[OS
TAPUIAS]
nA
ordem dos Primazes
Esta ordem
compreende os mamais que têm os caracteres abaixo:
1) Na maxila superior, quatro
dentes incisores e
paralelos; as presas
separadas.
2) Duas mamas
no peito, uma de
cada
lado.
3) Os pés dianteiros servem de mãos.
As unhas são
esplanadas e
ovais.
4) Os braços são divergentes
mediante as
clavículas. O andar é a
quatro
pés.
5) O seu sustento natural
e originário são
frutos.
É nesta primeira
ordem que,
segundo aquele
sistema, tem o primeiro
lugar o homem.
O caráter de
distinção
do seu gênero
consiste no conhecimento de si mesmo.
Nosce
te ipsum
foi a inscrição
que
mandou Sólon escrever com
letras de ouro
e colocar no Templo
de Diana. Porém sendo muitas e mui
diversas entre si
as relações que
se deduzem daquele conhecimento, e
sobrando em cada
uma delas a matéria
para
ocupar e intreter os estudos
não de uma, mas
de muitas vidas, algumas se consumiram em adquirir
somente
o conhecimento fisiológico, outras o dietético e, assim
por diante,
o patológico, o
político,
o
moral, o
teológico. E por
este
modo, cada
um nos
deu a conhecer o homem
naquele ponto de vista
em que
ele mais
o observou.
O homem natural ficou sendo o objeto
das observações dos naturalistas. A sabedoria quanto
à sua alma,
a docilidade e o ensino são as que
formam o caráter
essencial
de sua espécie.
A diversidade de
sua
cor, quanto
ao seu corpo,
a do lugar, em
que habita, e a de
seus
usos e faculdades
corporais, o que
indicam é que
também
da sua espécie,
assim como
das dos outros
animais, há algumas variedades.
Neste sentido, o tapuia
é uma delas. Tão
homem
é ele, como
o europeu, o asiático
e o africano, e da
mesma
sorte que
em razão
da diversidade de
sua
cor e do país
de sua habitação,
nós, pelo nome de sua própria língua
os denominamos "tapuias". Também eles a nós denominam "tapui-tingas" ou tapuias brancos, que,
sendo europeus, se distinguem já hoje entre os índios
domesticados, pelo nome
de "cariba suaiuara" ou branco europeu. Aos pretos
chamam "tapuiúna" ou tapuia preto.
Com
efeito, os tapuias nenhuma outra
diferença têm,
senão
as que são
acidentais ao ser
do homem. Diversificam na cor, a qual logo se verá que
é mais ou
menos acastanhada,
segundo as
alturas
em que
habitam; segundo o
estado
físico de seus
corpos, ou
sãos ou
enfermos, e
segundo
a vida que
passam, mais ou
menos exposta
às impressões do
tempo. Diversificam na língua, porque não só não é a mesma que a nossa, mas nem é a mesma que todos eles falam entre
si. Sendo tantas as
suas
línguas quantas as diversas tribos de gentios
que habitam as
ilhas
e o continente da América. Diversificam
na energia e no
exercício
das potências e
faculdades
intelectuais, não
sendo tão vivo
e ativo o seu
espírito, nem
ainda como
o dos pretos
igualmente
selvagens. Mas
é capaz de ensino
que o desperte,
que
o faça refletir e que
o melhore do que é.
Isto,
porém, é o que
mais circunstanciadamente se expende nas
observações
abaixo.
