[OS TAPUIAS]

nA ordem dos Primazes[1]

 

Esta ordem compreende os mamais que têm os caracteres abaixo:

1) Na maxila superior, quatro dentes incisores e paralelos; as presas separadas.

2) Duas mamas no peito, uma de cada lado.

3) Os pés dianteiros servem de mãos. As unhas são esplanadas e ovais.

4) Os braços são divergentes mediante as clavículas. O andar é a quatro pés.

5) O seu sustento natural e originário são frutos.[2]

É nesta primeira ordem que, segundo aquele sistema, tem o primeiro lugar o homem. O caráter de distinção do seu gênero consiste no conhecimento de si mesmo. Nosce te ipsum[3] foi a inscrição que mandou Sólon escrever com letras de ouro e colocar no Templo de Diana.[4] Porém sendo muitas e mui diversas entre si as relações que se deduzem daquele conhecimento, e sobrando em cada uma delas a matéria para ocupar e intreter os estudos não de uma, mas de muitas vidas, algumas se consumiram em adquirir somente o conhecimento fisiológico, outras o dietético e, assim por diante, o patológico, o político,[5] o moral, o teológico. E por este modo, cada um nos deu a conhecer o homem naquele ponto de vista em que ele mais o observou.

O homem natural ficou sendo o objeto das observações dos naturalistas. A sabedoria quanto à sua alma, a docilidade e o ensino são as que formam o caráter essencial de sua espécie. A diversidade de sua cor, quanto ao seu corpo, a do lugar, em que habita, e a de seus usos e faculdades corporais, o que indicam é que também da sua espécie, assim como das dos outros animais, há algumas variedades. Neste sentido, o tapuia é uma delas. Tão homem é ele, como o europeu, o asiático e o africano, e da mesma sorte que em razão da diversidade de sua cor e do país de sua habitação, nós, pelo nome de sua própria língua os denominamos "tapuias". Também eles a nós denominam "tapui-tingas" ou tapuias brancos, que, sendo europeus, se distinguem hoje entre os índios domesticados, pelo nome de "cariba suaiuara"[6] ou branco europeu. Aos pretos chamam "tapuiúna" ou tapuia preto.[7]

Com efeito, os tapuias nenhuma outra diferença têm, senão as que são acidentais ao ser do homem. Diversificam na cor, a qual logo se verá que é mais ou menos acastanhada, segundo as alturas em que habitam; segundo o estado físico de seus corpos, ou sãos ou enfermos, e segundo a vida que passam, mais ou menos exposta às impressões do tempo. Diversificam na língua, porque não não é a mesma que a nossa, mas nem é a mesma que todos eles falam entre si. Sendo tantas as suas línguas quantas as diversas tribos de gentios que habitam as ilhas e o continente da América. Diversificam na energia e no exercício das potências e faculdades intelectuais, não sendo tão vivo e ativo o seu espírito, nem ainda como o dos pretos igualmente selvagens. Mas é capaz de ensino que o desperte, que o faça refletir e que o melhore do que é. Isto, porém, é o que mais circunstanciadamente se expende nas observações abaixo.

A primeira que logo faz todo e qualquer europeu, em chegando à América, é a da novidade que imprime no seu espírito a presença de um tapuia, um homem de uma cor, de umas feições, de uma língua e de uns usos e instituições diversas. À primeira vista (reparou em outro tempo o Sr. de Balsamão)[8] representa um homem dócil, tranqüilo e tratável. Mas, examinado de perto, logo deixa ver um ar de selvagem, de desconfiado e de sombrio. Porém, o que menos complica e dificulta esta observação é que, segundo refletiu o espanhol D. Antonio de Ulloa "Visto um, pode-se dizer estão vistos todos".[9] Muito antes dele, tinha feito o mesmo reparo o outro espanhol D. Pedro de Cieca de Leão, quando noticiou "Que todos eles, homens e mulheres, pareciam filhos de um mesmo pai e de uma mesma mãe, apesar da infinidade de nações e da diversidade de climas, aonde habitam". Há, com efeito, em todos eles, uma certa combinação de feições e um certo ar tão privativamente seu, que nele se deve estabelecer a característica de uma figura americana.

A segunda é a da sua cor, porque todos a têm de cobre ou de castanha, com a diferença somente que em umas nações é mais e em outras menos carregada e retinta "não em proporção da sua distância ao Equador (observou Sua dita Excelência) mas sim, segundo o grau de elevação do terreno aonde habitam. Assim, os que vivem nas umidades das serras e das montanhas são muito mais alvos que os que povoam as suas fraldas. E uns e outros, à proporção da elevação do seu país, mais alvos que os que ocupam as planícies, as terras baixas e os pantanais; o que se está vendo nos que povoam as cordilheiras da parte superior dos rios Branco e da Madeira. De sorte que alguns mais parecem mamelucos, isto é, filhos de branco e de tapuia, do que simplesmente tapuias. Contudo, por mais retintos que sejam, não deixa de entre eles mesmos se diferençar muito, para menos carregada, a cor dos que menos trabalham expostos ao tempo; e para mais, a dos que experimentam as suas vicissitudes. Um tapuia, depois de passados dous meses que está posto a fazer manteigas em uma praia do Solimões ou do Madeira, sempre exposto ao calor do sol e ao fogo das caldeiras, pouco difere de um preto. Que muito, se nesse caso, os mesmos brancos parecem mulatos? Pelo contrário, os que se empregam em serviços domésticos sempre são mais alvos do que aqueles. Também as enfermidades, tais como a obstrução, a caquechia[10] e a consumpção,[11] os apresentam mais esbranquiçados e pálidos. Os purupurus,[12] por outro nome catauixis[13], que habitam no rio dos Purus, confluente do dos Solimões, têm as mãos e os pés malhados de branco.

Porém, donde procede a diversidade de sua cor nativa e originária? Eis aqui no que se não ingere a filosofar a maior parte dos historiadores; e todos eles não cessam de recomendar aos físicos e anatômicos a explicação deste fenômeno; contentando-se de circunstanciar tão somente com milhares de exemplos e de casos particulares as observações abaixo:

1ª) Sendo toda a Europa habitada de brancos, há, contudo, a fazer um reparo étnico[14] que, à proporção que nos desviamos do norte e dos países frios, demandando aqueles que mais expostos se acham ao calor do sol, assim vamos observando que, gradualmente, se diminui na pele humana a alvura de sua cor. Os gregos, napolitanos, sicilianos e os habitantes de Córsega, de Sardenha e os espanhóis, que estão, com pouca diferença, situados debaixo do mesmo paralelo, são indisputavelmente mais trigueiros que os franceses, ingleses, alemães, polonos, moldavos e os mais povos do norte até a Lapônia. Nem a cor trigueira dos primeiros se espalha e distribui por mais alguns povos da terra, senão por degraus, até que ultimamente termina em um preto fixo e uniforme. O espanhol é mais trigueiro que o francês, o mouro mais que o espanhol e o negro mais que o mouro.

2ª) Em quase toda a Ásia e ainda nos climas temperados de África, os seus habitantes são brancos, e tão somente debaixo da zona tórrida em África ou nos países que mais vizinhos lhe ficam, todos são pretos; o que também sucede em alguns cantões da Ásia. E assim como entre os brancos, uns o são mais que outros, da mesma sorte sucede entre os pretos.[15] Vê-se que os que habitam na margem meridional do Senegal e os jalofos,[16] que são os que ocupam as terras compreendidas entre aquele e o outro rio Gâmbia.[17]

Os da ilha Goréia e da costa de Cabo Verde são muito negros, e disso mesmo se prezam eles, porque têm uma cor profundamente azevichada.[18] Menos pretos que aqueles são os da Serra Leoa e os de Guiné. Ainda menos pretos que estes, e que os de Congo, são os da Costa de Judá, de Issigna,[19] de Arada e outros lugares seus circunvizinhos. Geralmente, os mais negros de todos são os do Senegal, Gâmbia, Cabo Verde, Angola e Congo.[20]

3ª) Porém nos países do Novo Mundo habitado, que, certamente, têm a sua maior parte situada debaixo da mesma zona tórrida, aonde estão as Antilhas, o México, o Reino de Santa , a Guiana, o País das Amazonas, o Peru etc.,[21] em vez de habitarem homens de cor preta e semelhante à dos que habitam nas regiões correspondentes de África, habitam índios, os quais, suposto que não sejam brancos como os europeus, também não são pretos como os africanos seus correspondentes, mas sim da cor de cobre, ou de castanha.

4ª) Sim; desta cor de cobre uns se afastam mais e outros menos. E os tapuias, assim como os brancos e os pretos, têm entre si nações que são mais ou menos retintas. Nas partes mais setentrionais da América habitam espécies de lapônios semelhantes aos da Europa; e depois deles outros gentios que são assaz[22] brancos e têm as feições da face muito regulares.[23] Entre os referidos gentios, algunsque até os mesmos cabelos os têm louros como os europeus setentrionais. E os do Canadá e de toda a terra firme, até o Golfo do México, em tudo se assemelham aos tártaros. Mais trigueiros que os do Canadá são os da Flórida e do Mississipi; os das ilhas Lucaias mais que os das de São Domingos e de Cuba.[24] Entre os habitantes do istmo da América, que Water reconheceu[25] e viu, que eram da cor do cobre amarelo ou de laranja, habitam outros que são brancos da cor de leite. Os índios do Peru, que povoam as costas do mar e as terras baixas, são da mesma cor de[26] cobre que os de todo o Brasil; ao mesmo passo que os habitantes das Cordilheiras bem pouca ou nenhuma diferença têm dos europeus. Todas estas variedadesem suas cores; porém, a mais geral e a que lhes é nativa e originária é constantemente a de cobre e não a cor preta. O que assim posto e estabelecido, produz a seguinte dúvida, e é que, se para se atribuir ao calor as diversidades das cores favorece a primeira observação, para se subscrever a ela, evidentemente se opõe a terceira, visto que a climas correspondentes não correspondem as cores.

Com efeito, para ao calor principalmente se atribuir a diversidade das cores, nenhuma dúvida obstará, em refletindo:

a) Que, para exatamente se determinar a temperatura do clima em algumas partes do globo, não basta o medir somente a sua distância ao Equador, mas também é necessário examinar:

1º) a altura em que estão sobre o nível do mar;

2º) a elevação das montanhas, ou próprias, ou vizinhas;

3º) a extensão do país;

4º) a natureza do terreno;

5º) os ventos que reinam etc.[27]

Donde vem que a latitudes correspondentes nem sempre correspondem os climas. Se bem que no Antigo Mundo, determinada que seja a posição de alguns países, fica ordinariamente determinado o seu clima.

b) Pode o americano situado debaixo da zona tórrida padecer menos calor, que o africano, seu correspondente, e, por conseguinte, pode mostrar na sua cor a diferença que vemos de ser de cobre e não preta. O que tanto melhor se percebe, quanto mais claras e exatas são as observações que continuam.

5ª) Faz realmente menos calor debaixo da zona tórrida na América do que debaixo dela em África. Ora, compreendendo-se debaixo daquela zona em o Novo Mundo: o México, a Nova Espanha, o Peru etc., jamais se experimenta ali um tão grande calor como se experimentaria, se não estivessem as referidas províncias tão extremamente elevadas acima do ordinário nível da superfície do globo.[28] De maneira que, nos grandes calores, não sobe o termômetro tanto no Peru como chega a subir na França. As neves que cobrem os cumes daquelas serras resfriam o ar. E esta, que é filha da primeira causa, influi muito sobre a temperatura do clima; e os seus habitantes, por conseguinte, em vez de serem pretos, são tão somente avermelhados ou da cor do cobre.

Pelo que respeita às terras de[29] Amazonas, que são baixas, são também ali tantos os rios, os lagos e os bosques, que, por mais cálido que seja o ar que para ali se dirija, nunca jamais pode deixar de se umedecer e refrescar mais do que aconteceria em outro país mais seco. Ultimamente, não se acham pretos, senão naqueles climas da terra aonde todas as circunstâncias concorrem para produzirem um calor constante e sempre excessivo.[30]

6ª) Em outras partes da América, que estão debaixo do mesmo paralelo que algumas de Ásia e de África, nas quais o calor é fecundo e benéfico, predomina um excessivo frio, e o inverno ali se faz sentir com um extremo rigor.

7ª) Este mesmo frio se estende mais avante, como experimentam os que atravessam a América para a zona tórrida, aonde ele serve de moderar a intensão de seu calor. De sorte que, quando na costa de África estão os pretos ardendo em calma,[31] respiram os habitantes do Peru um ar fresco e temperado.[32] Sabe-se, que dessas raras vezes, que em França, fora da zona tórrida, sobe o termômetro a 30o e no Senegal, até 38o, no Peru jamais se eleva acima de 25o.

