precipita durante à evaporação etc. E isto assim feito duas vezes, produz o salitre, a que se dá o nome de – salitre da três cozidas[61].

 

Nec temere, nec timide[62] 

Febres

Sendo, por todo o Brasil e principalmente pelos seus sertões, a maior parte dos enfermos ou índios, ou mulatos, ou negros, os quais não sabem informar nem como nem quando lhes principiam as febres, e muito menos guardar os preceitos da arte; vem este a ser um dos primeiros obstáculos que encontra o seu pronto curativo; se é que da parte do assistente não supre a experiência e o critério médico pelo que importa muito aprender a distinguir umas de outras febres, examinando o que elas são, os sinais que dão de si, os efeitos que produzem e combinar estas com as outras observações e experiências adquiridas, do lugar aonde se está, o tempo, o gênio endêmico ou epidêmico reinante etc.[63] [Pela] velocidade do pulso conferido com a respiração, o calor, as ourinas, se conhece que o enfermo tem febre. Um infalível meio de a conhecer é o da aplicação do termômetro ao corpo do humano, detendo-o nela por parecer mais um quarto de hora – o que é certo e constantemente observado é que o pulso nas febres sempre excede de setenta e cinco pulsações por minuto, segundo o termômetro de Fahrenheit, e o calor sempre passa de oitenta graus necessários para a putrefação.a) Das febres[64] sintomáticas, só então me parece que se deverá tratar, quando se tratar das enfermidades a que elas servem de sintomas. Eu das essenciais é que particularmente trato neste artigo. Elas são contínuas, intermitentes, remitentes etc.

 

(a) contínuas

Supõe-se consistir o seu caráter na duração de um calor igualmente sensível, por todo o tempo que duram. Porém desta suposição se não segue que as febres desta classe deixam de ter com as outras princípio, aumento, estado e declinação. É que os seus extremos, quero dizer, o princípio e a declinação, são brevíssimos, comparados com o largo tempo que duram o seu aumento e estado. Outra suposição deixarei passar livremente e vem a ser, que não é quimérica a maior parte das febres de que nesta classe tratam os antigos; vendo-se a cada passo determinadas tantas espécies de contínuas, quantas há de enfermidades. Quanto a mim, que nem exponho a matéria ex professo nem a tenho praticado, senão à falta de professor, contento-me de me conformar com o plano de alguns práticos que não reconhecem mais que quatro. A saber: contínua simples, podre, ardente e maligna. Talvez que nem estas mesmas difiram essencialmente entre si, como parece ao ilustre Boerhave e que todas elas não sejam mais que diferentes graus de uma só e a mesma enfermidade. Porém pede a clareza e a ordem do curativo médico que cada uma delas se trate praticamente, como de uma febre distinta e separada.

 

Contínua simples –

Também se lhe chama continente; deduzido este nome da idéia em que estavam os antigos que era febre esta que não tinha remissão nem exacerbação. Distingue-se essencialmente das outras febres:

(a) em não ser precedida de fastio nem frio ou horror considerável.

(b) em se não apresentar acompanhada de sintomas graves.

(c) em darem pouco ou nenhum cuidado tanto as suas remissões como as exacerbações. E isto basta para se não confundir esta com as outras febres. Assim fora igualmente fácil a um simples curioso, o distinguir uma contínua essencial de uma febre sintomática, como por exemplo a que acompanha a erisipela e outras erupções cutâneas; a disenteria, as defluxões etc. a que depende da pletora, da caquexia, do calor do sangue etc.

 

Suas causas

(a) Imoderação no trabalho, ou seja espiritual, como são a meditação assídua e as paixões, principalmente a saudade, o temor e a tristeza: ou corporal, como todo o gênero de movimento em que se empenham as forças, os exercícios ginásticos etc.

(b) Exposição ao sol ardente durante os calores de verão e ao frio excessivo, durante os dias de friagem.

(c) Repleção de estômago ou abstinência prolongada.

(d) Mudança de alimento: sua qualidade, quantidade, estado, modo e ocasião de o tomar etc.

 

Sintomas ordinários

(a) Dores de cabeça, com inclinação a dormir.

(b) Lassidão acompanhada de dores lombares ou vagas.

(c) O pulso grande, veloz e freqüente;

(d) A ourina ou natural, ou pouco incendida.

(e) Dura 8, 15, 24, 48 horas e mais, e muitas vezes termina ou por suor, ou por hemorragia.

 

Prognóstico

Se se não faz caso dela, ou se a tratam mal, então uma de duas: ou se aumenta o pulso com dureza e a febre passa a inflamatória, ou se abate e contrai e passa a podre.

 

Curativo médico

(a)______________EUROPEU

Para não passar a inflamatória, basta ordinariamente a dieta que se reduz a caldos de miolo de pão adoçados com açúcar ou mel de abelhas, fazendo-se o devido uso das tisanas, os cremores e leite e as emulsões[65]. Quando isto não basta, ajuda-se a natureza com os pedilúvios, as sangrias, os cristéis laxantes e as tisanas nitradas, se não há disposição para suar. Semelhantemente para se prevenir a podridão, faz-se preceder algum ligeiro emético, seguido de algum minorativo; sobre que assentam os anti-sépticos, os amargos e os balsâmicos, especialmente a quina e o alcânfor.

 

(b)____________AMERICANO

Reconhecendo-se[66] que na corrupção,[67] por haver largueza na via ou por outro qualquer sintoma indicado no capítulo desta queixa, logo o primeiro objeto de que se trata, preveni-la[68] mediante um cristel preparado do cozimento[69] ou de erva do bicho ou de [   ] de três até quatro limões azedos (dos galegos,[70] a que se ajuntam oito até dez pimentas, cumaris, uma colher de açúcar mascavado ou de rapadura em pó e uma pitada de sal moído.[71] Passa-se a algum diaforético, cujo efeito se promove por meio, ou de um pedilúvio, em água simples, porém quente, ou de algum banho de vapores do cozimento das folhas de laranja, ou de lima, ou de cidra, para o que também servem de mentrasto, a salva da terra e a artemija; e sobre ele assenta a bebida de algum chá de violas ou da índia, substituindo-se a sua falta com outra qualquer tintura, ou de folhas de[72] orgevão por outro nome verbena e por outro erva sacra, ou de bassourinha, ou de congonha, que é o mate dos espanhóis americanos. Abstém-se de todo outro alimento que não sejam caldos de tipioca, carimã, água de arroz ou de milho cozido sem sal, a que se chama canjica. Purgam-se com o tártaro emético que é o mais ordinário nestas minas, nas dose de 5 até oito grãos. Raros são os que usam do xarope, ou do vinho emético, na dose de meia até uma onça e ainda da mesma ipecacuanha[73] a que os naturais chamam poalha e a tomam na dose de 48 grãos até uma oitava. Ignoram-se portanto os inconvenientes do tártaro, e por isso se familiarizam tanto com ele. Segue-se algum purgante de quintílio de jalapa, de ruibarbo, sal catártico etc., e sem razão[74] algumas vezes preferem os mais fortes, preferem os minorativos, havendo aliás nas oficinas[75] ruibarbo o maná e o sene, e dando-se bem no país o tamarindus. Bebe-se durante a febre, o cozimento das folhas do cuguaçuaiá, do caapiá, da raiz de fedegoso, (que é a pajamarioba do Pará) e se é tempo de frutos, refrigeram-se com os sucos de cacau, do murucujá, do acaju, do acajá etc.

 

Febre podre

Tem o seu princípio na depravação dos humores que tendem à alcalescência e se termina por uma depuração, que na frase Sydenham[76], lhe dá o nome de febre depuratória. Não é logo uma verdadeira putrefação, a que se pertende significar pela palavra podre, como entendem muitos e principalmente o vulgo. É sim uma disposição para ela. A mortificação que dão do olfato as ourinas, os suores e o hálito daqueles que a padecem, a alteração que experimenta o seu sangue, logo despois que se tira pela sangria a gangrena que acompanha esta febre, a infecção que imediatamente difundem os cadáveres e outros pertendidos sinais de uma verdadeira corrupção são comuns a outras muitas enfermidades, aonde ela se não supõe. É, contudo, para quem a entende, uma febre sempre perigosa. Também só quem a entende é capaz de a distinguir algumas vezes da maligna, com que a equivoca a maior parte de seus sintomas, porém, a afecção dos nervos e do cérebro, que é inseparável daquela, é transitória na podre.

 

Causas

(a) certo grau de calor e de umidade.

(1) NO FOGO: que em certo grau excita, em outro resolve a putrefação.

(2) NO AR: quando encarcerado e se não renova e comunica com toda a atmosfera.

(3) NA ÁGUA: em não sendo movida e agitada.

(4) NA TERRA: por suas diferentes qualidades e substâncias heterogêneas, que contém os alcalinos fixos e outros sais.

(b) Disposição de temperamento sangüíneo

(c) Vida dissoluta

(d) Digestão perturbada pelo trabalho imediatamente despois que se come.

(e) Habitação de lugares impuros.

(f) Alimentos corruptos.

 

Sintomas

(a) Abatimento do corpo e do espírito.

(b) Dor e peso na cabeça, nas entranhas, nos lombos, nas extremidades.

(c) Sono inquieto, sobressaltos, ânsias, delírio.

(d) Extremidades convulsas, principalmente as mãos.

(e) Vômitos e náuseas ao princípio, que também a língua está úmida, branca e saburrenta, porém ao despois se faz árida, como toda a pele do corpo, e toma a cor preta.

(f) Pulso remisso e frouxo, que com o calor acre do corpo, se faz forte e veloz.

(g) Hálito fétido.

(h) O ventre e os hipocôndrios intumescido.

(i) As urinas poucas e variadas na cor e na consistência.

(l) As dejeções também fétidas e meteorizadas.

 

Prognóstico

Se a não tratam como convém, degenera em maligna e dos 14 até 30 dias, se decide a sua sorte. As dejeções cerosas, durante a febre, ameaçam perigo. As boas crises se fazem pelas urinas e suores que sobrevêm dos 12 dias por diante.

 

Curativo

(a)____________EUROPEU

Veja-se como o prescreve o autor do Tratado Completo de Calenturas – principiando pela dieta, seja, diz ele,

§ 196, líquida vegetal, y acescente; pues cuando la machina de un febricitante, está con fuertes, y repetidos movimientos, procurando expeler, y corregir la putrefacción, no debe distraer-se de estos esfuerzos, para emplearlos en vencer alimentos sólidos ó animales que están dispuestos a podrir-se, y aumentar las fuerzas de los enemigos de la vida § 197. Los caldos de carnes, son la gelatina, y suero de los animales, pero la gelatina es lo pútrido encubierto, es la que se inflama, y la que se conver[te] en pus: luego su uso es dañoso, ni su prescripción puede tolerar-se § 198. Aun que los caldos sean de carnes cocidas con vegetales, en el puchero español, ni por eso que dan inocentes, porque los ácidos en poca cuantidad, aceleran la putrefacción de los animales § 201. Los caldos de pan, agua, y azúcar, ó miel, los de potajes, los de yerbas, ó frutos maduros, y aun los mismos frutos cocidos, ó levemente asados, y los muy jugosos, crudos, las tisanas, crémores, y emulsiones de farinácea os tienen todas las cualidades, para ser alimento propio de las calenturas § 193. La agua de limón generalmente, es la mejor bebida antifebril, por diluente, y antiséptica § 192. El vino también es acescente, y antiséptico mezclado con la agua, atendiendo, al temperamento, a la costumbre y al clima, puede tener uso.

La renovación, y purificación da machina interior, y exteriormente es sobre todo sumamente necesaria, e importante, en este caso.

 

Exteriormente

§ 181. Mude-se, ó renueve-se muchas veces al día, el aire de la pieza, en que asiste el enfermo por medio de las ventanas, del fuego, de los sahumerios, de masca, de los vegetales frescos, de las flores etc. § 182. Huya-se, cuanto se pueda, de que la atmósfera del febricitante, se mezcle con la dos sonios, especialmente de animales, de niños, de mujeres, y de muchos hombres § 183. Renueve-se la atmósfera propia del febricitante haciendo lo salir de la cama algunas horas al día: como esto no se haga, en tiempo de alguna crisis, con el abrigo necesario, no se debe temer el peligro de la constipación § 184. Renueve-se todos los días la ropa, y la cama del febricitante, con otra limpia, e seca, siendo colchones, y cubiertas, todas de vegetales no de animales, y limpios los servicios de orines, curso, y excretos § 185. Afeite-se el enfermo, lave-se, peine-se, para excitar sus músculos, abrir la secreción cutánea, y renovar su atmósfera, podrida, en otra sana § 186. Exciten-se-le las pasiones de la alegría, y de la esperanza algunas veces la vía, nunca el temor.

 

Interiormente

§ 187. Renueve-se-le la atmósfera intestinal por medio de las lavativas emolientes § 188. Renueve-se el aire del ventrículo, y esófago, y el pulmonar, por medio del continuo riego, y bebidas frescas, y aun ácidas, y de sahumerios, aun apipados de yerbas aromáticas – frescas y ácidas § 441. Últimamente el método de curar esta enfermedad, consiste en variar, y proporcionar los remedios, según prevalezca el estado inflamatorio, ó el pudre: Cuando prevalécelo inflamatorio, conviene alguna sangría, las tisanas acescentes, con bastante crémor de tártaro , y lavativas: Cuando pelo inflamatorio no supera, conviene la ipecacuana, y el rabárbaro, con el crémor de tártaro , epicraticamente usado, interpolando las tisanas, y en estado, y declinación, las emulsiones camphoradas.

Pode-se agora acrescentar que a quina-quina, no fim da febre fortifica os órgãos enfraquecidos; que os cordiais e os diaforéticos também têm lugar, no caso de ser preciso ajudar a natureza lânguida ao tempo da cocção: que em estando tomada a cabeça, são de um grande auxílio para a aliviarem os sinapismos nas solas dos pés, os cáusticos, as ventosas

 

(b) AMERICANO.[77]

Consiste principalmente em uma rigorosa abstinência de carnes, por via de dieta, e em copiosas bebidas de cordiais e xaropes ácidos e refrigerantes de murucujá, de limão, de laranja e de cidra.[78] Bebe-se água do coco ou sucos[79]. a que chamam vinho de cacau, do acaju, do ananás, e come-se o mesmo coco mole com o igual proveito com que se comem diferentes frutas: a romã, a pitanga, a mangaba, o araçá, o iamaracu, o mamão, o iaracatiá, o jenipapo, o marmelo, o araticu, a fruta de conde, a sorva, a banana de são tomé e a abóbora, ou cruas, algumas destas frutas e pulverizadas de açúcar ou cozidas, as que o podem ser; e até os mesmos melões se dão e melancia. Colhem-se todas elas despois de bem maduras e nunca antes de o sol as expurgar da umidade da noite e do sereno da manhã; porém, não para se comerem quentes do sol. São úteis comidas em jejum e, excetuadas as que são adstringentes, aproveitam mais antes de comida, entremeando tempo de descanso, do que depois dela, por sobremesa. De outras muitas frutas se permitem ao enfermo as conservas que se fazem de acaju, de limão e de guaiaba, a marmelada, a jaléia de cacau e outras. Purgam-se com o maná, o tamarindus, a batata da terra e outros minorativos. Há sobretudo, um especial cuidado em prevenir o acesso da corrupção. Veja-se o artigo da corrupção.

 

Febre ardente

Distingue-se da podre

(a) pela maior gravidade dos sintomas

(b) pela grande parte que nela tem a bílis; donde vem que também se lhe dá o nome de – podre biliosa.

(c) pela concentração do calor, que é mais interno do que externo.

(d) pela menor duração, pois que a ardente raras vezes se estende do septeno ao quatorzeno ou mais.

 

Causas

(a) Paixões veementes

(b) Trabalhos excessivos.

(c) Abuso de alimentos picantes, como a carne e o peixe adubados com demasiada pimenta, o vinho e os licores espirituosos.

(d) A estação, o lugar, a idade e o temperamento.

 

Sintomas

(a) Exacerbações precedidas de maiores ou menores[80] frios.

(b) Violentas dores de cabeça, insônios, delírio e, algumas vezes, ânsias, cardialgias, convulsões.

(c) O pulso de duro que é e freqüente, passa a fraco e irregular.

(d) Sede implacável e rebelde a todos e refrigerantes com um extraordinário calor interno e amargura de boca. Os lábios e a língua secos e negros.

(e) Vômitos de uma bílis eruginosa, em alguns enfermos tão acre e urente que lhes estimula o esôfago e desbota os dentes.

(f) As ourinas incendidas e, tanto elas como as dejeções, algumas vezes biliosas, como as dos ictéricos.

 

Prognóstico

Tira[m]-se as boas crises do vômito e do curso do ventre que aparece ao quarto ou sétimo dia, sendo que o mesmo curso é quase sempre mortal, quando é prematurado; assim como o são o suor da face, as h[e]morragias[81], ou o soluço, o escarro de sangue, as ânsias do coração, as ourinas pretas e sanguinolentas. Assegura-se que morrem desta febre mais velhos do que moços; o que lhes sucede ao terceiro, ao quarto e ao sétimo dia. Degenera algumas vezes em maligna; outras em intermitente, lenta ou em languores rebeldes aos remédios da arte.

 

Curativo

(a)__________EUROPEU

Quando se sangra felizmente é ao primeiro dia do acesso e não mais; se não sobrevém flogose. Os eméticos mais brandos e prudentemente subministrados, como é a ipecacuanha em bastante líquido por veículo, são os que mais aproveitam. O mesmo se pratica com os purgantes, preferindo-se o maná e a polpa de tamarindus em soro de leite. Os absorventes são muito próprios para reprimirem os estragos da bílis. Do mesmo leite e de óleo de amêndoas doces, se preparam os melhores laxativos. O sobredito soro, as emulsões nitradas, os iulepes[82] ácidos e as limonadas são as melhores bebidas.

 

(b)___________AMERICANO

Trata-se da mesma sorte que a podre, acrescentando que os empíricos atribuem uma particular virtude a um cálculo que se tira do ventrículo do lagarto senembi e o administram em pó, ou em caapiá, na dose de meia até uma oitava

 

Maligna

Pelo que tenho alcançado, vejo que não são tão somente os empíricos os que menos a conhecem e a distinguem, mas também os mesmos professores, algumas vezes encontram dificuldades a montes para formarem dela uma justa idéia, por ser o seu caráter sempre variado e cheio de obscuridades. Contudo, ela se distingue da antecedente e de outras febres pelas circunstâncias seguintes:

(a) de ser mais prolongada e nunca se terminar antes de 20 dias e mais.

(b) de ser comumente epidêmica e contagiosa, como a peste; de maneira que parecem uma e a mesma enfermidade.

(b) de, essencialmente, desde o seu princípio e por todo o seu curso e progresso, apresentar-se sempre acompanhada de afecções dos nervos e do cérebro; como manifestam os letargos, os delírios, os esquecimentos e as vertigens; as quais nas outras febres, quando as acompanham, são comumente transitórias e não permanentes, como na maligna.

N.B. Que algumas epidemias há, aonde ela se anuncia por algum acesso de terçã; no que importa muito reparar, principalmente em Mato-Grosso, observado bem o assistente, se os acessos da referida terçã são longos, as repetições irregulares e as intermissões circunstanciadas de dores de cabeça, ânsias, abatimento de forças etc.

 

CAUSAS

(a) Adversidades da vida, dissabores, aflições de espírito e, sobretudo, o terror;

(b) Impropriedade ou falta de asseio e de outras comodidades, que é tudo quanto experimenta um viajante, um soldado, um preso e, nas viagens pelos rios do Brasil, particularmente o experimentam índios remeiros e os pretos escravos, sendo funestas para todos;

(c) a indigência extrema em que vivem;

(d) a vida irregular que passam;

(e) a intemperança em todo o sentido;

(f) os alimentos podres que comem;

(g) o ar corrupto que respiram, principalmente o que dos porões das canoas exalam os alimentos já podres;

(h) a água estagnada que bebem, ou recheada de miasmas pestíferos de animais e de vegetais apodrecidos, o que logo se experimenta ao menor repiquete dos rios, menos no dia da enchente que no da vazante.

 

Sintomas

(a) Pusilanimidade de espírito e abatimento de corpo;

(b) mudança de fisionomia, particularmente nos olhos, que os febricitantes abrem, como espantados, quando os despertam da modorra em que jazem;

(c) Alternativas[83] de frio e de calor;

(d) Dor e peso na cabeça e, além desta, outra dor, que ou é fixa no ventre, no ventrículo etc. ou vaga por todo o corpo;

(e) Extremidades convulsas;

(f) Sopitação de alguns ou de todos os sentidos; comumente o de ver, ouvir e gostar; a fala suspensa;

(g) O pulso lânguido, freqüente e irregular;

(h) A língua ao princípio úmida e saburrenta; ao despois árida, como queimada, esgretada e trêmula. Tem-se visto ou natural ou saburrenta, ora seca e ora úmida;

(i) Hálito fétido;

(j) Suores também fétidos e viscosos;

(l) O ventre as mais das vezes doloroso, intumescido e meteorizado;

(m) As dejeções fétidas, verminosas e também muitas vezes involuntárias;

 

N.B. Que de outros muitos sinais é esta febre caracterizada na Europa, aonde segundo a diversidade de seus efeitos, assim toma diferentes nomes de sudor anglicus, plica polonica etc. quando é circunstanciada de alguma hemorragia ou transpiração podre;

Febre miliar, petequial etc., quando trás consigo diversas manchas pelo corpo ou erupções cutâneas.

 

Maligna nervosa, quando ataca principalmente os nervos;

 

Castrense, hospitalícia, carcerária, náutica etc. quando imediatamente que ataca, ou seja, nos acampamentos, ou nos hospitais, os cárceres, as embarcações, logo sobrevém a gangrena. Da náutica se experimentam os efeitos, em sendo extemporâneas e morosas as viagens que se fazem por muitos rios do Brasil.

 

Peste, quando é contagiosa, precedida de erupções carbunculosas, bubões, antrazes; e seguida de uma grande mortandade. Alguns vomitam umas fezes negras ou verdes. O hálito em quase todos é insuportável. A maior parte se queixa de uma sede implacável e um fogo interno que os abrasa.

O pulso ou natural, ou lânguido, veemente, irregular. Os suores tão pestíferos que na própria câmara do empestado se não pode entrar sem um grande ressentimento do olfato. Ultimamente, o que mostra o exame dos cadáveres são os mesmos estragos que faz o veneno mais refinado.

 

Prognóstico

Pelo que respeita à maligna, o tremor da língua, a erupção prematurada de malhas lívidas cutâneas, as hemorragias e, sobretudo, as dejeções negras ou sanguinolentas e com um fétido cadavérico, são quase sempre mortais. Morre-se ao 7º, 8º, 12º, 14º dia, e algumas vezes aos 40 até 50. A enfermidade nem dura menos de 20, nem mais de 60. A salivação, o suor, o moderado curso do ventre se reputam de bom agouro. A convalescença é longa e pensionada; as recaídas fáceis e perigosas. Muda-se algumas vezes em intermitente, terçã simples ou doble etc.

 

Curativo

(a) ____ EUROPEU

Ainda que geralmente se escreva que não convém a sangria, parece que não é tão geral esta regra que não tenha sua exceção, como por exemplo nos casos de inflamação, alguma dor violenta, opressão etc. O autor do Tratado das Calenturas prefere as escarificações. A principal parte do tratamento desta febre, (diz ele) consiste em renovar a roupa do febricitante, os lençóis e o ar do seu aposento. A dieta é a mesma que a da febre podre, o vomitório da ipecacuanha tem provado bem ao princípio da enfermidade e, tanto ele como o ruibarbo, o tamarindus e o cremor de tártaro, porém estes, despois do sétimo dia, são indispensáveis no caso de os não contra-indicarem, ou anemia, debilidade ou alguma grande evacuação. O espírito de mendereri, o vinagre saccharo-camphoratum de Wan-Swieten, a limonada quinada e as emulsões canforadas são ótimos corretivos. Os vesicatórios no caso de não haver inflamação, ou coliquação, servem de aliviar a cabeça, aplicados detrás das orelhas, nas espáduas, e nas pernas; assim como a aliviam os pedilúvios, os sinapismos, as escarificações. Para coadjuvarem os remédios acima a todo o tempo convêm os cristéis emolientes. Sem embargo do exposto, como estas febres são ao princípio muito equívocas de conhecer, principalmente em sendo epidêmicas, ordinariamente sucede que a morte dos primeiros é a que ensina o curativo dos últimos.

