Memória[1]

Sobre os gentios iurupixunas, os quais se distinguem[2] dos outros em serem mascarados, segundo os fez desenhar e remeter os desenhos para o Real Gabinete de História Natural o Dr. naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira.

A tábua 1ª representa os gentios iurupixunas, que habitam o rio dos Poréos, e assim mesmo os outros da margem ocidental do rio Jupurá. Distinguem-se dos outros gentios pelas suas máscaras. Os índios domesticados lhe dão na língua geral o nome de "iurupixunas", da palavra "iuru" boca, "pixuna" negra. Picam a cara com os espinhos da palmeira pupunha e com as cinzas das suas folhas pulverizam as picaduras, arreigando-se-lhe de tal modo a tinta, que jamais se-lhe extingue a máscara com que fixam. Muito trabalho e dor lhes custa este ornato, porque não raras vezes lhes sobrevêm as erisipelas, de que alguns chegam a morrer. A dor é maior ou menor segundo a obra do enfeite.

Ao que representa a figura Nº 1º só dos cantos da boca até ao ângulo interior da orelha corre em ambas as faces uma linha delicada. A cabeça Nº 2º mostra duas; a do Nº 3º apresenta somente os lábios como os lados da dita cor. Os Nos 4, 5, 6, mostram, como à proporção do crescimento da idade, se-lhes aumenta igualmente a máscara, porque têm o cuidado de acrescentar. Os adultos trazem toda a face mascara[da], com a diferença porém de que uns se contentam de fazerem aos lados da face o xadrez, em que acaba a mascara da cabeça Nº 7º, outros o fazem também na testa e no espaço que medeia entre as sombrancelhas, como representa a cabeça Nº 8º.  E, não contentes com isto, trazem outros o beiço inferior furado e, no furo, introduzida (a) uma marca de coguilho.  Os velhos são entre eles os mestres encarregados destes enfeites; eles têm o cuidado de subtraírem os filhos e filhas da presença dos país conduzindo-as para o mato retirado a onde não possam os país ouvir o choro das crianças, quando se doem da mortificação que lhes causa a operação do referido ornato.

São índios humildes e sujeitos aos brancos que os domesticam.  Aldeados que sejam nas povoações para onde os descem, chegam a envergonhar-se tanto de terem a cara mascarada, que alguns fazem a diligência possível por extinguir a tal máscara. Os outros índios os desprezam; donde procede que, nas viagens que fazem as canoas esquipadas com uns e outros, observam os brancos que os iurupixunas fazem ranchos separados; comem e dormem retirados deles.  As suas armas são as zaravatanas, os murucus, as braçangas e os cuidarus; de todas elas já se tem remetido para o Real Gabinete as amostras que devem constar da relação dos produtos recolhidos em viagem da parte superior do rio Negro.

 

Barcelos, 20 de fevereiro de 1787.

Alexandre Rodrigues Ferreira.


[1] Códice 21,1,40 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

[2] No manuscrito está escrito distingues.