NOTÍCIAS[1] DA VOLUNTÁRIA REDUÇÃO DE PAZ E AMIZADE

DA FEROZ NAÇÃO DO GENTIO MURA

NOS ANOS DE 1784, 85 E 86[2]

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DO FURRIEL COMANDANTE DO DESTACAMENTO

DO LUGAR DE SANTO ANTÔNIO DO MARIPI[3], NO RIO JUPURÁ

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Dou parte a V. Excia. que, sendo chamado à vila de Ega do primeiro comissário e, quando me re[c]olhi para o destacamento achei a novidade que no dia, que contavam 3 de julho, tinha o gentio mura chegado a esta povoação às dez horas do dia para as onze, em termos de paz; ocasião tal que só se achavam o padre vigário e um soldado, pois os dous mais que existiam se achavam em serviço fora dela, e por participação do mesmo senhor sobre as práticas que com eles tive, veio no conhecimento mais dirigirem-se a conhecerem a força da povoação e não ao intento que expressaram, pedindo facas e mais ferramentas precisas, de que resultou o mesmo vigário, temendo os bárbaros, mandar pelos seus rapazes chamar o diretor da povoação, que se achava fora na fatura dum casco de canoa; a este prontamente acudiu, como também os dous soldados, de que havendo conferências, o vigário e o diretor consideraram por melhor de os deixar ir em paz, por ignorarem se a maior quantidade estavam ocultos, como de fato assim era; estes eram cinco, todos eles falavam bem a língua geral e confessaram serem uns de Maturá, outros de Airão, pegados em pequenos, e que além deles haviam outros muito mais, com a gente que ficaram ocultos à espera destes em pouca distância desta povoação, do que tudo resultou receberem-nos como prática verdadeira e leais a esta povoação; pois protestaram de não fazerem mais mortes na gente dela, tanto assim exageraram que não querem; pois atualmente viam os pescadores e todas as canoas que deste lugar saem, como também precaver-nos de que atrás deles vinha maior quantidade de mais muras bárbaros, que entre si não admitiam gente ladina de alde[i]as, a nada perdoavam e a tudo o que topam matam; de que resultou o diretor brindá-los com 25 facas, 1 machado, 1 alqueire de farinha e 1 arpão; só a fim de ver, por estes meios, se abrandam estes cruéis ingratos, de que mostravam irem satisfeitos, e também disseram que se iam refazer de tartarugas, e assolarem ao gentio que fica por este rio, e quando os destruíssem e eles acabassem as suas roças, prontamente voltavam, chegando a esta povoação com algumas tartarugas como remuneração do brinde que se-lhes[4] fez; e pelas conferências que temos tido mais preferimos ser traição que outra qualquer cousa; pois na noute[5] que se contavam seis do presente às 10 para as 11 horas da noite, pouco mais ou menos, foram vistos dois muras pelos índios paués, inferimos, e assim se pode julgar, virem reconhecer o número das casas pela incerteza que tinham aqueles; os que foram vistos por conta que me deu o padre, eram 40 em dez embarcações ubás e cascas de pau; nestes termos e vistas as razões, não nos atrevemos a dar um passo que seja fora desta povoação, e por esse motivo recorro a V. Excia. e aos senhores do governo, que me socorram com alguns soldados, ao menos a completar o número do destacamento.

Deus guarde a preciosa pessoa de V. Excia. muitos anos.

Maripi, 12 de julho de 1784.

Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

Beija as mãos de V. Excia., seu mais humilde e obsequioso súdito.

Manoel José Valadão

 

 

 

DO TENENTE-CORONEL

PRIMEIRO COMISSÁRIO DA QUARTA PARTIDA DE LIMITES

JOÃO BATISTA MARDEL

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

As cartas inclusas, que não copiei por não haver tempo, e o portador[6], porão a V. Excia. na inteligência do sucesso acontecido em Maripi.

Deus guarde a V. Excia. muitos anos.

Ega, 14 de julho de 1784.

Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

João Batista Mardel

NOTE-SE que as acusadas cartas eram do comandante e do diretor daquele lugar do Maripi. Semelhante na substância a precedente participação do referido comandante.