Quanto à peste, de muito boa vontade me conformo com o parecer de alguns práticos, que é mais fácil preservar dela do que corrigi-la. Preservam dela a longanimidade, o asseio, a sobriedade, o exercício, a purificação do ar pelos perfumes do enxofre, da pólvora, do tabaco, o alcatrão, os frontis molhados em vinagre aromático, a arruda, o rosmaninho, a salva e o uso interno da quina, do limão e da laranja. Todos os remédios internos que se aplicam para a corrigirem são os temperantes, antipútridos, absorventes, cordeais e os alexitérios, misturados com os ácidos, ou vegetais, ou minerais. Os externos se reduzem ao que fica dito da renovação interior e exterior da máquina, às ventosas, aos cáusticos etc.

Porém de nenhum destes medicamentos faz o bom assistente uma aplicação vaga, e arbitrária. Quando o calor é o que promove a putrefação, convêm os ácidos e refrigerantes, a laranja, o limão, a cidra, a romã, a pêra, a maçã, a uva, o vinagre, o nitro etc.

Quando procede da umidade, convêm o alho, a cebola, a pimenta, a canela, o cravo, o puxiri, o gengibre, o tabaco e outros estimulantes.

 

(d) ____ AMERICANO

Vejam-se as febres antecedentes.

 

Intermitentes ou Sezões e Maleitas

Eis aqui um dos tributos que pagam às margens destes rios, e principalmente às do Guaporé, quase todas as idades, todas as constituições, todos os temperamentos. O seu caráter consiste na sua intermissão, ficando os febricitantes livres de febre por algumas horas ou dias, segundo é o gênero a que ela pertence, porque ou é quotidiana, ou terçã, ou quartã. Chamam-se símplices, quando têm um único acesso, dentro no termo de sua repetição; dobles, quando dous, benignas, quando não envolvem perigo; perniciosas, quando sim, erráticas, quando erram a hora de seu acesso, repetindo nos dias costumados; vagas, quando nem tem nem hora certa de repetição.

 

Quotidiana

É a que todos os dias acomete, e todos os dias deixa livre ao enfermo; se bem que não raras vezes engana, por alguma larga remissão[84] que faz. Parece ter o seu assento nas primeiras vias ou nas entranhas de que depende o exercício de suas funções. Todo o ponto está em a saber distinguir de alguma quotidiana sintomática, como é por exemplo, a catarral, a febre histérica, a que depende de obstrução, supuração interna e outras muitas, que sendo aliás de bem diferente caráter e natureza, imitam as quotidianas essenciais e se apresentam com o mesmo aspecto. Porém quando destas febres não hajam todos os conhecimentos práticos, ajuda muito a discerni-las a experiência das cousas do país, a história de suas enfermidades e particularmente a febriologia do Brasil; o exame do sedimento das ourinas, o quotidiano decesso por espasmos, a declinação por suor copioso e viscoso etc. A constância que guardam as horas dos seus acessos, e a regularidade e igualdade dos paroxismos, a distinguem da terçã doble da remitente etc.

 

Causas

(a) Intemperança dos obesos, golotões e poltrões, que são os mais sujeitos a elas;

(b) Alimentos crus e indigestos. Frutos de má qualidade e ainda os que a tem boa, porém são comidos ou imoderadamente[85] ou verdes, ou quentes de sol;

(c) Acesso das lebrinas, das friagens, das estações chuvosas;

(d) Habitação de lugares úmidos e pantanosos, aonde o ar e a água são impuros;

(e) Banhos no rio intempestivos lavagens em charcos e águas estagnadas;

 

Sintomas

(a) Cabeça pesada e sonolenta;

(b) Moimento do corpo, em se aproximando o paroxismo; espreguiçar-se e bocejar a miúdo, sem causa manifesta;

(c) Resfriamento da ponta do nariz e das extremidades. A face, as mãos e os lábios pálidos; as unhas lívidas; e o frio algumas vezes tão excessivo, que nenhum calor é capaz de o moderar;

(d) Dores vagas por todo o corpo, peso no estômago, cansaço;

(e) Calor ao princípio brando e a freqüência do pulso moderada, porém logo ardente e acompanhado de dores de cabeça;

(f) A boca amargosa, a língua saburrenta e os dentes sórdidos;

(g) Propensão a vômito; ou os mesmos vômitos, ora brancos, ora biliosos;

(h) Ourinas ao princípio brancas, cruas e indigestas;

 

Dura 8, 10, 16 até 20 horas e acaba com suor copioso e viscoso.

 

Prognóstico

Não sendo febre esta difícil de se tratar, pode contudo degenerar em contínua ou em febre lenta, principalmente se se precipita o seu tratamento. De o precipitar antecipando logo os eméticos, os purgantes e os febrífugos, tem-se visto alguns inconvenientes que se devem recear. Porque não estando ainda feita a depuração, ao princípio da enfermidade, o que vão aqueles remédios fazer é perturbar e irritar a natureza, ocasionando a mudança da febre, que não tarda em mostrar o seu ressentimento. As menores faltas de regimento, o sereno, o ar frio da manhã, o uso das saladas e de frutos crus e flatulentos, o trabalho excessivo, o coito, a repleção, as vigílias, a cólera e outras paixões, as reproduzem e ocasionam as recaídas. Se os enfermos, despois de suspendida a sezão, não recuperam as cores, antes conservam a palidez, o fastio e as dores de cabeça, podem seguramente esperar pela sua volta.

 

Curativo

(a) ____ EUROPEU

Bem poucas vezes há necessidade de recorrer à sangria, pelo menos quando senão está no caso de alguma pletora ou flogose. Sendo necessário sangrar, não se abre a ve[i]a durante o acesso; só sim, quando a febre é extremamente violenta, as dores de cabeça insuportáveis e todos os sintomas graves e urgentes. Ainda neste caso, geralmente no clima do Brasil, deve haver cuidado em não multiplicar as sangrias, que aliás esgotam aos enfermos, e os lançam nas queixas de languor. De os alimentos serem débeis, a transpiração assídua e as dissipações com as mulheres, excessivas; o que se segue, é ser o sangue pouco balsâmico e, prodigalizado ele, abaterem-se as forças da vida. Observem-se as cores dos colonos da maior parte das capitanias, que todas são de opilados, e ver-se-á a diferença que tem das dos europeus. Quanto à quotidiana, mais prudência é retardar aos primeiros dias, a aplicação dos específicos, do que antecipá-la precipitadamente, antes talvez de se ter reconhecido o caráter e a natureza da febre. Por outra parte, ela é o instrumento de que a natureza se serve para a depuração e, por isso, se não deve perturbar antes de tempo. Ajudam-se as forças que ela emprega em volatilizar e dissipar a putrefação primeiramente com a dieta, os pedilúvios e os diaforéticos; e ao despois com os específicos se aliás senão faz urgente a sua aplicação. A dieta se contrai a alguns caldos de aves de fácil digestão, evitando tudo quanto possa enfraquecer e viciar o estômago. Dá-se pouco de comer, e 4 até 5 horas antes da sezão. Não se deve negar água aos enfermos, contanto que seja tépida durante o frio, e fria durante a febre. Quando ao princípio do paroxismo, são os frios grandes e perigosos, trata-se de os moderar, antecipando-se duas e três horas antes, uma copiosa bebida tépida de alguma tisana, ou de salsa, ou de sassafraz, ou de outro qualquer sudorífico; fomentando-se a região do estômago, com óleo de canela ou de alfazema; e até mesmo usando dela quente, dentro em almofadinhas, que se lhes chegam às mãos e aos pés. A ipecacuanha dada a propósito despois da quarta sezão, algumas vezes triunfa ela só da enfermidade; porém é preciso esperar pela intermissão da febre, e não tomar, durante o seu acesso, senão os diluentes, temperantes e nitrados. Os lavatórios laxantes, já mais se perdem de vista. A quina, despois do emético e dos purgantes, quando aparece o sedimento laterício, é o melhor febrífugo. As evacuações têm purificado o estômago, a linfa gástrica se tem feito capaz de tinturar-se da quina e, por conseguinte, nenhum receio deve haver de usar dela. Quanto à dieta que requer o seu uso, a mais severa, é a melhor. Se a quina não basta, despois de tomada nas doses prescritas para todos os casos, o obstinar-se em usar dela é precipitar-se na obstrução, a hidropisia, a hemoptise e outras enfermidades. Recorre-se a outros febrífugos, aos amargos aperitivos, Stomachicos Marciais etc.; as dissoluções de sal amoníaco, sal de losna e dito de centáurea, em vinho branco, a infusão da serpentária virginiana, da genciana, da pequena centáurea também em vinho branco e outros muitos específicos, que se aplicavam, antes do descobrimento da quina.

 

(b) ____ AMERICANO

As pessoas de mais conhecimentos e que têm sido ensinadas pela experiência do país, a terem grande cautela com os aproches da c[o]rrupção, como de nenhuma outra cousa se receiam tanto quanto desta, logo ao primeiro acesso de toda e qualquer febre, o de que primeiramente tratam, é de a reconhecer mediante algum cristel estimulante de pimentas cumaris ou malaguetas. Os índios para estes casos, jamais embarcam sem provimento de malagueta em pó e gengibre. E o caso é que as mais das vezes, não se enganam, porque com toda e qualquer febre se introduz a dita corrupção. Feito aquele exame, que é o primeiro, na ordem de suas precauções, segue-se a segunda, de reconhecer o resfriamento, mediante os pedilúvios, seguidos de fricções quentes de algum banho de vapores, de plantas aromáticas, com uma copiosa bebida tépida de alguma tisana sudorífica. Tais são os primeiros remédios, de que lançam mão os acautelados. Passam imediatamente ao vomitório de tártaro ou de quintílio, que são os mais usuais, poucos usam da ipecacuanha, e a gente popular comumente recorre aos eméticos e purgantes indígenos, que alguns tomam ao mesmo tempo, bebendo tépida a emulsão de três pinhões descascados e pisados. Outros a bebem de nove sementes de mamona branca, por outro nome carrapato[86], ou se querem evitar o trabalho da manipulação, lançam em uma chávena de água tépida, uma colher daquele azeite, e com ele se purgam. A batatinha do paraguai é outro purgante que por aqui se toma na dose de uma até uma e meia outava; a batata de purgar é uma raiz, que trivialmente se encontra por estes matos, e também se toma na dose de outava e meia, e mais, quando seca. O emético, em que a alguns empíricos do país, tenho visto porém grande confiança, afetando os costumados segredos, é, sem tirar nem pôr, o mesmo, que inventou o autor do celebrado Erário Mineral, e vem a ser – de tártaro emético, quatro até seis grãos (conforme a constituição do enfermo) em seis onças de vinho generoso, onde tenha estado de infusão, sobre cinzas quentes, por tempo de um quarto de hora, uma mão cheia de folhas de arruda machucada. Despois de feitas as evacuações universais, se com elas se não despede a sezão, bebe-se o cozimento febrífugo das raízes de abutua, quina da terra e fedegoso, com as do fumo brabo e caapiá, que é na verdade uma amargosíssima bebida. Até mesmo por via de dieta, se alimentam os enfermos com vegetais amargosos. Tal é o palmito de uma espécie de palmeira chamada guariroba, que amarga como fel, e o do campo, ainda mais que o do mato. Comem-no ou assado, ou cozido, juntamente com o frangão, a galinha, a carne de vaca moqueada etc. Nem se esquecem dos cristéis laxantes e refrescantes, os quais[87] se preparam, como já disse, do cozimento de 3 até quatro limões azedos, substituindo-lhes, quando os não há, ou quando assim lhes parece, as folhas de mamona branca, o malvaísco, a caamembeca, os olhos de fedegoso e a tansagem, como uma colher de rapadura em pó, outra de azeite, outro cozimento se pratica por estas minas, que é verdadeiramente dos bons, que receitam os práticos, porém não é seu por que é[88] a água febrífuga de Cardoso de Miranda: a saber – de cevada limpa, onça e meia: raiz de genciana machucada, onça, uma; centáurea menor, cortada miudamente onça, meia: sene limpo, onça uma e meia: cremor de tártaros, oitavas, duas: sementes frias maiores, onça uma: quina em pó, onça uma: sal de losna, e cristal mineral, de cada um oitavas duas. Ferve-se a cevada em 6 libras de água, até se evaporar uma: ajunta-se lhe a genciana, até se evaporar mais meia, e acrescentando-se a Centáurea, que também ferve, até se evaporarem 3 libras, então se lhe ajunta o sene, as sementes frias, o cremor de tártaro; e tudo se deixa de infusão em cinzas quentes, por tempo de 6 horas. Côa-se com forte expressão; ajunta-se lhe a quina, o sal de los[n]a e o cristal mineral e tudo se lança em um frasco, agitando-o bem, até levantar escuma para se beber na dose de 6 onças por cada vez. Pode-se tomar de manhã e de tarde, não havendo fraqueza. É um cozimento solutivo e febrífugo, que a muitos tem aproveitado.

Os remédios da gente popular são os mais extravagantes que tenho visto. Tais são os eméticos que tomam do sumo de dous até três limões azedos em um chávena de aguardente da terra a que se chama cachaça.

Em outra pequena quantidade dela, batem dous ovos; e tomada aquela beberagem, vomitam um dia inteiro. Os índios para moderarem os frios ao princípio dos paroxismos, gritam que se lhes dê pimenta da índia, em aguardente de uva. O que digo do curativo da quotidiana, entenda-se também das outras intermitentes.

 

terçã

Dá-se lhe este nome porque repete em dias alternados; isto é, um dia sim e outro não. Faz-se consistir o seu caráter específico, na pronta aparição do sedimento laterício, ao declinar do primeiro acesso – as dejeções biliosas (diz o Dr. Pereira) o sedimento laterício, as cores e ourinas ictéricas dos tercenários, e os abscessos e grangrenas hepáticas que têm mostrado a decepção dos cadáveres, provam, que a afecção do fígado é a origem dela – quanto as suas causas, são as mesmas que as das outras intermitentes.

 

sintomas da benigna

Vejam-se os que acompanham a quotidiana e acrescentem-se os que acima transcrevi, de terem os tercenários.

(a) Cores ictéricas;

(b) Ourinas ao princípio brancas, incendidas no estado e laterícias na declinação;

(c) Pulso durante o calor, duro, contraído, cheio e freqüente;

(d) Língua áspera e sequiosa;

(e) Dejeções biliosas;

Ainda que a sua duração costuma ser de quatorze dias, com sete paroxismos, não sei que ela neste país tenha invariavelmente tempo determinado. Eu a padeci pelo espaço de três meses, despois de ter padecido, pelo de vinte cinco dias, uma rigorosa quotidiana. O desenhador José Joaquim Freire, também padeceu a mesma quotidiana pelo tempo de dous meses e a terçã pelo de seis, com poucos dias de falha. Dura esta sezão 6, 12 e 20 horas e mais quando o enfermo é pletórico.

 

ditos da perniciosa

(a) Espasmos e dores excessivas;

(b) Delírios, afecção soporosa e síncopes;

(c) Hemorragias, coliquações.

 

prognóstico

A terçã legítima não é febre perigosa, antes regularmente é saudável e muitas vezes tem servido de livrar de algumas enfermidades habituais. Contudo não se deve deixar sem remédio, para se não inveterar, e aumentarem-se as forças ou da inflamação ou da putrefação. Os acessos demasiadamente longos as repetições irregulares e as intermissões acompanhadas de dores de cabeça dão muito que recear. A perniciosa é de grande perigo, se se não atalha logo, suspendendo pela administração da quina, a rapidez da putrefação.

 

curativo

(a) ____EUROPEU

Não está todo o ponto, como cuidam os empíricos, em purgar logo aos enfermos e em enchê-los de quina. Pelo contrário se se suprime a terçã antes de tempo, ela se reproduz segunda vez ainda mais forte do que da primeira. Mais que a supressão intempestiva tem causado hipocondrias, escorbutos e outras enfermidades. Recomenda-se em boa medicina, que de nenhuma forma se precipite o seu tratamento, deixando antes, passar os primeiros acessos, sem que se lance mão dos específicos, não somente para se assegurar o assistente do caráter e da natureza da febre, mas também para observar se é à sangria ou ao emético que se deve recorrer. Já em outra parte se disse, que epidemias há onde o acesso da terçã é o princípio da maligna. Reconhecendo-se que a inflamação predomina, fazem-se duas sangrias antes de se recorrer aos eméticos e purgantes brandos e segue-se com os diluentes e os refrigerantes. Prescreve-se lhes fora do acesso o uso das limonadas e do ponche. Observa-se que, para este gênero de febre, o melhor veículo da quina é o sumo de limão ou de laranja agra, usando-se de limonadas quinadas. A quina só tem lugar despois das evacuações universais. A mudança de ar e o exercício tem curado a muitos. Há quem sobre todos os específicos da terçã dê a preferência à água pura, bebendo-se copiosamente por 3 até 4 dias, sem outro algum alimento. Eu o não tenho experimentado. Pelo que respeita à dieta, veja-se o que se disse da que pertence a quotidiana. Ainda que se suspenda a terçã, nem por isso se suspende logo, ou o regimento de boca, ou o uso da quina. Antes importa muito repeti-la em todos as conjunções da lua, pelo tempo de um mês, para evitar a recaída.

A perniciosa não espera pelas evacuações, como a benigna para receber a quina. Tanto erro é antecipá-la nesta, como deferi-la naquela. Antecipa-se na dose de uma onça, entre uma e outra sezão, tomando-se a dose ordinária de 1/8 de duas em duas horas. Outros a tomam toda junta, e ainda mesmo na sezão, despois de passado o frio. Ajunta-se lhe o ópio e o nitro, quando é convulsiva, os vesicatórios devem ter lugar nas afecções soporosas; as que produzem hemorragias e coliquações requerem a quina misturada com a terra lemnia, a pedra-ume, o vitríolo etc. Terminada a perniciosa, então se devem de fazer as evacuações, que pela urgência dos sintomas, se deixaram de fazer a tempo.

 

(b) ____ AMERICANO

O mesmo, que o da quotidiana.

quartã

É a que repete de quatro em quatro dias, sendo os dois intercalares de descanso. Pertende-se que toda a sua inflamação e putrefação resida no sangue; em ele sendo melencólico e atrabilar. E com efeito se observa, que os melencólicos, os velhos e os obstruídos são os mais sujeitos a ela. Fala-se da quartã essencial e não da sintomática, procedida da afecção venérea, do escorbuto, da caquexia etc.

 

sintomas

(a) Frio extenso e molesto;

(b) A cor da face achumbada;

(c) Apetite extremo;

(d) Pulso duro, na progressão do paroxismo, grande, veloz e desigual;

(e) Calor e sede;

(f) O sangue, que se tira pela sangria, coberto de uma crosta amarelada ou esbranquiçada;

(g) Ourinas tênues;

(h) Terminação por suores, que ora são mais, ora menos copiosos, por dejeções denegridas ou por algum fluxo hemorroidal, quanto a sua duração.

N.B. – Que ainda que diga Sydenham, que ela senão cura em menos de seis meses, que é o mesmo que diz o Dr. Pereira, assegurando ter observado algumas de vinte anos, assim como nas obras de Blow se lê a história de uma quartã, que durou outros vinte: não é tão geral esta regra [89], que lhe não saiam ao encontro muitas exceções. É verdade que o que algumas vezes parece uma suspensão total do seu curso, não é mais que uma longa intermissão, como provam as recaídas; porém também é verdade que na maior parte delas é culpada a transgressão do regimento, por se impacientarem os enfermos com a severidade da dieta.

 

prognóstico

A quartã legítima sendo tratada sem impaciência, por mais longa que seja a sua duração, não oferece perigo que recear. Algumas queixas se têm desvanecido com ela, como são a obstrução, a epilepsia, a hipocondria, a gota e outras. Diz-se que os a que padecem, vivem muito. Tudo ao contrário do que sucede, em a suprimindo intempestivamente, ou cometendo-se excessos, e irregularidades, em quanto ela dura. Então ela mesma produz a hipocondria, a icterícia, a hidropisia, as obstruções cirrosas etc.

 

curativo

(a) ____ EUROPEU

Consiste em ter o olho atento sobre o efeito que sucede nos dias de descanso. Porque se o enfermo se sente vigoroso e restabelecido, de nenhuma forma se deve logo proceder a uma supressão intempestiva, antes deixá-la depurar o sangue, enquanto ele mostrar que necessita daquela depuração. Não assim, se os efeitos que mostra a observação são opostos aos indicados. Então é que tem lugar a repetição dos eméticos e purgantes dados no dia da quartã seis horas antes do acesso, precedendo aos febrífugos os diluentes e os temperantes, e subministrando-se a quina, ou como curativo, nunca antes da aparição do sedimento laterício, no que convém com a quotidiana, ou como preservativo, até seis onças ao todo, tomadas na dose de uma outava por cada vez nos dias dos aspectos lunares.

 

N.B. – A quotidiana, a terçã e a quartã descritas são as que se dizem símplices, porque não têm mais que um período dentro nos termos de suas repetições. Porém quando elas o duplicam, então se dizem dobles. A quotidiana se dobra, quando no mesmo dia e sem ainda ter terminado o primeiro acesso, sobrevém segundo, com segundo frio. Pela mesma forma, a terçã é doble, quando no segundo dia, que devia ser livre, sobrevém nova febre, com os sintomas e horas correspondentes a do quarto, ficando a do primeiro dia correspondendo a do terceiro. Ultimamente a quartã se duplica todas as vezes que ao segundo dia sobrevém uma sezão, que corresponde a do quarto. Elas não somente se duplicam, mas também triplicam e seguem outras variações, que tanto mais instantemente pedem um pronto-socorro, quanto mais perigo anunciam. Em cujos termos, assentam os práticos – que nem se mudem as indicações, nem os remédios, mas que se acelere o seu uso e se aumentem as suas doses.

 

remitentes

São umas febres estas, que descem, que principiam até que acabam, jamais se despedem e deixam livres aos enfermos. Parecem-se com as intermitentes, porque principiam, como elas, por frios, aberturas de boca, espreguiçamentos etc. Porém como não têm verdadeiras intermissões, nisso diferem delas. Semelhantemente como em umas horas se aumentam e em outras se diminuem, nisso diferem das continentes. Participam portanto da natureza de umas e de outras, e conseqüentemente são umas febres complicadas, que se devem regular por uma sábia escolha de remédios, sobre a variedade das circunstâncias emergentes. Pela ordem de seus crescimentos e declinações, distinguem-se nelas a quotidiana, a terçã e a quartã. Ultimamente as intermitentes muitas vezes degeneram em remitentes e estas naquelas.

 

sintomas

Vejam-se os que se têm notado nas intermitentes, juntamente com o que acima fica dito:

Advertindo-se porém que:

(a) O frio que precede esta febre é ligeiro;

(b) O suor que a termina é copioso;

(c) Na remitente irregular, costumam aparecer alguns vômitos, diarréias, convulsões e dores semelhantes as pleuríticas e reumáticas.

 

prognóstico

Da remitente regular prognostica-se o mesmo que da intermitente. As suas crises são por ourinas, cursos e suores. A irregular corre perigo de se fazer inflamatória e degenerar em maligna. Quando corresponde à quartã, nenhum cuidado pareça demasiado, porque pode degenerar em febre lenta, marasma e hidropisia.

 

curativo

A sangria e o emético, convém muito ao princípio da enfermidade. Prosegue-se felizmente com os ligeiros diaforéticos, os diluentes, os temperantes e os amargos. Sobre a quina, já repetidas vezes tenho dito que, para não fazer mal em vez de bem, supõe, por via de regra, que estão feitas as evacuações universais. Por este método, se convencerá a gente preocupada, que o que se imputa ao seu uso deve imputar-se ao seu abuso. O que dela disse o Dr. Pereira é o que lhe mostrou uma experiência consumada e, como não é obra aquela que por aqui se tenha visto, leia quem quiser os parágrafos que julguei necessário transcrever do seu método de usar da quina.