8ª) Sabendo-se que a América para o pólo do norte se estende mais do que a Ásia ou a Europa, da mesma sorte se sabe que o vento que passa por aquela vasta extensão de terra elevada e gelada, a qual se-lhe apresenta em uma cade[i]a de altas montanhas, aonde a neve é eterna, ali se resfria, de maneira que nem ainda depois de atravessar para os climas mais temperados, chega a perder a sua atividade, enquanto não entra no México, que é aonde se modera. Noroeste na América Setentrional e um frio excessivo, consta da História das Viagens que são sinônimos.[33] Em se voltando o vento daquela parte, seja ou não à força do mais ardente estio, imediatamente se experimentam os efeitos de uma súbita transição de calor para frio, e das suas incursões participam as províncias meridionais.[34]

9ª) Da parte do trópico meridional encontram-se ainda, mais que da do boreal, mares gelados e países horríveis, estéreis e quase inabitáveis, pelo rigor do frio, o qual se comunica às províncias interiores.[35]

10ª) É verdade que o vento que invariavelmente assopra na direção de Leste-Oeste sobre as regiões da América situadas entre os trópicos, antes de chegar às suas costas, tem-se recheado de infinitas partículas ígneas, as quais lhe subministram os ardentes planos da Ásia e os adustos areais dos desertos de África, por onde tem passado. Porém, como ele atravessa o Mar Atlântico antes de chegar às costas americanas, naquele mar se refresca e não somente diminui a intensão de seu calor, mas se faz sentir como uma branda e suave viração. E daqui vem que o Brasil é um país fresco e temperado, relativamente às latitudes correspondentes de África. E que, sendo o calor que deveria ter, em razão da sua posição, notavelmente enfraquecido e moderado pelas causas mencionadas, também a cor de seus habitantes vem a diferir das dos brancos muito menos que da dos pretos. Pois que, em o calor sendo excessivo, como é no Senegal e em Guiné, os homens são pretos e muito pretos; em sendo pouco menos ativo, como sucede nas costas orientais da África, os pretos são menos pretos; em passando a mais temperado, como é o da Berbéria, Mogol, Arábia etc., os homens também[36] passam a trigueiros, e sendo totalmente temperado, como na Europa e Ásia, os homens são brancos.

Que do calor do clima principalmente parece depender a cor preta ou trigueira, fica suficientemente explicado pelas observações acima.[37] Mas em que parte do corpo reside a cor preta dos negros? Será no corpo reticular de Malpígio,[38] segundo o qual a epidermis[39] dos pretos é tão cândida como a dos brancos; o que se pretende estar confirmado pelas experiências de Ruysch?[40] Será na mesma epidermis, como sustenta Winslow,[41] mostrando que ela é realmente preta, se bem que o não pareceu, pela sua nímia delicadeza e transparência? Será no sangue, como diz Towns,[42] o qual nos pretos viu ele que era muito mais negro do que nos brancos?[43] Ou será na bílis, como pertende Barrere,[44] pelas repetidas experiências que fez de que ela, nos pretos, não é amarela, como nos brancos, mas tão negra como a tinta?[45]

Ora, tudo isto é pretender mais que o que se propõe.[46] Examinar a causa que obra, não é inquirir o como ela obra.

Quanto a mim (diz De Buffon), confesso que sempre me pareceu que a mesma causa que nos faz mais trigueiros quando nos expomos ao ar aberto e aos ardores do sol, essa mesma é a que faz que os espanhóis sejam mais trigueiros que os franceses, os mouros mais que o espanhóis e os negros mais do que os mouros. Nós não queremos indagar o como esta causa obra, mas assegurarmo-nos[47] somente que ela é a que obra.[48]

A terceira observação quanto aos tapuias é a da lisura de sua pele, quanto ela é sólida[49] e unida; de maneira que não somente o comum deles carece de pêlos em a maior parte de seus corpos, exceptuada a cabeça, as axilas e o pentem,[50] mas também da mesma porção escamosa e rugas ou silhões[51] que regram a matéria da transpiração; ficando tão lisa que, tocando-se-lhe com a mão, se sente como aveludada. O que, não obstante, alguns há, principalmente de entre os domesticados, que, à imitação dos brancos, têm bastantes pêlos pelas mãos, pelos braços e pelas pernas. Em a maior parte dos muras[52]  homens, que vi pelo Rio da Madeira, observei um fenômeno que, nos mais tapuias é raro, isto é, o terem barba. Poucos a tinham cerrada; porém todos crescida no lábio superior e na barba.[53] É certo que estas são exceções de regra, porque o comum, disse que tem a pele nua, lisa e unida. Que esta vem a ser a razão por que no caso de lhes serem precisos os diaforéticos,[54] necessitam que estes sejam mais fortes que os que se aplicam aos brancos. Outras muitas observações se oferecem neste lugar; porém sigamos nós o fio de todas elas, dividindo quando[55] há a examinar nos tapuias em três classes gerais:

 

Primeira: De sua constituição física

Segunda: Da moral

Terceira: Da política

 

Constituição Física

 

a) Corporal

Como ela diz respeito a seus corpos e se há de dar a conhecer pelos caracteres externos, tomá-la-emos da divisão natural do corpo humano em cabeça, tronco, extremidades.

Cabeça – É perfeitamente redonda em os que a não desfiguram com alguma deformidade industrial, como, por exemplo, os cambebas,[56] que as entalam, quando crianças, para ficarem com elas chatas. Todos as têm povoadas de cabelos

a) perfeitamente negros e que com a longa idade se fazem ruços;

b) compridos, soltos e desalinhados, quando gentios;

c) lisos, isto é, corredios; exceptuados os muras,[57] que quase todos os têm crespos e parecem amulatados;

d) grossos e tão rudes em outros que parecem sedas porcinas.[58] Ou sejam moços ou velhos, raros são os tapuias calvos.

Face – É larga e chata, afastando-se o mais que é possível da forma oval que é comum aos europeus; porém com as feições dos asiáticos, aos quais se assemelham mais entre os povos do Antigo Mundo. Uns a conservam no seu estado natural, outros a desfiguram com alguma deformidade, ou mascarando-a, como fazem os iurupixunas,[59] ou distendendo, mutilando, furando e rasgando algumas de suas partes, como outros muitos.

TestaMuito pequena e estreita, com os cabelos quase descidos até as sobrancelhas.

OlhosPequenos; com a pupila ou preta ou castanha, perspicacíssimos.

Orelhas – De sua natureza grandes; porém ainda maiores naqueles que na sua grandeza constituem a formosura da face, distendendo-as ao ponto de lhes descerem até aos ombros, como fazem os uerequenas,[60] por outro nome orelhudos. Uns as conservam inteiras, outros as furam ou rasgam, que por isso lhes chamam os índios domesticados "nambi soroca", isto é, orelha furada; introduzindo nos furos ou tornos de paus, ou molhos de palha, ou fragmentos de resinas, de pedras, de ossos, de cristais, de conchas e de alguns metais.

NarizMais plano do que elevado, porém de olfato delicado. Alguns farejam como os cães. Também, ou o conservam inteiro ou com as ventas exteriormente furadas, para nelas introduzirem penas de aves, como os miranha;[61] ou com um furo praticado na cartilagem que interiormente as divide, para nele trazerem atravessado algum tubo de resina, como os caripunas[62] das cachoeiras do rio da Madeira.

BocaGrande, com os lábios grossos e também ou inteiros ou furados para lhes introduzirem os botoques,[63] que fazem de frechas, de paus, de coquilhos, de ossos e de pedras; porém nenhuns tão disformes como os dos gamelas do Maranhão.

BarbaQue propriamente a seja, como nos[64] europeus, é cousa rara em tapuia. Dos muras, disse o que vi e notei, e ainda de alguns índios domesticados. O que mais comumente se chega a ver nos adultos é uma espécie de buço no lábio superior; aos velhos crescem na barba alguns pêlos grossos e raros. Não é isto um sinal de falta de[65] vigor e de virilidade?

TroncoEm os tapuias do Pará, Rio Negro e Madeira, os quais ordinariamente são de estatura medíocre, é reto e bem talhado; todos são espadaúdos e quadrados, com

a) os peitos largos;

b) o abdômen plano;

c) o dorso musculoso.

Porém, os mauás,[66] que habitam um dos confluentes do Jupurá, o desfiguram, espartilhando-o, de sorte que nem tão espartilhadas se apresentam as mais delicadas damas da Europa.

Extremidades

a) Os braços e as pernas bem talhados e musculosos.

b) As mãos e os pés proporcionados à estatura de seus corpos.

Mas os pés largos, as solas tão ásperas como a lixa e, nos gentios, principalmente, o dedo grande do afastado do seu imediato. Entre os muras[67] é o do esquerdo, por apoiarem entre eles, na ação de expedirem as frechas, as extremidades de seus arcos, que são maiores que os dos outros.[68] Em ambos os pés se que são separados os de outros gentios, porque lhes[69] servem de mãos, com que levantam do chão o que nele cai ou se acha porque com eles se seguram, ao treparem pelos troncos das árvores, como se observa que faz o macaco, entre os quadrúpedes, e o papagaio, a arara, o tucano e outras aves, as quais, para treparem, sem lhes ser preciso nem o uso, nem o artifício, trazem da natureza o caráter distintivo de dous dedos separados.

Da descrição acima, a conclusão que resulta é queem seus corpos, contanto que não estejam desfigurados da arte, aquela proporção e regularidade em que consiste a perfeição de uma figura americana. O talhe airoso do corpo, a estatura proporcionada, as[70] feições delicadas, de tudo vai a natureza repartindo por todos, como lhe parece. Mas por que não reparte ela igualmente pelos tapuias, assim como por nós outros tantos vícios orgânicos quantos denotam na Europa milhares de pigmeus, de corcovados, de aleijados, cegos, surdos e mudos? Com algum destes defeitos e de outras grandes deformidades naturais é raro encontrar[em]-se muitos entre os gentios. Porém, esta observação, o que prova é que assim como as[71] tapuias, nas ocasiões de conflito, desgosto e de grandes trabalhos corporais, procuram, mediante os abortos, evitar-se o obstáculo do feto. Da mesma sorte, depois de nascidos os filhos, se eles saem fracos, defeituosos e mal constituídos, ou os abandonam, como incapazes de a nenhum tempo passarem pelos trabalhos da vida selvagem ou, se os criam, como é muito rigoroso o tratamento que lhes serve de criação, raros deles, assim criados, chegam a uma idade avançada. Não que a natureza não reparta por eles, assim como por nós, aqueles vícios. O que bem o mostra a experiência, porque, se visitarmos as nossas alde[i]as, aonde as índias sabem qual é a severidade das nossas leis tanto sobre os infanticídios como sobre os outros delitos ofensivos da população, acharemos nelas alguns defeituosos mais que os que observamos[72] entre grandes nações de gentios. E ainda que, sem embargo das leis, muitas índias nossas o fazem para diferentes fins: de se pouparem a vergonha, de se vingarem dos pais e de se evitar(em) a mortificação de os criare(m), sempre é com menos liberdade do que no mato.

Pelo que respeita à proporção, que tanto engrandecem em seus escritos alguns dos nossos europeus, achando-a mais justa e mais natural em seus corpos do que nos nossos, Pison[73] e Marcgrav[74] deram a razão dela. É que se eles não são dos que desfiguram a forma humana, não enfaixam as crianças; não espartilham as meninas, para adquirirem cinturas delicadas; não ligam aos filhos os pescoços com os colarinhos; os pulsos, com os manguitos; o ventre, com os cintos; os joelhos, com as ligas e os pés, com os sapatos[75].

Ninguém se engane, porém, assentando, talvez, que a esta regularidade de figura corresponde um igual vigor. Em os desta parte da América, o que também eu tenho observado é que a agilidade excede à força.[76] Um preto, para uma diligência ao mato, é menos ágil que ele; também para o serviço das canoas e para tudo quanto é ou pescar, ou nadar, ou remar pelos rios, não tem a sua esperteza. Porém para o trabalho da enxada e do machado, é mais forte. Um gentio, se é obrigado a trabalhar, imediatamente sucumbe à violência que sente. Um preto, ou constrangido, ou não, dá conta da tarefa que se-lhe impõe, contanto que lhe não falte o sustento. Estes sofrem menos a fome do que aqueles; porém, alimentados que sejam, recompensam a despesa e o cuidado de seus senhores.[77] Aqueles, ou alimentados, ou não, são inimigos do trabalho, porque o não podem fazer quando faltar de alimento, e porque não querem, quando abarrotados[78] dele. Antes, quanto mais bem comidos andam e mais bem folgados, tanto mais cedo se fazem "Venter pigri, malo bestia", como dos cretenses dizia Epimênides, citado por São Paulo.[79] A debilidade é o caráter de seus corpos e a frieza, o de suas almas. Eis aqui a conseqüência, não de uma nem de duas causas somente, como julgam muitos, atribuindo-a uns à temperatura do clima quente e úmido e, outros, à pouca substância e muita simplicidade dos alimentos. Ela procede de muitas causas:

a) De não estarem, desde que nasceram, costumados a trabalhar, visto que o hábito ao trabalho, dos fracos faz robustos; o que se está vendo nos tapuias domesticados, quanto os excedem em força e robustez, sendo aliás estes, por natureza, tão fracos como aqueles.

b) De, ainda que quisessem trabalhar, estarem faltos de tudo quanto são meios de facilitar o trabalho, porque:

1º) não têm instrumentos;

2º) ignoram a arte da fundição e o uso dos metais úteis;

3º) não se ajudam dos outros animais que servem para os diferentes usos da vida, assim como sabemos que ao europeu servem o boi e o cavalo, ao asiático o elefante, o camelo ao árabe, o remi[80] ao lapônio e o cão ao kanskatka.[81]

c) De, sem embargo disto, lhes não custarem fadigas e trabalhos, nem o sustento, nem o regalo, porque a tudo supre a liberalidade da natureza.

d) Da limitada esfera de seus desejos e necessidades que, à menor diligência que façam, ficam amplamente satisfeitas,[82] sem obrigação de se afadigarem pelo alcance dos meios precisos para as satisfazerem; pois que até[83] por si têm.

e) A liberdade do comércio dos dous sexos, aonde, quando e como o apetecem. Em cujos termos, todos eles são homens de natureza tal que, por não trabalharem, são capazes de passar pelos maiores trabalhos.