 

 

PARA O SOBREDITO TENENTE-CORONEL,

EM DATA DE 11 DE AGOSTO DO MESMO ANO

 

§ Nele por agora (falando do lugar do Maripi) se conservaram também demais quatro auxiliares, como em maior prevenção de algum insulto do gentio mura; se é que não for sincera a tenção que procurou persuadir de se reduzir a paz e à nossa amizade, do que se pode desconfiar, não obstante tudo o que de bem pode permitir e facilitar a divina providência.

 

PARA O MESMO TENENTE-CORONEL,

EM DATA DE 23 DO SOBREDITO MÊS E ANO

 

§ Finalmente de outro ofício de Vossa Mercê em data de 14, vejo o sucesso relatado a respeito de alguns índios muras, que em figura de paz vieram ao lugar do Maripi; e como sobre isto já antecipei a Vossa Mercê proximamente a precisa resposta, nada mais me resta dizer-lhe do que o restituir-lhe as próprias cartas, porque o diretor e o comandante do destacamento deram a Vossa Mercê essa parte, sendo semelhante a que também a mim me dirigiram.

NOTE-SE que ao comandante se respondeu no mesmo tempo com referência ao que se ordenou ao mencionado tenente-coronel.

 

 

DO DITO COMANDANTE

 

Ilmo. e Exmo. Sr.:

No dia que se contavam 12 do corrente pelas oito horas do dia apareceram neste porto duas ubás com quatro índios, que são os que servem de falar a língua aos muras e, dizendo que os ditos estavam aí perto que queriam vir a falar e trouxeram cinco tartarugas como presente, que fazia o principal e umas poucas de raízes de salsa, cousa pouca; estivemos praticando que viessem e trouxessem as mulheres para se lhe dar alguma cousa para elas; e partiram para aonde estava o principal, seriam duas horas da tarde, com pacovas e alguma farinha e beijus, que dessem ao principal, e que noutro dia que se contavam treze, que viessem como vieram, e chegaram a este porto seriam sete horas do dia, os quais não consenti que viessem do porto para cima, senão o principal e os línguas do que estivemos a conversar e ouvir o que dizia e, passado algum tempo, mandei que fosse para a casa do principal para se lhe dar alguma cousa de comer e saber a derrota que indo daqui levava; disse que ia para o lago do Amaná a ver um irmão que por lá andava com outra gente e para lhe dizer que tinha feito pazes com os brancos, que não fizesse mal a ninguém e para o trazer a vir ter conosco aqui, e, procurando-lhe pelos outros que aqui tinham vindo da outra vez, deram por resposta que tinham ido pelos Pureos a dar em outros seus inimigos; e por tardarem muito tempo e já se ter chegado o tempo que tinham ficado de vir ter conosco; por essa causa não vinham todos, mas que logo haviam de vir atrás; não deram tempo certo. E procurando-lhe quando haviam vir de baixo, disse que não sabia se daria logo com os parentes, que dando com eles então é que havia de vir, disse-lhe como ele ia para baixo, se queria ir a falar com o tenente-coronel, que havia [de] gostar muito de o ver, e que lhe havia de dar muito; disse que sim, mas logo disse-lhe que havia de mandar soldados com ele, mas em outra canoa; disse que ele andava mal disposto da barriga, que não andava capaz de andar com brancos, que quando eles viessem de baixo que havia de ir falar com o tenente-coronel, que ele também o queria ver; a este principal acompanhavam 28 índios, 1 rapaz e 6 mulheres em 7 ubás, que é só os que aqui trouxe consigo, os mais parece que ficaram de guarda às mulheres, porque eles mesmo[s] disseram que as mais mulheres não quiseram vir, porque tinham medo e viram mais ubás que andavam à vigia pela outra banda. E às mulheres que aqui vieram, a cada uma se lhe deu um espelho, uma gargantilha, umas poucas de miçangas; aos índios se lhe[s] deu a cada um que aqui veio uma faca, um berimbau, três anzóis, um bico de flecha, duas sararacas, e ao principal se lhe deu de mais uma fouce para ele e três machados e duas fouces para que ele desse a quem lhe parecesse, e dois paneiros de farinha.

