Miranhas[1]

 

A tábua 1ª representa a figura de um gentio da nação miranha: Uma das mais populares que habitam na margem setentrional do rio dos Solimões, entre os dous rios do Iupurá e do Içá.

 

Distinguem-se dos outros gentios em serem claros, em terem ambas as ventas furadas e em trazerem introduzidas nos furos, pela ocasião da guerra principalmente quando querem incutir maior terror, penas da cauda de arara, as quais, ficando em uma posição declinada, representam umas bigode[i]ras.

A todos os outros gentios faz guerra e aprisiona, assim como de todos eles é perseguido e aprisionado para os servir como escravos: tais são os tabocas, mauás, curacis, jumas, passés, curetus, macunaãs, amaniuaras e os mais que habitam nos confluentes de ambos aqueles rios. O seu principal império, aonde não encontram os outros gentios, é no rio Carauini, que deságua na margem ocidental do Iupurá, alguns dias acima da cachoeira do Caputi.

Um costume é notável nestes gentios: que como habita em uma paragem [ ] faminta de peixe, vê-se obrigado a descer abaixo da sobredita cachoeira, para fazer [na] vazante do rio, as suas provisões de peixe seco; fazendo-as porém pela maneira seguinte: Como eles não têm sal que chegue para as grandes salgas (porque o pouco que tiram pela combustão das plantas, além de não ser da natureza do sal marino, apenas chega para temperarem o comer), estendem o peixe inteiro, como o pescam, em uma grelha de pau ao fumo, para se lhe dissipar a umidade. Dissipada ela, o escamam e o extirpam e, cortadas as cabeças a uns poucos, os vão unindo em uma figura cilíndrica 6, 6, cingindo-os por fora com a casca dos talos da pacová sororoca, de maneira que há cilindro destes que pesa boas 3 arrobas, e outras tantas carregam as mulheres.

No vestir e nos mais costumes são semelhantes aos outros. As suas armas são arcos e frechas e alguns usam da zaravatana.

 

Barcelos, 04 de julho de 1788.

Alexandre Rodrigues Ferreira.


[1] Códice 21,2,4 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.