[GUAMBÉ-CIMA][1]

 

Nº XI

Memória sobre uma porção de cabo, formado da casa do guambé-cima[2], e fabricado na vila de Barcelos, de ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor capitão general João Pereira Caldas, de que se fez remessa para a Corte pela secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos.

 

A[3] dura necessidade, de[4] suprir a falta de matéria própria para fabricar cordas com que[5] laborarem as máquinas marciais a fazerem[6] antes sacrifício dos seus cabelos para cordas que [haviam de] servir à defensa; do que por essa falta se exporem a uma vergonh[os]a servidão em poder de seus inimigos. Esta urgência se não poderá experimentar no Rio Negro, porque os seus fertilíssimos bosques são abundantes de matérias próprias para toda a casta de cordagem sem nenhuma casta de cultura pela maior parte.

De todos os gêneros de que se podem servir, os únicos nativos são o algodão e o curauá, espécie de pita brava: os demais os produzem os bosques naturalmente e quem os precisa os tem pelo trabalho de os ir procurar e desta forma alcançam, guambé-cima, guambé-curuba, piaçaba de muitas castas, monguba, tucum, muruti, guaicima, airumiu, castanheiro e malvaisco.

São próprios deste rio e seus confluentes os dous gêneros, piaçaba e guambé-cima; os demais gêneros são comuns em todo o Estado do Pará. Os dous gêneros privativos deste rio são bem conhecidos no Brasil, aonde se faz grande comércio na Cordoaria que fabricam deles principalmente em amarras e viradores, etc. Uma vez que sou obrigado a falar do guambé-cima, por ser deste gênero que se fabricaram quarenta braças de cabo da ordinária grossura dos viradores, debaixo da minha inspeção; também como antes da expedição da sua fatura tenho declarado onze gêneros diferentes, de que igualmente se fazem cordas, me pareceu indicar os usos, conforme as suas aplicações pelas repartições da marinha, da pesca e do uso doméstico.

Do guambé-cima e curuba, da piaçaba, das diferentes qualidades de inviras[7], monguba e castanheiro novo, fazem todas as castas de cordagens necessárias para o uso da marinha e navegação das canoas. Do algodão, curauá, tucum e muriti fazem ordinariamente as linhas de pescar, as arpoeiras ou cordas de aipão, fiadores de sararacas[8], em cordas de arcos e cordas de redes no uso da pesca.

O guaicima[9], o malvaisco e o curumiu são empregados no uso doméstico ordinariamente para[10] cordas de redes e maqueiras[11].

Parece que havendo de falar na teoria do pedaço de cabo que fez a origem desta memória, deverei dividi-la em três partes, expondo na primeira o como se extrai a matéria e prepara para a fatura das cordas; e qual seria a melhor para ser empregada. Na segunda, o modo de fabricar os cabos e na mão-de-obra advertir o que parece aumentar-lhe a boa qualidade e as diferentes qualidades que se podem fazer. Na terceira, as experiências que fiz para conhecer a sua força resistente, etc.

 

[1°]  Extração e preparação da matéria

O guambé-cima se extrai dos bosques na forma ordinária a toda a casta de cipó; cortando-se-lhe (d)o maior cumprimento possível; e transportando ao[12] lugar em que se deve fabricar a corda, [despem-no] da sua epiderme(s), cutícula e membrana externa separando-a por uma incisão, da sua (medula ou) parte linhosa interna com muita facilidade, pela membrana celular(ia) estar sempre bem provida de uma linfa mucosa a qual se não deve deixar secar para se conservar mais apta, mais flexível e mais fácil a torcer; porque passando a secar-se, fica linhosa e tanto mais difícil a fabricar-se; e portanto menos boa a sua qualidade. Para evitar este inconveniente e impedir de secar-se[13] a mucilagem que facilita a mão-de-obra, a proporção que se vai descansando, se vai deitando de molho em água, aonde se conserva otimamente largo tempo sem padecer alteração a sua obra [e] consistência. O guambé da melhor qualidade[14] se tem experimentado ser aquele que não excede a sua perfeita madureza[15] que é quando tem perdido a co[r] verdoenga[16], e adquirido uma cor de castanho claro; porque (neste Estado) está na sua melhor consistência por nervoso, coviaço e muito flexível, (próprio) para se fazer muitos [e] bons cabos, [send]o que depois de muito maduro e envelhecido fica linhosa, pouco flexível e menos próprio para se fazer cabos que tenham[17] toda a elasticidade [possível] e de que a matéria é suscetível e própria.