Quanto a mim, a mais verdadeira de todas as observações que em semelhante matéria se tem feito, e a que mais se conforma com o que tenho visto, é a de Mr. Godin. Razão teve para a fazer, porque a um talento tão vasto como era o seu, ajuntou a experiência de 35 anos entre os 15 que viveu com os índios do Peru e 20 na colônia francesa de Caiena, aonde tratou muito com os do Orinoco. O vigor da constituição dos americanos (diz ele) está exatamente na razão de seu hábito ao trabalho. Os índios dos climas quentes, como são os das costas do Mar do Sul e os dos rios das Amazonas e Orinoco, não podem ser comparados em força aos das regiões frias. Contudo, cotidianamente estão saindo canoas do porto do Pará, estabelecimento português no rio das Amazonas, para subirem por ele, apesar da rapidez da sua correnteza. E sem mudarem de remeiros, chegam a São Paulo, que está na distância de 800 léguas. Não se achará uma esquipação[84] de brancos, nem ainda de pretos, a qual possa resistir a semelhante fadiga, como os portugueses têm experimentado. Porém, isto é o que todos os dias se está vendo fazerem-no os índios, porque a isto estão habituados desde a sua infância.[85]

Sempre, porém, que o vigor de seus corpos não é violentamente agitado por alguma súbita variação de conduta, passando eles do estado de uma longa abstinência para o de uma extrema voracidade; sempre que, nem o seu ócio, nem as suas fadigas são excessivas e sempre que eles não passam pelos desassossegos e incômodos da guerra, nem pela intemperança que consigo trazem as vicissitudes da estação; então, o clima, por uma parte, e o seu modo de viver, por outra, se dão as mãos para favorecerem a duração de seus dias. E, entre eles, com maior freqüência do que entre os europeus, aparecem muitos que são sadios e longevos. Tais são os efeitos que aos gentios principalmente devem resultar de nem os seus corpos serem oprimidos de trabalhos, nem os seus espíritos confundidos[86] daquelas cogitações e dissabores que inquietam e atribulam os homens civilizados. Alguns índios tenho visto tão curvados e decrépitos e, em todo o sentido, tão desamparados da natureza que, ao ajuizar deles pelos sinais externos, deveria considerar-lhes uma extraordinária velhice. Porém eles, de uns tantos anos para cima, apenas sabem dar conta de sua idade por alguns fatos notáveis de que dão notícia ou alguns dos antigos generais que conheceram ou quaisquer outras circunstâncias que abrem a porta às estimativas. E o mais é que daquela mesma beneficência do clima participam muitos europeus que para ele se transportaram.[87] Entre brancos e índios centenários que vi, de ambos os sexos, naquela[88] parte somente do Estado do Grão-Pará, por onde andei desde 21 de outubro de 1783 até 30 de janeiro de 1789, montavam acima de cinqüenta. Na soma total de 6.642 almas, de que em 1787 constava a população de dentro do Rio Negro, se incluíam trinta daquela e de maior idade, sendo 28 índios, um cafuz e um branco. Os exemplos abaixo são tirados daquelas pessoas que ouvi ou averigüei, que existiam muito próximas ao tempo em que entrei no Estado.

 

Pará

Em 1783, que foi quando estive na ilha do Marajó, faleceu na sua fazenda do Igarapé-puca, Domingos Pacheco, natural da ilha de São Miguel, aonde, dizia ele que, ao tempo do Senhor Rei Dom Afonso sexto, havia sido soldado. Por aqui se pode conjecturar qual seria a sua idade. Sustentava-se de pequenos peixes e outros alimentos de fácil digestão, pelo que conservava as forças precisas para trabalhar no campo com uma fouce e todos os dias visitava pessoalmente as suas roças, marchando a boa meia légua, para ir ter a elas, donde voltava a jantar em sua casa. Não dava a conhecer o menor sinal de demência.

Em Macapá, ainda vivia o outro ilhéu Manoel de Bittencourt, que também era da mesma ilha e da mesma idade.

Em 1785 faleceu, na Cidade, Dona Antônia Maria de Oliveira (a mãe dos generais). Sei que tinha mais de cem anos, porém padecia demência.

Rio Negro

Faleceu de idade de cento e dez anos o capitão Constantino Dutra e Ruta, morador da vila capital de Barcelos, em cuja matriz foi sepultado a 4 de agosto de 1786.

Na mesma vila ainda continuava a viver o outro morador centenário, o capitão Francisco Xavier de Morais.

De cento e doze anos faleceu no lugar de Moreira, em 1786, o índio Damião.

De cento e vinte faleceu no mesmo lugar, em 1788,[89] a índia Cristina. Ora, nada disto admira que suceda em um clima tão benéfico qual é o do Pará e Rio Negro. Vejam-se os exemplos seguintes, que são os do Forte do Príncipe, em uma capitania tão doentia como é a de Mato Grosso.

 

Mato Grosso

Faleceu de cento e quatorze anos Inácio Ferreira Marinho, natural do Rio de Janeiro, o qual, até o ano de 1787, em que faleceu, de si dizia não ter conhecido mais do que as duas mulheres que teve. Montava a cavalo com todo o desembaraço e, até falecer, não mostrou a menor falta, nem de juízo, nem de sentidos. Jaz no cemitério do Forte do Príncipe.

Também ali jaz outro[90] morador, Antônio Alves, que era europeu e, em 1788, faleceu de cento e nove anos.

No mesmo ano faleceu de acima de cem anos, Maria Pinheira, natural da cidade de São Paulo.

São ainda vivos: o preto Sebastião da Silva, que conta cento e sete anos.[91] Tem a cabeça e a barba branca, porém ainda trabalha na sua roça e, em semelhante idade, ainda o ano passado de 1788, pertendeu casar-se. Marcha a boa légua e meia sem ficar abatido; trabalha com fouce e enxada e dá ordem à vida. O outro preto, José André, que conta acima de cento e dez anos, padece algumas cegueiras periódicas.[92]

Além destes, que vão especificados por seus nomes, existem mais cinco pretos centenários. Donde se que, entre as 800 almas de que, quando muito, constaria em 1786 a população do Forte do Príncipe, se incluíam dez centenários.

Eu tenho escrito o que basta da constituição física corporal dos tapuias.

 

b) Espiritual

Pelo que respeita às suas faculdades intelectuais e ao exercício que lhes eles dão, nem eu poderia escrever tanto, nem tão universalmente recebido entre os doutos como o que escreveram os filósofos que mencionou o autor da História da América. Não se creia sobre a minha palavra no que há a dizer dos índios, ou seja em louvor ou em vitupério seu. De muito boa vontade renuncio à satisfação que teria de o escrever. Por este modo, ninguém poderá supor em mim, nem prevenção nem exageração.

Não é a sua cor avermelhada (diz Mr. de Chanvalon, falando dos caraíbas da Martinica), não são as suas feições diferentes das nossas, as que fazem uma tão grande diferença deles a nós; é a sua excessiva simplicidade.[93] A sua razão nem é mais iluminada, nem mais previdente que o instinto dos animais. A dos homens do campo, os mais grosseiros, e a dos mesmos negros criados naquelas partes de África, as mais remotas de comércio, algumas vezes deixa entrever uma inteligência que, ainda que em embrião, mostra ao menos que é capaz de aumento. Porém a dos caraíbas, nem disso mostra que é capaz.[94] Se a sã filosofia e a religião nos não ministrassem as suas luzes, se se houvesse de decidir pelas primeiras impulsões do espírito, inclinar-nos-íamos a crer que semelhantes povos não pertencem à mesma espécie humana que nós. Os seus olhos estúpidos[95] são o verdadeiro espelho de sua alma; ela parece que não faz função alguma. A sua indolência é extrema.[96]

Se se olham como homens (diz Ulloa)[97] os limites de sua inteligência parecem incompatíveis com a excelência da alma; e a sua imbecilidade é tão visível que em bem poucos casos se pode fazer deles idéia diferente da dos animais. Nada altera a tranqüilidade de suas almas, tão insensíveis aos reveses da fortuna, como às prosperidades. Tão contentes andam eles meios nus, como o rei mais suntuoso, revestido de suas galas. As riquezas para eles não têm o menor atrativo. A autoridade e as dignidades parecem-lhes objetos tão curtos para serem ambicionados, que um índio receberá com a mesma indiferença o emprego de juiz ou o de alcaide. Interesse não os move, porque antes eles não querem muitas vezes fazer um pequeno serviço que se-lhes pede, por mais seguros que estejam de receber uma grande paga; o temor também não; o respeito, menos. Não se pode ultimamente tirá-los desta indiferença, que tantas provas de esforços tem custado a homens os mais hábeis, nem fazê-los sair desta grosseira ignorância e negligência que desconcertam a prudência daqueles que se interessam nas suas comodidades e se ocupam em fazê-los felices.[98]

A insensibilidade (escreveu Mr. De la Condamine, depois de vistos e tratados os índios do Peru e do Pará) faz a base do caráter dos americanos.[99] Deixo a decidir se se deve honrá-la com o nome de apatia, ou envilecê-la com o de estupidez. Ela nasce, sem dúvida, do pequeno número de suas idéias, o qual se não estende além de suas necessidades. Golotões[100] até à voracidade, quandocom que satisfazê-la; sóbrios, quando o não há, até se dispensarem de tudo sem desejarem nada; pusilâmines e poltrões, se não estão nos transportes da crápula;[101] indiferentes a todos os motivos de glória, de honra e de[102] reconhecimento; unicamente ocupados com o presente, sem inquietação alguma pelo futuro.[103]

Sobre a religião (diz o Pe. Ribas), durante muitos anos que residi entre estes povos, apliquei a maior atenção que pude em observar se se devia olhá-los como idólatras; e posso asseverar com verdade que, ainda que em alguns se acham[104] sinais de idolatria, outros não têm o menor reconhecimento[105] de Deus, nem mesmo de alguma[106] falsa Divindade, e não dão culto algum formal ao Ser Supremo que governa o Mundo. Eles não podem formar idé[i]a da providência de um Criador de quem devem esperar na outra vida o prêmio de suas virtudes e o castigo de seus vícios. Jamais se ajuntam em público para praticarem um ato de religião.[107]

Aos que são religiosos (ajunta Pison, falando dos do Brasil), o trovão, que é neste país freqüente e terrível, se-lhes representa tal e tão digno de culto religioso, que pela palavra "Tupana", que na sua língua significa deus, designam eles igualmente o trovão.[108]

Eu, sobre a religião dos que a têm, em outra parte escrevi quanto basta. Veja-se a Participação geral do Rio Negro. Título 16, Artigo: Superstição dos gentios.[109]

Para os progressos do Cristianismo (diz Robertson dos índios espanhóis) ainda que são[110] muitos os obstáculos, nem todos têm sido igualmente insuperáveis. É verdade que os primeiros missionários, inflamados do zelo inconsiderado de fazer prosélitos, admitiram ao grêmio da Igreja Cristã muitas nações de gentios não tão somente antes de elas estarem catequisadas na religião, que se-lhes propunha, mas também antes de os mesmos missionários possuírem a língua do país, para nela explicarem os mistérios da e os preceitos da[111] moral... E foi assim que se viu, durante o furor das conversões, um[112] sacerdote batizar em um dia 5.000 mexicanos, e poucos anos depois da redução do México, terem-se batizado acima de quatro milhões de almas... Donde procedeu que semelhantes prosélitos tão inconsideradamente admitidos, conservando sempre toda a sua veneração às suas antigas superstições, delas e da nova religião fizeram um misto absurdo, que foram transmitindo à sua posteridade... Porém, não é este ainda o obstáculo mais insuperável. A inteligência dos índios é tão limitada e eles levam as suas observações e reflexões tão pouco[113] acima dos objetos que ferem os seus sentidos, que apenas são capazes de idé[i]as abstratas,[114] e nem palavras têm, para as exprimirem. A doutrina sublime e puramente espiritual do Cristianismo deve ser incompreensível a semelhantes espíritos tão pouco exercitados. As cerimônias numerosas e brilhantes do culto romano agradam-lhes tão somente como um espetáculo, porém logo que se-lhes explicam os artigos da , relativos ao culto exterior, eles, sim, ouvem com paciência o que se-lhes diz, mas percebem tão pouco o que ouvem, que se não pode dar o nome de crença à sua submissão. A sua indiferença ainda vai mais longe do que a sua incapacidade. Ocupados tão somente com o presente, refletem tão raras vezes no passado e pensam tão pouco no futuro, que nem se tocam das promessas da Religião, nem se atemorizam de suas ameaças... Que esta foi a razão por que alguns dos primeiros missionários declararam que semelhante raça de homens era muito estúpida para compreender[115] os primeiros princípios da Religião. Um concílio celebrado em Lima declarou que, em razão da sua incapacidade, deviam ser excluídos do Sacramento da Eucaristia. E ainda que Paulo III[116], pela sua famosa bula de 1537 os declarou[117] criaturas racionais e com direito a todos os privilégios do Cristianismo; sendo passados dous séculos que eles têm sido membros da Igreja, são ainda tão poucos os seus progressos, que bem poucos índios se acham com uma porção de inteligência bastante para serem olhados como dignos de participarem da Eucaristia... Pelo que, quando o zelo de Felipe II fez estabelecer a Inquisição na América, em 1570, os índios foram declarados isentos da jurisdição deste tribunal e ficaram submetidos à inspecção de seus diocesanos.[118]

Advirta-se, contudo, que as reflexões acima, que os americanos são laxos, são estúpidos e indolentes, que, em uma palavra, são uma gente menos[119] gente, conforme os definiu o jesuíta Vieira, relativamente a nós, é que neles se verificam ao da letra. Porque relativamente a eles mesmos, que estão postos em outro estado de sociedade, em outra ordem de cousas, em outro país e em outras diferentes necessidades, perdem uma grande parte de toda a sua energia. Como as suas necessidades naturais são poucas, também os seus esforços espirituais e corporais são poucos. O que mais inquieta e tira de inação os povos civilizados são as necessidades adquiridas.

Porém estes (diz Venegas dos califórnios) não conhecem honra, nem reputação, nem títulos, nem postos, nem distinção alguma de superioridade. De maneira que a ambição, esta poderosa mola das ações humanas, que tantos bens aparentes lhes causa neste mundo e tantos males reais, não tem poder algum neles. Daqui vem a sua indolência; e toda a sua felicidade consiste em não trabalharem. Se os persegue a fome, e aliás nãocom que a satisfazer (o que é raro), qualquer raiz, qualquer animal lhes servem de alimento. Daqui vem a falta de providência para o futuro.