§ 540. Los impedimentos dirimentes de la quina, presentes los cuales, ella es inútil, ó nociva, son absceso, inflamación, obstrucción, escirro, tubérculo cáncer, entrañas corruptas y cachochilias de otras enfermedades.

§ 541. La cuantidad necesaria de quina para curar, y precaver las tercianas es de tres, ó cuarto onzas, en sustancia, su dosis regular es una drama.

§ 543. El vehículo de la quina se puede acomodar a los síntomas, y al temperamento del enfermo; puede combinar-se con opio, en casos de dolores, y convulsiones; con acero en casos de obstrucciones con purgantes cuando la cachochilia, y brevedad urgen; pero después de su ultimo uso, no convienen purgantes por no irritar, y renovar los espasmos.

§ 545. La quina es un vegetal, cuyo uso jamás daña á la vida, antes fortifica sus funciones todas, preserva su corrupción, y la alarga; no produce las obstrucciones, las hipocondrías, las hidropesías, las héticas, y otras enfermedades que falsamente se le atribuyen, antes las cura á estas mismas enfermedades en si mismas, y en sus causas, curando las tercianas, de quien ellas son efecto.

§ 546. Su abuso, y mal método de no dar la legitima, de darla antes de tiempo, en sustancia, cuando debe ser en tintura, en corta, ó excesiva cuantidad, sin la preparación conveniente, sin el menstruo, é vehículo propio, al enfermo y á los síntomas puede acarrear algunos daños mas, ó menos difíciles de remediar.

 

Obstrução

Eis aqui uma das enfermidades em que degeneram as intermitentes, quando, ou se não se faz caso delas, ou se tratam mal, pelo abuso dos febrífugos e outras muitas desordens e excessos que se cometem durante o seu curso. Viu-se, pelo que fica dito, o que eram aquelas febres; agora se verá o que é a obstrução – sempre (diz Heister) que o líquido sangüíneo e linfático, destinado a circular perenemente por todos os vasos e condutos do corpo humano ou se encalhe nas extremidades arteriosas, ou não possa em razão de sua viscosidade, ou por falta do devido movimento, separar as partes úteis, ou expelir as inúteis, pelas glândulas destinadas a um ou outro ofício, em conformidade das leis naturais mecânicas; então deve resultar a obstrução, da qual ao despois dependem muitos e diferentes males... Para que não haja embaraço algum na saúde é preciso que a força impelente e expelente, seja bastantemente vigorosa e que as partes que devem franquear o passo aos fluidos, como também estes que devem transitar por aqueles, se achem em uma boa disposição, porque se a liberdade de ir e voltar, se estorva aos líquidos que devem continuamente mover-se, necessariamente, deverá seguir-se obstrução. De maneira que a causa de tudo isto ou consistirá no movente, ou nos canais, ou nos humores que devem circular, ou em todas estas diferentemente combinadas.

Donde se segue que sendo os embaraços e encalhes que constituem a obstrução, ou sanguíneos, ou linfáticos, de cada um deles se deve aqui produzir uma idéia distinta e separada.

 

Sanguíneos

Ocupam principalmente o pulmão e o fígado; os seus ataques são rápidos e comumente acompanhados de dor e de um calor particular a esta espécie de encalhe. Atacam a gente moça e os pletóricos, nos quais se verificam mais ou menos as suas causas próximas e remotas.

 

Causas

(a) Plenitude de vasos dependente de muitas causas que podem ser:

(b) Supressão de fluxos de sangue habituais;

(c) Vida ociosa e poltrona;

(d) Excandecência do sangue;

(e) Abuso do vinho e dos licores espirituosos.

 

Sintomas

N.B. Que os dos encalhes sanguíneos quaisquer eles sejam, ou do peito, ou do ventre, todos se equivocam com os da inflamação.

Pelo que, não são tão fáceis de conhecer, como se pensa, quanto ao assento do encalhe, alguns sinais há, que ajudam a conhecê-lo. A opressão, por exemplo, indica o encalhe do pulmão. A dificuldade de engolir indica o da faringe e do esôfago etc.

 

Prognóstico

O simples encalhe sanguíneo muitas vezes chega a dissipar-se em 24 horas, no que difere da inflamação que tem de terminar se, ou pela resolução, ou pela suporação, no que se passam até 7 dias e mais. Contudo de se não fazer caso dele, ou de o tratarem mal, o que resulta é degenerar em inflamação, obstrução cirrosa etc.

 

Curativo

Quando não basta a dieta, o repouso e uma copiosa bebida de água, então se recorre à sangria, lançando-se mão dos diluentes, os adoçantes e os temperantes. Também aproveitam os cristéis laxantes. Basta, pelo que respeito aos embaraços sanguíneos.

 

Linfáticos

Se eles dependem da linfa e não de outro qualquer humor, é questão à parte com que se não envolverá este artigo. Sabe-se que ordinariamente ocupam as glândulas e as vísceras, e em todas se formam obstruções, porém mais freqüentemente no fígado e no baço. Estas abundam de vasos onde entram muitos que são pequenos e estreitos, e por qualquer leve causa se obstruem e ficam entupidos, são sujeitos a elas os melencólicos, os flegmáticos, os caquéticos etc.

 

Causas

(a) Degeneração de

1 – Caquexia

2 – Encalhes sanguíneos

3 – Inflamação

4 – Febres intermitentes

5 – Estancamento de fluxos e outras quaisquer perdas de sangue habituais

6 – Erupções recolhidas

(b) Falta de exercício, como a que se nota na gente literata, nos encarcerados, nos que andam longo tempo embarcados, nos obesos.

(c) Meditações assíduas e todo o gênero de trabalho e de inquietação de espírito.

(d) Digestões viciadas.

(e) Alimentos grosseiros e em tudo semelhantes aos que constituem o quotidiano passadio dos habitantes de Mato-Grosso; quero dizer, a farinha, ou o biscoito de milho socado despois de amolecido e entrado em fermentação, dentro em água, onde adquire um cheiro e sabor azedo. O mesmo milho, cozido em grão e sem sal, que é o que já disse que se chamava canjica. O feijão cozido com demasiado toucinho, comumente mal salgado, por ser excessivo o preço deste gênero. Pela mesma forma, a carne de porco, que é a que chega a todos, porque todos tratam daquela criação, para com ela suprirem a falta da carne de vaca, ou fresca, ou muito mal salgada e seca ao sol. A batata, o cará, o inhame, o aipim e outras raízes flatulentas que se cozem para se comerem, ou símplices, ou misturadas com mel de engenho.

(f) Abuso de bebidas nutrientes, como são o chocolate, a ialéa[90] de mãos de vaca, o mesmo leite bebido assiduamente, em copiosas porções, ou ainda tépido, assim como o mungem das vacas, ou frio e quase sempre engrossado com um punhado de farinha de milho.

(g) Águas empoçadas e lodosas principalmente as argiláceas, que se bebem impuras, como se tiram das margens dos rios, dos ribeiros e dos lagos, onde se despejam muitas imundices e nem sequer praticam a cautela de as coarem, antes de as beberem.

(h) Quotidiana umidade, como a que experimentam, os habitantes de lugares baixos e úmidos, os oleiros, os escravos das lavras de ouro e todos quantos trabalham com corpos nus e expostos ao tempo, e com as mãos e os pés dentro de água. Pisar na terra fria com os pés descalços, não estando acostumado. Enxugar a roupa no corpo ou deitar-se molhado. Dormir descoberto em macas, exposto ao sereno da noite etc.

 

Sintomas

 

(a) Face desfeita em a maior parte dos obstruídos, descorada, pálida, ou de uma cor amarela e esverdinhada, como o da cidra, em se a obstrução estendendo a algum duto biliário. Outrossim mostram, o rosto desfeito, porém as maçãs encarnadas. Muitos o apresentam inchado como os pés;

(b) Olhos pálidos por dentro e inchados por fora;

(c) Boca seca, língua saburrenta;

(d) Sentimento de peso e de gravâmen nos hipocôndrios e na região do estômago e do fígado, logo despois que se come;

(e) Uma dor surda na parte obstruída, que se aviva mais pelo tato.

(f) Elevação e dureza das vísceras obstruídas. Porém:

N.B. 1º Que elas nem sempre aumentam de volume; antes, algumas vezes, se diminuem e se desseção, como sucede ao fígado.

2º Que da mesma elevação e dureza, qualquer que ela seja ou do fígado, ou do baço, ou do mesentério, também nem sempre se pode ajuizar, pelo tato, como v. g. em sendo o sujeito obeso, em se profundando mais a obstrução, em se ela achando muito no princípio etc.

3º Que fora destes casos, em toda a gente magra, mais facilmente se apalpa a referida dureza, ou como diz o vulgo, a táboa, que a oprime; porque então a dor, ou a dureza que aparece, quando da parte direita se apalpa brandamente o vão que medeia entre as costelas mendosas e o estômago, junto da arca do peito; estando o enfermo em jejum e deitado de costas com as pernas encolhidas, manifesta a obstrução do fígado; a da parte esquerda, indica a do ba[ç]o; a do embigo e sua circunferência a do mesentério.

(g) ânsias e palpitações do coração ou da região do embigo, a que no Pará se chama puruã-titica

(h) Fastio e digestão laboriosa.

(i) Opressão e cansaço ao menor exercício no andar e muito mais no subir; donde resulta inclinação à preguiça e complacência em estar deitado e sentado etc. [91]

(l) Respiração contraída e acompanhada de tosse, quando padece o fígado ou o baço

(m) Pulso quase sempre febril, porém mais, depois de comer.

(n) Pés inchados

(o) Ourinas descoradas ou biliosas, por afecção ictéria.

(p) Fluxos do ventre, da mesma cor que as ourinas.

 

Prognóstico

A obstrução que se reconhece logo a princípio é fácil de remediar-se. A inveterada e cirrosa é das mais rebeldes enfermidades que se oferecem a tratar. Oprime as partes vizinhas e excita nelas inflamações, suporações, gangrenas etc. Com tudo vê-se por todo o Brasil viver longo tempo com esta enfermidade, em se lhe fazendo seu tal, ou qual tratamento. Os cirros do baço são menos perigosos que os do fígado e do mesentério. Os que aumentam o volume da parte e os dolorosos são mais fáceis de curar que os seus contrários, os que manifestam uma dureza grande, sem alguma dor, são incuráveis. De sua incurabilidade se segue a atrofia, a hidropisia etc.

 

Curativo

(a)__________EUROPEU

Pede esta queixa um tratamento sábio e moderado.

Examina-se logo ao princípio se o enfermo estava habituado a alguma evacuação de sangue, como por exemplo, o fluxo hemorroidal, a pensão lunar nas mulheres, e que esta se lhes suprimisse, donde seja factível que proceda a sua enfermidade: porque nesse caso, aproveitam poucas e pequenas sangrias. Não assim, seja ela se tem feito cirrosa, tenha ou não procedido da referida supressão. Adietam-se os obstruídos com alimentos símplices e de fácil digestão; fazendo as devidas reservas, tanto sobre a qualidade, como sobre a quantidade de alimento. Tem-se um particular cuidado na pureza da água que se bebe; ou seja, da chuva, ou da fonte, ou do rio. Sendo do rio, manda-se encher o pote ao fio da correnteza e não nas suas margens, que sempre são impuras e lodosas; e ainda isto não basta, porque em não havendo outro meio, ou seja, para a destilação, ou para a transcolação, côa-se qualquer que ela seja, por uma retalho de baeta, que se põem sobre um guardanapo de linho ou de algodão fino, atado na boca de um pote, aonde, ou por si, ou por algum precipitante, se deixa assentar de um para outro dia, algum pó sutil que possa ter escapado. Também se ferra a que se bebe durante o uso de tônicos. Empregam-se os [eméticos] e purgantes brandos, e não os irritantes. Tomam-se muitos diluentes, temperantes, hepáticos e aperitivos; a tisana de cevada, com raízes de chicória e de almeirão, o soro de leite com sumo de grama; o aipo, o eríngio, a escolopendra[92] e o mastruço, o ruibarbo e o aloé(s);o sal bórax e dito amoníaco;o tártaro vitriolado, o sal de duobus etc. Um cozimento que aproveita muito o bebê-lo tépido por 6 até 8 dias, despois de tomados os purgantes, bebendo-o o enfermo duas vezes ao dia, de manhã em jejum, e de tarde ao pôr-do-sol, é o que se faz pela maneira seguinte: de raízes de salsa das hortas, funcho, artemija, grama, borragens e aipo, de cada uma duas onças; folhas de agrimônia, douradinha, borragens e hissopo, de cada uma, onça meia. Fervem-se em duas canadas de água, até ficarem em uma e, coado tudo, se lha ajunta meia libra de açúcar, com que continua a ferver até diminuir meio quartilho e, segunda vez coada, se lhe ajuntam duas onças de oximel para se ir bebendo na dose de seis onças por cada vez. Prossegue-se quando é preciso, com os incisivos, a goma amoníaca[93], o sabão, o mercúrio doce e, sobretudo, as águas minerais, aonde as há, ou sejam frias ou quentes[94] a que chamam caldas ou frias. Ultimamente o ferro só tem lugar despois dos remédios acima e de estar bem adiantada a cura, para se não verificarem as funestas conseqüências que resultam de se precipitar o seu uso. Algumas obstruções tenho eu curado durante as minhas viagens, aplicando aos já purgados e diluídos, os remédios da seguinte fórmula: diagrídio e açafrão, de cada um, grãos doze; clamulanos, outava meia; olhos de caranguejo, quina, canela em pó e sal de losna, de cada uma, outava uma. crocus martis aperientis, outavas três, xarope comum quanto baste para fazer massa que se reparte para nove vezes em doses iguais, entremeando-se assim é preciso, dia de descanso. Recomenda-se, como muito necessário, o moderado exercício de pé, e ainda melhor o de a cavalo. Pelo que respeita aos medicamentos externos, algum proveito se pode tirar dos banhos e das fomentações emolientes; e ainda que pouco se devam esperar dos tópicos resolutivos, também não há cousa que encontre o seu uso.

 

(b)___________AMERICANO

Que nem os índios nem os negros façam caso algum desta queixa, quando ela está no seu princípio, ou ainda nos termos de dissipar-se, passe que assim suceda porque enfim não entendem mais. Porém, que os mesmos brancos não olhem para ela como enfermidade de conseqüência, podendo ela tê-la bem funesta, em se não atalhando a tempo, descuido é este que bem merecidamente o pagam com a própria morte. Quando a maior parte deles se lembra de tratar dela, é quando já está cirrosa e reduzida à notória incurabilidade. Assim se está vendo, que principalmente os índios remeiros que voltam desta para a capitania do Pará, despois de aqui terem estado algum tempo, ali vão morrer nas suas povoações de obstruções cirrosas, que terminam por marasmas, hidropisias etc. O que lhes não sucederia, se se curassem a tempo de poder aproveitar-lhes o curativo do país. Também nele algumas vezes se sangra, quando tem precedido supressão de evacuações habituais, e não estando a obstrução adiantada. Abstêm-se os obstruídos de alimentos grossos e flatulentos, o angu de milho, o feijão, a canjica, a carne de porco, o toucinho etc. e a fazem se, enquanto enfermos, a uma dieta líquida. Aos bebedores de cachaça ou de outra qualquer aguardente seriamente se lhes adverte que se abstenham dela, porque de semelhante bebida se formam muitas obstruções, e despois de formadas, passam a hidropisias que se terminam com a morte. Uma vez que se abstenham dela e de vênus, purgam-se primeiramente com um até dous vomitórios, ou de cinco até seis grãos de tártaro emético, se é pessoa robusta e de menos porte, ou de 40 até 60 grãos de ipecacuanha, conforme a constituição do sujeito e o estado das primeiras vias. Quero dizer que em se não removendo com o primeiro vomitório, o fastio, os amargores de boca e o enchimento ou a dureza do estômago, então se repete segundo. Porém, tendo-se obrado bem com o primeiro de maneira que fique evacuada a primeira região, segue-se algum purgante de ruibarbo, e ainda mesmo a jalapa[95] em pó, desfazendo-se em meia tigela de água morna, ou de caldo de galinha, a mistura de duas oitavas de qualquer dos sobreditos purgantes, com duas colheres de melado fino, para se tomar por duas, ou três vezes, em dias alternados. De então por diante, principia a bebida de algum cozimento desobstruente que se proporciona as circunstâncias do enfermo. Tais são os que andam receitados em alguns tratados médico-cirúrgicos, que sobre o curativo das enfermidades do Brasil, tem escrito alguns cirurgiões, mais e menos iluminados. O cozimento que mais comumente se pratica, é o que se faz de uma pequena raiz de capeba (que é a mesma planta a que os índios do Pará dão o nome de iaguira-caá, e os daqui pariparoba) duas ou três raízes de salsa da horta, que ainda não esteja espigada, uma de funcho e as de um pé de artemija. Põem-se a ferver em cousa de três frascos de água, que se deixa evaporar até ficar em um, e se côa para se ir bebendo dela. Bebe-se este cozimento tépido e adoçado com duas até três colheres de mel de pão, na dose de seis onças por cada vez, uma de manhã em jejum e outra de tarde ao pôr-do-sol, por espaço de 6 até 8 dias.[96] Sempre que nesta obra se tratar de mel de pão entenda-se do que por aqui se chama de jetaí ou mandaçaia. Sabe-se que em todo o Brasil, há muitas mais castas de mel, mas porém as mais delas, ainda são suspeitas, e [   ] é certo, que são venenosas. Porque causam diversas queixas, como a [ que    ] de nervos [  ânsias      ] de coração [depre     ].  mandori, iojuba, mondaguaí etc. O de mombuca é muito [porém] é azedo. A imirim dá bom mel, porém pouco. A câmora de iraxim [ põem   ] [a comida      ] [ os certos    ] [ que é       ] os naturais chamam [    ].  A mesma água que se bebe por via de dieta, é a em que se coze um molho de raízes de sapé (grama bem conhecida em todo o Brasil) ou a raiz de abutua[97], por outro nome Parreira brava, juntamente com a de capeba, lançando-se na porção que se bebe, de cada vez cinco, ou seis gotas de tintura martis, quando a há, ou de espírito de cocleária. Faz-se exercício, no entretanto, que se bebe o frasco do primeiro cozimento e findo ele, repete-se outro purgante para evacuar os humores diluídos. De maneira que tomando o primeiro frasco, repete-se segundo despois do evacuante; procedendo-se por esta forma, até se desvanecer a obstrução; com a diferencia somente de se mudar de purgante, quando sobrevém excandecência, porque então se lança mão do sal catártico em soro de leite etc. Ao mesmo passo, que se vão dando os purgantes e os diluentes, ajuda-se a natureza com algum cristel laxante, e quem quer, fomenta a parte obstruída com algum dos diversos lenimentos, que para esse fim têm receitado os autores de algumas obras vulgares. Sabe-se que as pílulas que receita o autor do Governo de Mineiros[98], são as seguintes: De azebre bom e goma amoníaca, de cada um uma oitava: diagrídio sulfurado, e [crocus] martis [aperientis  ] de cada um, meia oitava; mirra, almécega, e açafrão, de cada um, dose vinténs de peso, que é um escrópulo; mercúrio doce, bem [dulcificado] meia oitava: [    ] o[que    ] tudo se mistura em pó, e conquanto [bastam     ] pílulas que se tomam por 4 vezes, com [      ]. Miserável da gente pobre e principalmente dos índios e negros escravos, que em toda a parte por onde tenho andado passam por mil extravagâncias. De alguns tenho sabido que, pelo espaço de dous e três meses, se lhes não dera a beber outro remédio, mais que o de duas partes de sua própria ourina fresca, com uma de mel de pão; para cada vez, que o deviam tomar, uma de manhã e outra à tarde. Quando muito, com ele se adoça o cozimento da raiz de capeba, para o beberem, e se lhes subministram alguns clistéis purgativos[99]. Os que mais algum trato lhes dão são os que fazem preceder um até dous purgantes, desfazendo-a, como já disse, em meia tigela de água morna a mistura de duas oitavas de jalapa, com duas colheres de melado fino, para a tomarem por duas ou três vezes, entremeando dia de descanso. Isto feito, receita-se lhes a garapa, que prescreve o sobredito autor, e sem mais custo se dá por concluída a sua cura[100]. Toma-se uma boa rapadura grande [   pulverizada esta] se lança dentro de um destes barris de transportar água no mesmo barril se despeja o cozimento que se tem feito à parte em algum tacho de uma mão cheia de raízes de capeba e outra de raízes de salsa das hortas, e de [  ]jado ele se acrescenta libra e 1/2 de escumalha [  ] ou [  ]la [ borra  ] que se faz em pedra na forja, despois de [      ] se deixa ter dentro no barril, duas [a cada]. Outros nem isso lhes fazem: chamam-nos para as suas cozinhas, aonde lhes dão a comer o mesmo que comem seus senhores. E o caso é que assim se curam alguns, como tenho visto principalmente os que por causa [do] alimento padecem semelhante queixa. Hidropisia consiste na estagnação que faz a cerosidade do sangue, em alguma parte ou cavidade do corpo conforme é a parte em que ela se faz, assim toma diferentes nomes. Chama-se anasarca, a que ocupa a membrana adiposa, e se difunde por todo o hábito pulverizado[101] do corpo. ascites é a do ventre, a qual ou é solta ou enquistada. Estas, e não outras espécies de hidropisia são as que fazem a matéria deste título.

 

Causas da anasarca

Degeneram nela outras muitas enfermidades de diferentes caráter e natureza, ou sejam agudas, ou crônicas. Vê-se que também assim se terminam.

(a) As febres malignas, ardente e quartã.

(b) As bexigas e o sarampo.

(c) As obstruções inveteradas.

(d) A caquexia

(e) A icterícia

(f) O escorbuto[102]

(h) A gota

(i) A asma

(l) Imoderadas evacuações de sangue

(m) Antigos fluxos do ventre

(n) Supressão intempestiva de evacuações habituais

(o) Erupções cutâneas recolhidas

(p) Fontes tapadas, ou algumas chagas e fístulas

Ultimamente nela vem a parar os cirros e tumores internos, os abscessos, chagas etc. Porém além destas, outras muitas causas a produzem, como são:

(q) Fazer vida sedentária

(r) Habitar em lugares úmidos[103] e impuros, como são as casas su[b]terrâneas, enchovias etc.

(s) Demasiar-se em bebida, como fazem os bebedores de profissão, ou seja, de vinho ou de aguardente de uva, ou de cachaça.

(t) Encharcar-se d'água a miúdo etc.

 

Sintomas

(a) Palidez nos olhos, na face e em todo o corpo.

N.B. Que também algumas donzelas a tem, os caquéticos, os valetudinários etc. e nem por isso estão hidrópicos.

(b) Lentidão no pulso, que ordinariamente é pequeno, e para as tardes, febril.

(c) Inchação primeiramente nos pés que ao princípio se dissipa todas as manhãs e, ao despois, vai subindo pelas pernas até aos joelhos e dali por todas as mais partes do corpo, sem algumas vezes escaparem o escroto e o pênis.

N.B. 1ª Que a muitas pessoas incham as pernas, como são as que estão muito tempo de pé, as que fazem longes viagens a cavalo, os convalescentes, as donzelas que padecem cores pálidas, as mulheres pejadas e os velhos sem que padeçam hidropisia.

2ª Que quando da ascites procede a anasarca, podem inchar a face, os braços, e o ventre, primeiro do que as pernas.

(d) Respiração mais ou menos difícil e, em alguns casos, acompanhada de tosse e de sede.

(e) Supressão de suor, ou se o há é muito raro

(f) Ourinas poucas e brancas. Outras vezes são turvas e tintas de cor açafroada.

 

Prognóstico

A anasarca que procede de uma grande evacuação de sangue acidental ou de outro algum sucesso não é difícil de dissipar-se. Ainda a que proceda de evacuação habitual suspendida ou erupção recolhida, com ser mais difícil que a primeira, nem por isso dá o último cuidado. Também o não dá a em que degenera a enfermidade aguda, a febre intermitente etc. Contanto que o enfermo não seja velho, nem falto de forças e de boa constituição. A que sobrevém da enfermidade crônica e tem seu assento nas entranhas viciadas é quase sempre incurável. Também o é a dos velhos, que se alguma vez se restabelecem, com facilidade recaem. Para as que são curáveis, servem de bom prognóstico, o ptialismo, isto é, a salivação natural e abundante e a diarréia, ao princípio da hidropisia, não na que é inveterada.