A primeira que logo faz todo e qualquer
europeu, em
chegando à América, é a da novidade que imprime no seu
espírito a presença
de um tapuia,
um homem
de uma cor, de umas
feições, de uma língua e
de uns usos e instituições
diversas. À primeira vista (reparou em
outro tempo
o Sr. de Balsamão)
representa um
homem
dócil, tranqüilo
e tratável. Mas,
examinado de perto,
logo
deixa ver um ar de selvagem, de desconfiado e de sombrio. Porém,
o que menos
complica e dificulta esta observação é que, segundo
refletiu o espanhol D. Antonio de Ulloa "Visto
um, pode-se dizer estão
vistos
todos". Muito antes
dele, tinha feito
o mesmo reparo
o outro espanhol
D. Pedro de Cieca de Leão, quando noticiou "Que
todos eles,
homens e mulheres,
pareciam filhos de
um
mesmo pai
e de uma mesma
mãe,
apesar da
infinidade
de nações e da
diversidade
de climas, aonde
habitam". Há, com efeito, em todos eles, uma
certa combinação
de feições e um
certo ar
tão
privativamente
seu, que
nele se deve estabelecer a
característica
de uma figura
americana.
A segunda
é a da sua cor,
porque todos
a têm de cobre ou
de castanha, com
a diferença somente
que em
umas nações é
mais
e em outras menos
carregada e retinta "não em proporção da sua
distância ao
Equador
(observou Sua
dita
Excelência) mas
sim, segundo
o grau de
elevação
do terreno aonde
habitam. Assim, os
que
vivem nas umidades das serras e das montanhas são muito mais alvos que os que povoam as suas
fraldas. E uns e
outros, à proporção da
elevação
do seu país,
mais alvos
que os que
ocupam as planícies, as terras baixas e
os pantanais; o
que
se está vendo nos
que
povoam as cordilheiras da parte superior
dos rios Branco
e da Madeira. De
sorte
que alguns
mais parecem
mamelucos,
isto é, filhos
de branco e de
tapuia, do que
simplesmente
tapuias. Contudo,
por mais
retintos que
sejam, não deixa
de entre eles
mesmos se diferençar
muito, para menos carregada, a cor
dos que menos
trabalham expostos ao tempo; e para mais, a dos que
experimentam as suas vicissitudes. Um
tapuia, depois
de passados dous meses que está posto
a fazer manteigas
em uma praia
do Solimões ou do
Madeira,
sempre exposto
ao calor do sol
e ao fogo das
caldeiras,
pouco difere de
um
preto. Que
muito, se nesse
caso, os mesmos
brancos
parecem mulatos? Pelo
contrário, os que
se empregam em
serviços
domésticos sempre
são mais
alvos do que
aqueles. Também
as enfermidades,
tais
como a obstrução,
a caquechia
e a consumpção,
os apresentam mais
esbranquiçados
e pálidos. Os purupurus, por outro nome catauixis,
que habitam no rio
dos Purus, confluente do dos Solimões, têm as mãos
e os pés malhados
de branco.
Porém,
donde procede a diversidade
de sua cor
nativa e
originária?
Eis aqui
no que se não
ingere a filosofar a maior
parte dos historiadores; e todos eles não cessam de recomendar
aos físicos e anatômicos a explicação deste fenômeno;
contentando-se de circunstanciar tão somente com milhares de
exemplos e de
casos
particulares as
observações
abaixo:
1ª) Sendo toda
a Europa habitada de brancos, há, contudo, a fazer um reparo étnico que, à proporção
que nos
desviamos do norte e dos
países
frios, demandando
aqueles
que mais
expostos se acham ao calor do sol, assim vamos observando que,
gradualmente, se diminui na pele humana a alvura de sua cor. Os gregos,
napolitanos,
sicilianos
e os habitantes de Córsega, de Sardenha e
os espanhóis, que estão, com pouca diferença, situados debaixo
do mesmo paralelo,
são indisputavelmente mais trigueiros
que os franceses, ingleses, alemães, polonos, moldavos e os
mais
povos do norte
até a Lapônia.
Nem
a cor trigueira
dos primeiros se espalha e distribui por mais alguns povos da
terra, senão por degraus, até que
ultimamente termina em um preto fixo e uniforme.
O espanhol é mais
trigueiro que
o francês, o mouro
mais que
o espanhol e o
negro
mais que
o mouro.