 

2º   Modo de fabricar os cabos

Os cabos ou cordas neste país se fabricam de três diferentes sortes, a mais ordinária é, como dizem, feita à mão sem adjuntório da arte; e consiste a sua manipulação em que dada a grossura de três cordões, dos quais dous torcem aos poucos emendando-lhe, quando torcem, a matéria necessária para conservar a grossura primitiva e produzir o cumprimento, formando com eles uma corda bitória, depois torcendo o terceiro cordão aos poucos o vão introduzindo pela cocha de corda ou pela engra da elipse formada pelo passo do movimento revulisvo[18] dos cordões, e desta forma continuam o trabalho até dar à corda o cumprimento que se propõem. Este método ainda que muito defeituoso não deixa de ter sua comodidade. O defeito consiste principalmente em não se poder dar às cordas de maior grossura[19] do trocer dos cordões, aquela necessária precisão de torcedura que obriga a precisa união das suas partes para evitar a separação. Neste caso perde este método por menos torcido, quando em outros métodos se nota por mais. Monsieur Muslchenbroeck propôs se se poderia absolutamente dispensar[20] torcedura, mas tudo ponderado pela experiência dos fatos se achou que as cordas não torcidas não eram mais fortes, pelo menos em um espaço de tempo conveniente; e que a sua fábrica se faz mais dispendiosa e muitas vezes impossível. Monsieur Duhamel decide que é necessário continuar no método de torcer as cordas; porém[21] menos que o costumado, porque até aumenta a força: o método iluminado deste grande acadêmico prova que as cordas fabricadas segundo o seu sistema, em casos e circunstâncias iguais lhe aumenta a força de perto de uma terça parte, sem que seja necessário mudar de materiais, nem aumentar a mão-de-obra (Enciclopedie economique no artigo corde). A comodidade que oferece o método de fazer cordas à mão sem ser[22] necessária casa própria, trecena ou selheiro para a sua execução, porque no mais pequeno espaço de casa se executa fabricando-se de cada vez uma pequena porção, tem disto a extensão que se queira,[23] sem mais dificuldade no extremo da maior extensão, do que no seu município.

O segundo modo se executa segundo a arte no modo ordinário, servindo-se de [andas] para torcer os cordões, de carro e de um [coxe] troncado refendido em partes iguais, para dar a cocha ao cabo. Procede-se para a sua fatura desta forma; dado o comprimento e grossura que se pretende, principiam por ir atando os guambés nos extremos uns dos outros até chegar ao comprimento proposto e haver a quantidade que prefaça[24] a grossura; dividem a quantidade por três ou quatro partes iguais que formam os cordões que introduzem nas muletas das andas, as quais viram logo de um movimento regulado e uniforme até terem os cordões pela torcedura adquirido uma tal "tensão" e elastério proporcionado para se principiar a cochar o cabo, virando então a moleta do cano em senso contrário do das outras moletas até finalizar o cabo. Para ficar igualmente cochado é necessário que o movimento das moletas de um e outro extremo do cabo seja sempre uniforme e o passo do cone ou cochado seja igualmente regulado. O primeiro defeito que se percebe neste método é ficar o cabo cheio de pro[e]minências, escabrosidades e desigualdades causadas pelos nós que na maior parte ficam expostos. O segundo defeito tende a diminuir a força do cabo, porque torcendo-se tumultuariamente em cada cordão o número de fios ou fitas que são de figura chata e larga de mais de meia polegada, por isso não podem todas, no torcer, tomar a posição vantajosa e longitudinal que lhe convém, sem que pela maior parte cavalguem uns nos outros, expondo-se por esta forma a experimentar com igual força desigual tendência, com grande diminuição da força ou resistência total de todo o cabo.

O terceiro modo de fabricar os cabos do qual eu me servi para a fatura da pequena porção que se fabricou debaixo da minha inspeção, foi da mesma sorte que a já expressada no segundo modo; exceto que em lugar de atar as fitas ou membranas umas nas outras, as fiz torcer ou fiar separadamente cada uma de per si, com o pouco torcimento a que chamam meia volta; o qual não só lhe dava a figura cilíndrica do fio formado das fitas ou membranas, mas trespassando-se os extremos delas, umas pelas outras, se prendiam com igualdade em estado de se poder prolongar o fio a extensão pertendida, formados deste fio os cordões, que torcidos[25] em sensos, contrário de modo já expressado, fizeram o cabo que na presença[26] externa, tem todos os acidentes do chamado cabo de maça que se faz do linho cânhamo. Tem não menos a flexibilidade e propriedade de se modelar nos gornes do aparelho; e só a experiência do tempo decidirá se tem igual resistência e duração como o cânhamo, assim fora d'água, como mergulhado nela, como tão claramente se tem experimentado. As diferentes cordagens que se podem formar da matéria extraída do guambé-cima, são desde um delgado cordel, que no uso da marinha chamam merlim, até a mais grossa amarra.