Ao lavrador, entre nós, que tem o seu celeiro cheio, bem pouco se-lhe dá que o inverno haja de ser rigoroso ou não. Com maior razão, o tapuia não pensa em futuros desta classe porque nem celeiro necessita ter. A mandioca é tirada da terra que lhe serve de celeiro e imediatamente preparada para lhe servir de pão. Ainda assim, esta, para eles, é a cultura mais complicada,[120] que lhes[121] oferece a fazer; quando aliás os gêneros constitutivos de suas lavouras não passam da dita mandioca, o milho, a macaxeira, as batatas etc.

As árvores por todo o ano dão frutos; acabam umas e principiam outras; por conseguinte, nem sabem, nem lhes é preciso plantá-las ou cultivá-las.[122] Se lhes faltam os frutos, não lhes faltam[123] no mato a caça, nem o peixe nos rios e nos lagos. Para surpre[e]nderem a caça, dotou-os a natureza de ardis e estratagemas os mais próprios para suprirem a imperfeição de suas armas.[124] É notável a propriedade com que arremedam as cutias, os porcos, os veados e outros quadrúpedes; os papagaios, cujuvis, enanbus, mutuns, macucauas[125] e outras aves, servindo-lhes estes arremedos de negaças com que as atraem até as porem nas pontas das suas frechas. Do mesmo estratagema se valem para surpre[e]nderem os caçadores,[126] arremedando as aves que eles mais procuram, até os colocarem a alcance de suas armas. Como o peixe é infinito nos rios das Amazonas, dos Solimões e outros, nem arte de pescar lhes é percisa; basta tanquejar[127] a água com o timboretê,[128] o cuvuru-timbó, o açacu e outras plantas venenosas; basta armar uma ligeira tapagem na boca de qualquer riacho; e como o pescar desta sorte requer menos atividade que o caçar, todos os que habitam as margens dos rios, primeiro são pescadores do que caçadores, e de fitífagos[129] que são por natureza, vão logo desde a infância passando a ictiófagos.[130] Por esta forma, tudo quanto se neste artigo é que, se da parte dos índios há uma preguiça extrema, também da parte da natureza há uma profusão ilimitada.

Contudo, para os cotidianos consumos, que eles têm a fazer das percisas munições de boca, durante as suas emigrações ou econômicas ou militares;[131] ou mesmo para se feriarem, por alguns dias festivos, da pensão de pescar e de caçar; ou, finalmente, para contraporem os efeitos de sua providência aos estragos que lhes fazem nas roças as inundações repentinas, as chuvas e os calores sucessivos e as pragas dos ratos e das formigas? Eles não deixam de prevenir o futuro, se bem que por meios muito diferentes dos nossos. Os europeus, para suas longas excursões marítimas, cozem o pão duas vezes, que é que faz dar-se-lhe o nome de biscoito (panis biscoctus); comem a carne, o peixe e as mesmas hortaliças salgadas; porque de outro modo se não conservam, pelo menos, com a menor despesa possível; bebem vinho e fumam tabaco. Pelo que em outro tempo diziam os asiáticos dos portugueses que era gente aquela, que comia pedras, bebia sangue e respirava fogo. Os tapuias, quanto ao pão de viagem ou de duração, torram grandes beijus, que duram muitos dias, e o mesmo fazem às farinhas, se é que usam delas. O cassabe[132] dos índios espanhóis fica tão duro, que molhado se pode mastigar. As farinhas, entre os gentios, não são a mais ordinária preparação da mandioca. Quase todos eles, desmanchadas as roças que estão maduras, extraem da dita mandioca, tão somente o amilo[133] ou a tipioca,[134] e, amassando grandes pães dela, passam a cobri-los de folhas, para os preservarem de impurezas e, depois de secos ao sol, os enterram em covas proporcionadas ao[135] seu número e volume, para lhes fazerem fogo por cima. Donde resultam uns grandes pães da referida tipioca, bem preservada da umidade e apta para se manipular diferentemente, à vontade de seu dono, ou em beijus, para se comer[em], ou em tacacás (que são caldos de farinha) para se beberem. Tal é a prática dos pacés[136] e outras nações de gentios que habitam nos confluentes do Jupurá e mais rios que deságuam no das Amazonas e Solimões. O beiju, ou da massa da mandioca, ou simplesmente do amilo[137] dela, é o seu mais certo alimento. Os tucunas da parte superior do referido rio dos Solimões, que também usam do milho, depois de colhidas as maçarocas[138], as conservam ao ar do fumo, arrumando-as em tendais,[139] de sorte que não fica maçaroca alguma por defumar.

Quanto ao conduto,[140] como eles não têm sal marino,[141] substituem-lhe o sal fuliginoso que lhes subministra o fumo de um fogo lento, ao qual defumam o peixe e a caça, estendendo-a em uma grelha de paus, ao que se chama "moquear". Dá-se a um tapuia um pouco de sal, de que todos eles são extremamente ávidos, e vê-se que faz dele o mesmo uso que nós outros[142] do açúcar. Vai dissolvendo com a saliva cada cristal de per si e dando com a língua grandes estalos, o que prova bem o grau de estímulo que nela sente. Eles, em muitas partes, não deixam de o ter em um de dous estados, ou no de fóssil, que é o que se desentranha do seio de algumas montanhas e terras, ou no de eflorescência, à superfície dos lagos e das lagoas. Porém um e outro o recolhem e conservam impuro, dentro em cabaços ou gomos de tabocas mais grossas, e os dependuram ao fumeiro para os preservarem da umidade. Esse mesmo que tiram é muito pouco, e os mais deles, se alguma cousa salgam,[143] é com as cinzas do cariru de cachoeira, das palmeiras pachiúva e marajaí,[144] e de[145] outras ervas e árvores. Note-se que ao que recolhe[146] ou conserva o sal, e o mesmo digo do peixe, da caça etc., não pertence um direito exclusivo de usar dele. Isto que vou a dizer é notável entre os índios, ou eles sejam gentios ou domesticados. Sentados a comer, a ninguém chamam ou convidam; também a ninguém excluem. Todos, irmãmente metem a mão na mesma cuia. Por onde bebe um, bebem todos. O pouco chega para muitos, quando não[147] abundância; ao mesmo tempo que, em a havendo, o muito mal chega para poucos. E como tudo é para todos, não tem o hóspede que agradecer.

Outro método praticam eles, de conservar o peixe, o qual têm adotado os colonos portugueses estabelecidos em distâncias consideráveis dos portos do mar, praticando-o igualmente como os gentios, de todas as vezes que, ou lhes falta o sal nos centros destes sertões; ou se-lhes faz tão dispendioso o seu uso, que transcende as suas possibilidades; ou o peixe a conservar é tão miúdo e espinhoso que se não julga digno de se desperdiçar sal com ele. Eu o descrevi em outra parte,[148] aonde disse: Que a todo o peixe, grande ou pequeno, inteiro, como se pesca ou se frecha, e com as suas escamas e espinhas, o põem a moquear, estendendo-o e voltando-o repetidas vezes ao ar de um fogo mais forte, até se-lhe dissipar toda a umidade interna e externa e ficar o peixe nos termos de se quebrar entre as mãos. Que então despem da escama e o expurgam das maiores espinhas para o pulverizarem em farinha, a qual passam por uma peneira e a torram ao forno, como se faz à de mandioca, para a empalharem, como àquela. Que o método de usar desta farinha de peixe consiste em a cozer em água, reduzindo-a à consistência de um apisto[149] (os índios chamam mungica) e o bebem adubado ou com o tucupi[150] ou com o molho de limão azedo e pimenta-da-terra, e os brancos lhe adicionam ou o azeite, ou a manteiga, ou a simples gordura de peixe, o que tudo junto com as gemas de ovos batidas e com as cebolas, prepara umas boas sopas.

 

A quem[151] não possui bens móveis ou de raiz que avaluar,[152] nem moeda entesourada que contar, nem tem longos cálculos que fazer, ou sejam sobre o tempo, ou sobre o espaço, certamente que para nada serve a Aritmética, para o mesmo sem dúvida que aos tapuias servem estas e outras idé[i]as abstratas. Para os seus pequenos cálculos de 1 até 10,[153] em os dez dedos das mãos, têm outros tantos algarismos. Para significarem 20, mostram os dedos das mãos e dos[154] pés. De 20 para cima, uns mostram repetidas vezes uns e outros dedos, e outros, os cabelos. Alguns tomam um grande punhado de areia e a espalham pelo chão. Quantas são as castanhas de caju que eles mostram, guardadas em algum cabaço, tantos são os anos, que eles querem dizer que têm de idade; porque o cajueiro de ano em ano[155]fruto.[156] Porém os índios domesticados, e entre estes os de maior porte,[157] como são os principais, oficiais das povoações e pilotos das canoas de negócio, para darem ou tomarem contas, praticam o seguinte método. Em as quinas de uma régua de madeira, a qual é maior ou menor, segundo a progressão do seu cálculo, abrem com uma faca uma dezena de pequenos dentes, com a diferença, que o décimo é maior, isto é, mais saído fora, para denotar a dezena. Duas dezenas destas formam, na sua língua, uma jangaba,[158] ou vintena na nossa. Por conseguinte, dez dezenas ou cinco iangavas[159] fazem uma centena, que entre eles se chama uma "papassaba".[160] Logo também dez "papassabas" ou centenas produzem um milheiro; e por esta forma contam os alqueires de farinha; de arroz, de milho e[161] as arrobas de salsa, de cravo, de café, de cacau etc. Para suprirem as folhinhas e os diários, em uma tabuleta de madeira, abrem, ao comprimento dela, tantos furos quantos são os meses do ano. A cada um destes furos correspondem, pela largura da tabuleta, outros tantos sucessivos quantos são os dias de cada mês; o que corresponde ao dia de domingo é notado com o sinal de uma cruz; então o furo em que está introduzida uma escravelha[162] denota o número e a denominação do dia em que se está.[163]

Se a algum deles se pergunta a que horas, por exemplo, se chegará à boca de tal ou tal rio, contanto que ele entenda a pergunta, há de se-lhe perceber a resposta, porque o sol servirá de relógio e o dedo índex do gentio, de mostrador. Se depois de ele fixar[164] o índex no nascente, vem[165] com ele subindo até parar em um ponto eqüidistante do oriente e do meio dia, entende-se que ele diz: "Pelas nove horas". Se pára no perpendículo, entende-se que "pelo meio dia"; se descreve o semi-círculo inteiro, entende-se que "um dia". Umas poucas voltas destas indicam uns poucos de dias. Assim, não é raro que daquele seu fundo de estupidez saiam algumas espertezas tanto mais dignas de admiração quanto menos filhas do ensino. O que faria um europeu, o qual, sendo criado como um tapuia destes, que nem sabe que Geometria, nem Geografia, Hidrografia[166] etc., fosse, contudo, perguntado pelo curso geral de um rio, sua direção, confluentes que deságuam nele e número de aldeias situadas? O que fez um gentio, eu o digo. Tomada uma corda, a estendeu pela terra, dando-lhe os jeitos capazes de representar as voltas do rio principal. À referida corda foi lateralmente atando, da direita e da esquerda, outros tantos cordéis quantos eram os confluentes que ele devia representar, ajustando-os às distâncias que, na sua mente, tinham uns dos outros e, ajeitando-os aos termos de também representarem as suas voltas. Ultimamente, em cada um dos cordéis laterais deu tantos nós, mais e menos aproximados, quantas eram as alde[i]as de índio situadas[167] e quanto distavam umas das outras. Eis aqui resolvido o problema que se-lhe propôs, sem lhe ser perciso levantar carta alguma, nem para se ele explicar, nem para ser entendido. Mais que isto me sucedeu no rio Branco, com um gentio da nação macuxi, que casualmente encontrei na povoação do Carmo.[168] Entrando este índio na palhoça em que eu habitava, reparou em que eu estava a riscar. Era um pequeno mapa de população; porém ele entendeu que seria talvez o rio. Pelo que, sem me dizer palavra, me tomou de um canto da palhoça o bastão que eu trazia e, com a ponta dele, se pôs a riscar na areia do pavimento uma encadeação de grandes e pequenos rios, e o mais é que, na foz daquele que,[169] segundo ele, era o Arauru e entre nós Tacutu, riscou tantos quadrados quantas eram as palhoças anexas à fortaleza de São Joaquim e a mesma fortaleza. Lancei mão da ocasião e, oferecendo-lhe papel, o convidei a fazer com pena e tinta o que até ali tinha feito com o bastão.[170] Assim o fez prontamente, porque com as costas do aparo se pôs a riscar uma carta, aonde as cordilheiras eram marcadas por sucessivas séries de ângulos, mais e menos agudos, e as malocas dos gentios, por círculos maiores e menores, sem lhe eu adicionar cousa alguma de mais que tão somente os nomes que lhe ouvia, para assim a[171] apresentar e mostrar, como fiz, a Sua Excelência o Sr. João Pereira Caldas, ao governador da Capitania, ao Dr. Astrônomo José Simões de Carvalho e a outros muitos.