2ª) Em quase toda a
Ásia e ainda nos
climas temperados
de África, os seus
habitantes
são brancos,
e tão somente
debaixo da zona
tórrida em
África ou nos
países que
mais vizinhos
lhe ficam, todos
são pretos;
o que também
sucede em alguns
cantões da Ásia. E
assim
como entre
os brancos, uns o
são
mais que
outros, da mesma
sorte sucede
entre
os pretos.
Vê-se que os que
habitam na margem
meridional
do Senegal e os jalofos, que são os que ocupam as terras
compreendidas entre
aquele
e o outro rio
Gâmbia.
Os da
ilha
Goréia e da costa de Cabo Verde são muito negros, e disso mesmo
se prezam eles,
porque
têm uma cor
profundamente
azevichada. Menos pretos que aqueles são os
da Serra Leoa e os de Guiné. Ainda menos pretos que estes, e que os
de Congo, são
os da Costa de Judá, de Issigna, de
Arada
e outros lugares
seus
circunvizinhos.
Geralmente, os
mais
negros de todos
são os do Senegal, Gâmbia, Cabo Verde, Angola e Congo.
3ª) Porém nos países do Novo Mundo habitado, que,
certamente, têm a
sua
maior parte
situada debaixo da
mesma
zona tórrida,
aonde estão as Antilhas, o México, o Reino de Santa Fé, a Guiana, o País
das Amazonas, o
Peru
etc., em vez de habitarem homens
de cor preta
e semelhante à dos
que
habitam nas regiões
correspondentes
de África, habitam índios, os quais, suposto que não sejam brancos como os
europeus, também
não são
pretos como
os africanos seus
correspondentes,
mas
sim da cor
de cobre, ou
de castanha.
4ª) Sim; desta cor
de cobre uns se afastam mais e outros menos. E os tapuias,
assim como
os brancos e os
pretos, têm entre
si
nações que
são mais
ou menos
retintas. Nas partes mais setentrionais
da América habitam espécies de lapônios semelhantes aos da Europa; e
depois
deles outros
gentios
que são
assaz brancos
e têm as feições da
face
muito regulares. Entre
os referidos gentios, alguns há que até os mesmos cabelos os têm louros
como os europeus
setentrionais. E os do Canadá e de toda a terra firme, até o Golfo do México, em tudo se assemelham aos tártaros.
Mais trigueiros
que os do Canadá
são
os da Flórida e do Mississipi; os das ilhas Lucaias mais
que os das de São
Domingos e de
Cuba. Entre
os habitantes do
istmo
da América, que Water reconheceu e
viu, que
eram da cor do
cobre
amarelo ou
de laranja, habitam
outros
que são
brancos da cor
de leite. Os
índios
do Peru, que
povoam as costas do
mar
e as terras
baixas,
são da mesma
cor de cobre que os de todo
o Brasil; ao mesmo
passo
que os habitantes
das Cordilheiras bem
pouca ou
nenhuma diferença têm dos europeus. Todas estas
variedades
há em suas
cores; porém,
a mais geral
e a que lhes
é nativa e
originária
é constantemente a de cobre e não a cor preta. O que assim posto e estabelecido, produz a
seguinte
dúvida, e é que,
se para se atribuir ao calor as diversidades
das cores favorece a primeira observação,
para se subscrever a ela, evidentemente
se opõe a terceira,
visto
que a climas
correspondentes
não
correspondem as cores.
Com efeito,
para ao calor
principalmente se
atribuir
a diversidade das
cores, nenhuma dúvida
obstará, em refletindo:
a) Que, para exatamente se determinar a temperatura do clima
em algumas partes
do globo, não
basta o medir
somente a sua
distância ao
Equador,
mas também
é necessário examinar:
1º) a
altura em
que estão sobre
o nível do mar;
2º) a
elevação das montanhas,
ou próprias, ou
vizinhas;
3º) a
extensão do país;
4º) a
natureza do terreno;
5º) os
ventos que
reinam etc.