 

Curativo

(a)______EUROPEU

Aos que são moços e bem constituídos, pode ser útil a sangria, ao princípio da enfermidade. Quando tem havido supressão de mênstruo, ou de fluxo hemorroidal, ela não somente é útil, mas também necessária. Fora destes casos, sempre traz funestas conseqüências, e se ela as traz de si própria, que se dirá das que são numerosas e excessivas? Dir-se-á que essas muitas vezes têm causado as mesmas hidropisias. Os eméticos a todo o tempo são úteis contanto que primeiramente se consultem as forças do enfermo. Da mesma sorte os purgantes, ainda na hidropisia inveterada, alguma utilidade causam, e quando se vê que a não causam, escusado é repeti-los, e debilitar por esta forma a natureza, despois de longos intermitentes, é desnecessário o purgar. Aos que percisam disso, receita-se lhes a jalapa, o ruibarbo, a raiz do íris, o rom, o diagrídio, o mercúrio doce etc. Dos aperitivos, já fica dito no título da obstrução, que são os que desobstruem os vasos. Dos diuréticos, é preciso dizer que são os que merecem a preferência por depurarem o sangue da cerosidade supérflua. Para esse fim se receitam as raízes de chicória, de cerfolho, de rábão de briônia e a cila[104], (ou cebola-albarrã) os frutos de alquenje[105]; o nitro, a terra foliada de tártaro, a lixívia das cinzas de tamarisco, de losna, de zimbro e de vides, o vinho e o oximel silítico; a dose de um escrópulo de pós de sapo, em vinho branco etc. Os stomachicos, os amargos e as preparações do ferro, aonde entram as raízes de álamo e de angélica, as bagas de louro e de zimbro, a cássia línea, a escabiosa[106], os jacintos, a nox muschata, a canela, a quina, o crocus martis aperientes e outros fortificantes, aproveitam mais que os purgantes e muito mais que as tinturas sudoríficas. Uma das ordinárias fórmulas que se encontram por esses manuais de medicina é a seguinte: Summidadis de losna vulgar, onças duas; raiz de cálamo aromático de genciana e imperatória, aná onça uma; bagas de louro, onça uma e meia; de zimbro onças três; semente de bisnaga onça uma. Corta-se tudo, pisa-se e infunde-se por 24 horas em oito libras de hidromel ou bom vinho quente e tem-se bem guardado em vasilha tapada, para se beber na dose de seis onças por dia, duas pela manhã em jejum; outras duas uma hora antes de jantar e as últimas outras hora antes de ce[i]a. Por outra fórmula se manda infundir em duas libras de vinho generoso, três onças de cebola-albarrã recente. Quanto aos diaforéticos externos, eles não têm deixado de provar bem, sendo o suor excitado pelo calor das estufas pelos banhos de vapores e de are[i]a quente, ou ao sol, ou ao forno, pelas esfregações quentes e outros meios. Boerhave aplicava como tópico, o sal comum quente. Em alguns autores tenho lido que muitos enfermos seus se deram bem, usando muito do alho em todo o alimento[107], o que sem dúvida lhes aproveita muito. É usarem de alimentos secos, preferindo [o assado] ao [cozido     e beber a  ] pouca [e a boa    água  ], [sem permitirem  ] um moderado exercício. Outros abstêm-se por muitos meses de beber água, que foi o modo porque em Vila Bela se restabeleceu de todo o defunto Félix Martins Claro, que era homem de acima de 60 anos e ao despois faleceu de muito diferente enfermidade. As águas minerais, aonde as h[á] constituem um dos primeiros medicamentos. Sendo certo que a salivação natural algumas hidropisias têm curado, nenhuma certeza há que possa fazer o mesmo a artificial. Os que se deliberarem a experimentá-la saibam que são sialalogas, isto é, que provocam a salivação as raízes do piretro, da angélica do iambu do Pará, ou jaborandi de Mato-Grosso, as sementes de mostarda; o tabaco, ou fumado, ou mascado, o gengibre, o cravo da índia. Das escarificações nas pernas dos cáusticos e dos cautéricos, recomendam os práticos que só no último caso se lance mão pelo temor da gangrena. A impaciência na dieta logo despois do curativo e a precipitada suspensão dos remédios, principalmente os aperitivos e os diuréticos, e de quando em quando os purgantes, ocasionam as recaídas, que são quase sempre mortais. Por conclusão do que tenho dito, sem se tirar a causa, não pode cessar o efeito. Quero dizer que para o curativo desta e de todas as outras queixas, sem se examinar a causa, donde procedem, não se podem radicalmente remediar. Suponha-se que da afecção escorbútica procede uma hidropisia dada. Será então preciso aplicar os antiescorbúticos, e sem eles, sairão sempre frust[r]adas, tanto as receitas do assistente, como as despesas do enfermo.

 

Ascites

Dá-se lhe entre o vulgo o nome de barriga d'água. Manifesta-se pela elevação do ventre e flutuação do líquido interior, que inunda as entranhas destinadas a quilificação. No que difere da hidropisia enquistada do ventre, porque então está o líquido fechado em um saco, como uma bexiga de água, o que se vê na hidropisia da madre, dos oveiros etc.

 

causas

As mesmas que as da anasarca.

 

sintomas

São principalmente a elevação do ventre, a flutuação do líquido interior e o peso.

N.B. Que a elevação do ventre e a inchação das pernas, por si somente, são sinais equívocos porque a ascites pode complicar-se ou confundir-se com a anasarca, com a timpanitis, ou hidropisia de vento com a prenhez nas mulheres e com a mola. Porém os sintomas da flutuação e do peso, vem finalmente a desenganar do que é. Por mais que se queira dissimular uma prenhez ilegítima, lá se há de vir a descobrir a supressão do mênstruo, o movimento do feto e a elevação nesse caso faz-se mais notável na parte inferior do ventre, do que na superior. Na timpanitis[108] se observa, que o ventre já mais perde a sua figura e volume; e qualquer que seja a posição que se tome, não se sente flutuação nem peso.

 

Ditos da hidropisia enquistada do ventre.

Também se lhe sente flutuação e peso, sempre que é grande o saco ou a bexiga em que está o líquido. E ainda que nem sempre se sinta a flutuação, quando ou a bexiga é pequena, ou o líquido espesso, outros sinais há, que juntamente com o peso e com o volume, ajudam a discerni-la. O hidrópico nesse caso, conserva a sua cor natural, a gordura e o apetite. A inchação do ventre é desigual, e tanto esta como a dos pés e mais tardia.

 

Prognóstico

A ascites no sexo feminino, cura-se mais facilmente que no masculino. Comparada com a hidropisia enquistada, é menos, e com a anasarca, é mais rebelde de se curar. Pelo menos, a inveterada reputa-se incurável. Esgotar-se lhe a água é o menos; porém o deixar ela de se ajuntar de novo é o mais. A água que despois de feita a punção, sai da cor de ourina, anima o curativo; não a que sai limpa e fétida, ou sanguinolenta, purulenta etc. Porém esta é tão rara na ascites, que é solta, como ordinária na enquistada. Se despois de esgotado o ventre, ele [ ao ] cabo de 12, ou de 15 dias torna a encher-se, bem pouca, ou nenhuma esperança deixa de poder remediar-se. Contudo alguns hidrópicos têm havido aos quais se fizeram acima de cinqüenta operações.

 

Curativo

(a) ____ EUROPEU

Despois do que fica dito no título da anasarca, não resta mais por dizer senão, que a repetição dos eméticos tem lugar ao princípio da enfermidade, quando se não tem feito evacuações e o dos purgantes a todo o tempo. Os aperitivos e os diuréticos são os principais remédios de semelhante queixa. Os melhores que tem mostrado a experiência etc. são os fortificantes, os amargos e os marciais acima aplicados para a referida anasarca. Quando nem estes aproveitam nem os mais ali indicados, nenhum outro recurso há, senão o da operação da paracentese. Mas para que ela produza o devido efeito, é primeiramente preciso que as entranhas já a esse tempo se não achem delidas; [e] em segundo lugar, que o assistente o faça nos devidos termos: Primo: comprimindo o ventre, à proporção que se lhe esgota a água. Secundo: conservando-lhe, despois de estar esgotada, a compressão precisa, o que se executa mediante umas ataduras largas e de muitas voltas, as quais devem passar por entre as coxas, de maneira que fiquem as entranhas, quase tão comprimidas como estavam antes. Tertio: reservando antes alguma porção do líquido, para a vazar de outra vez, do que esgotando-o todo da primeira, pelo perigo, a que aliás se expõem o enfermo, quando tem tido o ventre demasiadamente cheio. As utilidades que se seguem de dilatar e conservar a abertura que se faz para a hidropisia enquistada, são duas: Primeira, a de mais facilmente se despejar por ela, todo e qualquer humor que haja, por mais espesso que seja; Segunda, a de se introduzirem, como é perciso, as injeções de tersivas e dessecativas.

 

(b) ____ AMERICANO

Nada difere do europeu, no que essencialmente respeita ao curativo de uma e outra hidropisia. Tomado um até dous eméticos, ou de tártaro ou de ipecacuanha, muda-se para algum purgante de rom, de jalapa, ou de ruibarbo, com mel de cana, pela mesma forma que o tomam os obstruídos. Bebe-se no entretanto o cozimento das raízes de sapé, de picão e de capeba, que são as mais usuais. Porém também se cozem a salsa parrilha, o sassafraz, o jaborandi, as cascas de romã, de limão, de laranja e outros específicos. Para a gente vulgar é que se receita a garapa, de que manda usar o citado autor do Governo de Mineiros. A todos os mais se dão as suas pílulas de azebre; goma amoníaca, crocus martis aperientis etc. Segundo já as mencionei para o curativo da obstrução. As coloquintidas na dose de até 35 grãos, em qualquer veículo que seja, ou no mesmo cozimento acima, têm curado hidrópicos de 60 até 70 anos. Não se descuidam dos suadouros, em banhos de vapores; e para eles preferem o cozimento das folhas de pimenta longa, camará, bassourinha, poejos, salva da terra etc. Os índios e os negros-escravos, por terem a pele mais densa, tomam os vapores de aguardente da terra.[109]


 

Códice 21,2,6-nº 2

EXTRATO

DAS ENFERMIDADES ENDÊMICAS

DA

CAPITANIA DE MATO GROSSO

PELO

DR. ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA (179...)

CUIABÁ 1831

A LEVERGER[110]

 

Em os principaes Rios nomeados da America (diz o autor da Conservação da Saude dos Povos, citando a Brasilica medica de Guilheme Pison) entra por todos os lados infinidades de outros rios menores. Com as continuadas chuvas, depois do mez de Março, todos sahem do seo alveo, inundão muitas terras a roda, á distancia muitas vezes de 3 e 4 legoas: alem destas continuadas chuvas, o clima he inconstante; por todo o anno chove mesmo no dia mais sere[no]; o ceo tempestuozo com trovões relampagos e raios. Mas estas inundações não são simplesmente de agoa; como todas levão consigo immensidade de arvores,ficão nos bordos juntamente com infinidade de peixes e animaes terrestres: quando as agoas entrão no alveo dos rios, os campos ficão cheios de charcos; com o calor apodrecem, morrem nelles os peixes com os corpos dos mais animaes e vegetaes: gera se então immensidade de insectos que todos vem a apodrecer; e como o calor he quotidiano, mais se subtilizão cada dia, até que tudo convertido em vapores e exhalações podres se desvanece na athmosphera.

Desta podridão provem aquellas febres pestilentes, que chamão CARNEIRADAS, nas Minas de Mato Grosso. Da mesma origem vem outros males, tão communs a todo o Brasil como são os insectos mais nocivos a saude, e outras molestias vulgares....

No tempo dos calores, as diarreas e dissenterias apparecem e são mortaes, e quanto mais a sesão dos calores estiver avançada maiores estragos fazem aquellas doenças; porque os ardores do sol tem apodrecido já aquellas materias das enxurradas e estão já todas tão sublilizadas e espalhadas pela atmosfera que ninguem se pode preservar da sua violencia; reinão febres intermittentes, mas de naturesa tão maligna, que se terminão ordinariamente por hydropesia , e esta com a morte; muitas vezes se convertem em febres ardentes com delírios, e morrem por parótides, pintas e carbunculos.......

As enchurradas das agoas que escorrem das serras[111] das cabeceiras dos Rios (diz o Licenciado Ant.o J.e de Ar.o Braga arrastão consigo diversas substancias salinas, terreas, suphureas e metallicas de que abundão as mesmas serras. Os Rios então correm turvos; ainda mais turvos se fazem com as innumeráveis terras caídas que consigo levam as correntezas; e os que por costume bebem daquellas agoas, logo que as tiram dos rios sem esperarem que assentem nos potes de um para outro dia, depoem no ventrículo de cada vez que as bebem um cedimento terreo, o q[u]al obstruindo os orificius de pequenos vazos, o munúa pela celerosis a obstrução, que todo mundo sabe que he hum seminario de outras queixas em que degenera, como são, Palpitações do coração. Cardialgias, Ictericia, Hydropesia, Cachexia etc

Se ao que tenho dito se ajuntar que os moradores das Povoações situadas as margens dos Rios com as immundices q~ nelles despejão, e com as nenhumas cautelas que nelles pra[tica] relativamente ás diversas preparações de seu uso, concorrem pela sua parte quanto podem por inficionarem cada vez mais a agoa que bebem; de nenhum modo se extranhará que tanto perigo corrão suas vidas. Sirva de exemplo, o que por aqui estamos vendo a respeito da Mandioca.Vemos que cada morador a põe de molho no porto da sua roça. O succo cru daquella raiz he hum mortal veneno pa a maior parte dos animaes que o bebem.

O ar pela sua parte, com os effeitos do seu calor he causa de diversas enfermidades. A porção mais espirituoza do sangue todos os dias se dissipa; sahe pela transpiração, pelo suor e pela ourina; o que fica no corpo he hum sangue secco terreo e espesso donde procedem as Melancelias, Lepras, Vómitos pretos, Cameras de sangue, febres ardentes etc.

Appliquem-se a Capa do Mato Grosso as observações que acima transcrevi, e ver se há como de sua constituição physica, naturalme procedem as enfermidades de seus habitantes.

Sendo certo que humas e outras margens do Guaporé e dos seos collateraes são pela maior parte baixas; necessariamente por todas ellas se hão de derramar os rios quando cheios. Consequentemente he então que recebem innumeraveis cadaveres de Quadrupedes, Aves, Amphibios, Peixes, Insectos e Vermes; os quaes misturados com as raizes, troncos, ramos, folhas e fructos das arvores que cahem e apodrecem, [a]lli ficão encarcerados em fossos e lágos, donde os não levão as correntezas; até que o calor do sol lhes volatiza as partes mº sutis, e as espalha pela Atmosphera. Em quanto se não espalha fica o ar demasiadamente denso privado da sua elasticidade e incapaz de entrar nos pulmões; o que causa diversas enfermidades.

Mesmo no tempo da vazante estão vendo os que viajão que pelas suas margens ondeão dilatados prados de differentes plantas aquaticas, principalmente o agoa-pé, a Canna rana, o capim d’agoa, Aninga e outras que em algumas partes atravessão a largura total do rio e embaração a navegação. Grandes lagoas se encontrão nestes territorios que não são mais que huns vastos Arrozaes. As margens dos Rios que tenho navegado, todas são bordadas de innumeraveis arvores e arbustos aquaticos; o Morototó, o Melongó, o Mututi, o Macuuá, a Embaúba, a Bicoiba o Narinari, a Taxiuá, a sumaumeira e outras. Servem lhe de guias q as equilibrão infinitos cipós que se entrelação huns com os outros tantos parecendo todos quando estão floridos, outros tantos festões pendentes que aos olhos do spectador attento offerecem perspectivas mui pittorescas = Ha nestes paizes( continua o Ldo Braga a respeito do Rio Negro) algumas plantas e arvores tão venenozas q instantaneamente matão a quem usa dellas.Taes são o Assacú a Herva do Rato, e o Timbó com que os Indios matão o peixe além de muitas outras, ainda hoje pouco conhecidas pelos domesticos. Dos gentios, he certo, porque o estamos vendo, que do succo das plantas venenosas preparão suas hervaduras. Nem as ditas plantas se crião somente pelo centro do mato, mas também pelas margens dos Rios como o dito Assacú de que os mesmos Indios, ate a sombra receião.

Principia a chover (em Mato Grosso) pelos fins de Novembro e continua até Março; porém são chuvas interpoladas os verdadeiros meses chuvosos são os de Janeiro e Fevereiro. Com as primeiras agoas repontão os primeiros repiquetes da enchente; e já [p]elo meado de Março se declarão os da vazante. Na margem onde está situada a Capital, a enchente sobe ordinariamente 14 até 15 palmos sobre livel da maior vazante. As enfermidades que então apparecem são principalmente muitas febres intermittentes e catharraes, porem sem aquella malignidade que trazem as do Estió. De Março por diante até os fins de Julho e algumas vezes até setembro, reinão de quando em quando as friagens que traz o Sul e são grandes os estragos que fazem. Com estas subitas variações da atmosfera, muito se altera a saude dos habitantes. Por aquelle tempo o ordinário calor do clima a todos elles traz Languides porque lhes promove huma mais copioza transpiração. Conseguintemente nenhum anda apercebido contra estes frios irregulares.

Eis que entra a toldarse o ceo, ventando sul, e por toda parte se diffunde o frio que dura, 2 , 4 até 8 dias ou com chuva ou sem ella. Como todas as casas são terreas e cubertas de telha vão com asparedes de adobes dobrados, maior he o desabrigo que se experimenta. Acodem logo as constipações, pontadas, defluxões catharras etc. Das incussões destes frios participão não só os habit[an]tes das povoações de Rio abaixo, dentro do Guaporé, como também os navegantes do Marmoré e Madeira até a Cachoeira de Sancto Antonio

Em se avançando mais a sesão do Estío (que com o calor do sol se tem exaltado e espalhado pela atmosfera os vapores podres das margems dos Rios, dos Lagos, e das terras inundadas) são infalliveis as carneiradas. Constão da peior sorte de febres podres malignas e intermittentes, corrupções, garrotilhos pontadas , Desenterias e outras moléstias que triunfão da disposição mais robusta e da vida mais regulada. De todas ellas e juntamente do contágio do Sarãp[o] que então pela primeira vez se diffundió em Mato Grosso constou a peste do estio em 1789. Desde o fim de Agosto até o principio de Janeiro de 1790, que ella grassou na villa e nos Arraiaes da Serra de Sº Vicente, fallecerão, que se souberão do livro dos óbitos homens 154, mulheres 47 todos 201. Por toda aquella campanha morrerão muitas bestas muares. Nos mesmos matos apparecerão mortos alguns Porcos silvestres Antas e Veados. Não pouccas bestas e vacas deixarão o Campo e procurarão os Arraiaes algumas dellas com as fauces prodigiozamente inchadas. Da catharral que grassou por Setembro e Outubro de 1790 em que a População total Mato Grosso constava de 6. 465 almas fallecerão homens 113, mulheres 56, todos 169. Abatão se desta somma 55 mortos que couberão a todos os arraiaes do districto e ver se ha que constando a população da Capital de 2733 pessoas tão somente ella pela sua parte dentro em mez e meio perdeu 114 vidas. As mesmas bestas muares se empestão e o mais efficaz remedio que tem monhado a experiência ou como Preservativo ou como Correctivo he o de se lhes sal a comer.

Communmente o Thermometro de Reaumur, dentro em huma caza de telha vaã que pouca differença faz do ar aberto anda por 23 1/2 ate 24º do meio dia por hua hora da tarde. O menor calor que se tem observado he de 9º. Ordinariamente nos dias da friagem anda por 11º1/2 12 e 13º. A variação da Magnete em Março de 1790 foi de 10º N.E. 6 annos atraz era de 9º.

Na collecção das Observações Astronomicas e Phisicas praticadas pelos D.es Astr.os Off.s Engenh.s que he de ordem do Ex mo Sr Luis de Albuquerque reconhecerão o terreno limitrofe, desde os suburbios de Villa Bella se lê a observação seguinte:

Na campanha que fica entre Poente e Sul do curso geral do Rio Jaurú do Registo para baixo e á nascente da Serra do Aguapehy se observarão 12 legoas quadradas de Paiz salitrozo, aonde se encontrão repetidas efflorescencias de sal gemma, humas m[ais] e outras e outras menos ricas. Todo o terreno he alagado na estação das chuvas; mas com pequena despeza e beneficio se poderia conseguir huma feitoria de sal culinar que provesse todo este continente interior. Ha mais de 25 annos que o Velho J. d’ Almeida conhece aquellas salinas e por meio de decuadas e de lixivias extrahio da terra o sal de qe se servia. Mas tres ou quatro legoas mais para a serra, contando de feitoria do dito velho he que encontramos a maior abundancia de salinas aonde só de huma tomamos mais de 2 alqueires medida de Portugal, todo puro em pó branquissimo.

Esta o referido sitio da Tapera do Almeida em 16º 19’ de Lat. e 13 legoas de distancia do Registo do Jaurú. Ha mais dous lugares donde se tira sal, que estão huma legoa distantes hum do outro, vindo o primeiro a distar duas ao sul da dita Tapeira. E passando se outra legoa adiante, aonde está hum pantanal ou a vareda das Pitas, dalli se volta a Poente, para se encontrar outras minas de sal ainda mais copiozas que as antecedentes.

Outras muitas salinas, alem destas se encontrão nas varzeas mais ou menos remotas do Estado que prezente-mente frequentão os q~ passão á Villa do Cuiabá. Por ella tinha antes de mim passado o Dr Anto da Sa Pontes.

Esta grossa Serra (dis elle) fallando da serra do Paraguay em distancia de legoa e meia da Povoação de Villa Maria ao rumo de L. e L.S.E se vai entrar por huma bocaina ou aberta favoravel ) em cada vertente sua offerece agoas salobras e lapidificas; vendo se na Ribeira da Jacobina (4 legoas deps que se entra na serra pela parte do leste) as arvores que estão na vizinhança do rio e do que faz moer o engenho de Leonardo Soares de Sza; com perfeitas incrustações, e dalli até a fazenda de gado do mesmo Leonardo, que são outras 5 legoas, tudo he serra [e] tudo calcareo e salobro e as varzeas assistidas de sal a que os Indigenas chamão Lambedores e se estende esta faculdade salina até o sangrador de Mello. Passado o grande ribeirão do sangrador onde entrão os salgados da Fazenda do Marques e outras muitas, se vai por alagadiços ate o Coutinho etc.

Nos annaes da Camara de Mato Grosso 1770 acha se:

Pelo mes d’ Agosto chegou a esta villa a sempre applaudida noticia certa do novo descubrimento do sal da terra fabricado nas campanhas dos cocaes da Villa do Cuiabá perto da Fazenda de Manoel da Cunha de Abreu, e com tal certeza que já naquella villa tinhão entrado dez cargas delle, tendo cada huma trez quartas e se venderão estas, por serem as primeiras a cinco oitavas.

Este sal pelo que se vio das suas amostras, he tão puro que na alvura compete com o das marinhas; e animada a fabrica pode exceder n agrandeza e quantidade as salinas do Pilão arcado , sitas no Sertão geral dos Curraes da Bahia nas margens do Rio de Sa Francisco que assim como estas dão sal para todo aquelle certão etc.

He certo que examinando pessoalmente esta salina o Exmo Luiz d’ Albuquerque, quando da villa do cuiabá passou atomar posse do governo na Capital de Mato Grosso, reconheceo bem o encarecimento que della se havia feito ao seo antecessor. Porem tambem he certo que ao principio de seu descobrimento se fabricarão bastantes alqueires de sal e ainda hoje annualmente quando estão enxutas as campanhas, o fabricão os Donos da Fazenda de Gado que está no caminho debaixo sahindo se da villa do Cuiabá para o Arraial de S’ Pedro del rei. Está a referida salina digo Fazenda duas legoas acima da mencionada salina, e me disserão os Donos que discende pelo Ribeirão do Bento Gomes até a dada distancia, pela mão esquerda do do ribeirão, ficava a salina, que eu queria ver, e elle todos os annos tiravão 40 a 50 alqueires de sal e que poderião tirar 100 se não tivessem outros embaraços. He huma formoza varzea pela qual estão espalhados huas Palmeiras a que chamão Carandaz, e vegetão bem por todas as campanhas baixas e salinas; em cuja varzea [se] achã dispensas varias reboladas de sal commun e salitre que pelo tempo que do Verão se recolhe e purifica para ser applicavel aos uzos culinares. Tantas e tão diversas são as causas da humidade do Paiz.

