MEMÓRIAS SOBRE AS SALVAS DE PALHINHAS
PINTADAS PELAS ÍNDIAS DA VILA DE SANTARÉM,
AS QUAIS FORAM REMETIDAS NO CAIXÃO Nº 3º
DA PRIMEIRA REMESSA DO RIO NEGRO[1]

 

Das folhas novas das palmeiras tucumã é que são feitas estas e outras curiosidadesTiradas as prendes, abre-se cada folha de per si, tira-se lhe o ponteiro que ajunta as duas páginas e seca-o ao sol.  Resulta deste preparo não secarem as folhas, mas também o ficarem mais brancas.  Então é que tratam de as tingir, dando-lhes as cores que querem.  O método de as tingir consiste em as infundir no cozimento das cascas das árvores ou das féculas que lhes subministram as cores, arejando-as à sombra para que o sol as não altere.  Da fécula do carajuru tiram a cor encarnada e, neste gênero, é vivíssima a que dá a casca da árvore haru-na-ihu, enquanto, porém, se não altera com o tempoPara tingirem de amarelo, usam do gengibre e do pau de guariúba; o cozimento do fruto verde do jenipapo, misturado com o tijuco ou argila saturada de vitríolo, lhes subministra a cor pretaComo as índias ignoram o uso dos sais fixantes na tinturaria, nenhuma coisa tingem que conserve a viveza da cor.

Segue-se depois de tintas as folhas e enrolá-las do mesmo modo que na Europa se faz às peças de fitas, posto em ordem a se não encasquilharem ou tomarem alguma tortura. Racham-nas ao comprido, em fitas, mais e menos largas, segundo a obra que se propõe.

As que hão de servir para o baús de palhinha, chamados "pacarás" e para os tabuleiros, são mais largas; pelo contrário as que servem para os chapéus.  Deste trabalho se veste a maior parte das índias, não da vila da Santarém, mas também as da vila Franca e Alter do Chão Um pacará ordinário não custa menos de l600, comprado as índias nas povoações; na cidade, sobe o seu preço de 3 até 4.000 réis; um tabuleiro vale 1.200 na povoação e chega a 2.000 réis na cidadePelo preço de 160 se compra cada chapéu que na cidade custa 400 réis Mas esta indústria não é tão proveitosa às índias como parece.

Os diretores e os comandantes, dentro em 3 ou 4 anos, não pertendem desempenhar-se, mas segurar o bolo para o resto da sua vida.  A título de empregarem as índias em algum trabalho lucrativo para elas e evitarem a ociosidade, distribuem por elas, e principalmente pelas mestras, diversas encomendas de pacarás, tabuleiros, chapéus etc., não para as pagarem a razão dos 1.600 e 1.200, que valem, e cujo valor hão de cobrar na cidade, mas para lhes pagarem por dia à razão de 40 réis, e isto, não em dinheiro, nem logo que acabam a obra, mas em pano de algodão, em alguma bretanha avariada, e avaliada a seu arbítrio, e quando lhes chega da cidade.  Se a índia que bem perceba a desigualdade do partido, se demora mais tempo do que o consignado pelo diretor para concluir a obra, é notada de preguiçosa e castigada com palmatoadas.  Conjeture-se, pelo que digo, qual é o estímulo que deve ter esta gente para aumentar a sua indústria, vendo ela, que todo o seu trabalho cede em proveito dos brancos e, se não cede, é punido como injúria própria.

Barcelos, 05 de fevereiro de l786.


[1] Códice 21,1,14 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

No início da página está a anotação assinada pelo Barão de Drummond, que o trouxe de Portugal: "B.N. original da mão do autor, Alexandre Rodrigues Ferreira. Lisboa, 2 janeiro 1849. Drummond”.