Donde vem
que a latitudes
correspondentes
nem
sempre correspondem os climas. Se bem que no Antigo Mundo, determinada
que seja a
posição
de alguns países,
fica ordinariamente determinado o seu clima.
b) Pode o
americano situado debaixo
da zona tórrida
padecer menos
calor, que
o africano, seu
correspondente, e,
por
conseguinte, pode
mostrar
na sua cor
a diferença que
vemos de ser de cobre
e não preta.
O que tanto
melhor se percebe,
quanto
mais claras
e exatas são as
observações
que continuam.
5ª) Faz
realmente menos
calor debaixo
da zona tórrida
na América do que
debaixo
dela em África.
Ora, compreendendo-se debaixo
daquela zona em o Novo Mundo: o México,
a Nova Espanha, o
Peru
etc., jamais se
experimenta
ali um
tão grande
calor como
se experimentaria, se não estivessem as
referidas províncias tão extremamente
elevadas acima do
ordinário
nível da superfície
do globo. De
maneira
que, nos
grandes calores,
não sobe o
termômetro
tanto no Peru
como chega
a subir na França. As neves
que cobrem os
cumes
daquelas serras resfriam o ar. E esta, que
é filha da
primeira
causa, influi muito
sobre a
temperatura
do clima; e os
seus
habitantes, por
conseguinte, em
vez de serem
pretos,
são tão
somente avermelhados ou
da cor do cobre.
Pelo que respeita às terras
de Amazonas,
que são
baixas, são
também ali
tantos os rios,
os lagos e os
bosques,
que, por
mais cálido
que seja o ar
que para ali se dirija, nunca
jamais pode deixar
de se umedecer e refrescar
mais do que
aconteceria em
outro
país mais
seco. Ultimamente,
não
se acham pretos,
senão
naqueles climas da
terra
aonde todas as
circunstâncias
concorrem para produzirem um
calor constante
e sempre excessivo.
6ª) Em outras partes
da América, que estão debaixo do mesmo
paralelo que
algumas de Ásia e de África, nas quais o
calor é fecundo
e benéfico, predomina um
excessivo frio,
e o inverno ali
se faz sentir com
um extremo
rigor.
7ª) Este mesmo frio se estende mais
avante, como
experimentam os que atravessam a América
para a zona tórrida, aonde ele serve de moderar a
intensão de seu
calor. De sorte
que,
quando na costa
de África estão os pretos ardendo em calma, respiram
os habitantes
do Peru um
ar fresco
e temperado. Sabe-se,
que
dessas raras vezes,
que
em França, fora
da zona tórrida,
sobe o termômetro a 30o e no
Senegal, até 38o, no Peru jamais se
eleva acima de 25o.
8ª) Sabendo-se
que a América para
o pólo do norte
se estende mais do
que
a Ásia ou a Europa, da mesma sorte se
sabe que o vento
que passa
por aquela vasta
extensão de terra
elevada e gelada, a
qual
se-lhe apresenta em uma cade[i]a de altas montanhas,
aonde a neve
é eterna, ali
se resfria, de maneira que nem ainda depois de
atravessar para os climas mais temperados, chega
a perder a sua
atividade,
enquanto
não entra no México, que é aonde se
modera. Noroeste na América Setentrional e um frio excessivo, consta da História das
Viagens
que são
sinônimos. Em
se voltando o vento daquela
parte, seja ou
não
à força do mais
ardente estio,
imediatamente se experimentam os efeitos de uma súbita
transição de
calor
para frio, e
das suas
incursões
participam as províncias meridionais.
9ª) Da
parte do trópico
meridional encontram-se ainda, mais que da do boreal,
mares gelados e
países
horríveis, estéreis e quase inabitáveis,
pelo rigor do frio, o qual se
comunica às províncias interiores.