A respeito de religião, é verdade que algumas tribos se têm achado, as quais nenhum conhecimento mostram ter de um Ser Supremo, nem praticam culto algum religioso. Porém isto é o que naturalmente deve acontecer ao homem, ainda constituído na infância da sociedade. Sendo, em semelhante estado, tão débeis as suas potências intelectuais que lhe não permitem o distinguir-se dos outros animais, deduzindo, pelo que é visível, a existência do invisível. Nem a ordem, nem a beleza do universo fazem a menor impressão em seus sentidos; na sua língua não há uma expressão que designe a divindade; vive, porém não faz mais do que vegetar; olha, porém não reflete; apreende, porém não raciocina. Em cujos termos, evidentemente, se que os seus espíritos nem se acham exercitados pela Filosofia, nem iluminados pela Revelação. E tão absurdo seria o pretender-se que quem não reflete nem discorre seja capaz de reconhecer a existência de um ser invisível, como se se quisesse que dele tivéssemos, quando crianças, o mesmo conhecimento que quando homens. Contudo, nem em todos os americanos é geral esta ignorância. Não somente da existência de Deus, mas também da imortalidade da alma, viram muitos observadores as idéias que tinham os nathchez e naturais de Bogotá, os mexicanos e peruvianos. Dos manaos do Rio Negro, em outra parte escrevi,[172] que em matérias de religião, criam, com uma espécie de Maniqueísmo, que haviam dous deuses, um chamado Mauari, autor de todo o bem, outro por nome Sarauá, autor de todo o mal.

 

Entre as muitas superstições que praticam os gentios purus, habitantes de um dos confluentes do Solimões, assim chamado, é célebre a do jejum expiatório a que se eles entregam por preceito de religião. Sendo tão rigorosa a sua abstinência que, enquanto obriga o preceito, nem ainda no caso de lhes sobrevir alguma enfermidade, ou comem cousa alguma, ou tratam de si. De maneira que muitos chegam a morrer de desfalecidos; escolhendo antes o morrer para cumprirem a lei do que violá-la para viverem.[173]

 

Cujas idé[i]as, ainda que tão extravagantes, como denotam as suas crenças, os seus sacrifícios, os seus bailes e os seus funerais, sempre deixam ver que da idéia de deus, nem todos eles carecem, mas tão somente da revelação. Quanto a ela, o homem animal (diz São Paulo)[174] não percebe as cousas que são de Deus. Elas lhe parecem uma estultícia, e ele as não pode compreender, por causa de que as tais cousas, para se discernirem, pedem uma luz espiritual.

 

Mas nem por isso, que da mesma idéia de Deus carecem algumas tribos, podem os índios argumentar a favor do seu partido.

 

Eles nos opõem (diz o Pe. Jamin)[175] os selvagens estúpidos do Novo Mundo, que andam errantes pelos montes, sem lei, sem culto, sem templos e sem sacrifícios. Mas uns homens que apenas conservam a figura de homens, de uma razão obscurecida, embrutecida e sepultada na matéria, não devem fazer-nos força, contra uma verdade reconhecida por todos os povos da terra.[176] Nós não fazemos juízo das faculdades do corpo humano, pelos mudos, surdos, cegos nem coxos; e querem que o façamos dos ditames da linhagem humana, por uns homens toscos, estúpidos e idiotas? Que extravagância! Respondamos, pois, aos filósofos que nos opõem uns doutores tão sábios, o mesmo que respondeu um poeta moderno:

 

Eu a bon droit, Libertins, vous etez meprisables,

Lors que dans ces forets, vous cherchez vos semblables.[177]

 

Pelo que pertence ao Cristianismo, confessemos com De Buffon,[178] que as missões têm formado mais homens nestas nações bárbaras do que as armas vitoriosas dos príncipes, que as subjugaram. A doçura, o bom exemplo, a caridade e o exercício da virtude, constantemente praticado pelos missionários, tocaram estes selvagens e venceram a sua desconfiança e ferocidade. De seu "motu proprio",[179] eles têm vindo muitas vezes a pedir que se-lhes ensine uma lei que tão perfeitos faz a todos os homens, e a ela se têm sujeitado.[180] Nenhuma outra cousa faz tanta honra à Religião, como o ter civilizado estas nações e lançado os fundamentos de um império, sem outras armas que as da virtude.[181]

 

Constituição Moral

 

Se se principia pela afeição conjugal, por ser este o primeiro de todos os afetos humanos, posso dizer que, ao melindre e à ternura que, entre os povos civilizados, merece a mulher a seu marido, não corresponde a dos americanos. A tapuia, verdadeiramente, não é mulher, mas sim escrava de seu marido. É verdade que, na repartição do trabalho, a ele é que pertence roçar, caçar e pescar; porém, nada mais. A mulher é a que planta, se isto se pratica; é a que colhe e a que transporta para a sua palhoça o cesto de mandioca à cabeça e o filho, se o tem, ou às costas, ou a um lado do corpo; é a que prepara o beiju ou a farinha, a que espreme os vinhos para as suas bebidas, a que vai buscar e conduzir a água e, em uma palavra, a que tudo faz, e passa pelos empregos mais humilhantes. Os serviços pessoais que o tapuia consagra àquela com quem quer casar não são os meios para a conseguir. Isto depende de ele a comprar a seus pais; quero dizer, de dar em troca dela o que eles desejam, porque entre os gentios nãomoeda. Uns são monógamos e outros polígamos; se o país é fértil e abundante, de maneira que nenhum cuidado lhes dá o intertenimento[182] de uma numerosa família, se assim o pedem as suas instituições e costumes, usam de mais que uma mulher. Porém elas não são gerais, nem para todos, nem para os da sua parentela. Porque, ainda que geralmente se diga que eles são frios para as mulheres, isto não proce[de] tanto da falta de ciúme, ou de apetite do coito, como da liberdade de o terem quando e como o apetecem. Sabe-se que, entre eles, nemlei nem religião que os modere. Pelo contrário, o que eles logo tratam de esconder e recatar, em sentindo gente estranha, são as mulheres, as raparigas e os filhos, os quais eles zelam e guardam como as meninas de seus olhos. E se alguns índios, depois de domesticados, os fecham, tratando de bagatela a infidelidade conjugal, ou eles mesmos aliciados de dádivas e de importunações entregam as mulheres, logo ao primeiro acesso de alguma crápula, exprimem o seu ressentimento e bem claramente dão a entender quanto neles domina o ardor da vingança. O que se diz, para prova de sua debilidade, que nem a mesma veemência do apetite do coito é neles tão grande como nos europeus, ainda os mais bem murigerados, eu o não confirmo nos que tenho visto. É verdade que todos estes habitam nas margens dos rios, aonde o céu é benigno, o terreno fértil e a subsistência abundante; e aonde, por conseguinte, as paixões que excitam as necessidades, tais como a fome, a peste e a guerra, não enfraquecem ou distraem aquela do amor. Talvez que esta seja a razão da diversidade das minhas observações, porque o certo é que, quanto mais nutrido e folgado anda o corpo, tanto mais ardente se faz aquele apetite.

Sim; não é fácil de se ver um índio empenhado em ganhar a afeição de sua amada, ou por diligências assíduas, ou por carícias externas e outras muitas dessas demonstrações inventadas a esse fim pelos amantes civilizados. Porém também elas para com eles, nem necessitam de tantos serviços pessoais, nem têm de si para si formado uma idé[i]a de especialidade de favor que nisso lhes façam. Se elas têm amor, pelas suas obras é que o mostram; quero dizer, pelos serviços pessoais que fazem, pela facilidade de condescenderem em tudo quanto diz respeito ao tratamento corporal daquele a quem se consagram; que pelas suas maneiras externas, pela correspondência de obséquios, pelo riso de alegria, pelas lágrimas de tristeza e pelos gemidos de dor, é raro que alguém possa julgar o seu afeto.

Do amor dos pais a seus filhos, enquanto eles são pequenos e necessitam de seus socorros, nenhum observador, que eu saiba, tem até agora duvidado.[183]

Porém este amor dura tanto como o de outro qualquer animal, porque, em o filho chegando à idade de poder ele mesmo diligenciar o seu sustento, fica inteiramente absolvido o pai de tratar dele, e o filho, senhor de si e de suas ações. Nunca jamais se ouve ao pai aconselhá-lo, nunca louvá-lo, nunca repreendê-lo.[184] Em uma mesma palhoça, que, aliás, não tem repartimento algum, estão irmãmente vivendo: o pai, a mãe, os filhos, as filhas e as noras; e tudo quanto entre os povos civilizados se não faz sem grande recato, em ordem ao respeito e à decência, eles sem ressábio algum de malícia, o praticam ao uns dos outros. Donde vem que esta indiferença com que se olham o pai e o filho enfraquece(m) muito aquela união e amor a sua família, que fazem o caráter permanente das famílias civilizadas.[185]

As mães, logo que acabam de parir, lavam-se a si e a seus filhos. Em as filhas chegando à idade de lhes repontar o mênstruo, logo pela primeira vez que são assistidas, a cerimônia de sua purificação é precedida de um baile lustral.[186] A filha é retirada a um tendal levantado alguns pés acima do pavimento da palhoça; ali a conservam seus pais pelo tempo que lhe dura o mênstruo, fazendo-lhe fumo por baixo e adietando-a com caldos de farinha de mandioca. O que ainda hoje não deixa de se praticar ocultamente, em algumas das nossas povoações, aonde um dos efeitos da corrupção dos costumes que, na verdade, passam de licenciosos, é o da prostituição das índias, muito antes de serem assistidas. Da idade de nove anos para cima, principiam a prostituir-se, primeiramente, com os chamados "capitaris",[187] que são índios rapazes de doze até dezesseis[188] anos, e ao depois, com os homens de todas as idades e condições. Do que se nãomuito ao comum de seus pais, por duas razões: Primeira, porque, para a pobreza em que vivem, nunca deixam de serem lucrativos os seus disfarces; os brancos as[189] sustentam e vestem, tanto a elas como a[190] seus parentes; os índios lhes fazem as roças[191] e, com isso lhes pagam. Segunda,[192] porque, por estarem prostituídas, não perdem casamento, visto que aos olhos de um índio,[193] a honra deste gênero é cousa bem insignificante. Donde se segue:[194]

1º) que cedo principiam a parir e cedo acabam;

2º) que uma índia de 17 até 20 anos fica tão estragada nas forças e no aspecto e com a presença tão mortificada como, na Europa, uma mulher de 30;

3º) que enfraquecido e esgotado o pouco vigor nativo de sua constituição física, por tão diferentes causas, como são a dissipação[195] de substância, a debilidade dos alimentos, a freqüência dos deboches, o trabalho doméstico e rural, os esforços dos partos e a criação dos filhos. Com todos estes obstáculos da população, entra logo a lutar a sua fecundidade e, de 30 anos para cima, poucas índias parem.

Com os escravos, se os senhores são antropófagos, sabe-se qual é a sua conduta. Nunca jamais a submissão do vencido desarma a cólera do vencedor; os mais humanos os reservam para os serviços domésticos, enquanto os não vendem àqueles que eles sabem que os compram. Do que em todos obram a ira, a vingança, a ingratidão e outros vícios, ficam dadas algumas idé[i]as na acusada Participação Geral do Rio Negro.[196] É perciso considerá-los vivendo entre si, naquela união social a que se dá o nome de nação, que é o mesmo que examinar a sua [constituição política].

 

Constituição Política[197]

 

Pela palavra "nação de índios" de nenhuma sorte se deve entender o mesmo que na Europa. O europeu que ler ou ouvir dizer que tal ou tal rio é habitado de tantas e tantas nações enganar-se-á se pensar que alguma delas é, por exemplo, não digo como a alemã, a francesa, a portuguesa etc., mas nem sequer como aquela parte de habitantes que cabem à menor província de qualquer destes reinos. Chamam-se nações de índios umas sociedades tão pequenas e insignificantes em número de indivíduos que, às vezes, não constam de mais de 300, 400 e 600 almas. O que então é para admirar é que algumas de tão pequenas corporações ocupem, às vezes, espaços maiores que os maiores reinos da Europa. Assim lhes é perciso repartirem-se as famílias em pequenas tribos para poderem subsistir segundo o seu modo de viver. Porque para grandes corporações não podem achar a subsistência percisa, não tratando eles de lavoura, de comércio e de criações de gados. Ainda assim mesmo divididas, não subsistem bem, se não estão situadas em distâncias proporcionadas à abundância ou carestia[198] quenos rios ou territórios da sua habitação, dando-se, por esta forma, lugar uns aos outros, para cada tribo desfrutar uma porção de terreno proporcionada ao seu número e às suas necessidades. Então, cada uma delas, se não é errante e de corso, estabelece uma ou mais alde[i]as.

 

Mas o que são estas alde[i]as? Nas casas de que elas se compõem (diz Mr. Barrere) se logo um ar de extrema pobreza, e são uma perfeita imagem dos primeiros tempos. Todas elas,[199] que ordinariamente estão edificadas, ou em algum alto, ou à borda de algum rio, umas confundidas com as outras, e sem ordem, formam uma prospectiva[200] das mais tristes e desagradáveis. Nada ali se que não seja horrível e selvagem. O silêncio mesmo, que ali sempre reina e que de quando em quando é interrompido pelo som desagradável da voz de alguma ave ou de algum animal, nenhuma outra cousa é capaz de inspirar, senão o terror.

 

Ei-los constituídos nas suas malocas, em cada uma das quais se acomodam umas poucas de famílias; porém em cada maloca domina o seu principal. Tais foram, nos primeiros tempos, os pais de famílias em suas casas. O principalato é uma dignidade hereditária. O que a exercita se distingue de seus súditos pelos ornamentos que traz; pelos seus arcos e flechas, que sempre são os mais fortes e mais bem paramentados, e pela autoridade de os mandar. Quanto aos vestidos, tão nu anda o principal, como os seus vassalos; tão bem acomodado está ele, como os outros; nas suas conversas, à sua mesa e em toda a sua economia particular, se-lhe não uma afetação de superioridade.[201]

Sendo esta[202] a constituição política de cada nação, de em cada maloca governar o seu principal, sem haver, ou um que governe a todos, ou uma parte escolhida para esse fim, ou todos eles representados por alguns, segundo as diferentes formas de governos que vemos na Europa. Evidentemente se que a sua união política, ainda para os casos de um interesse comum, é muito incerta e precária. Porém, durante a paz é que duram mais os efeitos desta independência natural. Como eles não têm magistrados, cada um faz justiça a si mesmo. O direito de cada particular, nos casos criminais, é o da sua vingança. O filho vinga a morte do pai, o marido a da mulher, o amigo a do outro amigo. Bem poucas ou nenhumas idéias têm do que é subordinação civil. O mais que fazem, nos tempos[203] calamitosos e nas ocasiões de perigo comum, é consultar a experiência dos velhos.