Conclua-se do que tenho dito que da perigoza alternativa do [ca]lor e da humidade que se experimenta nas terras baixas da Cap’ di Mato Grosso; he que principalmente procedem as enfermidades dos seos habitantes. Ellas são as mesmas que as das outras partes do Globo onde se verificão as mesmas circunstancias. Consequentemente serão próprias do paiz as Febres que adiante se expoem; a obstrução, a Hydropesia; o Escorbuto, o Catharall, o Fleuriz, a Constipação, o Tenesmo, as Hemorroidas, a Disenteria, a Corrupção, a sarna, a Impigem, o Bócio e outras.

Destas somente he que se tracta como Endemicas que são destes Rios e territorios; exporemos suas naturezas; causas, simptomas e prognosticos e ultimante o curativo medico dellas, especificando se ambos seos methodos, o Europeo e o Americano.

 

Nota.

Limitar-me-hei a extrahir simplesmente o que da o Autor acerca dos prognosticos e o tratamento americano pois o mais tudo, não falta onde se acha %

Aleverger

 

1º Febre continua simples ou continentes

Symptomas.

Dores de cabeça, com inclinação a dormir.

Lassidão acompanhada de dores lombares ou vagas.

O pulso grande, veloz e frequente

A ourina ou natural ou pouco encendida

Dura 8. 15. 24. 48. horas e mais e muitas vezes termina por suores ou hemorragias.

Curativo Americano.

Reconhecendo se que ha Corrupção por haver largueza na via ou por outro qualquer symptoma indicado no artigo desta queixa, he logo o primeiro objecto de que se trata preveni la mediante hum crystel preparado do cozimento ou da Herva de Bicho, ou de tres até quatro Limões azedos (dos Gallegos) a que se ajuntão oito até dez pimentas Comariz, huma colher de assucar mascavado, ou de rapadura em pó e huma pitada de sal moido. Passa se a algum diaphoretico cujo effeito se promove por meio ou de hum pediluvio com agoa simples porem quente, ou de algum banho de vapores do cozimento de flor de laranja ou de cidra; para o que também servem o Mentrasto, a Salva da terra e a Artemija; e sobre elle assenta a bebida de algum chá de violas ou da India, substituindo-se a sua falta com outra qualquer tinctura ou de folhas Herjevão por outro nome Verbena, e por outro herva sacra, ou de Bassourinha, ou de Congonha que he o Mate dos Hespanhoes americanos. Abstem se de todo outro alimento q~ não sejão caldos de Tipióca, Carrimaã, Agoa de arroz ou de milho cozido sem sal a que se chama Cangica. Purgão se com tártaro emetico que he o mais ordinario nestas Minas na dose de 5 até 8 grãos. Raros são os que uzão do Xarope ou do Vinho emetico na dose de 1/2 até 1 onça e ainda da mesma ipecacuanha a que os Naturaes chamão Poalha e a tomão na dose de 48 grãos até huma oitava. Ignorão se portanto os incovenientes do tártaro , e por isso se familiarizão tanto com elle de que se algum purgante de Quintilio de Jalapa, de Ruibarbo, Sal catharzico etc. e sem razão alguma ás vezes preferem os mais fortes aos minorativos havendo aliás nas officinas o Ruibarbo, o Manná e o Senne, e dando se bem no paiz o Tamarindus. Bebese durante a febre o cozimento das folhas de Cuguacu aiá, da Caapiá, da raiz de Fedegozo (que he a Pajamarioba) do Pará) e se he tempo de fructos, refrigerão se com os succos do acaju, do acajá etc.

 

II. Febre podre

Symptomas. Abatimento do corpo e do espiritu.

Dôr e pêzo na cabeça, nas entranhas, nos lombos, nas extremidades.

Sonno inquieto; sobre saltos, ancias, delirio

Vómitos e nauseas ao principio que também a lingoa está humida, branca e saburrenta, porem ao depois se faz árida como toda a pelle do corpo e toma a côr preta.

Pulso remisso e frôxo, que com o calor acre do corpo se faz acre e veloz.

Halito fetido

O ventre; e os hypocondrios intumescido

As ourinas poucas e variadas na cor e na consistencia.

As dejecções tambem fetidas meteorizadas.

Curativo Americano.

Consiste principalmente em huma rigoroza dieta abstinencia de carnes; por via de dieta; e em copiozas bebidas de cordiaes e xaropes ácidos e refrigerantes de Murucujá, Limão, Laranja, Cidra. Bebe se agoa de coco, e os succos a que chamão vinho de cacao de Acajú, de amanas, e come se o mesmo coco verde molle com o qual proveito ao comque se comem differentes frutas; a Romãa a Pitanga a Mangaba, o Araçá, o Tamaracá, o Mamão, o Jaracatiá, o Genipapo, o Marmelo, o Araticú, a Fructa do Conde, a Sôrva, a Banana de Sª Thomé e a Abóbora; ou cruas algumas destas frutas e pulverizadas de assucar; ou cozidas as que podem ser; e ate os mesmos Melões e Melancias. Colhem se todas ellas depois de bem maduras e nunca antes do sol as expurgar da humidade da noute e do sereno da manhã: Porém não para se comerem quentes do sol. São uteis comidas em jejum e exceptuadasas as que são adstringentes aproveitão ms antes da comida do que depois della por sobre meza. De outras muitas frutas se permittem os enfermos as conservas que se fazem do Acaju de Limão e de Guayaba; a marmelada, o jalea de cacao e outras. Purga se com o Manná o Tamarindus, a Batata da Terra e outos minorativos. Ha sobre tudo hum especial cuidado em prevenir o accesso de Corrupção. Veja se o art.º da Corrupcão.

III. Febre Ardente ou Podre Biliosa

Symptomas.

Exacerbações precedidas de maiores ou menores frios.

Violentas dôres de cabeça; insonnias; e algumas vezes ancias, cardialgias, convulsões.

O pulso de duro que he e frequente, passa a fraco e irregular.

Sede implacavel e rebelde a todos os refrigerantes, com hum extraordinario calor interno, e amargura de boca. Os labios e a lingoa sêccos e nêgros.

Vomitos de huma bilis eruginosa; em alguns enfermos tão acre e urente que lhes estimula o esophago e desbota os dentes.

As ourinas incendidas e tanto ellas como as dejecções algumas vezes biliozas como as dos ictericos.

Curativo americano.

Trata se da mesma sorte que a podre accrescentando que os Empiricos attribuem huma particular virtude a hum calculo que se tira do ventriculo do Lagarto Senembi; e o administrão em pó ou em agoa de cidra ou em cozimento de caapiá na dose de meia até huma oitava.

 

IV. Febre Maligna

Symptomas

Pusillanimidade de espiritu e batimento do corpo.

Mudança de physionomia, particularmente dos olhos; q~ os febricitantes abrem como espantados quando os despertão da modorra em que jazem.

Alternativa de frio e calor.

Dôr e pezo na cabeça: E alem desta outra dor que ou he fixa no ventre, no ventriculo etc. ou vaga por todo o corpo.

Extremidades convulsas.

Sopitação de alguns ou de todos os seus sentidos; communmente o de ver, ouvir e gostar, a falla suspensa,

O pulso languido, frenquente e irregular.

A lingua ao principio humida e saburrenta, ao despois arida como queimada, esgretada e tremula. Tem se visto ou natural ou saburrenta, ora sêcca ora humida

Halito fetido.

Suores tambem fetidos ou viscozos.

O ventre as mais das vezes dolorozo, intumescido e meteorizado.

As dejecções fetidas, verminozas e tambem muitas vezes involuntarias.

N.B. Que de outras muitos sinaes he esta febre caracterizada na Europa, onde segundo a diversidade de seus effectos assim toma differentes nomes de Sudor anglicus, Plica polonia etc. quando he circunstanciada de alguma hemorragia ou transpiração podre

Febre Miliar, Pelechial de quando traz consigo diversas manchas pelo corpo ou erupções cutaneas.

Maligna nervoza quando ataca principalmte os nervos.

Castrense, Hospitalicia; Cascercsia, Nautica etc. qdo immediatamente que ataca, ou seja nos acampamentos, ou nos Hospitaes, os Cárcers, as Embarcações, logo sobrevem a gangrena. Da Nautica se experimenta os effeitos, em sendo extemporaneas e morosas as viagens que fazem por muitos Rios do Brazil.

Peste quando he contagioza precedida de erupções carbunculozas bubões, antrazes, e seguida de huma grande mortandade. Alguns vomitão humas fezes nêgras ou verdes. O halito em quaze todos he insupportavel. A maior parte se queixa de huma sede implacavel e hum fogo interno que os abraza. O pulso ou natural ou languido vehemente irregular. Os suores tão pestiferos, que na propria camara do empestado se não pode entrar sem hum grande ressentimento do Olfacto. Ultimamente o que mostra o exame dos cadáveres, são os mesmos estragos que faz o veneno mais refinado.

Curativo Americano.

Veja-se as febres antecedentes.

 

V. Febres intermittentes ou Sesões e Maleitas.

Eis aqui hum dos tributos que pagão as margens destes Rios e principalmente o Guaporé, quase todas as idades, todas as constituições e todos os temperamentos. O seo caracter consiste na sua intermissão, ficando os febricitantes livres de febre por algumas horas ou dias segundo o genero a que ella pertence; porque ou he Quotidiana ou Terçãa ou Quartãa. Chamão se símplices, quando tem hum único acesso dentro no termo da sua repetição; Dobles quando dous; Benignas, quando não envolvem perigo; Perniciosas quando sim; Erraticas quando errão a hora de seu accesso repetindo nos dias costumados; Vagas, quando não tem dia nem hora certa de repetição.

 

Quotidiana

Symptomas.

Cabeça pezada e sonnolenta.

Moimento do corpo em se approximando o paroxismo. Espreguiçar se e bocejar a miudo sem cauza manifesta.

Resfriamento da ponta do lingua nariz e das extremidades. A face, as mãos e os labios pallidos; as unhas lividas; e o frio algumas vezes tão excessivo que nenhum calor he capaz de o moderar.

Dôres vagas por todo o corpo. Peso no estomago. cançaço.

Calor ao principio brando, e afreuencia do pulso moderada porem logo ardente e acompanhada de dôres de cabeça.

A boca amargoza; a lingua saburrenta; e os dentes sordidos.

Propensão a vomito; ou os mesmos vomitos ora brancos ora biliozos.

Ourinas ao principio brancas, cruas e indigestas.

Dura 8, 10, 16 até 20 horas e acaba com suor copiozo e viscozo.

Curativo Americano.

As pessoas de mais conhecimentos e que tem sido ensinadas pela experiencia do paiz a terem grande cautela com os aproches da Corrupção, como de nenhuma couza se receião tanto quanto desta; logo ao primeiro accesso de toda e qualquer febre, o de que primeiramente tratão, he de a reconhecer, mediante algum crystel estimulante de pi-menta Cumariz ou Malagueta. Os indios para estes cazos jamais embarcão sem procedimento de Malagueta em pó e gingibre. E o cazo he, que as mais vezes não se enganão; porque com toda e qualquer febre se introduz a dita Corrup-ção. Feito aquelle exame que he o primeiro na ordem de suas percauções, segue se a segunda de reconhecer o Resfriamento mediante os pediluvios seguidos de fricções quentes e algum banho de vapores de plantas aromaticas, com huma copioza bebida tépida de alguma tisana sudorifica. Taes são os primeiros remedios de que lanção mão os acutelados. Passão immediatamente se vormitario de tártaro  ou de quintilio que são os mais usuaes; poucos usão da Ipecacunha; e gente popular communenete recorre aos emeticos e purgantes indigenos, que alguns tomão ao mesmo tempo, bebendo tepida a emulsão de tres pinhões descascados e pizados. Outros a bebem de nove sementes de Mammona.

Curativo Americano.

Abstem se os obstruidos de alimentos grossos e flatulentos o Angú de milho, o feijão a cangica, a carne de porco, o toucinho etc. e afazem se em quando enfêrmos a huma dieta liquida. Aos bebedores de cachaça oui de outra qualquer agoardente seriamente se lhes adverte que se abstenhão della, porque de semelhante bebida a formão muitas obstruções, e depois passão a hydropesias e terminão com a morte. Huma vez que se abstenhão dellas e de Venus; purgão se primeiramente com hum até dous vomitorios ou de 5 a 6 grãos de tártaro emetico se he pessoa robusta e de menos porte ou de 40 a 60 grãos de ipecacuanha conforme a contituição do sugeito e o estado das primeiras vias. Quero dizer que se não removendo com o primeiro vomitorio, o fastio, os amargores da boca e o enchimento ou dureza do estomago, então se repete segundo. Porem tendo se obrado bem com o primeiro de maneira que fique evacuada a primeira região segue se algum purgante Ruibarbo e ainda mesmo de Jalapa em pó; desfazendo se em meia tigella de agoa morna ou de caldo de gallinha; a mistura de duas oitavas de qualquer dos sobre ditos purgantes, com duas colheres de mellado fino para se tomar por duas ou tres vezes em dias alternados. De então por diante principia a bebida de algum cozimento desobstruente que se proporcione ás circuntancias do enfermo. Taes são o cozimento que mais commummente se pratica he o que se faz de huma pequena raiz de Capeba ( que he a mesma planta que os Indios do Para dão o nome de Yaguira-cáa e os daqui de Pariparoba) duas ou tres raizes de salsa da Horta que ainda não esteja espigada, huma de funcho e as de hum pé de Astemija. Poem se a ferver em couza de tres pascas de agoa, que se deixa evaporar até ficar em hum e se côa para se hir bebendo della, Bebe se este cozimento tepido e adoçado com duas ou até tres colheres de mel de paú, na dose de seis onças por cada vez, huma de manhaã em jejum e outras de tarde ao pôr do sol por espaço de 6 a 8 dias.*[112] A mesma agoa que se bebe por via da dieta, he a em que se coze hum molho de raizes de sapé (grama bem conhecida em todo o Brazil ) ou a raiz de Abutua por outro nome Parreira brava, juntamente com a de Capéba; lançando se na porção q~ se bebe de cada vez 5 ou 6 gotas de Tintura Martis quando a ha , ou de espirito de Cochlearia. Faz se exercicio no entretanto que se bebe o frasco do primeiro cozimento e findo elle repete se outro purgante para evacuar os humores diluidos: De maneira que tomado o primeiro frasco repete se segundo despois do evaccuante; procedendo se por esta forma ate desvenecer a obstrução: com a differença somente de se mudar de purgante quando sobrevem excandescencia, porque então se lança mão do sal cathartico em sôro de Leite etc. Ao mesmo passo que se vão dando os purgantes e os diluentes ajuda se a natureza com algum crystel laxante, e quem quer formanta a parte obstruida com algum dos diversos linimentos que para esse fim tem receitado varios Autores. As pilulas que receita o Autor do Governo dos Mineiros são as seguintes. De azebre bom e gomma ammoniaca de cada hum huma oitava: Diagrídio sulfurado e crocus martis aperientis de cada hum[113]meia oitava , Mina, alméuga e assafrão, de cada hum dous vintens de pezo que he hum seraputo: Mercurio doce bem dulufocado, meia oitava: O que tudo se mistura em pó e com quanto basta de theriaga, se reduz a pilulas que se tomão por quatro vezes em dia intercalar de descanço

 

VIII Hidropezia

Consiste na estagnação que faz a serosidade do sangue em algua parte ou cavidade do corpo. Conforme he à parte em que ella se faz assim toma differentes nomes. Chama se Anasarca a que occupa a membrana adipoza e se diffunde por todo o hábito do corpo Ascites he a do ventre a qual ou he solta ou enquistada

Anasarca

Symptomas.

Palidez nos olhos na face e em todo o corpo.

NB que tambem algumas donzella a tem ao cacheticos os valetudinarios etc. e nem por isso estão hydropicos.

Lentidão no pulso que ordinariamente he pequeno e pr as tardes fébril.

Inchação, primeiramente nos pés que ao principio se dissipa todas as manhãas: e ao depois vai subindo pelas pernas até os joelhos e dalli por todas as partes do corpo, sem algumas vezes escaparem o Escroto e o Penis.

NB 1º Que a muitas pessoas inchão as pernas como são as que estão muito tempo de pé, as que fazem longas viagens a cavallo, os convalescentes, as Donzellas que padecem côres pallidas, as mulheres pejadas, e os velhos, sem que padeção Hydropesias.

2º que quando da Ascites procede a Anasarca, podem inchar a face, os braços e o ventre primeiro do que as pernas.

Respiração mais ou menos difficil; e em alguns cazos accompanhada de tosse e de sede.

Suppressão de suor ou se o ha he muito raro.[114]


 

TRATADO DAS ENFERMIDADES ENDÊMICAS DO RIO NEGRO

 

Sr. Antônio José de Araújo Braga.

Achando-me encarregado por Sua Majestade da história filosófica e política dos estabelecimentos portugueses nesta capitania e sendo os seus habitantes universalmente constante a literatura e probidade com que Vossa Mercê desempenha o exercício de uma profissão, e acredita a doutrina e a prática cirúrgica do hospital real de S. José de Lisboa, de que Vossa Mercê tem a honra de ser aluno benemérito, não posso deixar de me felicitar a mim e de me comprometer desde já o felicíssimo sucesso que terá a minha comissão, pela parte que se me recomenda a história das enfermidades endêmicas e epidêmicas do país, tendo eu a felicidade de nele achar a Vossa Mercê em pregado no real serviço.

Persuado-me portanto que, sendo ele o objeto dos trabalhos e aplicações de Vossa Mercê e minhas, pela minha parte faço o que devo ao serviço e à Vossa Mercê em pedir-lhe com toda a sinceridade literária, queira coadjuvar-me com as suas as minhas observações médicas, visto que a Vossa Mercê, mais privativamente do que a mim, pertence uma escrupulosa averiguação de cada uma das enfermidades, suas causas, sintomas e prognósticos, e visto que, além desta, me estão igualmente recomendadas infinitas outras observações de mui diferente repartição. Antecipo o penhor da minha sinceridade, participando a Vossa Mercê que até ao presente se me não tem oferecido ocasião de observar ou mais ou menos enfermidades, do que as que andam descritas na Brasilia Medica de Guilherme Pinson.

As febres cotidianas, tercãs e quartãs, com as mais intermitentes, verdadeiras, espúrias, não nesta vila, mas nos rios confluentes da parte superior deste em que estamos; e geralmente as cefalalgias, hemecrâneas, oftalmias, odontalgias, cardialgias; alguns estupores, os pasmos, os catarrais, as obstruções das vísceras, a hidropisia, a palpitação do coração, as lombrigas, os fluxos do ventre, o tenesmo, a cólera, a desinteria, o fluxo hepático, as úlceras e inflamação do ânus, e na classe das contagiosas: as bexigas, o sarampo, a qualidade céltica, as impigens, os herpes miliares etc., as quais todas eu tenho observado. Sei que não bastam as minhas observações, e por isso me resolvo, para melhor serviço de Sua Majestade nesta parte, a conferi-las com os professores a que elas pertencem.

Digne-se Vossa Mercê instruir-me não na qualidade das enfermidades, que há seis anos a esta parte tem observado na capitania, mas também na dos corpos naturais, ou sejam animais, ou plantas , ou minerais; os quais aplicados ao corpo humano primeiramente e depois dele ao dos animais úteis, ou lhes conservam a saúde, se estão sãos, ou os restituem a ela, se estão enfermos. Confio também que não duvidará Vossa Mercê comunicar-me a história dos venenos e seus antídotos. Eu terei a honra e a satisfação de algum dia escrever o seu nome no frontispício das suas memórias, para que venha o público no conhecimento do muito que espero que deva aos seus trabalhos, resultando-me então a glória de ter sido o primeiro, vide que desde agora me antecipo a ser de Vossa Mercê muito atento venerador.

Barcelos, 20 de fevereiro de 1786.

Alexandre Rodrigues Ferreira.

 

 

Senhor Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira. O papel incluso que eu tenho a honra de remeter a Vossa Mercê acabará agora de verificar o que antecipadamente lhe ponderei que eu não trataria tanto de desempenhar o encargo que Vossa Mercê se lembrou de me cometer, quanto de obedecer cegamente ao que me ordenou em carta de 20 de fevereiro do ano próximo passado. Nela se impôs Vossa Mercê mesmo a obrigação de defender um papel que, não sendo em sentido algum ditado pela vaidade, é filho da obediência do seu autor. Porque tendo-me eu ocupado em ler e praticar com os enfermos dos hospitais a cirurgia que aprendi no de Cádiz, no de Évora e no de Lisboa, nenhum tempo dei às pensões que estão a cargo dos que destinam a escrever.

Obrigou-me Vossa Mercê a fazê-lo, notificando-me da parte do bem público, a quem assenta que podem ser úteis as minhas observações; eu as deposito nas suas mãos, persuadido de que, quando não assente o público que em escrevê-las lhe fui útil, virá ao menos no conhecimento de que me não faltou nem falta a vontade de o ser.

Deus guarde a Vossa Mercê a muitos anos. – Barcelos, 15 de março de 1787. – De Vossa Mercê muito atento venerador.

Antônio José de Araújo Braga.


 

[TRATADO DAS ENFERMIDADES ENDÊMICAS DO RIO NEGRO]

 

É constante que a atmosfera entre os trópicos é quente e úmida e que estes países são regados de inumeráveis e caudalosos rios. Eles são cobertos de altíssimos arvoredos e pela maior parte tão espessos que quase sempre se não deixam penetrar tanto dos raios do sol como da quantidade de ar que é capaz de sacudir e ventilar os miasmas podres de que a atmosfera se acha carregada. Quanto mais se remonta à sua origem tanto menos espaçosos se vão eles fazendo, menos vadeáveis é aderentes a altas e rústicas montanhas, quando por outra parte, à proporção que eles se dilatam, inundam com as suas enchentes vastas campinas, subindo a alturas consideráveis.

Vêem todos os que viajam que pelas suas margens lhes ficam terras mais baixas e fossos bem profundos, onde se conserva a água todo o ano. Esta anualmente recebe durante a enchente inumeráveis cadáveres de quadrúpedes, aves, peixes, anfíbios, insetos e vermes, os quais misturados com as raízes, troncos, ramos e folhas de árvores que caem ou apodrecem, ali ficam encarcerados até que o calor do sol lhes volatilize as partes mais sutis e as espalhe pela atmosfera. Enquanto se não volatilizam, fica o ar demasiadamente denso, privado da sua elasticidade, incapaz de entrar nos pulmões; o que vem a causar diversas enfermidades.

Há nestes países algumas plantas e árvores tão venenosas que instantaneamente morre quem usa delas. Tais são o assacu, a erva de rato e timbó, com que os índios matam o peixe, além de outras muitas que ainda hoje são pouco conhecidas pelos domésticos. Dos gentios do mato é certo, porque o estamos vendo que dos sucos das plantas venenosas preparam as suas ervaduras para as pontas das flechas, com que matam a caça e os seus inimigos.

Nem as ditas plantas se criam somente pelo centro do mato, mas também pelas margens dos rios, como é o dito assacu, de que os mesmos índios a mesma sombra receiam.

As enxurradas das águas que escorrem das serras das cabeceiras dos rios, arrastam consigo as diversas substâncias térreas, salinas e metálicas de que abundam as mesmas terras. As águas dos rios então são turvas; ainda mais turvas se fazem com as inumeráveis terras caídas, que consigo levam as correntezas; e os que as bebem por costume logo que as tiram dos rios, sem esperar que assentem nos potes, se um para outro dia, depõem no ventrículo, de cada vez que as bebem, um sedimento víscido, o qual obstruindo os orifícios dos pequenos vasos, anuncia pela clorosis a obstrução que todo o mundo sabe, que é um como seminário de outras queixas em que degenera, como são as palpitações de coração, as cardialgias, icterícia, a hidropisia, a caquexia etc.