10ª) É
verdade que
o vento que
invariavelmente assopra na direção de Leste-Oeste sobre
as regiões da América situadas entre os trópicos,
antes de chegar
às suas costas,
tem-se recheado de infinitas partículas
ígneas, as quais
lhe
subministram os ardentes planos da Ásia e os adustos
areais
dos desertos de África, por onde tem passado. Porém,
como ele
atravessa o Mar
Atlântico
antes de chegar
às costas americanas, naquele mar se refresca
e não somente
diminui a intensão de seu calor, mas se
faz sentir como
uma branda e suave
viração. E daqui vem que o Brasil é um
país fresco
e temperado,
relativamente
às latitudes
correspondentes
de África. E que, sendo o calor que
deveria ter, em
razão da sua
posição, notavelmente enfraquecido e
moderado pelas causas mencionadas, também a cor de
seus habitantes
vem a diferir das dos brancos
muito menos
que da dos pretos.
Pois que, em o calor
sendo excessivo, como
é no Senegal e em Guiné, já os homens são pretos e muito pretos; em sendo pouco menos ativo, como sucede nas costas
orientais da África, os pretos são menos pretos; em passando a mais
temperado, como
é o da Berbéria, Mogol, Arábia etc., os homens
também passam
a trigueiros, e sendo
totalmente temperado,
como na Europa e Ásia, os homens são brancos.
Que do
calor
do clima
principalmente
parece depender a cor preta ou trigueira,
fica suficientemente explicado pelas observações acima. Mas em que parte do corpo
reside a cor
preta
dos negros? Será no
corpo
reticular de Malpígio, segundo
o qual a epidermis dos
pretos
é tão cândida
como a dos
brancos; o que se pretende
estar
confirmado pelas experiências de Ruysch? Será
na mesma
epidermis, como
sustenta
Winslow, mostrando
que
ela é realmente
preta, se bem
que o não
pareceu, pela sua
nímia delicadeza
e transparência? Será no
sangue,
como diz Towns, o
qual nos pretos viu ele que era muito mais negro do que nos brancos? Ou
será na bílis,
como
pertende Barrere, pelas
repetidas experiências
que fez de que
ela, nos
pretos, não
é amarela, como
nos brancos,
mas tão
negra como
a tinta?
Ora,
tudo
isto é pretender
mais que
o que se propõe. Examinar
a causa que obra, não é inquirir o como ela obra.
Quanto a
mim
(diz De Buffon), confesso que sempre me pareceu que
a mesma causa
que nos
faz mais
trigueiros
quando nos
expomos ao ar aberto
e aos ardores do
sol, essa mesma é a
que
faz que os espanhóis sejam mais trigueiros
que os franceses, os mouros mais que o espanhóis e os negros
mais do que
os mouros. Nós
não queremos indagar
o como esta causa
obra, mas
assegurarmo-nos somente que ela é a que obra.
A terceira observação
quanto aos
tapuias
é a da lisura de
sua
pele, quanto
ela é sólida e
unida; de maneira
que não
somente o comum
deles carece de pêlos em a maior parte de seus corpos, exceptuada a cabeça,
as axilas e o pentem, mas também da mesma
porção escamosa
e rugas ou
silhões que
regram a matéria da
transpiração; ficando tão
lisa
que, tocando-se-lhe
com
a mão, se sente
como
aveludada. O que,
não
obstante, alguns
há, principalmente de entre os domesticados, que,
à imitação dos
brancos, têm bastantes
pêlos
pelas mãos, pelos
braços e pelas
pernas.
Em a maior
parte dos muras já homens, que vi pelo Rio da
Madeira, observei um
fenômeno
que, nos
mais tapuias
é raro, isto
é, o terem barba.