 

3º  Experiência e seu resultado

A experiência para calcular a sua resistência por mera aproximação imperfeitamente executada não só pela insuficiência própria, mas também[27] por não oferecer o país nenhuma das comodidades necessárias se executou desta sorte. Tomei três membranas ou fitas do guambé homogêneas entre si e as de que se formou o cabo do comprimento ordinário e se lhe deu um torcimento igual a cada uma de per si; depois de unidas todas em um só corpo, torcendo-se em sentido contrário, se formou um cordel ou merlim que tinha de diâmetro duas linhas e meia de polegada do pé de rei e mostrava estar proporcionalmente torcido de uniforme grossura e de uma flexibilidade igual em todo o seu comprimento. Com este pedaço de cordel ou merlim, passei ao armazém real, único lugar aonde há alguns pesos, e querendo-me servir destes para o meu intento, o fiz desta maneira; enfiando no merlim singelo os pesos de bronze pelas argolas, quantos me pareceu que poderia agüentar o merlim atado com um nó de laço em muito curta distância; depois vendo que sustentava mais peso, lho fui aplicando pouco a pouco até que depois de reiteradas vezes, chegou por fim a sustentar três quintais [e] na verdade pareceu excessivo às pessoas que observavam comigo. Sustentou[-os] por um espaço de tempo e por diferentes vezes até que se repartiu, havendo sofrido uma tensão violentíssima, em proporção da sua capacidade e o obrigado dela estendeu quase uma quinta parte do seu comprimento e diminuiu na grossura, na mesma proporção. Para se aplicar esta teoria aos cabos que podem servir nas máquinas que a mecânica ensina a construir pelas regras da estática, sofre sem dúvida muitas dificuldades, superáveis e insuperáveis, mas na prática quando não pode ser de outra forma, não se desprezam as regras da aproximação; a proporção que pode dar os três fios do delgado merlim, sofre a objeção que monsieur de Réaumur inseriu nas Memórias da Academia das Ciências de Paris no ano de 1711, página 6, aonde se verá que os fios torços ou torcidos em qualquer quantidade ou número que sejam não sustentam um peso igual a soma do que eles tinham sustentado separadamente. Não obstante a convincente força da razão desta experiência, na falta de melhor teoria, sou obrigado a servir-me da mesma que expressei acima para assinar a quantidade de peso que seria capaz de suspender o cad[ern]o origem desta Memória. Ele foi fabricado de quarenta e oito fios, em quatro cordões e segundo a proporção achada seria capaz de suspender 192 arrobas; mas como este seria o equilíbrio do peso com a força, segundo as regras da melhor prática será necessário aumentar a força ou diminuir o peso da terça parte; nesta prudente proporção será capaz o proposto de suspender com segurança 128 arrobas sem tanto risco de se atormentar com o esforço desproporcionado a possibilidade da sua relativa força. Pelo motivo do meu emprego tenho tido por muitas vezes a prática de suspender grandes pesos a maior que me lembra tem sido as peças de calibre de 36 de ferro que são excedentes no peso de 6000 libras ou de 190 arrobas pouco mais ou menos. Sempre me servi de viradores de linho cânhamo, da grossura de uma polegada, e seis ou oito linhas de diâmetro; alcançando muito bem que o dito cabo era proporcionado para suspender muito maior peso do que o expressado, mas nunca teve ocasião de o poder fazer para experimentar e calcular toda a sua possibilidade. Esta memória tão defeituosa como é e como serão todas as que forem fundadas só em cálculos de aproximação fui obrigado a produzir em tempo e país tão destituído de tudo o que poderia auxiliar-me, como quem se acha nas entranhas de sertão. No Pará sem dúvida acharia outras comodidades, para[28] poder sem muito trabalho ajuntar-lhe a análise aeriosa da diferença da força do cabo de linho ao de guambé e outros. Não se me agradeça embora a boa vontade com que tanto se me desculpem os erros.

Barcelos, em 15 de janeiro de 1787.

Teodósio Constantino de Chermont.