Mas não sucede assim quando se trata de uma guerra ofensiva ou defensiva., então todos eles conhecem que são membros de um corpo, o qual necessita de uma cabeça. Dá-se o lugar de chefe ao que mais valor tem e mais experiência. Não que este, declarada que seja a guerra, possa obrigar alguém a servir nela; mas para dirigir aos que se querem alistar como soldados; porque, para ocuparem os postos de oficiais, é primeiramente perciso que o pertendente[204] do posto tenha dado repetidas provas de uma extraordinária firmeza d'alma, ou antes sofrimento sem limite. Porém os sucessos da guerra são os que fazem perpétuas ou amovíveis as honras desta patente. O noviciado do posto de chefe ou de capitão consiste em uma rigorosa repetição de atos, não de valor, mas de paciência. O menor sinal de falta dela é quanto basta para o inabilitar. Se ele passa muitos dias sem comer nem beber, em ordem a guardar o jejum que se-lhe impõe para prova do seu sofrimento; se, por largas horas que o estão flagelando, não produz um gemido; se, na sua maca, aonde o deitam e o cobrem de formigas as mais vorazes, se deixa estar tranqüilo, sem emoção, nem de espírito, nem de corpo; se, ao fumo de algumas ervas de mau cheiro, ele nem se sufoca, nem volta a cara, então se julga digno do posto. Há quem pertenda que, da contextura de sua pele e de sua constituição física dependa[205] o serem eles menos sensíveis às dores do que nós. O certo é que, por motivo de uma dor se não ouve gemer um índio; antes é capaz de sofrer a amputação de um braço e de uma perna sem dar o menor suspiro.

Não é que a eles lhes faltem, ou acenos, ou vozes com que manifestarem, ou seus gostos, ou as suas dores. Mas é que eles mesmos, fora dos transportes da crápula ou do tumulto das paixões, não são homens que desperdicem palavras. Costumados a pensar pouco, também falam pouco; donde vem que o aspecto de um tapuia é o de um homem sério e melencólico.[206] O seu mesmo falar é tão lento, como são lentas as suas cogitações. Não se neles que prestem uma demasiada atenção ao que se-lhes diz com aquela mesma taciturnidade com que se deitam, com essa acordam e, se não têm que fazer, nela perseveram dias inteiros. Ora, quem não está costumado a comunicar com franqueza os seus sentimentos, é naturalmente desconfiado. A ninguém abre o seu coração, de ninguém se fia e o[207] seu caráter, em todas as suas deliberações, é o da reserva. O que bem o mostra a experiência, porque para a execução de seus planos, por exemplo, para uma fuga, para uma sublevação, nada é capaz de abalar aquela inimitável constância com que entre eles se guarda a insidiosa máxima de um impenetrável segredo e de uma refinada dissimulação. Andando ou trabalhando, se não são índios criados entre os brancos, não se-lhes ouve cantar, nem gemer.

 

Canta o Caminhante Lêdo

No caminho trabalhoso.

Por entre o espesso arvoredo;

E de noute, o temeroso

Cantando, refreia o medo.

 

Canta o preso docemente,

Os duros[208] grilhões tocando;

Canta o segador contente,

E o trabalhador, cantando,

O trabalho menos sente.[209]

 

Porém isto em tapuias, de nenhuma forma se verifica. Sendo que, ou para a prosa, ou para o verso, não deixa de haver nas suas línguas, suficiente energia e propriedade. Tendo a extinta nação tupinambá sido a mais dominante por estas partes, também a sua língua foi a mais geral. Relativamente a eles[210] e à limitada esfera de suas idé[i]as, era harmônica, vasta e enérgica; e tão somente pobre de termos que significassem idé[i]as abstratas; porém muito semelhante à grega pela composição dos seus [211] vocábulos; e estes apropriados à natureza e ao caráter das cousas. Com a língua inglesa a assemelhavam as posposições dos nomes em alguns casos como, sempre que concorriam dous substantivos, o que se colocava em primeiro lugar ficava sendo genitivo do segundo. E por esta forma, para entre eles se dizer "buraco de pedra", ao substantivo "itá" (pedra) dava-se[212] o primeiro lugar e o segundo ao outro substantivo "coara" (buraco) para se proferir no seu idiotismo "itacoara".

O seu alfabeto carecia das letras F,[213] L, S,[214] Z. Nem se usava nele de rr dobrado ou áspero.As letras

A com til (ã) dava energia a algumas palavras "xaço-ã" = eu vou; "amano-ã" = morreu; "aani-ã"[215] = isso não.

E tinha força de obrigar o[216] verbo a significar que o que se fazia era independente ou de cousa ou de pessoa. "Aço-é" (eu mesmo vou, ou eu vou por mim, sem me levarem).

I, em princípio de verbo, era relativo: "Iayucá" = nos matamos; e no fim de nome, era diminutiva. "Comandá" = fava, e "comandá-í" = favinha; "iaguara" = cão, e "iaguara-í" = canito.

A mesma letra I, com til (~i) junta ao verbo, denotava exercitar ele a sua ação por acaso ou sem força. "Aimonhangu~i" = faço de meu motu próprio; "acepiac~i" = vejo, como se não visse.

O J jota servia, como na língua latina, ora de vogal, ora de consoante. Dele usavam os antigos línguas, marcando com dous pontos nas duas extremidades, por se pronunciar com um som médio, entre U e I.

A letra U sempre era vogal e nunca consoante.

Do K se serviram os línguas, todas as vezes, que pertenderam que a escritura correspondesse, com propriedade, à pronúncia de algumas dicções, como a do verbo "Aker" = (dormir), onde não tinha lugar, para a pronúncia da segunda sílaba, nem o C áspero, nem o Q.

As letras I, C, P[217] serviam de relativos correspondentes ao qui, quae, quod[218] dos latinos.

Na ortografia e ortologia[219] desta língua, como também na sua etimologia, prosódia e sintaxe, poder-se-ão instruir os que tiverem a curiosidade de ler as obras que abaixo vão apontadas.

Estudaram-nas fundamentalmente os missionários jesuítas, que foram encarregados das missões dos índios. O que ao princípio o fizeram para mais facilmente lhes introduzirem e arreigarem[220] as máximas da Religião Cristã; porém pouco depois se foram deixando penetrar dos europeus, os desígnios de sua nímia[221] familiarização; até que se deslizaram[222] nos absurdos que fizeram indispensável e urgente a sua expulsão e extinção.[223] A arte que, da referida língua, compôs o jesuíta José de Anchieta, impressa em Coimbra, em 1595,[224] por ser o primeiro parto deste gênero, saiu muito diminuta e confusa. Porém dela mesma se extraiu e ajuntou as observações de Marcgrav, um dicionaríolo[225] de termos os mais usuais. O opúsculo que, em 1618, saiu pela primeira vez à luz foi o que em 1686 a viu segunda vez debaixo do título de "Catecismo Brasílico da Doutrina Cristã”, com o Cerimonial dos Sacramentos e mais atos paroquiais, composto por padres doutos da Companhia de Jesus, aperfeiçoado e dado à luz pelo Pe. Antônio de Araújo, com as emendas do Pe. Bartolomeu de Leão. Em 1687, se imprimiu em Lisboa a Arte de Gramática da Língua Brasílica, por seu autor o jesuíta Luiz Figueira. Este coligiu e ordenou as principais regras, que deduziu de suas observações. Nelas se pode ver o que então era esta língua, hoje em dia tão viciada, que nem os tapuias mesmos a entendem, conforme tenho experimentado. Possuiu-a perfeitamente o governador e capitão-general que foi Alexandre de Souza Freire, o qual governou o Estado pelos anos de 1728 até 1731. Nela compôs diferentes versificações, que andam entre as mãos dos curiosos. Porém como por uma parte a língua original de que se compôs aquela Arte declinou de todo; e por outra parte, nem na mesma língua geral e viciada como está, leva Sua Majestade a bem que se façam aos índios as instruções cristãs e civis; mas antes manda instruí-los na língua portuguesa tão somente, para nela se comunicarem.[226] Não trato de estender-me mais em semelhante assunto

 

Darei agora lugar às questões de que tratam os historiadores do Novo Mundo, perguntando também eu: Como se povoou a América? Por onde passaram os homens de um para outro continente? E por que parte do globo se comunicaram entre si os dous hemisférios?

Será que os americanos não descendem do pai comum, mas antes formam uma descendência separada, como parece que fazem verosímel:[227]

1º) a separação de seu hemisfério;

2º) a diversidade da[228] sua cor;

3º) a de suas feições;

4º) a de suas línguas;

5º) a estupidez de sua alma;

6º) a debilidade de seu corpo;

7º) a novidade de seus usos e costumes?

Porém a isto se opõe a infalibilidade da Palavra Divina, pela qual estamos instruídos que de um homem descendem todos os mais quantos povoam a terra.

Será que eles são descendentes de alguns restos de antigos habitantes que escapassem do dilúvio, derramando-se estes restos por um país vasto e inculto como também fazem verossímil:

1º) a analogia de algumas palavras;

2º) a de alguns usos e costumes?

Porém, além de também estarmos instruídos com a mesma infalibilidade sobre o número de homens que escaparam, são tão débeis as razões de verossimilhança, como fundadas que são em relações acidentais de costumes e semelhanças equívocas de palavras que, a dever-se aceder a elas, não ficará no mundo nação alguma a quem[229] não possa competir a honra de ter povoado a América.

Será que, tendo ela sido, no seu princípio, unida ao Antigo Continente mediante algum istmo, fosse este[230] ao depois, ou quebrado pela ação de outro dilúvio, ou de algum terremoto, ou transformado naquele grupo de ilhas vulcânicas, que em 1769, reconheceu por parte da Rússia o capitão Krenitzin, o qual em algumas ainda viu que lançavam fogo e em todas observou manifestos indícios de suas antigas erupções? Porém isto, ainda que cabe[231] no possível, não passa de uma conjectura sem fundamento, ou na História, ou na tradição.

Será que algum navio europeu, extraviando-se do seu rumo, fosse, casualmente, ter à costa da América e, ali, começasse a sua tripulação a povoar aquele continente? Outra conjectura tão sem fundamento como a primeira.

Será que, pelo norte da Europa, tenham desta passado para a América algumas famílias de Groelândia, como fazem verosímel:

1º) a descoberta que o ponto[232] de contato mais vizinho entre os dous continentes, velho e novo, está na extremidade setentrional de um e outro;

2º) a identidade dos animais que se acham nas províncias setentrionais do Novo Mundo; os quais são os mesmos que os das partes do Antigo Continente, situadas em latitudes correspondentes. Porque, ainda que nas províncias americanas que, ou estão debaixo dos trópicos, ou vizinhas a eles, todos os seus animais indígenos[233] são diferentes daqueles que habitam nas partes correspondentes do Antigo Mundo. Contudo, nas setentrionais da América há o urso, o lobo, a raposa, a lebre, o gamo, a cabra montês e a alce, que são os do norte da Europa.

3º) A confirmação da atual vizinhança entre os dous continentes, adquirida pelos russos, depois que sujeitaram à sua dominação[234] a parte ocidental da Sibéria. Sendo desde então que, pelas tradições destes povos. Sobre uma viagem que, em 1648, se concluiu felizmente à roda do promontório do nordeste da Ásia,[235] eles se animaram a prosseguir aquele descobrimento.

 

Sendo desde então que, para o prosseguirem, saíram em 1741, em dous navios constuídos no Mar de Kamtchatka,[236] os dous capitães Berring e Tschirikow; os quais, havendo navegado a leste, e descoberto uma terra que, então, lhes pareceu do Continente da América, depois de passarem a comunicarem-se[237] com alguns habitantes das ilhas que formam uma cade[i]a leste-oeste, entre a dita terra, ou imaginado continente, e a costa de Ásia, neles descobriram muita semelhança com os povos da América Setentrional, porque até da mesma Insígnia de Paz, de [que] eles usam, usavam também os referidos habitantes.

Sendo desde então que, pela outra viagem que, ao mesmo fim foi mandado fazer em 1768 o capitão Krenitzin, não somente foi confirmada a primeira descoberta quanto à navegação que se havia feito, mas também ampliada e corrigida na parte em que haviam[238] erros. Porque o que os dous capitães Berring e Tschirikow supuseram em 1741, que eram promontórios ou cabos do Continente da América, viu Krenitzin que não eram mais do que a mesma continuação daquela cadeia de ilhas, que eles tinham visto em tempo tão nevoado que raras vezes tinham podido observar, nem o sol, nem as estrelas.[239]

E sendo, ultimamente, desde então, que por algumas relações circunstanciadas que, daquele país e seus habitantes, deram alguns missionários luteranos e moravos que para ali haviam passado, se veio a saber: que a costa ao noroeste da Groelândia estava separada da América por um estreito nimiamente pequeno; que no fundo de uma baía donde ele acaba, era provável que se unissem os dous continentes; que os habitantes de ambos se correspondiam entre si; que os esquimós da América perfeitamente se pareciam com os groelandos, tanto na figura, como nos vestidos e modo de viver; que os marinheiros, que sabiam algumas palavras dos groelandos, haviam contado que elas tinham sido entendidas dos esquimós; e que um missionário moravo, bem versado na língua dos groelandos, tendo visitado aquele país, havia, com muita admiração sua, descoberto que eles falavam a mesma língua, pelo que fora de todos eles bem recebido e agasalhado como irmão.[240]

Ou será que pelo nordeste da Ásia é que a América recebeu os seus primeiros povoadores? Qual destas duas hipóteses é a mais provável? A que sustenta que pelo noroeste da Europa recebeu os groelandos ou a que supõe que pelo nordeste da Ásia recebeu os tártaros? Veja-se o parecer a que me inclino.