Se ao que tenho dito se juntar que os moradores das povoações situadas sobre as margens dos rios, com as imundices que neles despejam e com as nenhumas cautelas que neles praticam, relativamente às diversas preparações do seu uso, concorrem quanto podem pela sua parte por infeccionar cada vez mais a água que bebem, de nenhum modo se estranhará que tanto perigo corram com as suas vidas.

Sirva de exemplo o que aqui estamos vendo a respeito da mandioca. Vemos que cada morador a põe de molho no porto da sua roça, sem esta preparação depois de a ralarem, a metem em uns cilindros de esteira que por aqui chamam tipitis, os quais comprimindo a mandioca ralada que tem dentro, a obrigam a escorrer um suco amarelo a que dão o nome de tucupi: este não é venenoso, porque como padece alteração na água onde se infunde pelo espaço de quatro dias, quando é corrente, e pelo de três, quando não o é, vem por esta razão a curtir-se com mais brevidade. O que sucede pelo contrário no suco da mandioca, que não passa por esta fermentação, como com efeito não passa a de que se fazem as farinhas secas; porque enquanto se não azeda o referido suco, é um mortal veneno para todo o animal que o bebe.

Sei, porque vejo que os rios da América não são pequenos regatos e de tão plácida correnteza, que muito poucos miasmas bastem para infeccionar as suas águas. Como porém também sei que são infinitos os animais, as plantas, os minerais estranhados nas terras que fazem as suas margens, não é de admirar que eu reflita no que tenho dito, porque antes de mim refletiram os primeiros e continuam a refletir os atuais moradores das povoações deste rio.

Aqueles que mais cuidado têm da conservação da sua saúde jamais bebem outra água que não seja a que é tirada do meio do rio, onde a correnteza é mais rápida e onde pelo conseguinte não param as imundices que param nas margens, em conseqüência dos despejos domésticos, das lavagens dos corpos, da maceração da mandioca e de outras muitas causas que a todos são notórias. Não contentes com esta precaução, os que são mais escrupulosos filtram a água por um pano fino ou a purificam das impurezas, mediante o alúmen com que as precipitam para o fundo.

O ar, pela sua parte, com os efeitos do seu calor, causa diversas enfermidades. A porção mais espirituosa do sangue todos os dias se dissipa; sai pela transpiração, pelo suor e pela urina; o que fica no corpo é um sangue seco, térreo e espesso, donde procedem as melancolias, as lepras, os vômitos pretos, as câmaras de sangue, as febres ardentes etc.

Eis aqui as enfermidades que se não poderiam evitar por causa do calor e da densidade da atmosfera cotidianamente quente e úmida, a não serem os ventos gerais, os que em uma parte do ano a discutem e agitam, varrendo para fora das povoações as suas atmosferas particulares. O que tanto é verdade, que bem à sua custa o experimentam aqueles que ou seja pela posição das povoações em que vivem, ou pela diversidade do tempo, chegam a experimentar a falta dos referidos ventos gerais.

Eles, contudo, não são os únicos corretores da atmosfera: juntam-se-lhes infinitas partículas aromáticas que copiosamente exalam as plantas e as árvores do país, como são as do cravo fino e grosso, as do puxiriassu e mirim, e a do umiri, que destila uma espécie de estoraque, além de muitos bálsamos naturais que servem de corrigir e embalsamar o ar; não cessando nem as chuvas, nem as cotidianas trovoadas de discutir a maior parte dos miasmas. Se a chuva contudo é diminuta, e o vento cessa, fica o ar muito mais quente, e a terra exala de si um terrível cheiro, e da fermentação que padecem os corpos procedem as diarréias de sangue e passam às desinterias, tenesmos violentos, fluxo hepático etc.

Quando o verão é grande e se aumentam as secas tanto dos rios como dos lagos, fica sendo incrível quanto também se aumenta a podridão por toda a parte, em particular pelas povoações situadas nas costas do mar ou perto delas. Porque a água salgada se mistura com a doce, e pela sua mistura se acelera tanto a putrefação, que não há espécie de enfermidade deste gênero, a que não estejam sujeitos os seus habitantes.

Os índios e os pretos são os mais sujeitos aos dois contágios das bexigas e do sarampo. Assim o provam muitas e muitas antigas memórias deste Estado. O muito óleo de que neles abunda a membrana adiposa assim como serve de modificar a acrimônia dos líquidos nos países quentes donde são naturais, vindo a ser mais doce o leite das pretas de toda a costa da África, e por isso mais próprio para a nutrição dos infantes, assim também ao maior grau de calor se altera e se rancifica mais do que nas brancas, que o não têm em tanta quantidade.

Mas além desta razão há outras muitas que neles concorrem e os habitam para os ditos contágios. Concorre a má vida que levam sempre ocupados em violentos trabalhos, os quais servem de lhes dissipar a porção mais espirituosa do sangue; concorrem os piores alimentos de que usam os quais por mais breves que sejam as viagens, nunca passam das carnes e do peixe mais podre do que salgado, e às vezes tão podre que nem o cheiro se pode tolerar dentro das canoas; concorre a exposição do corpo ao ar ambiente, porque sempre andam nus e deste modo sujeitos as impressões do sol e da chuva, do calor e da umidade; e finalmente concorre o uso das bebidas e dos licores espirituosos, os quais lhes debilitam os sólidos e os fluidos, deixando-os sujeitos a todas as classes de enfermidades que procedem daquela causa.

Os adultos e os menores de ambos os sexos sem exceção de qualidade ou condição, ou sejam brancos, índios ou pretos, todos os rios se lavam no rio duas, três e quatro vezes. Suados como estão se metem na água, e dali adquirem as constipações, cefalalgias ou hemicranias, dores de ouvido, odontalgias e oftalmias úmidas e secas, acompanhadas de diversos fluxos de ventre de maior ou menos malignidade.

Aos brancos, quando se constipam, qualquer suador de água quente basta, a razão é porque não têm a cútis tão sólida como os índios e os pretos, os quais não só carecem de pelos e da mesma porção escamosa, e das rugas ou silhões que regram a matéria da transpiração, mas também são tão lisos por toda a superfície do corpo, que tocando-lhe com a mão na pele se sente como aveludada. Os diaforéticos, de que precisam neste caso, são muito mais fortes do que os dos brancos; algumas vezes não bastam os segundos banhos dos vapores da aguardente da terra.

Não de outra sorte acontece nas bexigas. A natureza pretende exonerar-se ou por si, ou por ajuda da arte, das matérias violentas que a oprimem, expelindo-as para a periferia do corpo; porém quando sucede encontrar nela os embaraços ponderados, então retrocede para dentro de si mesma e por esta causa vem pelo tempo adiante a morrerem empiemáticos os que se não descarregam delas.

Acresce, que dos alimentos dependem as enfermidades dos vermes, entre os quais mais comumente aparecem as lombrigas. Eu as tenho visto no ventrículo e nos intestinos em tanta qualidade que, ainda depois de mortos os que as tinham, as lançam pela boca e pelo nariz, e algumas delas de tão extraordinária grandeza que chegavam a ter o comprimento de dose até treze palmos. Das crianças se sabe que em todos os países são as mais sujeitas a elas.

O que também eu tenho observado por aqui sucede mui freqüentes vezes, é comerem terra, sal, carvão e outras substâncias que obstruem os vasos, donde procedem terem quase todas o abdômen levantado e as cores macilentas, cujo vício se estende a alguns adultos de ambos os sexos.

Da maior parte das doenças reconheço por causa o calor e a umidade. O primeiro rarefaz os líquidos aumenta os seus movimentos, dissipa a substância mais preciosa, chega a impedir as secreções e desordena por todos os modos o mecanismo da vida. A segunda coagula os princípios vitais nas partes mais distantes do coração e diminui a transpiração pulmonar e cutânea.

As variações súbitas de um para outro estado produzem igualmente outras enfermidades, ou seja, aumentando ou suprindo a transpiração; no segundo caso, quando a supressão é parcial e fica retida uma parte da transpiração nos vasos inalantes ou exalantes da pele, sobrevém a sarna, que é mais ou menos grossa, segundo a consistência que adquire a linfa e os sais de que está impregnada. A dita sarna procede de duas causas interna e externa: a primeira consiste nas partes salinas e acresce que se exalam pelo suor; a segunda tira a sua origem de alguns insetos e vermes, que se introduzem na pele. Nas que procedem da primeira causa, incluo os herpes miliares e as pústulas sudorais; também incluo, por ser queixa endêmica do país, diversas qualidades de impigens que poucos são os que as não tenham; e algumas delas tão péssimas, que é preciso tratá-las medicamente, e ainda assim não obedecem aos remédios mais próprios que a arte costuma subministrar. Pela ocasião da enchente ou da vazante dos rios reina os defluxos; esta é uma observação constante, que ao menor repiquete das águas sucedem estas mudanças; ordinariamente principia aqui a encher o rio pelo mês de fevereiro e a vazar pelo de julho. Algumas catarrais vêm acompanhadas de tosses convulsivas, a que não pode deixar de sucumbir as crianças, por não terem forças para a tolerarem, como aconteceu nessa vila no ano próximo passado, em que morreram para cima de 25 em muito pouco tempo.

As cardialgias, as dores do estômago e a colera morbus são mui freqüentes e a maior parte delas acompanhada de sintomas mui funestos, as suas causas são muitas e eu me não ponho a circunstanciar todas. As pessoas de vida ativa não as padecem tanto, como as de vida sedentária; estas transpiram menos, digerem pouco os alimentos, os quais se azedam no estômago e adquirem um ácido exuberante, o qual, tocando ingratamente na túnica interna do ventríloco, excita não só cruelíssimas dores, mas também violentas convulsões. Se a elas se seguem os vômitos, e por ele se expele os ácido que as causava, cessam as dores e o enfermo melhora de sintomas. Mas quando a sua acrimônia se encaminha aos intestinos passa a excitar a cólica, tanto no cólon, como nos outros por onde passa, e com o seu toque os contrai de forma que não dá êxito ao ar contido neles, donde procedem os flatos tão freqüentes nestes sertões.

Deles também procedem as palpitações do coração, assim como dos ácidos demorados no ventríloco, da diminuição do fluido pericardino, ou da maior cópia do mesmo, das obstruções que padecem os vasos e as entranhas de ambas as cavidades do tronco, e finalmente de todo o maior excesso que se pratica no uso da vida moral. Em outros procede da consistência do sangue, como se observa naqueles que, sendo moços e robustos, abusam dos licores espirituosos. As moléculas do sangue se unem tanto que o não deixam circular livremente, e acumulando-se maior porção na base do coração, indica, pela desigualdade do pulso, maior ou menor aceleração. As indigest(aç)ões que por aqui são freqüentes causam a mesma enfermidade.

Pelo que pertence à qualidade céltica, direi, que os seus efeitos se não fazem tão sensíveis neste clima, como no da Europa, porque com o seu calor se promove a transpiração, e por meio dela se dissipa grande parte daqueles vírus, e é preciso que ele seja muito para ficarem os enfermos privados das suas ações naturais, como acontece nos países frios.

As febres diárias, suposto que não são raras, pouco perigo anunciam pelo ordinário: a transpiração insensível e o vício do estômago influem nelas. As intermitentes não são próprias desta vila e as que tenho curado foram adquiridas nos rios do Jupurá e do Uaupês. Todos os seus sintomas eram maus e a sua natureza se revestia de diferentes caracteres, segundo a ordem das suas repartições, porque as tenho visto tercãs, quartãs etc.

E ainda que até o presente não tenha observado nesta vila, nem saiba dos moradores das outras que há neste rio, que sejam nelas freqüentes as febres perniciosas, não deixo de advertir que elas são próprias de outros muitos rios, assim como de outras muitas povoações do Estado. Sirva de exemplo a vila de São José do Macapá, porque suposto que ainda não fui a ela, tenho sido informado pelos professores, que ali exercitaram o seu talento e a sua atividade. Eles me informam que reinam ali todas as qualidades de febres quartãs e tercãs perniciosas e que aos que dela escapam, sobrevêm as cotidianas, quando não terminam por obstruções e hidropisias, que são as enfermidades endêmicas não só dos moradores daquela vila, mas também dos de vila Vistosa e Mazagão.

Ora, sendo certo o que dizem aqueles moradores, que na referida vila de Macapá não haviam as mencionadas febres no princípio do seu estabelecimento, lembro-me de as atribuir à mesma causa, de que elas procedem em Veneza, em Milão, na Pérsia e no reino de Sião, onde se cultiva o arroz. Quero dizer que cultivando-se ele nos pantanais de que constam aqueles campos, onde apodrece a sua palha com o calor do sol no tempo do verão, se elevam da terra exalações tão pestíferas, que causam os ditos contágios. Isto não é increpar a cultura daquele gênero; é sim recomendar aos lavradores o cuidado que devem ter em facilitar a escoanta das águas encharcadas; de não deixarem nas ruas da vila e nos quintais das casas tanto a palha como a moinha do arroz, porque uma e outra apodrecem, e da podridão a que passam resulta o perigo das suas vidas.

A respeito das feridas e úlceras, toda a cautela é necessária para prevenir o espasmo, basta muitas vezes expô-las ao ar, na ação do curativo, basta usar de remédios que se não tenham passado pelo ar do fogo, e basta finalmente molharem na água a ferida, ou qualquer parte do corpo para ele sobrevir com funestos sintomas convulsivos. Assim o presenciou Vossa Mercê que sucedeu nesta vila à rapariga Joaquina, filha do morador Antônio José da Siqueira, a qual, depois de lhe ter tirado um dente, se foi lavar ao rio, donde voltou acometida de um violento espasmo.

Outro ainda pior lhe aconteceu depois do primeiro, sem outra causa mais, que a de se ter lavado dentro em casa, depois de passados cinco dias, que se havia sangrado por uma queda, não estando ainda então absolutamente cicatrizada a cisura da sangria; porém de ambas as vezes teve a felicidade de escapar debaixo do meu curativo.

Apostemou gravemente a cisura da sangria, que aqui se fez à índia Margarida Josefa; examinada a causa se conheceu que o estado da lanceta a tinha motivado, porque nem tinha sido apontada, havia bastante tempo, nem ao menos limpa de ferrugem que neste clima é quase inevitável. Por outra parte como não há oficiais que apontem as lancetas, contentam-se os sangradores de as desgastar nas pedras deste uso, donde resulta que a lanceta fica sendo um instrumento igualmente contundente. Deduzam do referido os cirurgiões do Estado, quanto reflexão é preciso fazer para se resolverem a operar mediante os instrumentos de ferro, quando sem eles puderem empreender e concluir as suas operações, sendo o clima tão disposto e apropriado para excitar os mencionados espasmos.

A paralisia a que chamam berbéris, ou beribéri, acontece neste país pela mesma causa, e do mesmo modo que em Java. A variação súbita do calor para a umidade, a excita nos corpos dos que dormem expostos ao sereno da noite, ou dentro em casa se descobrem, deixando abertas as janelas das câmaras onde dormem. Outra espécie de paralisia tenho eu também observado, à qual se dá o nome de catalepsia, e em português o ar procede da mesma causa; o corpo fica rígido e imóvel, as mandíbulas e os dentes se apertam, a convulsão é universal, e doentes morrem, se se lhes não acode a tempo, subministrando-lhes os remédios próprios.

A maior parte das sobreditas enfermidades é comum ao Estado inteiro; as providências que aproveitam em uma, são as que se deve entender a outra capitania; também não são poucas as que necessitam de aplicar quem estiver encarregado da intendência da saúde. Da cidade do Pará, onde residi pelo espaço de cinco para seis meses, direi que bem pouco cuidado me pareceu, que merecia a conservação da saúde dos povos pelas razoes seguintes:

1ª Porque sendo ela uma cidade situada em um pantanal, cercada em roda de espessos matos, e cotidianamente banhada das águas do mar misturada com as do rio; sendo uma cidade em cuja extremidade existe um curtume tão nocivo pelos seus vapores e em cujo centro existe um forno de cal; o que tudo influi sobre a malignidade da sua atmosfera, particularmente nos meses em que não reinam os ventos gerais; sem embargo de tantas causas juntas, acresce a outra de ancorarem no seu porto sem quarentena alguma as embarcações dos transportes dos escravos, que vêm dos portos de Cabo-Verde, Bissau, Caxeu, Angola e Benguela. Os lavradores que os compram, não poucas vezes levam com eles para suas casas um contágio geral para todas as suas famílias.

E este foi um dos bem fundados receios que aqui nesta vila concebeu o Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas por ocasião de chegar a ela no ano de 1781 uma canoa, em que vinham alguns índios atacados de bexigas. Ordenou-me que as examinasse, e só depois de informado da benignidade delas, consentiu que ancorasse a canoa no porto da vila.

2ª Porque dentro da mesma cidade existe um açougue, onde se sangram as rezes, cujo sangue fica ali mesmo estagnado, além de exporem os couros ao sol para enxugarem, e além de ficarem pelo pátio e pela praia adjacente as vísceras abdominais das ditas rezes; donde procede um tão terrível vapor, que mal o podem suportar os que passam por aquela rua.

3ª Porque os [alimentos][115] de que usa a maior parte da plebe dos escravos, não passa de uma pouca de farinha muito mal beneficiada, servindo-lhe de conduto o peixe-boi, a piraíba, o pirarucu, e as tainhas ardidas e podres.

4ª Porque se despejam nas ruas as imundices das casas, e se espalham as sementes do algodão que se descaroça e as cascas e a moinha do arroz que se descasca nos engenhos daquele uso.

5ª Porque há dolo e má fé nos negociantes de fora, os quais embarcam os viveres para o consumo do Estado, falsificando os gêneros secos e molhados tanto em fraude dos negociantes do país, como em prejuízo da saúde dos que os compram; não sendo poucas as barricas de farinha, ou podres ou falsificadas com gesso; os vinhos contrafeitos, gessados, ou encorpados com diversas drogas que alteram a saúde dos que os bebem.

6ª Porque, apesar da razão e da experiência, prevalece no Estado a reputação e o curativo dos empíricos, os quais afetando de saber o que ignoram, impunemente se constituem árbitros das vidas, sem outra carta de aprovação na arte do que a que lhes passa a credulidade da plebe.

No que contudo me não demoro, porque o reservo para outros, que neste artigo pareçam menos suspeitos do que eu, acrescentando somente pelo que me toca, que se eu, que freqüentei pelo espaço de três para quatro anos o hospital de Cádiz, donde passei para o da cidade de Évora, que também freqüentei outros quatro ; se eu, que pratiquei perto de onze no hospital real de S. José de Lisboa, onde fui enfermeiro e passei a cirurgião fiscal do segundo banco, e se eu, finalmente, que sempre assisti aos enfermos e pratiquei o curativo das queixas, tanto médicas como cirúrgicas, segundo mostram as certidões que me passaram os três médicos, com todos estes princípios de matéria médica, de anatomia e de cirurgia, e com a experiência de tantos anos, não entendo da arte para curar no Estado, que será então daqueles que sem nunca terem freqüentado os hospitais, sem terem aberto um livro, e talvez sem saberem ler possuem as virtudes das plantas, caracterizam todas e cada uma das enfermidades e para alguma delas têm uma erva oculta e um segredo prático, que os empíricos do país o entendem.

Contudo, a necessidade não tem lei, e onde não há médico nem cirurgião, melhor é sujeitar-se o enfermo ao curativo dos enfermeiros que têm uma reconhecida prática do que abandonar-se ao desamparo em que acabam os demasiadamente escrupulosos. Assim se vendo que os cabos das canoas que navegam para Mato Grosso, como a experiência os tem ensinado que as enfermidades que reinam durante aquela viagem, e em todo o distrito daquela capitania, são as febres pestilentas, que eles chamam carneiradas; a corrupção ou por outro nome o bicho, toda a qualidade de sezões; as obstruções, e as hidropisias, cuidam muito de proverem dos remédios mais próprios, como são na classe dos eméticos, o tártaro ipecacuanha; na dos tônicos extrato de china e a dita em pó e o sal de losna; na dos estimulantes contra a corrupção: o gengibre, a pimenta, malagueta em pó, misturada com sal comum, o enxofre e a pólvora. E na dos purgantes: jalapa, o ruibarbo, o quintilho, e na falta deste o pinhão.

E porque tenho falado do bicho, que todo o mundo sabe, que não é mais do que uma corrupção que procede de um vírus demasiadamente acre, o qual se lança sobre o espincter do ânus, e tocando ingratamente o priva da sua elasticidade, relaxando-o de modo que se lhe pode introduzir à mão, direi contudo o mesmo que já está escrito a respeito dele: a saber que os sinais que o anunciam são uma sonolência profunda, dores ativíssimas de cabeça até perderam os sentidos, um grande fastio aos alimentos, o aborrecimento à sociedade, em cujo caso é preciso não perder tempo em se lhe aplicarem os remédios, bem entendido que as sangrias nesta queixa são mortais; se o enfermo não sente os clisteres, que se lhe administram, os quais são feitos da pimenta e do gengibre, e dos mais simples que acima deixo indicado, então recorrem à massa composta dos mesmos símplices, e reduzida em bolas, que introduzem no ânus, repetindo-lhe as fricções que lhe fazem ou com um pano molhado na calda, e enrolado no dedo de quem o cura, ou com um escopeiro[116] que lhe introduzem, quando o dedo não chega até a parte afetada, de modo que se neste caso não chega a dar o doente demonstração alguma de sentimento, tem contra si o prognóstico mais certo da sua morte.

E no curativo desta e de outras muitas enfermidades, andam já tão exercitados os referidos cabos, que cada um deles é um hábil enfermeiro em semelhante viagem, do que me não admiro tanto, como me admirei da facilidade com que a si mesmo fazia a operação de paracêntesis um curioso de cirurgia, por nome José Soares, que para Mato Grosso tinha subido na qualidade de cirurgião, e a esta vila chegou pelas oitavas da páscoa de 1782, o qual tinha sido furado três vezes, e a si mesmo fazia a operação durante a viagem, sem outro instrumento mais do que um prego de meia caverna, suficientemente aguçado.

Tais são as enfermidades que tenho podido observar em uma e outra capitania, sem ter ainda escrito uma só palavra a respeito do que procedem do veneno comunicado à massa do sangue pelas mordeduras dos animais venenosos, entre eles se distinguem as cobras, que os naturais apelidam por diversos nomes, como são o surucucu, a caninana, a jararaca, a jacaranabóia, a arara encarnada, a cobra de coral, dita de cascavel, dita de papagaio verde e outras muitas que ainda hoje se não conhecem. Parece-me que a natureza, atendendo à conservação de todas as espécies, de tal modo confundiu entre si os caracteres das cores e das outras notas essenciais, para um distinto conhecimento das que são, ou deixam de ser venenosas, que sempre da parte do observador fica um não sei que escrúpulo a respeito de todas elas.

O efeito que no sangue faz o seu veneno, tanto que com ele se comunica, não é em todas elas o mesmo; do que se comunica ao sangue pela mordedura da jararaca, se diz que resulta nele um dissolução tal, que é obrigado a sair pelos poros mais sutis da pele e pelos cabelos, pelos olhos, ouvidos, nariz e boca dos que são mordidos. Eu ainda o não vi, porque os quatro índios que, no hospital desta vila tenho agora cuidado de mordidelas de cobras venenosas, o que sucedeu foi coagular-se-lhes por tal forma o sangue que mal se lhes podia perceber no pulso a sístole e a dístole, e com dificuldade saia o que era preciso pela cesura da sangria, sendo necessário bastante fogo para fazer sair quanto devia, em conseqüência das esquilificações. Ao que eu pude ocorrer com facilidade, porque todos quatro escaparam debaixo do meu curativo.

Sem serem as cobras, há outros muitos animais, cujas mordeduras e picadas, ainda que não sejam tão venenosas, não deixam de ocasionar algumas inflamações, segundo a parte do corpo que elas penetram mais e menos, e segundo a figura da ferida que fazem. Tais são as picadas dos peixes mandií, surubim e da arraia; as mordeduras de aranha chamada carangueja, dos lacraios, das osgas, das formigas tucanduras e de alguns outros insetos.