 

Deus guarde a (preciosa pessoa de)[7] V. Excia. muitos anos.

Maripi, 15 de janeiro de 1785.

Ilmo e Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

Be[i]ja as mãos de V. Excia. seu mais humilde e obsequioso súdito.

Manoel José Valadão, furriel e comandante.

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Sem embargo na parte que dou a V. Excia. que o gentio mura não se resolvia a ir ter com tenente-coronel senão quando viessem de baixo e, passados dois dias, daqui tinham partido, estando para despedir a parte pelas três horas da tarde chegaram segunda vez os línguas ao porto, dizendo, da parte do principal, que se não tinha despedido para baixo, que ele [é] que queria ir; mandei que viessem; chegaram com a família toda; eram mais de 40 ubás; mas não foram todas à vila de Ega, porque o principal disse que o feminino não fosse(m) com ele, e foram esperá-lo ao lago de Amaná.

 

Deus guarde a preciosa pessoa de V. Excia. muitos anos.

Maripi, 16 de janeiro de 1785.

Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

Be[i]ja as mãos de V. Excia. seu mais humilde e obsequioso súdito

Manuel José Valadão

 

 

DO REFERIDO TENENTE-CORONEL

 

Ilmo. e Exmo. Sr.:

No dia 18 do corrente apresentou-se neste quartel o diretor do Maripi trazendo um principal mura e dez índios seus vassalos em que vinham três línguas, um que foi rapaz da povoação de Carvoeiro e dois de Castro de Avelãs, tendo deixado mais de cem pessoas fora da boca que temeram entrar:

Fiz as mais eficazes práticas, premiei-os com o que mandarei em outra ocasião dizer a V. Excia.; prometem paz e que sairão; mas que agora iam por todos os parentes que se acham por ambas as margens do Amazonas e Madeira, do mesmo acordo; Deus lhe ponha a virtude.

Sempre os adverti de que quando aparecessem a alguma canoa nossa se apresentassem sem armas e dizendo: – Camarada Matias, cuja advertência também faço aos nossos que daqui vão e forem, para que lhes não atirem e hajam de destruir uma obra que leva tão bom princípio.

 

Deus guarde a V. Excia.

Ega, 22 de janeiro de 1785.

Ilmo. e Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

 

João Batista Mardel.

 

 

PARA O MESMO TENENTE-CORONEL

 

Acabando de acusar em outra carta todas as recebidas de Vossa Mercê com data de 22 de janeiro, e tendo delas respondido às que compreendia o primeiro maço, agora continuarei a fazê-lo às do segundo, tratando unicamente nesta sobre a notícia dos muras, que Vossa Mercê me participa na que veio marcada com o n. 1.

Vejo pois, em como um principal, acompanhado de não pequeno número de pessoas, saiu ao lugar do Maripi, no rio Jupurá, em desempenho da promessa alguns meses antes feita pelos do primeiro troço ali aparecidos; e vejo que o dito principal com parte dos seus índios, (havendo por medo deixado outra maior parte na boca desse lago) se resolveu de ir falar a Vossa Mercê, e o que de oportunas práticas e de o acariciar, Vossa Mercê com ele executou; o que tudo me deixa contente e muito satisfeito; porque não obstante, que desde logo não devamos dar inteiro crédito às promessas daqueles bárbaros, e que por ora sobre eles e sobre alguns seus pretendidos enganos, nos devamos com prudência e cautela regular; também, não devemos duvidar da infinita misericórdia de Deus, para que ele permita se realize uma obra tanto da sua glória e tanto da sua piedade, em libertar a estes miseráveis povos de tão cruel flagelo.