 

Relação do custo e gastos da madeira de castanho, para mastreação de uma nau de 60 pessoas que por ordem de 6 de novembro de 1775, expedida pela secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, se mandou por pronta nesta cidade para se remeter para a de Lisboa e com efeito se remete na presente ocasião pela charrua por invocação Príncipe da Beira, a cargo do mestre dela João Francisco Ferreira.

 

Nº que levam

Compri-mento

larg.
pole-gadas

Gross. pole-gadas

Preço de um pau

Total de todos

1.                 

85

26

26

2 paus para mastro grande

26$000

524000

2.                 

80

26

26

3.                 

78

26

26

1 pau para o dito por

24$000

 

4.                 

77

24

24

3 paus para mastro de troquete

22$000

66$000

5.                 

74

26

26

6.                 

72

26

26

7.                 

74

22

22

2 paus para gorupis

22$000

44$000

8.                 

71

26

26

9.                 

71

22

22

1 pau para o dito por

20$000

 

10.              

78

22

22

1 pau para mastro de mezena

22$000

 

11.              

68

20

20

2 paus para mastarcos da gávia e velacho

14$000

28$000

12.              

64

18

18

13.              

50

15

15

1 pau para mastário de gasta por

 

14$000

14.              

40

12

12

3 paus para mastarcos de joanete grande de poa e pau de bojarrona

10$000

30$000

15.              

40

12

12

16.              

40

12

12

17.              

78

22

22

2 paus para vergas, grande e de troquete

24$000

48$000

18.              

77

22

22

19.              

64

13

13

1 pau para verga de gavia por

14$000

 

20.              

60

13

13

1 pau para vega de velacho por

14$000

 

21.              

58

13

13

2 paus para vergas de sevadeira e seca

13$000

26$000

22.              

57

13

13

23.              

45

10

10

3 paus para vergas dos joanetes, grande de proa e da gata

8$000

24$000

24.              

45

10

10

25.              

43

10

10

26.              

82

15

15

1 pau para verga de mezena

 

15$000

27.              

40

22

22

2 paus para emendas das vergas, grande e do troquete

São 28 paus

13$000

Soma

26$000
467$000

28.              

40

22

22

 


[1] Esta memória trata de uma atividade indígena de grande importância na Amazônia, visto que até hoje a navegação fluvial é seu meio de transporte quase exclusivo.

[2] Uniformizamos a grafia, que aparece no mesmo texto como “Guambé-cima”, “guambé-cima” e “guambecima”. A sibilante indígena, nestes casos, costuma ser registrada como chiante em casos como guaxima, xeringa etc.

[3] O início do parágrafo, “Sem dúvida mais bem livradas as tapuias, porque não serão obrigadas como as damas de Cartago e Roma, que em diferentes épocas, a” foi riscado posteriormente e substituído pelo artigo “A”.

[4] "de" substitui "para".

[5] "com que" substitui "para".

[6] "a fazerem" substitui "fizeram".

[7] Variante de “embiras”.

[8] “Sararacas” são flechas de caçar tartarugas.

[9] Esta palavra substitui "a uaycima", que é hoje mais conhecida como guaxima.

[10] Este trecho substitui "no modo ordinário em".

[11] Hamacas ou macas dos índios (redes de dormir).

[12] O copista rasurou e escreveu novamente a palavra acima.

[13] A expressão “secar-so guabé” foi substituída por “secar-se”.

[14] O trecho "A melhor qualidade do guambé" foi riscado e substituído por “O guambé da melhor qualidade”.

[15] "madureza" substitui “maturites”.

[16] O copista escreveu "o" sobre "u".

[17] "tenham" substitui "possam ter".

[18] A letra "u" foi sobrescrita.

[19] Este trecho substitui: "nas cordas de maior grossura, não se lhe poder dar."

[20] "dispensar" substitui "passar da ".

[21] "porém" substitui "mas que"

[22] "Sem ser" substitui "e não se fazer".

[23] “fabricando-se de cada vez uma pequena porção, tem disto a extensão que se queira” substitui “porque se fabrica de cada vez uma pequena porção, além desta extensão queira”

[24] Trata-se do verbo “perfazer” na sua forma “prefazer” daquela época.

[25] “formados deste fio os cordões, que torcidos” substitui “deste fio formados os cordões dos quais trocendo-se”

[26] “fizeram o cabo que na presença” substitui “se faz o cabo que na parcensa”

[27]1. "Também" substitui "ainda".

[28] "Para" substitui "pelas quais".