 

Ainda que seja possível que a América tenha recebido do nosso hemisfério os seus primeiros habitantes, ou seja pelo noroeste da Europa, ou pelo nordeste da Ásia, há boa razões para supormos que os ascendentes de todas as nações americanas, desde o Cabo de Horn até as extremidades meridionais do Lavrador, vieram antes da Ásia que da Europa. Os esquimós são os únicos povos da América que, pela sua figura e caráter, alguma semelhança têm com os europeus. Esta é, evidentemente, uma espécie de homens particularmente distinta de todas as mais nações deste continente, pela língua, pelos costumes e pelos hábitos.[241] Donde alguma autoridade há, para se fazer subir à sua origem a[242] fonte que eu indiquei.[243] Porém, entre todos os outros povos da América, está saltando aos olhos uma semelhança tão viva, tanto na sua constituição física como nas suas qualidades morais que, não obstante as diferenças produzidas pela influência do clima, ou pela desigualdade de seus progressos na civilização, somos obrigados a olhá-los como ramos de um mesmo tronco.[244] Sim, pode-se-lhes achar alguma variedade no colorido; porém, em todos eles se acha a mesma cor primitiva. Cada tribo tem algum caráter particular que a distingue das outras; mas em todas elas se reconhecem certas feições que são comuas[245] à sua raça inteira. Uma cousa é digna de reparo, que em todas as particularidades, ou físicas, ou morais, que caracterizam os americanos, acha-se mais semelhança com as das tribos bárbaras, derramadas pelo nordeste da Ásia, do que com as de nenhuma outra das nações estabelecidas ao norte da Europa. Pode-se logo subir à sua primeira origem e concluir que os seus ascendentes asiáticos, havendo-se estabelecido naquelas partes da América, aonde[246] os russos descobriram a vizinhança dos dous continentes, dali se foram derramando gradualmente por estas diferentes regiões.

Esta idéia se conforma com as tradições que tinham os mexicanos sobre a sua própria origem, e que, por mais imperfeitas que eram,[247] sempre as haviam conservado com maior cuidado, e[248] mereciam mais crédito do que as de nenhum outro povo do Novo Mundo. Entre eles, passava por certo que os seus ascendentes tinham vindo de um país remoto e situado ao nordeste do seu império.[249] Eles indicavam certas paragens aonde haviam pousado aqueles estrangeiros, por ocasião da jornada, que iam sucessivamente fazendo para os sertões das províncias; e aquela era precisamente a rota que eles deveriam seguir, na suposição de terem vindo da Ásia. A descrição que os mexicanos faziam da figura, dos costumes e do modo de viver dos seus maiores por aquele tempo, é uma figura fiel das tribos selvagens dos tártaros, de quem[250] eu suponho que eles descendem.[251]

 


 

[1] Está em Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira, II, vol. 3, p. 22-49.

[2] Nota de A: “Syst. Nat., t. 1º., p. 24".

[3] Conhece-te a ti mesmo.

[4] Nota de A: “Mus. Adolph. Frid Praefact". [Em B: “Prof.” Por “Praefact.”].

[5] A repetiu "o político, o político", sublinhando a segunda ocorrência. [Em B está em itálico].

[6] Na edição de 1934, “suaivara” por “suaiuara”.

[7] B insere neste o parágrafo seguinte.

[8] Nota de A: "O Ilmo. e Exmo.  Sr. Luiz Pinto de Souza Coutinho, o qual, pelo espaço de quase 4 anos governou a Capitania de Mato Grosso e Cuiabá; e do que nelas se viu e observou, algumas notícias comunicou ao autor da História da América." B omitiu nesta nota as palavras em negrito.

[9] Nota de A: "Noticias Americanas, p. 308."

[10] Estado de desnutrição profunda.

[11] Definhamento progressivo e lento do organismo humano produzido por doença.

[12] Purupuru é uma dermatose contagiosa que se caracteriza por manchas brancas. Essa tribo tem esse nome por ser o purupuru endêmico entre eles.

[13] Na edição de 1934, “catavixis” por “catauixis”.

[14] B: "crítico" por "étnico".

[15] Esta frase constitui um parágrafo isolado na edição de 1934.

[16] B: "talofos" por "jalofos".

[17] B: "Gambâa" por "Gâmbia".

[18] Azeviche é uma variedade compacta de linhito, que é um carvão fóssil muito negro.

[19] B: "de Sudá, de......" por "de Judá, de Issigna".

[20] Esta frase constitui um parágrafo isolado na edição de 1934.

[21] B: "e o Peru" por "o Peru etc."

[22] B: “a pazporassaz”.

[23] Nota de de página que consta em A:"Rotero Hist.-Nat. des Isles, 1658, p. 189" [B: "Roterd." por "Rotero"].

[24] B divide aqui o parágrafo.

[25] Nota de A: “Voyag. de Dampierri. t. 4º, p. 252" [B: "152" por "252"].

[26] B: “do” por “de”.

[27] B omite “etc.”.

[28] B divide aqui o parágrafo.

[29] B: "do" por "de".

[30] Nota de A: “Buffon. Hist. Nat., t. 6º, p. 308".

[31] Calma. Grande calor atmosférico, geralmente sem ventos.

[32] Nota de A: “Voyag. de Ulloa, t. 1º, p. 453. Anson's Voyages, p. 184".

[33] B divide este parágrafo neste ponto.

[34] Nota de A: “Charlevoax Nov. Franc., t. 3º, p. 165. Hist. des Voyag., t. 15, p. 214".

[35] Nota de A: “Anson's. Voyag., p. 74. Voyag. de Quitus Hist. G. des Voyag., t. 14, p. 83".

[36] A grafia " tão bem" não indica pronúncia ditongada, diferente da atual, mas uma variante gráfica predominante na época.

[37] B divide o parágrafo neste ponto.

[38] Nota de A: “De Tactus Organo".

[39] Latinismo equivalente a "epiderme".

[40] Nota de A: “Anat., p. 489".

[41] Nota de A: “Advers. Anat. Dec. 3ª, p"26".

[42] B omite "Towns".

[43] Nota de A: “Ecrit du D. Towns, adressé a la Soc. Roy de Londres".

[44] Nota de A: “Dissert. sur la couleur des Negres, Paris, 1741".

[45] Em B, esta frase forma parágrafo juntamente com o seguinte.

[46] B: "propôs" por "propõe".

[47] B: "asseguramo" por "assegurarmo".

[48] Nota de A: “Tomo 6º, página 328.

[49] B: "polida" por "sólida".

[50] Hoje, se usa a palavra no diminutivo, pentelho. Com o sentido que a palavra conserva no grau normal, a tonicidade facilitou a desnasalização, evoluindo para  pente.

[51] Em C,  a palavra “silhões” foi substituída por seu significado contextual – “sinuosidades”.

[52] Vide figura nº 120 na edição do Conselho Federal de Cultura ou  fólio 13r da p. 58 da Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira.

[53] Neste caso, "barba" é a parte inferior do rosto do homem ou da mulher que fica por baixo do lábio inferior; queixo, mento.

[54] Suadores, sudoríferos.

[55] B: "quanto" por "quando", o que parece mais de acordo com a realidade..

[56] Vide figuras nº 117 e 118, da edição do Conselho Federal de Cultura ou fólio 14r da p. 60 da Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira.

[57] Vide figura nº 120 na edição do Conselho Federal de Cultura ou  fólio 13r da p. 58 da Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira

[58] Sedas porcinas = cerdas suínas ou de porcos. A palavra "sedas" provém do latim "setas" e é o mesmo que "cerdas", pêlos espessos e resistentes, comumente situados junto às cavidades naturais dos mamíferos. Esta palavra está omitida em B.

[59] Vide figuras nº 104, 106, 108 e 109 [da edição do Conselho Federal de Cultura].

[60] Vide figura nº 103 [da edição do Conselho Federal de Cultura].

[61] Vide figuras nº 113 e 114 da edição do Conselho Federal de Cultura ou fólio 10r, p. 52 de Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira.

[62] Vide figura nº 116 na edição do Conselho Federal de Cultura ou fólio 7r, p. 46 da Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira. [B: "cariprinas" por "caripunas".]

[63] Vide figura nº 112 [da edição do Conselho Federal de Cultura].

[64] B: "a dos" por "nos".

[65] B omite "falta de".

[66] Vide figura nº 111 da edição do Conselho Federal de Cultura ou fólio 9r, p. 50 de Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira..

[67] Vide figuras nº 114 e 115 [da edição do Conselho Federal de Cultura].

[68] Vide figura nº 120 [da edição do Conselho Federal de Cultura]. B divide o parágrafo neste ponto.

[69] B: "lhe" por "lhes".

[70] B: "e as" por "as".

[71] B: "os" por "as".

[72] B: "observam-nos" por "observamos".

[73] Nota de A: “Nulli Strabones, lusciosi, claudi, aut gibbo deformati inter illos inveniuntur, cum fasciis, aut linteolis infantes numquam involvantur, aut Europaeorum more ligentur. Brasilia Medica, lib. 1º, p. 6." [B: "deformat" por "deformati".]

[74] Nota de A: “Nec facile est inter illos invenire distortum, vel luscum, aut claudum, cum infantes recens natos numquam fasciis involvant, aut ligent. Brasil, lib. 8º, cap. 5º, p. 269".

[75] B: “çataos” porsapatos”.

[76] B divide neste ponto o parágrafo.

[77] B divide neste ponto o parágrafo.

[78] B: "abastados" por "abarrotados".

[79] Nota de A: “Epístola 1ª a Tito, 1,11" ["Os cretenses são sempre mentirosos, más bestas, ventres preguiçosos"].

[80] B: "renne" por "remi". Trata-se da rena, cuja etimologia se explica pelo francês "renne". É uma espécie de veado das regiões do norte.

[81] B: transcreveu-se "kamkatka".

[82] B: "satisfeitos" por "satisfeitas".

[83] B omite "até".

[84] B: "equipação" por "esquipação".

[85] Nota de A: “Manuscrito de Mr. Godin, o moço, citado por Robertson".

[86] B: "consumidos" por "confundidos".

[87] Nota de A: “Quo fit, ut supra centesimum aetatis annum, viridi, et longaeva senecta brasiliani, et ipsi quoque Europaei, hic potiantur. Pison. De Medicin. Bras., lib. 1º, p. 6. Longaevi sunt ad modum. Marcgrav. Bras., lib. 8º, cap. 5, p. 269".

[88] B: "daquela" por "naquela".

[89] B: "1778" por "1788".

[90] B: "o outro" por "outro".

[91] B divide o parágrafo neste ponto.

[92] Esta frase constitui um parágrafo isolado.

[93] B divide o parágrafo neste ponto.

[94] B divide o parágrafo neste ponto.

[95] B omite "estúpidos".

[96] Nota de A: “Voyag. a la Martinique, p. 44, 45, 51". B não divide o parágrafo aqui.

[97] B: "Uchoa" por "Ulloa".

[98] Sobre a palavra "felices", registramos que é hoje uma forma poética da palavra "felizes", mas corrente no século XVIII. B registra "Uchoa" por "Ulloa".

[99] B divide neste ponto o parágrafo.

[100] Variante rara do adjetivo "glutões".

[101] Modo extravagante de vida; devassidão, libertinagem.

[102] B omite esta preposição "de".

[103] Nota de A: “Relation abregée de un voyage etc., p. 52 e 53".

[104]  Uso do indicativo pelo subjuntivo no presente.

[105] Em B "conhecimento" por "reconhecimento".

[106] B: "uma" por "alguma".

[107] Nota de A: “Ribas, Triumph. etc., p. 16".

[108] Nota de A: “De Medic. Brasil, p. 8".

[109] Na edição de 1983, p. 618-619:

SUPERSTIÇÃO

Ainda que ele tenha um mando absoluto na maior parte dos pensamentos, e das obras dos gentios, não se pode contudo asseverar tão decididamente como tenho ouvido, que eles nem pensam, nem obram coisa alguma, que lhes não seja sugerida pelo demônio.  Os missionários, que têm sido entre nós as pessoas encarregadas de espreitar as suas opiniões e práticas religiosas, desconfiam de tudo quanto os vêem falar e obrar, principalmente se entre os seus usos e costumes chegam a descobrir algum, que se lhes representa ser da maior veneração.  Se se inclinam a desconfiar, digo, em tudo quanto obram os gentios, não vem senão obras do demônio; se a conciliá-los com o cristianismo, passam de um a outro extremoporque desde logo lhes atribuem idéias, que eles, sim, são capazes de adquirir, como os outros homens, porém que ainda não as têm.

E daqui procede estarem alguns dos ditos missionários descobrindo em muitas ações dos gentios bem profundos vestígios dos mais sublimes mistérios, interpretando a seu jeito certas expressões e cerimônias, que eles não entendem, e transformando tudo quanto vêem, do que verdadeiramente é, para os que se lhes representa ser.  É certo, que entre os diversos princípios da religião, que alguns deles professam, um deles é o de sustentarem, quedeuses autores dos males, que afligem a espécie humana.  A estes representam os gentios embaixo de formas as mais horrendas; e todo o culto que lhes dão, o dirigem ao fim de aplacarem a cólera destas terríveis divindades.  Crêem como os antropomórfitas, que os seus deuses têm forma humana, porém com uma natureza superior à do homem; e sobre as qualidades e operaçães destes deuses, imaginam fábulas as mais absurdas e incoerentes que se pode imaginar.