Poucos
a tinham cerrada;
porém
todos crescida no
lábio
superior e na
barba. É
certo
que estas são
exceções de regra,
porque o comum,
já disse que
tem a pele nua,
lisa
e unida. Que esta vem a
ser
a razão por
que no caso
de lhes serem
precisos
os diaforéticos, necessitam
que
estes sejam mais
fortes que
os que se aplicam aos brancos. Outras muitas
observações
se oferecem neste lugar; porém sigamos nós
o fio de todas
elas, dividindo quando há
a examinar nos tapuias em três classes gerais:
Primeira:
De sua constituição
física
Segunda:
Da moral
Terceira:
Da política
Constituição
Física
a) Corporal
Como
ela diz respeito a seus
corpos e se há de dar
a conhecer pelos
caracteres
externos, tomá-la-emos da divisão
natural
do corpo humano
em cabeça,
tronco,
extremidades.
Cabeça
– É perfeitamente
redonda em
os que a não
desfiguram com alguma deformidade industrial,
como, por
exemplo, os cambebas, que as entalam, quando
crianças, para
ficarem com elas
chatas. Todos
as têm povoadas de cabelos
a) perfeitamente
negros e que
só com
a longa idade
se fazem ruços;
b) compridos,
soltos e desalinhados, quando gentios;
c) lisos, isto é, corredios; exceptuados os muras, que quase todos os têm crespos
e parecem amulatados;
d) grossos
e tão rudes em outros que parecem sedas
porcinas. Ou sejam moços ou velhos, raros são os tapuias calvos.
Face
– É larga e chata, afastando-se o mais
que é possível
da forma oval que é comum aos
europeus; porém
com as feições
dos asiáticos, aos
quais
se assemelham mais
entre
os povos do
Antigo
Mundo. Uns a conservam no seu estado natural, outros
a desfiguram com alguma deformidade, ou
mascarando-a, como fazem os iurupixunas, ou distendendo, mutilando, furando e rasgando algumas
de suas partes,
como outros
muitos.
Testa
– Muito pequena e estreita,
com os cabelos
quase descidos
até
as sobrancelhas.
Olhos
– Pequenos; com a pupila ou preta ou castanha,
perspicacíssimos.
Orelhas
– De sua natureza grandes;
porém ainda
maiores naqueles
que
na sua grandeza
constituem a formosura da face, distendendo-as ao ponto
de lhes descerem
até
aos ombros, como
fazem os uerequenas, por outro nome orelhudos.
Uns as conservam inteiras, outros as
furam ou rasgam,
que
por isso
lhes chamam os
índios
domesticados "nambi soroca", isto
é, orelha furada; introduzindo nos furos ou tornos de paus, ou molhos de palha,
ou fragmentos
de resinas, de
pedras, de ossos, de
cristais, de conchas e de
alguns
metais.
Nariz
– Mais plano do que elevado, porém
de olfato
delicado.
Alguns farejam
como
os cães. Também,
ou o conservam
inteiro
ou com
as ventas
exteriormente
furadas, para nelas introduzirem penas de aves, como os miranha; ou com um só furo praticado na cartilagem
que interiormente
as divide, para nele trazerem atravessado algum tubo de resina, como os
caripunas
das cachoeiras do rio
da Madeira.
Boca
– Grande, com os lábios grossos e também
ou inteiros
ou furados para
lhes introduzirem os botoques, que fazem de frechas, de paus,
de coquilhos, de ossos e de pedras; porém nenhuns tão disformes como
os dos gamelas do Maranhão.
Barba
– Que
propriamente a seja, como nos europeus, é cousa rara
em tapuia.
Dos muras, já disse o que vi e notei, e ainda
de alguns índios
domesticados. O que
mais
comumente se chega a
ver
nos adultos
é uma espécie de
buço
no lábio superior;
aos velhos crescem na barba alguns pêlos grossos e
raros. Não
é isto um
sinal de falta
de vigor e de virilidade?
