MEMÓRIA

A louça que fazem as índias do Estado,
para ser apensa as amostras velhas
que foram remetidas nos caixÕes Nº 4, Nº 5 e Nº 8
da primeira remessa[1]

Tanto as amostras do número 4 e 5, como as que foram no caixão nº 8, todas são da louça que fazem as índias de Barcelos. O que a este respeito participei em outra ocasião, quando remeti algumas amostras da louça fabricadas nos subúrbios do Pará, é o que agora repito: Que o barro mais limpo de areia é o que elas mais preferem: sem rodas, nem máquinas algumas empreendem à mão a tal fábrica de panelas, pratos, [etc.  ] que pronto que esteja o barro, incorporam com ele a cinza pisada, a que reduzem a casca da árvore "cairaipé[2]... gênero cairapa, tábuas 223 e 224 da flora de Guaiana. [Por]que entre si amassam estas duas substâncias, até as reduzirem a uma massa; vão dando com as mãos os feitios que querem; [por]que sem este adubo não lhes fica a louça consistente; mas logo que têm feito as formas, as levam ao forno a cozer, que também não é forno, antes um tijupá de lenha, com que os cobrem e, de ordinário, são cascas de paus que, tiradas do forno assim quentes, como sabem, dão por dentro com uma resina da intaiúca, que ao calor da forma se derrete, enverniza o barro e o deixa como vidrado; que para a panela, em sendo nova, não comunica ao comer o sabor da resina, voltam-na com a boca para baixo sobre as brasas, até se lhe queimar a resina. O tanha que é a cera de aterro, o curi, que é a argila tinta da mesma obra queimado, o urucu e o carajuru, são as tintas que empregam nas diferentes pinturas. É notável a consistência que dá ao barro a tal casca de caraipé [d]os cadilhos[3] assim preparados, ao que dizem os curiosos de experiências diversas. Dos ourives sei eu, porque vejo que não são de outros cadilhos. Quando não há a tal casca, para se incorporarem com o barro, suprem as escórias do aterro pisadas e moídas; se nem escórias há, suprem os cascos das tartarugas, depois de calcinados. Sem este adubo, qualquer que seja dos 3, mas uns na tábua dos outros, estala a louça.

 

Barcelos, 05 de fevereiro de 1786.


[1] Códice 21,1,27 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

[2]Caraipé” ou caripé é designação comum a algumas árvores do gênero Licania, da família das crisobalanáceas, nativas da Amazônia.

[3] O “cadilho” é uma espécie de tigela muito utilizada na coleta do látex da seringueira.