Em tais termos pois, se aí tornarem, lhe continuará Vossa Mercê o mesmo agasalho e toda conveniente prática que Vossa Mercê saberá bem intimar-lhes, propondo-lhes a principal felicidade que obterão em se reduzirem ao grêmio da igreja, e a vassalagem da rainha nossa senhora, que protege e manda tratar os índios com a maior humanidade, ainda mesmo perdoando lhes os seus insultos e delitos, como lhes pode constar se praticou com os do Rio Branco, e se tem semelhantemente praticado com outras muitas nações; sendo do tempo do meu governo na capitania do Piauí também constante o que ali se obrou com a nação dos quegues, de igual ferocidade, e que posto por diferentes princípios, como foi o da guerra que lhe dispus, em execução das reais ordens se reduziu e estabeleceu com muita utilidade daqueles habitantes, e não menor interesse do serviço de Sua Majestade: e que enfim de continuarem eles muras nos insultos e excessos que têm praticado, só a sua última ruína podem esperar, uma vez que se tomar essa precisa e indispensável resolução.

Será também conveniente que Vossa Mercê indague a sua força, as povoações que têm e em que sítios, para onde querem descer e para que número de povoações terão suficiente porção de gente; sendo que a ser muita, nunca convirá que fique toda junta, ou as povoações muito vizinhas umas das outras para lhes dificultar alguma futura sublevação, a qual melhor e desde logo se precaveria, se fosse possível passá-los a algumas mais remotas situações da capitania do Pará; mas a isto não será provavelmente vencível de os persuadir e capacitar.

Suposta a senha que lhes deram de – Camarada Matias – e de se apresentarem sem armas aos nossos viajantes, assim irão advertidos os que daqui saírem, se bem que sempre precavidos, para que não experimentem alguma traição.

Deus guarde a Vossa Mercê.

Barcelos, em 4 de fevereiro de 1785.

 

João Pereira Caldas.

 

Note-se que na mesma ocasião se deu também resposta ao comandante do lugar do Maripi, advertindo-o de que pelo sobredito tenente-coronel se lhe distribuíram as correspondentes ordens.

 

 

DO MESMO TENENTE-CORONEL

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Tendo participado a V. Excia. que em 17 de janeiro do presente ano me veio falar com o diretor do Maripi um principal mura, e o mais que com ele passei, agora vou dar a V. Excia. a gostosa notícia de que em 10 de março veio outro troço que acompanhava o dito principal e tinha aparecido a primeira vez em Maripi, mas ao tempo que o principal veio com a sua gente falar-me que foi o em que tinham prometido aparecer, não veio este último troço capitaneado por um índio por nome Ambrósio, por ter ido ao rio dos Pureos acabar, como dizem acabaram uma nação por ordem do sobredito principal.

Este índio Ambrósio que é de corpulenta e quase gigantesca figura por ser mais alto, mais fornido e musculoso do que eu, veio em fim falar-me trazendo em sua companhia a mulher que é mura com quem se casou por seu modo no rio da Madeira, segundo me explicou, no lago dos Guatazes, aonde em dilatadas campanas tem o mura grande poder e por conseqüência muitas roças de mandioca, milho e outras frutas de que vivem com fartura, além da pesca de que os fornece o mesmo lago de peixe-boi e tartarugas, com outros inumeráveis peixes.

Ele falando mal a língua geral, mas em tudo murificado até nos dois ossos como grandes dentes que trazem um no beiço[8] de baixo e outro no de cima pelo terem os muras apanhado na povoação de Paraguari, e terem-no assim desfigurado a ele, uma irmã que aqui trouxe consigo pagã; por apanhada ainda pequena, mas falando bem a língua geral com a mãe, que também veio e com ele foi apanhada por nome Joana.

Esta Joana serviu de língua, e entre todas as práticas que lhe fiz, ainda que não tão enérgicas como V. Excia. é servido instruir-me, me respondeu que ele ia já dar princípio à sua povoação no lago do Amaná em uma tapera aonde em outro tempo esteve a povoação dos Alvarães, e que por causa do mesmo mura se retirou; sendo aliás as terras muito pingues e o lago abundantíssimo de pescado como as suas margens de salsa, de cacau e outras drogas que fazem o comércio do Estado.

Que ele depois de dar princípio à povoação que pretendia fazer grande, para o que já trazia um principal Chumana com parte da sua gente toda corpulenta e muito trabalhadores; devendo depois vir o resto que nas terras do Jupurá desta nação ficaram; pretendiam passar ao Juruá, praticar o mura daquele rio, de quem ele era sócio, e pô-los de paz, reduzindo-os a fazer, ou no mesmo Juruá, descerem com ele a aumentar a povoação ou povoações no mesmo Amaná.