Tronco
– Em os tapuias do Pará,
Rio Negro e Madeira, os quais
ordinariamente são de estatura medíocre,
é reto e bem talhado; todos são espadaúdos
e quadrados, com
a) os peitos largos;
b) o abdômen plano;
c) o dorso
musculoso.
Porém,
os mauás, que habitam um
dos confluentes do Jupurá, o desfiguram, espartilhando-o, de sorte que nem tão
espartilhadas se apresentam as mais
delicadas damas da Europa.
Extremidades
a) Os braços
e as pernas bem
talhados e musculosos.
b) As mãos
e os
pés proporcionados à estatura de seus
corpos.
Mas
os pés largos, as solas
tão ásperas como
a lixa e, nos
gentios,
principalmente, o dedo
grande
do pé afastado do
seu
imediato. Entre
os muras
é o do pé esquerdo,
por apoiarem
entre
eles, na ação
de expedirem as frechas, as extremidades
de seus arcos,
que são
maiores que
os dos outros. Em ambos os pés se vê que são
separados os de outros gentios, já porque lhes
servem de mãos,
com
que levantam do
chão
o que nele cai ou
se acha já porque com eles se seguram, ao treparem
pelos
troncos das
árvores,
como se observa
que
faz o macaco,
entre
os quadrúpedes, e o
papagaio, a arara, o
tucano
e outras aves, as
quais,
para treparem, sem
lhes ser preciso nem o uso, nem o artifício, já
trazem da natureza o caráter distintivo
de dous dedos separados.
Da descrição acima, a conclusão
que resulta é que
há em seus
corpos, contanto
que não
estejam desfigurados da arte, aquela proporção e regularidade em
que consiste a
perfeição
de uma figura
americana. O talhe
airoso
do corpo, a
estatura
proporcionada, as feições delicadas, de tudo
vai a natureza repartindo por todos, como lhe
parece. Mas por
que não
reparte ela
igualmente
pelos tapuias,
assim como
por nós
outros tantos
vícios orgânicos
quantos denotam na Europa milhares de pigmeus,
de corcovados, de aleijados, cegos, surdos e
mudos? Com
algum destes
defeitos
e de outras grandes
deformidades
naturais é raro
encontrar[em]-se
muitos entre
os gentios. Porém,
esta observação, o
que
prova é que assim como as tapuias, nas ocasiões
de conflito, desgosto
e de grandes
trabalhos
corporais, procuram, mediante os abortos,
evitar-se o obstáculo do feto. Da mesma sorte, depois
de nascidos os filhos, se eles saem fracos,
defeituosos e mal constituídos, ou os abandonam, como
incapazes de a
nenhum
tempo passarem
pelos
trabalhos da vida
selvagem ou,
se os criam, como é
muito
rigoroso o tratamento
que lhes
serve de criação,
raros
deles, assim
criados, chegam a uma idade
avançada.
Não que
a natureza não
reparta por eles,
assim como
por nós,
aqueles vícios.
O que bem o mostra a experiência,
porque, se visitarmos as nossas alde[i]as,
aonde as índias já sabem qual é
a severidade das nossas leis tanto sobre os infanticídios
como sobre
os outros delitos
ofensivos da
população, acharemos nelas alguns
defeituosos mais que os que observamos entre grandes nações de gentios.
E ainda que,
sem embargo
das leis, muitas índias nossas o fazem para diferentes fins: de se pouparem a vergonha,
de se vingarem dos pais e de se evitar(em) a
mortificação de os criare(m), sempre é com menos liberdade do que
no mato.
Pelo
que respeita à proporção,
que tanto
engrandecem em
seus
escritos alguns
dos nossos
europeus, achando-a mais
justa
e mais natural
em seus
corpos do que
nos nossos,
já Pison
e Marcgrav
deram a razão dela. É que se eles não são dos que desfiguram a forma humana, não
enfaixam as crianças; não espartilham as meninas, para
adquirirem cinturas delicadas; não ligam aos filhos
os pescoços com
os colarinhos; os
pulsos,
com os manguitos; o
ventre,
com os cintos;
os joelhos, com
as ligas e os pés,
com os sapatos.