Mas estes mesmos nenhuma forma tem de culto público, não erigem templos em honra das suas divindades, não têm ministros especialmente consagrados ao seu serviçoporque os pajés, que são os seus feiticeiros e sacerdotes, também são os médicos, os filósofos e os estadistas de cada tribo.  O entusiasmo supre a ciência do feiticeiro.  Os gentios fáceis em crer tudo quanto lhes parece maravilhoso, pelo temor em que os põe o seu sacerdote, se dispõem a estar pelo que lhes ele diz;   explica-lhes os sonhos, observa os presságios, e intima-lhes a atenção ao canto, e ao vôo das aves, e aos gritos dos outros animais.

Todas estas circunstâncias (lhes adverte) são prognósticos do futuro, e se de alguma delas pronuncia, que lhes é desfavorável, não se executa o que estava deliberado.

[110] Uso do indicativo pelo subjuntivo no presente.

[111] B: "do" por "da".

[112] B: "um " por "um".

[113] B: “poucaporpouco”.

[114] Que apenas são capazes de idéias abstratas significa "que mal são capazes de idéias abstratas".

[115] B: "compreenderem" por "compreender".

[116] Paulo III, o papa da igreja católica nessa época. Bula de 1537: um memorial elaborado por ele, com a ajuda de uma série de personalidades de alto mérito cultural e moral, sobre as mazelas da igreja e os meios para lhes pôr [cobro], o “Consilium de emenda ecclesia”. Fonte: Schleringer, H e Porto, Humberto. Líderes religiosos da humanidade. Tomo 2 (T-2), pág. 1058, 2º §.

[117] Indicativo pelo subjuntivo no pretérito perfeito.

[118] Robertson, sobre os índios espanhóis e o Consílio de Lima [B: "Hist. de l'Amérique, t. ].

[119] B: "a menos" por "menos".

[120] B omite "para lhe servir....... mais complicada".

[121] B: "se-lhes" por "lhes".

[122] B divide o parágrafo neste ponto.

[123] B: "falta" por "faltam".

[124] B divide o parágrafo neste ponto.

[125] B: "enambus, etuns, macucavas" por "nambus, mutuns, macucauas".

[126] Trata-se dos animais caçadores.

[127] B: “banquejar” por “tanquejar”.

[128] com a justaposição de "timbó" e "retê" podemos representar a pronúncia do adjetivo "retê" (verdadeiro), com "r" brando.

[129] Vegetarianos. Palavra composta de "fit" (vegetal) + "i" (vogal de ligação) + "fago" (que come); ou seja, o que se alimenta de vegetais.

[130] O texto registra "ictiogafos", que é um erro evidente.

[131] B divide o parágrafo neste ponto, substituindo a expressão "ou mesmo para se feriarem" por "Ou menos para se fiare".

[132] Cassabe, caçabe, caçave ou caçava (palavra proveniente do haitiano "cazabi", através do espanhol "cazabe") é a farinha de mandioca. B omite a palavra "cassabe".

[133] Forma desusada de "amido".

[134] B: "tapioca" por "tipioca".

[135] B: "a" por "ao".

[136] Os pacés ou passés viviam entre o Negro e o Içá.

[137] B: "amido" por "amilo".

[138] Espigas de milho.

[139] Varais onde se estende o charque, o peixe etc. para secarem.

[140] Conduto é aquilo que se come com pão. Pode ser presunto, mortadela etc.

[141] O adjetivo "marinho" é uma forma evoluída portuguesa do latim "marinu", enquanto "marino" é um latinismo.

[142] B omite "outros" e divide o parágrafo ao fim desta frase.

[143] B omite "e os mais deles, se alguma cousa salgam".

[144] B: "pachiúvas e morajaí" por "pachiúva e morajaí".

[145] Repetido em A: "de de".

[146] B: "recolhem" por "recolhe".

[147] B: "o não há é" por "não há".

[148] Nota de A: “Participação Geral do Rio Negro. Título 27. Dietética. Artigo: Piracuí". [Não encontrei esta autocitação no referido capítulo, que está nas páginas 685-710 da edição de 1983.]

[149] Apisto é um caldo substancioso para alimentação de doentes.

[150] Nota de A:"Artigo: Tucupi". Cf. p. 698 da Viagem..., edição de 1983.

[151] B: "que" por "quem".

[152] Avaluar é o mesmo que avaliar.

[153] B omite "1 até 10".

[154] B: "os dos" por "dos".

[155] B omite "em ano".

[156] Nota de A: “Pison. De Medicin. Brasiliens., lib. 1º, p. 7. Marcgrav. Brasil. Medic., lib. 8º, cap. 5º, p. 269".

[157] B: "porto" por "porte".

[158] Jangaba, iangaba, yangaba, jangava, iangava, yangava, iangaua etc. são variantes gráficas de uma mesma palavra indígena na transcrição dos lusófonos, pois a primeira e a última consoante não possuem correspondentes em nosso idioma.

[159] B: "jangabas" por "iangavas".

[160] Na verdade, a palavra significa conta, contagem ou numeração; e eles dificilmente conseguiriam contar além deste número.

[161] B omite "e".

[162] B: "escrevelha" por "escaravelha".

[163] B não divide o parágrafo neste ponto, continuando até "entende-se queum dia’."

[164] "Fichar", como está em A, deve representar a pronúncia do amanuense.

[165] Indicativo pelo subjuntivo no presente.

[166] B: "hidrofia" por "hidrografia".

[167] B: "índios situados" por "índio situadas".

[168] B divide o parágrafo neste ponto.

[169] B omite "que".

[170] B divide o parágrafo neste ponto.

[171] B: "e" por "a".

[172] Nota de A: “Participação Geral do Rio Negro. Tít. 16, Art. Superstição". [Na edição de 1983, está na pág. 618.]

[173] Nota de A: “Memória sobre os gentios catauixis, de 4 de junho de 1788". [Na edição de 1974, está na pág. 87.]

[174] Nota de A: “Animalis autem homo non percipit ea, quo sunt spiritus Dei: stultitia enim est illi, et nom potuit intelligere: quia spiritualiter examinatur. (I Coríntians, 2, 14)". [B omite esta transcrição latina.]

[175] Nota de A: “Pensamentos Teológicos, cap. 2, § 3º". [B: “Pensamentos Lógicos”. Cap. 2.]

[176] Nota de A: “At ex gentibus illis, tam eferatis et inhumanis, ut ait Porphirius, non oportet ab aequis iudicibus convicium fieri naturae humanae. Lib. de abstinentia". [B omite esta nota.]

[177] Tradução:

[178] Nota de A: “Hist. Nat., t. 6º, p. 299". [B omite esta nota.]

[179] "Motu proprio" é expressão latina que significa "espontaneamente". De seu "motu proprio" tem, aqui, o mesmo sentido [B: "motor próprio" por "motu proprio"].

[180] Nota de A: “Assim, o posso testificar dos gentios curetus, habitantes na margem oriental do rio dos Apaporis, confluente do Jupurá, [B: Japurá,] segundo o que deles ouvi e o que eu mesmo vi. Ouvi ao tenente-coronel Teodósio Constantino de Chermont, primeiro comissário da Quarta Partida da diligência da demarcação de limites, que, achando-se na sua alde[i]a ambas as partidas portuguesa e espanhola, aos 2 de julho de 1782; depois de ambas elas terem sido bem recebidas e agasalhadas dos referidos gentios. A ele, primeiro comissário português, havia representado o principal Catiamani, que eles naquela alde[i]a queriam um vigário para os batizar e instruir, e que por conta deles deixasse o seu sustento, como também a fatura do negócio preciso para se inteirar a sua côngrua. Que foi o mesmo que, estando eu em Barcelos, capital do Rio Negro, presenciei que, ao capitão-general João Pereira Caldas, mandou aquele principal dizer da sua parte, por um filho seu, que ali chegou aos 3 de fevereiro de 1787".

[181] Nota de A: “Tomo 6º, página 299".

[182] Ainda hoje é corrente a forma "intertimento" no interior de Minas Gerais. A palavra "entretenimento" entrou em nossa língua através do espanhol "entretenimiento".

[183] B divide o parágrafo neste ponto.

[184] B: "respondê-lo" por "repreendê-lo".

[185] Este parágrafo continua até "baile lustral", mais abaixo.

[186] Lustral significa purificador. Aqui se divide o parágrafo.

[187] Com esta palavra também se indica o macho da tartaruga.

[188] B: "dezessete" por "dezesseis".

[189] B: "a" por "as".

[190] B: "o" por "a".

[191] B: "o" por "a".

[192] B: "Segundo" por "Segunda".

[193] B: "índios" por "índio".

[194] B omite a numeração expressa nos itens seguintes.

[195] B: "designação" por "dissipação".

[196] Na edição de 1983 da Viagem..., cap. XVI, título "Costumes", p. 619-620 e título "Armas", pág. 626-628.

[197] Tudo isto está impresso na Corografia Histórica do Estado do Maranhão, t. 2.

[198] Escassez, falta, carência.

[199] B substitui estas duas palavras "Todas elas" por "Elas são tão síplices (diz o abade de la Croix) que, por maior que seja a casa, um dia basta para a construir. Todas as referidas alde[i]as (continua Barrere)".

[200] B: "perspectiva" por "prospectiva". Prospectiva significa previsão.

[201] B omite todo este parágrafo.

[202] B: "o" por "a".

[203] B omite "nos tempos".

[204] O mesmo que ocorreu com "preciso", também se pode dizer de "pretender" e seus derivados, provenientes do latim praetendere.

[205] B: "depende" por "dependa".

[206] B: "melancólico" por "melencólico".

[207] B omite "o".

[208] B: "ursos" por "duros".

[209] Rimas de Camões, 2ª parte. Deve-se tratar da edição de 1779, realizada sobre os manuscritos de Faria e Souza.

[210] B: "Mes" por "eles".

[211] B: "de" por "e".

[212] B: "'Há' (pedra) davo-se" por "'itá' (pedra) dava-se".

[213] B: "I" por "F".

[214] A é de difícil leitura. Na verdade, a língua geral também não tinha o nosso fonema /s/, pois a sua sibilante era ligeiramente aspirada. Mas também não tinha o /d/ puro, pois esse fonema ocorria com ressonância nasal, assim como /m/ e /n/. Isto significa que a vogal anterior era sempre nasalizada. Também não existia no nosso J ou /`'z/, pois o fonema que mais se aproximava dele era idêntico ao J dos ingleses.

[215] "Aari-ã" é a forma registrada em A. Mas uma nota marginal nos alertou para o significado dos elementos constituintes de "aani-ã". Aani = não, nada, ninguém; ã = isto, isso, aquilo, etc., .

[216] B: "ao" por "o".

[217] B: "T" por "P".

[218] B: "qui, quo, quoc" por "qui, quae, quod".

[219] Ortologia é a parte da gramática que trata da boa pronúncia.

[220] Prenderem, amarrarem pela raiz.

[221] Intensa.

[222] B: "as destinaram" por "se desligaram".

[223] A está sublinhado a lápis.

[224] B: "1695" por "1595".

[225] B: "dicionário" por "dicionaríolo".

[226] Leiam-se, a respeito da imposição da língua portuguesa aos índios, os primeiros parágrafos do Diretório, cuja edição crítica e comentada está sendo preparada pelo doutorando Prof. Emmanuel Macedo Tavares e as Questoens Apologeticas do Pe. Manuel da Penha do Rosário, por nós publicada na RIHGB, nº 355, de 1987.

[227] O autor usa o lusitanismo "verosímel" pelo atual "verossímil".

[228] B: "de" por "da".

[229] Personificação da nação através do pronome "quem".

[230] B: "fosse este" por "fosse".

[231] Indicativo presente pelo presente do subjuntivo.

[232] B: "de que o ponta" por "que o ponto".

[233] O adjetivo "indígena" é comum-de-dois-gêneros atualmente.

[234] B: "denominação" por "dominação".

[235] A linha costeira oriental do estreito de Bering foi visitada, nesta época, pelo cossaco Dechnef.

[236] B: "Kanstchatka" por "Kamtchatka".

[237] A segunda forma verbal desta locução é, hoje, invariável.

[238] Verbo "haver" flexionado, com o sentido de "existir".

[239] Nota de A: “Observa-se, contudo, que sobre as posições dos lugares que uns e outros visitaram, não se dá exatidão. Porque este país, aonde o tocou Berring, estava situado a 58o e 28’ de latitude e a 236o de longitude à Ilha do Ferro. E aonde o tocou Tichirikow, estava a 56o de latitude e a 241o de longitude. Donde se segue que o primeiro chegou a 60o do porto de Petropawlowska, donde se fez à vela; e o segundo, a 65o. Porém, pela carta de Krenitzin, parece que não avançou a mais de 260o [B: "200o"'] a leste, e tão somente a 32o de Petropawlowska.

[240] Nota de A: “Crantz. História da Groelândia citada por Robertson na sua História da América, t. 2º, p. 46".

[241] B divide o parágrafo neste ponto.

[242] B: "a sua origem à" porsua origem a".

[243] Nota de A: “O autor tem dito em outra parte "que muitos fatos decisivos estabelecem uma consangüinidade entre os esquimós e os groelandos". Tomo 2º, p. 47".

[244] B divide neste ponto o parágrafo.

[245] O feminino de "comum" era "comua". Hoje a palavra não flexiona em gênero.

[246] Observar o uso da época de "aonde" por "onde".

[247] Indicativo pelo subjuntivo no pretérito imperfeito.

[248] B omite "e".

[249] Entenda-se "a nordeste da Ásia".

[250] Personificação da nação dos "tártaros".

[251] Até aqui impresso na Corografia Histórica. O texto não identifica a fonte desta longa citação, que deve ser a História da América, de Robertson.