O principal Chumana, que separadamente pratiquei, me disse que, obrigado do medo que o sobredito Ambrósio lhe infundira, descia e pretendia estabelecer-se com ele; e que antecipadamente teria já descido para o Maripi, se o tivessem ido buscar por muitas vezes que o pediu.

Apresentou-se-me este troço de Ambrósio e principal Chumana com dezenove pessoas adultas e algumas crianças; entre aquelas vinham dous[9] muras, um cunhado do Ambrósio e outro que suponho, como espia, que era.[10] Para o acompanhar teria deixado o primeiro principal que me apareceu e que pratiquei, e que também diz pretende no mesmo lago aonde tem muitos aliados muras fazer a sua povoação, que se entendeu ser junto com o dito Ambrósio, depois que se recolhesse, de fazer aos mais muras a prática que já participei a V. Excia. no meu ofício de janeiro próximo passado.

Deste troço, como do primeiro, foram mais de cem almas em direitura para o Amaná, receiando vir à minha presença; mas conversaram e estiveram no Maripi, e no caminho com o diretor, a quem verdadeiramente se deve ser o instrumento de que Deus se serviu e que, espero, frutificará esta grande obra, podendo-se dizer por este revelasti parvulis.[11] Ao diretor facilitei por mo pedir o ir ao referido lago do Amaná à colheita da salsa, tanto para o viático da igreja do Maripi, como para vestir alguns índios novos daquela povoação, aos quais só [isto] se tem dado por não haver parte do prêmio prometido, isto é, o governo da capitania, no qual eu me achava quando se supriu com o que havia.

Recomendei ao mesmo tempo ao referido diretor observasse e visse o que o Ambrósio fazia e de tudo me desse parte para o fazer assim a V. Excia., a cuja respeitável presença incluo neste a relação do que de prêmios deste armazém da partida se distribuiu por ordem minha, como em as mesmas parcelas dela se declara.

Quando Ambrósio me vier falar, como prometeu, eu farei as interrogações que V. Excia. ordena que (refletidamente) não tinha feito por não dar suspeita a um homem que estava indicando na fereza com que se comportou; mas que se declinou muito quando viu liberalizar as peças que se lhe deram, acompanhadas das mais intimativas práticas, e que se parecerem excessivas as peças, estou pronto a pagar pelos meus soldos.

Das promessas que o primeiro principal mura me fez de praticar os mais de uma e outra margem do Amazonas, já se percebeu alguma utilidade (segundo me dizem e que ainda não dou por certo), pois, aportando algumas canoas de pesca em uma praia, perceberam muitas canoas de gentio por detrás de uma ponta e, querendo fugir, eles, desarmados, correram a chamá-los camarada, camarada, e com eles estiveram satisfeitos e sem dano; não tendo tido tempo de me informar da verdade: quando a souber a certificarei a V. Excia.

Deus guarde a V. E.

Ega, 15 de março de 1775.

Ilmo. Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

João Batista Mardel.

 

Relação do que se mandou dar do real armazém do depósito desta vila de Ega, por ordem do Sr. primeiro comissário desta quarta partida ao diretor do lugar de Santo Antônio de Maripi, Matias Fernandes, para ali ser repartido por modo de prêmio ao gentio mura, que pretende habitar no dito lugar; como também do que receberam nesta dita vila em presença do dito senhor, o seguinte.

 

POR ORDEM DE 15 DE JULHO DE 1784 SE REMETEU AO DITO

DIRETOR O SEGUINTE

 

Quatro machados[12]................................................................... 4

Seis fouces.............................................................................. 6

Quatro chapéus pequenos ....................................................... 4

Três dúzias de facas................................................................. 3[6]

Trinta gargantilhas.................................................................. 30

Dez maços de velório sortido.................................................. 10

Duas dúzias de espelhos ........................................................ 24

Três dúzias de berimbaus....................................................... 36

Duzentos e cinqüenta anzóis brancos..................................... 250

 

 

 