As picadas das vespas, que por aqui chamam cabas, e entre estas as das cabaúnas, são mais dolorosas do que perigosas. A espécie de pulga que em todo o Brasil geralmente se introduz pelos pés dos que andam descalços, e se chama bicho, nenhum veneno tem, nem causa inflamação alguma, quando há cuidado de o tirar, antes de aumentar de massa e de volume; aos pretos porém, quando se descuidam de o tirar, sucede ulcerarem-se-lhes os pés, e ser então preciso um tratamento cirúrgico. Estes são os venenos, que por ora me lembram que procedem dos animais. A erva do rato, o assacu, o timbó e a cauxinga são outras tantas plantas venenosas, que instam pelo descobrimento dos antídotos. Eu passo a circunstanciar o tratamento particular de cada uma das queixas indicadas, não pelo método curativa da Europa, porque dele tratam os livros médicos e cirúrgicos, mas sim ao uso do país, segundo o que Vossa Mercê me recomenda.

Quando as cefalalgias ou as hemicranias procedem de alguma constipação, promove-se a diaforese pelos meios dos banhos dos vapores, que resultam do cozimento das folhas de laranja, do limão, do manjericão bravo, da pajamarioba, cujo cozimento também serve de chá, para o mesmo fim de promover a transpiração. Também se aplicam na testa e nas têmporas os frontais molhados nos cozimentos das folhas de jenipapo e do pau-tamanca, e no sumo do gengibre, ou da abutua, ou da erva teiú, que toma este nome de uma espécie de lagarto assim chamado.

Outros não fazem mais do que aquecer a cabeça ao ar do fogo, ou repará-la do ar com algum barrete de algodão, ou de lã defumado em alguma planta aromática, de entre as muitas que há pelo mato. A algum tenho eu aplicado com felicidade as embrocações de água morna pela cabeça.

Para as oftalmias, que não procedem de causas complicadas, se preparam alguns colírios do cozimento da raíz do cipó, chamado gapuí, da água que destila a palmeira do caraná-assu, do cozimento do pau carapanaiuá; do outro cozimento dos olhos da árvore copaíba etc.

Nas odontalgias que são ocasionadas pelo decúbito das defluxões sobre os dentes, e da corrupção deles, servem de remédios na qualidade de sialagogos a raiz do cipó chamado ambouarembó, e a da outra planta mucuracaá; a flor e a folha do jambu, que na virtude é o mesmo que o piretro, o óleo de umeri em que ensopam o algodão, como se pratica o óleo de cravo, e com ele quando envolvido em algum estilete, tocam a cavidade do dente.

As defluxões com tosse, e sem ela se remedeiam, primeiro que tudo, com a dieta em que se põem os enfermos, e em segundo lugar com os pedilúvios, depois dos quais ordinariamente bebem os cozimentos dos alcaçus da terra adoçados com o mel silvestre e os das flores das perpétuas vermelhas, ou de mamão macho, ou do urucu, como também o da raiz do malvaísco.

Se as dores de cólica procedem da umidade, que algumas vezes se lança sobre os intestinos, obram um bom efeito os medicamentos domésticos. Tais são o gengibre ralado para beberem em água quente, ou em aguardente da terra, da mesma sorte que o puxuri e as frutas da árvores da casca preciosa. No caso que isto não baste, se fazem as fomentações com o óleo de umeri. Também para os vômitos, ainda que sejam pretos, bebem a semente da cupaíba ralada, ou em aguardente como disse, ou em água morna; passam ao uso do leite de peito e, se entendem que precisam de ser evacuados, tomam desde um até quatro grãos de pinhão.

As câmaras de sangue, eu já refleti que, pela maior parte, procediam da corrupção dos alimentos, donde parece que, para se adoçar a acrimônia dos líquidos, devem ser evacuados quanto baste, antes de entrarem no uso de clisteres atemperantes dos olhos do mata-pasto e de pajamarioba e das folhas de caamenbeca. Se as câmaras porém se fazem rebeldes e é necessário suspendê-las, aplicam-lhes os adstringentes que subministram as raízes do araçá, da guiada e da marapaúba e casca da acapurana e outras muitas.

Para as lombrigas são muitos os vermífugos, que tenho visto aplicar. A muitos tem aproveitado o beberem o cozimento das folhas da erva mucuracaá, com as flores da outra erva chamada crista-de-galo. Outro remédio sei eu, que se aplica com felicidade, o qual consiste em uma cataplasma de tabaco de folha com fel de vaca e azebre para se aplicar sobre o umbigo. Porém que mais se usa sobre o Estado, é o leite da árvore cuaxingua. Há duas qualidades delas, e vem a ser a de folha larga e estreita; o leite da primeira é demasiadamente cáustico, por isso não usam dele; diferença-se do segundo, em ser mais viscoso e de uma cor avermelhada.

Do da folha estreita se costuma dar aos adultos a dose de duas até três colheres, e aos menores de ambos os sexos, a de uma até duas. Tomam-se pela manhã e em jejum, e em cima delas ou se bebe leite, para moderar a sua causticidade, ou lavam a boca com água morna. É remédio que requer prudência da parte de quem o aplica; porém o aplicado, como deve ser, produz bom efeito, e dos enfermos que o tomam, uns lançam as lombrigas pela boca, e outros pelos ânus.

Contra o veneno das cobras são tantas as aplicações que se fazem, e quanto a mim tão inútil a maior parte delas, que nem merecem ser indicadas. Os remédios que aproveitam são poucos, e nenhum deles envolve em si o segredo que, a respeito dos seus, costumam impor os curadores. Recomendam muito o cozimento e o lavatório das folhas da erva mucuracaá, o da outra planta chamada pau para tudo, o da casca e da fruta da árvore paranacaxi; porém o seu remédio infalível consiste na pedra, que se faz da ponta de veado ao fogo até se fazer negra: aplicam-se sobre a mordedura ou picada da cobra, e com ela se pega aos lábios da ferida entendem que atrai o veneno que por ela se comunicou ao sangue. Os que isto fazem porém não refletem, que eles mesmos cuidam muito de esqüilificar a parte, ajudando-se do calor da água quente para facilitar a erupção do sangue na falta das ventosas, e quando é preciso, cauterizando a mesma parte.

Contudo modernamente se descobriu na capitania do Pará e erva aiapana, que, segundo Vossa Mercê mesmo me informou, quando chegou a esta vila, a levou para a cidade, o cabo Álvaro Sanches à instância do Dr. ouvidor geral Matias José Ribeiro, e tanto pelo que Vossa Mercê me disse, que já tinha sido experimentada pelo Dr. Bento Vieira Gomes, como também pelo que nesta vila se me tem dito sobre a virtude dela, persuado-me que não deixa de ser um bom antídoto. Ainda até agora a não tive para experimentar como deve; os quatro índios, que já escrevi que no hospital desta vila os tinha curado das sobreditas picadas venenosas, tiveram a felicidade de obedecer aos remédios da arte.

Como a paralisia bereberium procede da variação repentina do calor para a umidade, têm seu lugar os estimulante, que se tomam internamente, além das fricções e fomentações, que se fazem com o óleo de umeri, e [a]lém dos banhos dos vapores da água quente, em que se coze o manjericão bravo, a casca preciosa e alguns outros aromáticos.

A catalepsia não procede de outra coisa; o método mais expedito de a curar ao uso do país consiste em afoguearem a cama, onde jaz o enfermo, e em lhe fazerem por todo o corpo repetidas fricções com panos molhados em vinagre bem quente, onde se infunde a arruda, e dando-se-lhes a beber, ou em água morna, ou em aguardente da terra, os pós do priapo do jacaré. E quase o mesmo se aplica nos estupores, além das esfregações que se fazem na parte estuporada com as mãos untadas em azeite.

A qualidade céltica, quando ataca as articulações dos artos, lhe dão o nome de caruaras: o tratamento mais freqüente e também o mais expedito que lhe costumam dar os índios é o de promoverem a transpiração pelos diaforéticos e o de fazerem nas partes afetadas continuadas fricções com panos de algodão quentes ao fogo. Para suspenderem as gonorréias, bebem o cozimento da casca da raiz do limão azedo, com algumas gotas do mesmo sumo de limão, encorporando com outras de cupaúba. O que daqui resulta, se eles não têm o cuidado de se anteciparem os evacuantes, é declararem-se-lhes os bubões, que eles tratam de transmutar. Evacuam-se com o quintílio e como pinhão, e outros tomam em clisteres os pós do paricá.

Para toda a casta de úlceras venenosas, é remédio geral entre eles o sarro do cachimbo, sobre o qual aplicam as folhas da erva chamada caapeba. As fibras, que têm as folhas dos olhos da pacoveira de São Tomé são as argalhas naturais, que facilitam a erupção de ourina, quando há carnosidade na uretra.

As hemorróidas nem sempre são fáceis de curar com os medicamentos somente de que usam os naturais: elas contudo são mui freqüentes no Estado, e a escandescência que causa o abuso dos licores espirituosos, a acrimônia dos líquidos e as vicissitudes do tempo têm muita parte nelas. Os banhos e os clisteres de água morna, ou do cozimento do malvaísco e da caamembeca e a introdução das mexas, que ou se fazem dos talos da erva babosa, ou de fios untados em manteiga de cacau, são os remédios práticos a que recorrem os enfermos.

As impigens, que eu disse que muito poucos eram os que escapavam de as ter, ou cedo ou tarde, e que não deixam de ser mais ou menos rebeldes de se desvanecerem, segundo elas acham os corpos evacuados ou não, e segundo a complicação que têm com algum vírus venéreo, quando são da classe daquelas que procedem da acrimônia do suor, com facilidade se desvanecem mediante os tópicos que lhes aplicam das folhas dos olhos do mata-pasto grande e da entrecasca da raiz do mesmo macerada em vinagre e também das sementes pisadas em aguardente da terra e da fava da árvore chamada comandaassu.

Pelo que pertence à sarna tenho visto aproveitarem muito os linimentos com azeite de jandiroba, que é muito amargo, e com o enxofre pulverizado. Outros batem em água a raiz do timbó, e com a espuma dele molham a pele, tendo grande cuidado de preservarem as partes genitais, que aliás se inflamam, quando chega a elas. Outros enfim não lhe fazem mais do que esfregá-las com limão azedo assado e sal.

Quanto às obstruções posso seguramente afirmar que elas são nesta parte da América o seminário de muitas enfermidades. De qualquer causa que elas procedam, a experiência tem mostrado aos habitantes, que os eméticos e os purgantes são os remédios pelos quais se deve principiar o curativo, fazendo-se depois deles o devido uso dos tônicos que lhes subministram a água da Inglaterra e o ferro e, habituando-se os que são de vida sedentária, ao moderado exercício. Assim se está vendo que os obstruídos receitam os enfermeiros como emético a raiz da planta manacá e como purgante o pinhão, recomendo-lhes muito a bebida do cozimento da abutua; e do pau-moquém e das folhas do ipadu, que é o chá dos gentios, os quais nunca deixam de ter a boca cheia dele. Com estes remédios e com alguns passeios moderados, quase todos se restabelecem.

No caso de se obstruir o duto cístico colidoco, nas pessoas de vida sedentária, que por outra parte não fazem a mais perfeita digestão dos alimentos, a bílis se derrama pelo corpo, como logo anunciam as cores macilentas, e a icterícia se declara pelo concurso dos seus sintomas. Nenhuma até agora me pareceu mais rebelde aos remédios da arte, como a que ultimamente padeceu nesta vila o Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas. Tendo Vossa Mercê presenciado a origem e o progresso dela, como também o método curativo pelo qual a tratei, bem dispensado estava eu de a circunstanciar neste papel. Como porém ele tem talvez de chegar às mãos dos professores, para lhe fazerem a justiça que merece, sendo verdadeiramente informados tanto pelo estado da dita queixa, como dos remédios que se lhe aplicaram, espero, que da dita informação resulte ao meu curativo aquele crédito que ele dentro nesta vila só a Vossa Mercê mereceu.

Levando as coisas de seu espírito, deve-se logo prenotar, que a Sua Excelência na idade de 10 para 12 anos, tendo-lhe sobrevindo umas bexigas cristalinas, foi aplicada uma dose de tártaro emético, que o reduziu à grande consternação e abatimento das forças pela extraordinária cópia de evacuações superior e inferior que dela resultaram.

Deixo à ponderação dos doutos a reflexão sobre os danos que, ou seja das demasiadas doses, ou da má preparação de semelhante emético, vem pelo tempo adiante a resultar aos que os tomam, chegando as glândulas gástricas a perder muita parte do seu devido elatério, para preencher as funções do seu uso.

Contudo Sua Excelência confessa que desde aquela idade até a de 16 para 17 anos, em que pela primeira vez passou a este Estado em serviço de Sua Majestade, e desde aquela até a outra idade de 24 anos, em que se achava governando a capitania de Piauí, não sentiu aquela dor de estômago, acompanhada de muitas ânsias, a qual experimentou na referida capitania, depois de ter feito, em serviço de Sua Majestade, muitas e muito longas viagens a cavalo, exposto às impressões do sol e da chuva e aos perigos, incômodos que somente sabe e os conhece quem por aqui viaja. As ânsias que lhe sobrevieram o angustiavam tanto que a menor apreensão ou de gosto, ou de desgosto, bastava para acelerar, até o ponto de o obrigar a passear pelo interior da sua câmara, apertando o estômago com as mãos cruzadas sobre ele, para daquele modo sentir algum alívio.

O uso do leite de vaca, observou Sua Excelência que lhe era nocivo, como devia ser; e de todos os remédios que se lhe aplicaram, nenhum chegou a fazer efeito que fez o vinho emético, depois que o tomou por duas vezes. Com ele se desvaneceram a dor do estômago e as ânsias, de forma que quando passou ao Maranhão, para daí embarcar para Lisboa, nada mais padecia do que uma ligeira inflamação nos olhos, adquirida na jornada que fez a cavalo, e exposto ao sol, quando desceu das aldeias altas.

Tendo chegado a Lisboa, e achando-se já então na idade de 33 anos, foi atacado das bexigas, que dessa vez foram bastantes, algumas delas pretas e entremeadas com as cristalinas; porém depois de restabelecido não sentia outra alguma indisposição de saúde até embarcar para este Estado.

Havendo Sua Excelência desembarcado na cidade do Pará, e tomando posse do governo em novembro de 1772, continuou a desfrutar pelo tempo de ano e meio a mesma vigorosa saúde com que havia embarcado em Lisboa, porém sendo obrigado a aplicar-se com excesso e por largas horas das noites em um país tão cálido, em ordem a vencer o trabalho, que de dia somente lhe não cabia na possibilidade, tanto em razão do ordinário e cansado expediente do mesmo governo, como pelas muitas regulações que nele empreendeu e felizmente conseguiu, chegou a termos de se escandecer de forma, que o que primeiro experimentou foram algumas contrações pelo corpo e, depois delas adquiriu a convulsão, que padece nos dois canais do esôfago, e as artéria-pera, na ocasião da deglutição.

Ela o teve sufocado pela primeira vez, e por muitas outras que o acometeu, quando se achava bebendo água ao modo ordinário, e enquanto daquela experiência lhe não resultou o conhecimento de que a devia beber como a bebe por intervalos, para evitar o risco a que se expõem de se sufocar. O ter deixado logo de se sangrar e de tomar outros adequados remédios, por não se poupar ao real serviço, foi uma falta, que desde então influiu muito para vir a ficar com esta queixa habitual. O que Sua Excelência mesmo não deixa de conhecer, porque, lembrando-se agora de ter sido sangrado, depois de passado algum tempo que o havia acometido e referida convulsão, lembra-se também de ter então experimentado algum alívio nela.

Muito tempo antes de largar o governo do Estado lhe aconselhava o Dr. físico mor Agostinho João Printz, que se sangrasse e purgasse; prevenção esta que tanto menos devia Sua Excelência dispensar, quanto mais se aumentava o trabalho que lhe sobrevinha; porque, largando o governo no princípio de março de 1780, passou a experimentar as fadigas e os incômodos que lhe causou a atual diligência da demarcação; fadigas que logo na cidade do Pará continuaram a escandecê-lo sucessivamente, não ousando Sua Excelência acautelar os seus efeitos mediante a dita prevenção, pelo motivo de não retardar a sua pronta partida do Pará, como as reais ordens lhe determinavam: do que veio a resultar que, avizinhando-se com toda a expedição à vila de Santarém, junto a foz do rio dos Tapajós na noite de 18 de agosto do dito ano, foi atacado de uma cardialgia procedida de indigestão, que lhe causou o ter jantado pelas oito horas da noite, sem ter até então comido outra coisa mais pelo dia inteiro do que umas fatias de pão com manteiga e chá, segundo o costume do seu almoço; não tendo Sua Excelência outro motivo mais para aquele incômodo que o do zelo de aproveitar o vento para mais cedo conseguir a sua chegada ao quartel desta vila.

Como desta enfermidade e do curativo dela fez menção no seu diário de viagem o tenente coronel de artilharia Teodósio Constantino de Chermont, o qual então acompanhava a Sua Excelência na qualidade de primeiro comissário da quarta partida da diligência da demarcação de limites, vem muito a propósito para eu me exonerar das suspeitas, que poderá talvez ocasionar a minha informação, tendo tido a honra de ser o cirurgião assistente, lançar eu mão do extrato do referido diário, que diz assim:

Pelas 8 1/2 horas da noite de 18 (de agosto) portamos em uma paragem, que chamam Curuá, onde passamos a noite ocupados do justo cuidado, que a perigosa moléstia de Sua Excelência suscitava nos nossos enternecidos ânimos; sendo que de primeiro se não manifestava tão perigosa, por suporem os nossos cirurgiões que seria uma dispepsia, ou simples indigestão causada da desusada hora a que Sua Excelência tinha jantado em a noite antecedente, visto não ser costumado a tomar refeição nenhuma à noite, e julgaram por causa primária o seguinte acidente; mas pouco espaço depois cresceram os sintomas e se declarou uma cólica acompanhada de dores cardiálgicas com supressão do pulso.

Sua Excelência mesmo sem insinuação dos professores, conheceu o estado perigoso a que o reduziu aquele ataque; de forma que procurou com preferência os remédios eficazes para a alma, e depois os proporcionados que a medicina prescreve para a queixa, e não mal indicados nesta ocasião, porque o benefício deles ainda que muito simples, por não sofrer outros a incomodidade da canoa, contudo abrandaram as dores, restituiu-se o pulso e, permitindo já a Sua Excelência algum descanso, principiaram as nossas esperanças duvidosas a avivar-se da melhoria de Sua Excelência...

Partimos no dia 19 pelas 5 horas da manhã do Curuá à vela e remo, e pelo meio-dia aportamos na ilha Maicá, onde jantamos, e pelas 3 horas da tarde partimos, sendo já informados da melhoria de Sua Excelência; o que cada vez mais nos enchia de prazer e gosto, fazendo saber a toda a partida, que não portava mais em parte alguma antes de Santarém, onde ia antecipar os remédios que fossem próprios, por não haver embarcado a mesma comodidade que naquela vila...

No dia 20 pelas 8 horas da manhã, chegou Sua Excelência à vila de Santarém...E no dia 21 ainda que Sua Excelência esperasse para aliviar o cuidado dos seus sentidíssimos súditos, que experimentava alívio, não deixaram os cirurgiões da partida de persuadir a Sua Excelência que, passados alguns dias de descanso, se fazia preciso sangrar-se Sua Excelência e tomar algum catártico minorativo, para prevenir alguma repetição de ataque. Sua Excelência, cuja docilidade nos é bem conhecida, se deixou conduzir pelo acerto dos dois assistentes, se bem que pareceu, que o cirurgião Antônio José de Araújo Braga teve a maior honra nesta assistência, por ser encarregado em particular de assistir a Sua Excelência, ainda que sem a ocorrência de alguns dias de moléstia, que neste tempo experimentou seu companheiro Francisco de Almeida Gomes.

O dia 22, um dos do indicado descanso para Sua Excelência, se passou sem outra novidade que atentasse a sua preciosa saúde, continuando na dieta e regime que lhe estava ordenado até chegar o tempo de se fazerem mais poderosos e eficazes remédios.

No dia 23 continuava Sua Excelência na dieta e regime proporcionado ao estado de sua enfermidade, dando esperanças do seu restabelecimento, sem indicar sintoma que duvida causasse mais que muita debilidade.

O dia 24 de manifestou sem maior novidade que o antecedente, por Sua Excelência ir continuando na sua debilitada disposição.

No dia 26, parecendo aos assistentes que havia passado um suficiente tempo de descanso, e que era necessário para Sua Excelência recuperar a sua antiga disposição, sujeitar-se a um dos mais poderosos remédios, que a medicina tem no seu seio, o qual é a sangria; Sua Excelência se sujeitou ao parecer dos seus assistentes, conhecendo bem as nossas razoes com que justamente pretextavam a sua necessidade, já para prevenir os ataques futuros, como para remediar os danos causados do excessivo trabalho de aprontar a expedição na cidade, onde o Dr. físico mor Agostinho João Printz lhe havia indicado por necessidade e prevenção, que S. Excia, conheceu muito bem; mas a ocorrência dos negócios da demarcação e o zelo de os adiantar, e não perder tempo, lhe fez desprezar este prudente conselho que quis a providência não tivesse maior conseqüência. Disposto Sua Excelência para a sangria a executar no pé, segundo o primor da arte, o cirurgião Antônio José de Araújo Braga, do que recebeu de todos os louvores e agradecimentos iguais ao interesse, que todos temos na importante saúde e preciosa vida de Sua Excelência, o qual depois tomou um caldo e se propôs descansar um pouco, o que obteve com facilidade. De tarde repetiu a sangria na mesma bem sucedida forma e passou a noite sem novidade.

No dia 27 continuaram as sangrias, não sentindo Sua Excelência outros efeitos de maiores incômodos que a nímia debilidade, que não é de admirar, com remédios tão diluentes; mas julgando-o assim tão proveitoso os professores, davam felizes esperanças, que se não desmentiram depois.

No dia 28, depois de executada a sangria da manhã, não havendo aparecido outros sintomas que a referida debilidade, pareceu ao cirurgião assistente que devia obstar a sangria, porque o número de cinco, que havia felizmente executado, bastavam, e tanto mais continuando Sua Excelência na dieta e regime prescrito.

O dia 29 passou Sua Excelência sem novidade, e persuadido do cirurgião assistente que era boa ocasião de tomar um catártico, se dispôs para no dia seguinte o tomar.

No dia 30, disposto Sua Excelência a tomar o purgante de maná, pelas cinco horas da manhã o recebeu e obteve dele o melhor sucesso.

O dia 31 foi para Sua Excelência de descanso e passou sem novidade na sua preciosa saúde, na resolução de no dia seguinte repetir o mesmo leve purgante que lhe estava indicado pelo cirurgião na esperança de que com ele poderia Sua Excelência esperar em breve restabelecimento.

No dia 1º de setembro foi apresentado pelas cinco horas da manhã a Sua Excelência o segundo purgante, que tomou com feliz sucesso, e tão proporcionado o seu efeito que ficou entendendo-o cirurgião Braga, seu principal assistente, que Sua Excelência não precisaria mais do que entrar em uma boa convalescença, para a qual o dispunha com esperanças de adquirir com brevidade uma boa disposição, a qual com o gosto igual ao cuidado que se tinha passado, diariamente se aumentava o nosso contentamento.

No dia 3, se confirmavam as boas esperanças da próxima melhoria de Sua Excelência, pois que, com grande consolação de todos os que justamente prezam a saúde de Sua Excelência, a viam aumentar pelos certos sintomas de descansar melhor de noite e abrir-se-lhe o apetite, sinais evidentes de pronto restabelecimento.

No dia 7 continuou o nosso prazer fundado no aumento da melhoria, que Sua Excelência manifestava no majestoso e alegre semblante com que falou a todos os seus súditos.

O dia 11 foi aquele em que Sua Excelência, desprezando as indicações da moléstia que havia padecido, quis fazer a gostosa ostentação do seu restabelecimento, e como lhe é impossível viver um instante sem viva aplicação, por mais que se lhe recomendava que, para melhor convalescer, fizesse abstração do trabalho, quis como por modo de honesta ocupação empregar-se um pouco no exame da tropa auxiliar, que a moléstia no dia do seu desembarque lhe não permitiu examinar.