DO QUE RECEBERAM NESTA VILA POR ORDEM DE 19 DE JANEIRO DE 1785

Quatro machados[13].................................................................. 4

Quatro fouces.......................................................................... 4

Dois ferros de cova.................................................................. 2

Doze facas............................................................................. 12

Doze trinchetes....................................................................... 12

Doze arpões de tartaruga........................................................ 12

Vinte quatro bicos de flechas ................................................. 24

Vinte quatro sararacas............................................................ 24

Doze navalhas de barba.......................................................... 12

Vinte cinco varas de pano de algodão..................................... 25

Três maços de velório sortido.................................................. 3

Um enchó de canoa.................................................................. 1

 

DA MESMA FORMA

POR ORDEM DE 10 DE MARÇO DO MESMO ANO

 

Dez machados[14]..................................................................... 10

Dez fouces............................................................................. 10

Dezesseis facas...................................................................... 16

Dezoito trinchetes................................................................... 18

Trinta e sete bicos de flechas.................................................. 37

Vinte e cinco sararacas........................................................... 25

Trinta e dois arpões de tartaruga............................................. 32

Sete cabeças de velório ........................................................... 7

Quatro cabeças de granadas brancas......................................... 4

 

 

RECENSEAMENTO DE TODA A CONTA

 

Dezoito machados[15]............................................................... 18

Vinte fouces........................................................................... 20

Dois ferros de cova.................................................................. 2

Sessenta e quatro facas .......................................................... 64

Trinta trinchetes...................................................................... 30

Vinte e cinco varas de pano de algodão................................... 25

Quatro chapéus pequenos........................................................ 4

Vinte e quatro espelhos .......................................................... 24

Quarenta e quatro arpões de tartaruga...................................... 44

Sessenta e um bicos de flechas............................................... 61

Quarenta e nove sararacas ...................................................... 49

Doze navalhas de barba ......................................................... 12

Trinta gargantilhas.................................................................. 30

Três dúzias de berimbaus....................................................... 36

Duzentos e cinqüenta anzóis brancos..................................... 250

Três maços de velório sortido.................................................. 3

Quatro cabeças de granadas .................................................... 4

 

Ega, 11 de março de 1785. – Pedro José Pereira.

 

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Sem embargo de se não verificar mais que por umas leves notícias o que participei a V. Excia. em 15 de março terem os muras praticado de paz com uns pescadores nossos, agora se me verificou caso idêntico pela parte inclusa.

Tendo também notícia certa de que o Ambrósio capitão do segundo troço principiara logo que foi daqui a roçar no Amaná de onde veio com muitos dos seus trazer uma boa porção de tartarugas a um parente seu, que é meirinho na povoação de Nogueira, e onde se demoraram com danças e com boa harmonia; e não tenho certeza ao fazer desta, se já se foram outra vez.

Mandando o Alvarães, também mo participou vocalmente o diretor que lá se achavam três índios e duas índias muras, que debaixo de paz foram àquela povoação; como isto não é obra de um dia, Deus lhe ponha a virtude.

Deus guarde a V. Excia.

Ega, 17 de abril de 1785.

Ilmo. Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

João Batista Mardel. Senhor tenente-coronel primeiro comissário.

 

No dia 14 de março chegaram à minha presença recolhidos de uma pescaria os dous[16] soldados auxiliares Caetano de Lira e Agostinho de Carvalho e um índio por nome Francisco, os quais me disseram que indo andando pela margem do Solimões, que chamam Paricatuba, encontraram cinco canoas de muras, a que os ditos auxiliares e índio quiseram atirar: o que vendo os referidos muras, logo sem pegar em arco e frechas[17] para a defesa, se levantaram e em altas vozes gritaram – camarada Matias – tenente-coronel; e para maior sinal, mostraram também uma camisa e um calção; vendo porém os referidos auxiliares e índios ser aquela senha que V. Mcê. em um ofício me participou para eu instruir os moradores deste lugar; logo aportando ao pé das canoas dos ditos muras, com eles estiveram; e na despedida, forneceram aos ditos gentios com alguma farinha; tornando a apartar e sem que houvesse alguma novidade que pusesse em suspeita ao dito gentio.

Deus guarde a V. Mcê.

Alvelos, 18 de março de 1785.

Diretor Domingos de Macedo Ferreira.

 

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

De mais do que participo a V. Excia. na carta de n. 4, acresce a notícia da carta inclusa que recebi juntamente ao fechar deste saco e de que não deixei cópia.

 

Deus guarde a V. Excia.

Ega, 17 de abril de 1785.

 

 

Ilmo. Exmo. Sr. João Pereira Caldas.

João Batista Mardel.

 

 

Senhor tenente-coronel:

Têm os muras roçado um bom roçado e estão continuando a roçar mais para roças, além do que está roçado para lugar da povoação, e não topei cá o capataz[18] dos muras Ambrósio; disseram os Chumanos que tinha ido para Nogueira; V.Mcê. lá saberá se assim é ou não.

Cá recomendei aos meus índios que andam em diligência de ajuntar alguma salsa e jabotins, cujos têm aparecido só quatro, que são os que remeto.

O furriel me disse que havia dar parte a V. Mcê. da minha saída e chegada, se V. Mcê. poder dispensar para se livrar o trabalho dos índios.

Deus guarde a V. Mcê. muitos anos.

Lago do Amaná, 16 de abril de 1785.

De V. Mcê. súdito venerador e criado.

Matias Fernandes.

 

 

PARA O MESMO TENENTE-CORONEL

 

De uma carta de V. Mcê. datada de 15 de março, n. 1 e de duas mais de 17 de abril, n. 4 e 9, fico cabal e circunstanciadamente informado de quanto daí felizmente se tem obrado e tem de mais ocorrido sobre as boas disposições de paz e amizade que se continuam em observar no gentio mura; havendo já um troço deste dado princípio ao seu estabelecimento no vizinho lago Amaná, conforme presenciou e o relata o diretor do Maripi Matias Fernandes; e sendo por isso tanto mais a esperar o bom sucesso que desejamos, voltando eu a V. Mcê. inclusa a própria carta do dito diretor.

Deus guarde a V. Mcê.

Barcelos, em 3 de maio de 1785.

João Pereira Caldas.


[1] Códice 21,1,25 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

[2] Nas remissões, chamaremos A ao manuscrito, B à edição do IHGB e C à edição do Conselho Federal de Cultura.

[3] Como o nome desse lugar aparece ora como Maripi, ora como Maripi, uniformizamos as referências sempre para “Maripi”.

[4] A: lhe por lhes. Na verdade, a forma corresponde à origem correta da palavra, que não tinha forma de plural no português arcaico.

[5] B: noite.

[6] Entenda-se “As cartas... e o portador porão”.

[7] "Preciosa pessoa de"  não consta no manuscrito.

[8] B = "bico"

[9] A = dois

[10] Aqui não há qualquer pontuação no manuscrito. Trata-se de nossa leitura interpretativa..

[11] B = está sublinhado.

[12] B = “4  machados, 6 fouces, 4 chapéus pequenos, 3 dúzias de facas, 30 gargantilhas, 10 maços de velório sortido, 2 dúzias de espelhos, 3 dúzias de berimbaus, 250 anzóis brancos”.

[13] B = 4 machados, 4 fouces, 2 ferros de cova, 12 facas, 12 trinchetes,12 arpões de tartaruga, 24 bicos de flechas, 24 sararacas,12 navalhas de barba, 25 varas de pano de algodão, 3 maços de velório sortido, 1 enchó de canoa.

[14] B = 10 machados, 10 fouces, 16 facas, 18 trinchetes, 37 bicos de flechas, 25 sararacas, 32 arpões de tartarugas, 7 cabeças de velório, 4 cabeças de granadas brancas.

[15] B = Machados 18, fouces 20, ferros de cova 2, pano de algodão varas 25, chapéus pequenos 4, espelhos 24, arpões de tartaruga 44, bicos de flechas 61, sararacas 49, navalhas de barba 12, gargantilhas 30, berimbaus 3 dúzias, anzóis brancos 250, velório sortido, maços 3, cabeças de granadas 4.

[16] B = dois.

[17] B = flechas.

[18] B = capitão