O dia 12 se passou na mais satisfatória forma possível, porque, ocupadas as pessoas no preparo das coisas que haviam de encher os objetos da ação de graças que se havia de executar no outro dia, tudo respirava alegria e satisfação etc.

É certo (continuo eu) que depois da sobredita moléstia, nunca mais tornou Sua Excelência a recuperar o seu antigo vigor; e que sempre em maiores ou menores intervalos de tempo ficou sendo ameaçado daquela queixa sem embargo de não ter experimentado outro semelhante ataque. O partir de Santarém, continuando logo a viagem sem uma perfeita convalescença, para não retardar a execução das reais ordens, não deixou de ser uma das causas para se não restabelecer como devia, ficando sempre sujeito a tão mortificantes a arriscadas repetições.

Em dezembro de 1781 experimentou uma delas, que o reduziu a grande debilidade e abatimento, e que por ser a tempo que se achava muito embaraçado com diversas expedições precisas, na ocasião de dispor a entrada das duas partidas portuguesa e espanhola, pelo rio do Jupurá, a fim de que, perdida a monção própria, se não retardasse por mais um ano, fez recear que viesse a cair em um esfalfamento, como bem lhe prognostiquei em conseqüência da dificuldade que tinha em inspirar e respirar, no caso de se não abster do trabalho; o que contudo não foi possível conseguir, pelo muito que prefere à saúde e conservação própria os interesses do real serviço.

Por prevenção de outros continuados ataques, foi obrigado a sangrar-se e purgar-se pelo princípio do mês de agosto de 1782, e o segundo dos ditos remédios repetiu no ano de 1783.

No de 1784 fazendo duas viagens ao quartel da vila da Ega no rio dos Solimões, onde se achavam detidas as duas partidas portuguesa e espanhola, da segunda vez que regressava para esta vila pelo princípio do mês de dezembro, se viu atacado gravissimamente, e embarcando assim mesmo na intenção de nesta vila capital tratar mais comodamente da sua saúde, recorrendo a alguns purgantes que se representavam bem indicados, pode enfim evitá-los, e experimentar o desejado alívio a benefício da rigorosa dieta em que se pôs e em que por largo tempo continuou com reconhecido aproveitamento.

Todo o ano de 1785 foi em que menos mal passou nesta vila, adquirindo nele bastante nutrição.

Logo no princípio de 1786, principiou a sentir no braço direito umas dores mortificantes, que algumas vezes se lhe mudavam para o esquerdo, sobrevindo-lhe já então novos ameaços da queixa do estômago, porém com o chá de canela e com o espírito dela em água quente a foi paliando sem experimentar maior incômodo, mas sempre diminuído de grossura, ora mais ora menos, até à noite de 6 de agosto em que, recolhendo-se bastantemente tarde de um sítio vizinho a esta capital, foi de novo acometido da costumada dor de estômago. Então se fizeram mais freqüentes do que nunca as repetições daquele ataque, sendo sempre acompanhadas de contínuas indigestões, as quais com grande fastio o reduziram a um bem deplorável estado de consternação, sem que lhe fosse jamais possível o resolver-se a separar-se dos negócios e disposições, que estão a seu cargo, só para que o real serviço não padecesse o menor atraso.

Ora não tendo sido possível a Sua Excelência, desde que entrou nesta vila, o entreter uma dieta regular pela falta de víveres apropriados; nem tampouco a afazer exercício algum que lhe facilitasse a digestão dos alimentos difíceis de digerir, como são a tartaruga e as carnes salgadas, necessariamente se lhe devia viciar o estômago, como sucedeu. Acresce, que as secreções são muito poucas, porque por modo ordinário, não soa, nem cospe, e como sente incômodo ao beber a água pela convulsão que padece, não bebe quanta lhe pede a vontade, e persuadir-se-lhe que faça uso de vinho para dar tom ao estômago e promover digestão[117] é o mesmo que encontrar declaradamente a sua vontade, violentando-a a usar de um remédio que de Sua Excelência jamais se pôde conseguir. Obstruiu-se-lhe então o duto cístico colídoco, e manifestou-se a icterícia pela cor macilenta da face e de toda a pele do corpo, como também pelas dejeções biliosas.

Bem sabia eu que, pelo uso de algum emético, é que eu devia principiar o curativo daquela queixa; mas sendo ele por outra parte contra indicado pelo perigo a que eu expunha a Sua Excelência de se sufocar em virtude da referida convulsão, tomei o expediente de repartir em 3 purgantes as doses de 2 oitavas de ruibarbo, 30 grãos de calomelanos, 12 grãos de diagrídio, 1 oitava de canela, 12 grãos de açafrão, 1/2 oitava de tártaro vitriolado, 1/2 de sal de losna, e outra 1/2 de coral rubro, 1/2 de pós de víbora, e 6 escrópulos de aço sulfurado, e que tudo reparti em 39 pílulas, para as tomar, como disse, por três vezes.

Eis aqui quando a uma voz clamaram os meus sensores, que eu não fazia mais do que debilitar a Sua Excelência. Não padecendo Sua Excelência senão uma obstrução, e que ao ferro é que eu devia recorrer. Sua Excelência chegou a duvidar de tomar o terceiro, depois de ter feito com os primeiros as evacuações precisas. Em minha presença se lhe pediu, se lhe aconselhou e até se lhe requereu da parte dos interessados na sua saúde, que mandasse Sua Excelência vir médico da capitania do Pará; durante a sua irresolução, a enfermidade ganhou outras forças e, incorporadas então, mais do que nunca, com um fastio mortal e com uma apreensão melancólica do perigoso estado, que ainda mais perigosamente lhe avivaram os meus sensores, até lhe prognosticarem a morte, no peremptório termo de três meses; teria sem dúvida abreviado os seus dias, se Sua Excelência me não fizesse a honra de se confiar no meu curativo.

Evacuei-o quanto me pareceu, subministrando-lhe afinal em maior dose a preparação do aço, e dos outros simples anexos, com o que conseguiu remover de todo a dor que padecia no estômago e já então principiara abrir-se-lhe o apetite, prescrevendo-lhe para bebida ordinária as tisanas, e fazendo mediar entre os purgantes a outra bebida de soro do leite com três colheres de sumo de grama.

Faltava somente recuperar a Sua Excelência o elatério que havia perdido, e neste ponto de vista lhe persuadi que tomasse banhos no rios, cujas águas abundam de partículas férreas, como bem o mostra o vitríolo marcial que se acha no tijuco, e tendo com efeito tomado 26 banhos, com os quais chegou experimentar reconhecidas melhoras, suspendeu os que faltavam para os 60 que lhe receitei, porque, com a chegada das novas ordens do ministério, não só se absteve deles, mas nem sequer continuou mais no exercício dos passeios ao ar livre, como tinha principiado a fazer em o sítio vizinho de Nossa Senhora de Nazaré; recaindo outra vez na mesma vida sedentária de viver recluso em uma câmara, sempre ocupado com as disposições do serviço, aplicando-se como dantes a ler e a escrever por largas horas do dia, como se lhe faz preciso, em razão do expediente da demarcação. Do que tem resultado virem a contrair os artos inferiores uma frouxidão tal, que com dificuldade se move, ou passeia encostado a uma bengala e, nos termos em que o vejo, parece-me que acaba de restabelecer sem fazer uso dos banhos das caldas.

Das mortificações do trabalho e do desgosto que me produziu o tratamento desta queixa, não pelo que ela era em si, mas pelo que de aumento e de má figura lhe deram os que me perseguiram, tem Vossa Mercê sido testemunha ocular; para que porém não ignore a satisfação que tenho de ter merecido a Sua Excelência a sua aprovação e conceito, ajuntarei finalmente as cópias da representação e despacho lançado sobre ela pela maneira seguinte:

Ilmo. e Exmo. Sr.:

Representa a V. Excia. Antônio José de Araújo Braga, cirurgião anatômico, como consta da carta junta, e atualmente encarregado do curativo dos empregados na quarta divisão da demarcação de limites, que, não tendo sido Sua Majestade servido nomear para a sobredita demarcação nem médico nem boticário para cada um se empregar no exercício de sua profissão, tem sido o suplicante obrigado a exercitar dentro desta vila e fora dela o curativo de um e outro foro, além de ser ele o próprio que manipula os remédios.

Em cujo exercício tendo ele até agora, suposto que, por uma parte algum serviço fazia Sua Majestade e aos referidos empregados, em se encarregar a favor deles do curativo médico e da manipulação dos remédios, a que não é obrigado em virtude da sua carta, e que por outra alguma faculdade lhe davam para curar de medicina, onde não houvesse médico, tanto a falta dele com as certidões juntas que lhe passaram os três médicos do hospital real de São José de Lisboa, onde foi enfermeiro e passou a cirurgião-fiscal do segundo banco; ambas as ditas suposições conhece que são falsas no sentido comum da maior parte dos empregados, como deduz do motivo seguinte:

Porque tendo ele curado de medicina, há sete anos, que serve na referida demarcação, do mesmo modo que sem terem as certidões que o suplicante apresenta, curaram sempre nesta vila e continuam a curar livremente os cirurgiões da capitania, o suplicante somente é o que encontra o desgosto de quase todos os empregados de cada vez que tem assistido e curado, como pode e como sabe, as repetidas enfermidades de Vossa Excelência, e agora acaba de encontrar mais positivamente no curativo da última, para o qual, suposto que ele confiou em si, que bastava sem auxílio de médico, não deu por isso motivo para que contra ele declarassem, increpando-o de se ingerir a curar de medicina; e isto por nenhum outro motivo mais, que pelo de lhe não parecer, nem requerer na qualidade de assistente, que para Vossa Excelência se mandasse vir da capitania do Pará o médico, que eles, que não eram os assistentes nem o podiam ser por não serem da profissão, aconselhavam e requeriam.

E como pretende o suplicante desagravar-se pelo modo que deve, da injúria, que nele se fez aos cirurgiões de um e outro exército, os quais sempre curaram de medicina na falta de médico, sem que de assim o fazerem os tenha alguém até agora arrazoadamente increpado, pede a V. Excia., que para a todo o tempo constar, que o suplicante como cirurgião de gente de guerra, e como autorizado com as licenças que constam das certidões juntas, curou na falta de médico e pode continuar a curar de medicina, sem alguém o poder impedir, ordene ao provedor da demarcação, que faça registrar esta com as certidões juntas, nos livros da provedoria da dita. E receberá mercê.

Antônio José de Araújo Braga.

 

DESPACHO

Registre-se com a carta as certidões inclusas, não só nos livros da provedoria da expedição, como também nos da câmara desta vila. – Barcelos em 4 de janeiro de 1787. (Com a rubrica de Sua Excelência o Senhor general comissário da demarcação).

Antônio José de Araújo Braga.

 


 

[1] O texto que aqui se edita se encontra no códice 21,2,5 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Na contracapa do manuscrito há as seguintes anotações, a lápis e a giz de cera, “Cod XVI/16-1”, “Cod 6/16-1 antigo”, “Cod--------- mod.”; na folha de rosto existem as indicações numéricas “220” e “51”/ 37-23, a lápis, além da indicação de que o texto pertenceu à coleção do Barão de Drummond: “N° 17 / Drummond”.

[2]  “Ignácio” foi riscada sendo substituída por “Santana”.

[3] “de livros e”  é um acréscimo.

[4] “ou sofrem próprios, ou” – substituiu a expressão “tanto próprios, como”.

[5] (a) – Relação circunstanciada dos três rios da Madeira, Mamoré e Guaporé até a Capital de Mato Grosso.

[6] O seguinte trecho foi rasurado:

“Entra nos domínios de Portugal na América (diz o autor do Tratado da Conservação da saúde dos Povos, citando a Brasilia Medica de Guilherme Pison(b)) um dilatado, e considerável ramo da Serra Cordilera, na altura de 22 graus, latitude austral.  Continua sudeste, até quase a capitania do Espírito Santo: Nascem de uma, e outra parte dilatadíssimos rios, dos quais os mais famosos conhecidos são o rio da Madeira, e dos Tocantins; o primeiro vai cair no dilatado rio das Amazonas, e o segundo no de Guanapu, nos Estados de Maranhão.  Os dous rios, que nascem no Brasil, de uma, e outra parte desta serra, um é o de São Francisco, que corre quase do sul ao norte; e outro da parte oposta chamado Paraná, levando o curso do norte a sul, e entra no rio da Prata.”

   (b) Lib 1º De Acre, Aquis, et Locis Brasilio

Mas infinidade de rios menores entram por todos os lados nestes principais nomeados.

[7] De “Em os principais” até “rios menores” – é um acréscimo, em letra diferente, substituindo o texto rasurado.

[8] Cap. 7. pág. 30, 31, 45 e 46.

[9] Em resposta ao Doutor Alexandre Ferreira, de 15 de março de 1787.

[10] “sulfúreas” – é um acréscimo.

[11] Foi substituído o trecho “as águas dos” por “os”.

[12] “correm” substituiu uma palavra ilegível.

[13] “Ventrículo” era o termo equivalente a “estômago”.

[14] “por ” é um acréscimo.

[15] Foi riscado o trecho depois de “transcrevi” e antes de “e ver-se”.

[16] “peixe” – é um acréscimo marginal.

[17] Aqui houve o acréscimo da seguinte nota:

“cipó mucunão; cipó de rego: catinga; cipó de alho; cipó açu; cipó iautimuta, muta, cipó piririca, pananá imbó, cipó titica, e outros etc. Uns depois de cortados lançam  leite, outros água, outros [  mostram   ]  nas [ cicatrizes  ] diversas  gomas, e resinas de [ fundas   ]   cores e [servem   ]  para [paneiros] cestos [atilhos   ] e [ vincelhos   ] etc.”

[18] Põem a aquecer a água, o vinho, e geralmente todos os licores de que usam. Não sei se hei de atribuir a este costume de beberem quente, a saúde que tem, gota e pedra, são moléstias que lá se não conhecem – Reflexões de um viajante na China.

[19] "de finas, glareosas" até "areia manteiga e" é um acréscimo.

[20] Copi por “cupim”.

[21] "térreas" substitui uma palavra que foi riscada.

[22] "ladrilhadas" substitui  a palavra “lágrimas”, que foi riscada.

[23] "gurupemas" foi escrita sobre outra palavra.

[24] "Porém desta ninguém bebe, porque a do rio, por aquele tempo" foi riscado.

[25] "e" substitui uma palavra que foi riscada.

[26] "se bebe fria, ou" é um acréscimo.

[27] Após a palavra “suado” um trecho foi riscado.

[28] “Até 15”  foi acrescido.

[29] "março" foi acréscimo.

[30] "com as paredes de [adobes] dobrados " foi um acréscimo.

[31] "tem" é um acréscimo.

[32] De "não poucas bestas até inchadas" foi acréscimo.

[33] Após a palavra "por", havia a palavra "agosto", que foi riscada.

[34] "em que a população" até "6465 almas" foi um acréscimo.

[35] De "abatam-se desta soma" até "63 pessoas" foi um acréscimo.

[36] De " 23° 1/2 até 24° “ foi acréscimo.

[37] "e 10  pelo rio" foi acréscimo.

[38] "por ali" foi acréscimo.

[39] Foi riscada uma palavra após "passei".

a) Veja-se nota B.

[40] Foi riscado um trecho depois de "Majestade."

[41] Palavra resultante do cruzamento de “vargens” com “várzeas”.

[42] Foi riscado o nº 45 e posto o 15.

[43] Foi riscado o nº 36 e posto o 34.

[44] Foi riscado o nº 56 e posto o 54.

[45] Foi riscado o nº 94 e posto o 92.

[46] De "e em 13 léguas" até "Jauri" é um acréscimo.

[47] “vareda” é uma variante arcaica de “vereda” usada no século XVIII.

[48] "bem a sua custa", é um acréscimo.

[49] "de Noronha", é um acréscimo.

[50] "(homem de nome mudado) por ser o seu próprio nome, como ao despois se soube, Bernardo Lopes da Cunha"  é um acréscimo.

[51] De "Está a referida fazenda" até "anos dali" é um acréscimo.

[52] Aqui há um salto de uma página.

[53] Em cima do trecho, sempre anda acompanhado,  constam respectivamente os números 2, 1, 3, que indicam a ordem das palavras que o autor recompôs.

[54] Após a palavra “cristais”, havia a palavra “ele” que foi riscada parcialmente, ficando apenas a primeira letra.

[55] Após a palavra "novo", foi riscada a palavra "toda".

[56] De "retirando-se a maior" até "acelerado", é um acréscimo, em substituição a um texto riscado.

[57] "nesse" substitui uma outra, que foi riscada.

[58] "aliás saíram" substituiu um fragmento que foi riscado.

[59] "las" é um  acréscimo.

[60] Foi riscado um trecho após a palavra "vez".

[61] Aqui há um salto 4 páginas.

[62] "Enfermidades internas" foi riscado.

[63] De " [ Pela ] velocidade do pulso" até "putrefacão" – é um acréscimo.

a) Trat. des Calentures.

[64] "febres" substituiu outra palavra riscada.

[65] "emulações"  – foi substituída por “emulsões”.

[66] Após a palavra "reconhecendo-se", havia uma palavra que foi riscada.

[67] Após "corrupção" foi acrescido o trecho de "por haver" até queixa.

[68] Foi acrescido o "la" de “previni-la” e depois havia uma palavra que foi riscada.

[69] De "ou de erva " até " [  ]" é um acréscimo.

[70] "Galego" substitui uma palavra riscada.

[71] Após a palavra "sal" foi acrescentada, à margem, a palavra “moído”.

[72] "orgevão" até "sacra", é um acréscimo.

É curiosa a grande quantidade de variantes para o seu nome: horjevão, gervão, gerbão, erva-gervão, gervão-verdadeiro, ogervão, orgevão, orgivão, orjavão, urgebão, urgevão etc. Isto se dá pela confusão do artigo como sílaba inicial da palavra, a ocorrência do “h” meramente ortográfico, a pronúncia frouxa do “o”, a possibilidade de se grafar com “g” ou com “j” o a primeira consoante, a fragilidade fonética da vogal pretônica, a confusão entre alguns portugueses e indígenas brasileiros na articulação e grafia dos fonemas /b/ e /v/ etc.

[73] De "a que os naturais" até "dose de, é um acréscimo."

[74] De "algumas vezes" até "fortes", é um acréscimo.

[75] Após a palavra "oficinas" foi acrescido “ruibarbo”, à margem.

[76] SYDENHAM, Thomas. Médecine pratique de Sydenham, com notas; obra traduzida do inglês para o  francês pr M. A. F. Jault, médico e professor no Collège Royal. Paris: Théophile Barrois le Jeune, Librairie quai des Augustins, n. 18. 17 84.

[77] Os dois parágrafos acima, desde “aun pipados de yervas aromáticas” até este ponto, estão repetidos no final do manuscrito, de forama solta, como uma anotação ocasional.  Por isto não será repetida naquele ponto.

[78] De "bebe-se a água" até "diferentes frutas", é um acréscimo.

[79] De "a que chamam" até "ananas" é um acréscimo.

[80] Após a palavra "menores" foi riscado uma palavra.

[81] "ou" foi acrescida.

[82] “iulepes” por “julepos”.

[83] Foi riscada a palavra"vicissitudes" e substituída por "alternativas".

[84] Em cima das palavras  “remissão larga”, estão escritos os números 3 e 2 respectivamente, como proposta de mudança de sua ordem.

[85] “imoderadamente” é um acréscimo.

[86] “ por outro nome carrapato” é um acréscimo.

[87]  “quais” substitui “o que”.

[88] “É” é um acréscimo na entrelinha.

[89] Em cima das palavras “regra, esta, tão, geral” constam os números 5, 4 ,2 e 3 respectivamente.

[90] “ialéa” por “geléia”.

[91] Aqui houve o salto da letra ( j ), o que parece ser regular na ordenação alfabética da época ou do autor.

[92] Escolopendra não é nome de uma planta, mas designação dos artrópodes da classe dos quilópodes, que reúne cerca de 2.500 espécies amplamente distribuídas.

[93] Goma amoníaca é a resina extraída da planta dorema ammoniacum, usada em medicina, especialmente como expectorante e antiespasmódico, e na indústria em geral por seu grande poder adesivo.

[94] Antes da palavra “quentes” estavam as palavras “frios, ou”, cuja tinta destruiu o papel. À margem foram acrescentadas “a que chamam caldas, ou frias”.

[95] Jalapa é o nome genérico pelo qual o autor trata a erva mirabilis jalapa da família das nictagináceas comestíveis, flores hipocrateriformes, abundantes, brancas, roxas ou de um tom forte de magenta, que se abrem ao anoitecer, e cariopses pretas; é muito cultivada como ornamental, por suas raízes tuberosas, e tb. pela tintura das flores e pelo pó das sementes. Também é denominada batata-de-purga, bela-da-noite, bela-morte, bela-noite, belas-noites, boa-noite, boas-noites, bonina, erva-triste, flor-de-merenda, jalapa-bastarda, jalapa-comprida, jalapa-do-mato, jalapa-falsa, jalapa-verdadeira, maravilha-branca, maravilha-de-forquilha, maravilhas, maravilha-vermelha, purga-de-nabiça, rosa-bilanca.

[96] "sempre que nesta obra" até "os naturais chamam[   ] [    ]"   foi acrescido, porém a ordem não está correta.

[97] De "por outro" até "brava" é um acréscimo.

[98] De "são as seguintes até "por quatro vezes, com [  ], substituiu outro trecho riscado.

[99] De "os que mais até "isto feito" foi acrescido.

[100]  "toma-se uma boa" até "semelhante queixa" foi acrescido.

[101] "pulverizado" está solta no texto, podendo ser encaixada nesse lugar.

[102] No manuscrito o autor saltou  as letras (g) e (j).

[103] "e impuros" até "as casas su[b]terrâneas e[n]chovias” foi acrescido.

[104]  Cila é designação comum às plantas do gênero Scilla, da família das jacintáceas, geralmente incluído na família das liliáceas, com 40 espécies de ervas bulbosas.

[105] Alquenje é erva ramosa (Physalis alkekengi), da família das solanáceas, pilosa, com folhas viscosas, pequenas flores brancas ou amareladas e bagas cor de laranja, comestíveis, com cálice vermelho, tóxico.

[106] Escabiosa é designação comum às plantas do gênero Scabiosa, da família das dipsacáceas, que reúne 80 espécies de ervas.

[107] De "o que sem dúvida" até "um moderado exercício" foi acrescido.

[108] Latinismo equivalente a “timpanite”.

[109] Cf. mais atrás a nota incluída após a longa citação do Tratado Completo das Calenturas.

[110] O códice tem marca d’água.

O nº de registro na  Bilbioteca Nacional é 88/1911.

A Leverger foi o médico que fez esse extrato.

A folha de rosto possui várias anotações numéricas a lápis, em forma de contas: “321, 213, 132”, “123, 231, 312”, “132, 321, 213”, “626, 603, 360”, “168, 924, 593”. Possui, também, anotadas à tinta as contas: “35x7=245”,   “35x29=1015”, “51+51=102”.

Existe, anexo ao documento, o esboço de um mapa, na folha que foi utilizada como capa do códice.

[111] A palavra “serras”está precedida da palavra “agoas” que foi rasurada.

[112] *Sempre que nesta obra se tractar de Mel de pão entenda-se do que por aqui se chama Jetaí ou Mando saya, Mandary, Tojuba  Mandaguahy etc. o de Mombica he muito porem he azêdo. A Imirim da bom  mel porem pouco. Açamora da Irachim a quem a come tolhe ao artos que he ao que os naturaes chamão encanangar. Sabe se que em todo o Brasil  ha muitas mais castas de mel, pesem as mais dellas são ainda suspeitas e de algumas he certo que são venenozas.

[113] No manuscrito existe após “hum” uma frase, “ dous vintens de pezo que he hum escrupulo: Mercurio doce bem”que foi riscada.

[114] Depois desse parágrafo as folhas seguintes foram cortadas do manuscrito.

[115] A edição de 1983 traz “alunos”, que deve ser uma interpretação da possível abreviatura “alimos” no manuscrito.

[116] Escopeiro era um instrumento que, destinado a alcatroar costados de navios, consistia em uma haste com um fragmento de pele de carneiro enrolado em uma de suas extremidades.

[117] Na edição de 1983 – “desgatão”.