Ninguém
se engane, porém, assentando,
talvez, que
a esta regularidade de figura
corresponde um
igual
vigor. Em os
desta parte da América, o que também eu tenho observado
é que a agilidade excede à força. Um preto, para uma diligência
ao mato, é menos
ágil que
ele; também
para o serviço
das canoas e para
tudo quanto
é ou pescar, ou nadar, ou remar pelos rios, não tem a sua esperteza. Porém
para o trabalho da enxada e do machado,
é mais forte.
Um gentio,
se é obrigado a
trabalhar,
imediatamente sucumbe à violência que
sente. Um preto,
ou constrangido,
ou
não, dá conta
da tarefa que
se-lhe impõe, contanto que lhe não falte o sustento.
Estes sofrem
menos
a fome do que
aqueles; porém,
alimentados que sejam, recompensam a despesa e o cuidado
de seus senhores. Aqueles, ou
alimentados, ou
não,
são inimigos
do trabalho, porque
o não podem fazer
quando faltar
de alimento, e porque
não querem,
quando
abarrotados
dele. Antes,
quanto
mais bem
comidos andam e mais
bem
folgados, tanto
mais
cedo se fazem "Venter pigri, malo
bestia", como
dos cretenses dizia Epimênides, citado por
São Paulo.
A debilidade é o caráter de seus corpos e a
frieza, o de suas
almas. Eis
aqui a
conseqüência,
não de uma nem
de duas causas somente,
como julgam
muitos, atribuindo-a uns à temperatura
do clima quente e úmido e, outros,
à pouca substância
e muita
simplicidade
dos alimentos.
Ela
procede de muitas causas:
a) De não
estarem, desde
que
nasceram, costumados a trabalhar, visto que o hábito ao trabalho, dos fracos faz robustos;
o que se está vendo
nos
tapuias domesticados, quanto os excedem em
força e robustez,
sendo aliás estes,
por natureza,
tão fracos
como aqueles.
b) De, ainda que quisessem trabalhar,
estarem faltos de
tudo
quanto são
meios de facilitar
o trabalho, porque:
1º) não
têm instrumentos;
2º) ignoram a arte da fundição e o uso
dos metais úteis;
3º) não
se ajudam dos outros
animais
que servem para
os diferentes
usos
da vida, assim
como sabemos que
ao europeu servem o
boi
e o cavalo, ao asiático
o elefante, o
camelo
ao árabe, o remi
ao lapônio e o cão ao kanskatka.
c) De, sem embargo disto, lhes
não custarem
fadigas
e trabalhos, nem
o sustento, nem
o regalo, porque a
tudo
supre a liberalidade da natureza.
d) Da limitada esfera
de seus desejos
e necessidades
que, à menor
diligência
que façam, ficam
amplamente
satisfeitas, sem obrigação de se
afadigarem pelo alcance
dos meios
precisos
para as satisfazerem; pois
que até por si têm.
e) A liberdade
do comércio dos dous sexos, aonde, quando e como o
apetecem. Em
cujos
termos, todos
eles são
homens de
natureza
tal que,
por não
trabalharem, são
capazes
de passar pelos
maiores trabalhos.
Quanto
a mim, a mais verdadeira de todas as
observações
que em
semelhante
matéria
se tem feito, e a
que
mais se conforma
com
o que tenho visto,
é a de Mr. Godin. Razão teve para a fazer, porque a um talento tão vasto como era o seu,
ajuntou a experiência de 35 anos entre os 15
que viveu com
os índios do Peru
e 20 na colônia francesa de Caiena, aonde tratou muito
com os do Orinoco. O
vigor
da constituição dos
americanos
(diz ele) está
exatamente
na razão de seu
hábito ao trabalho.
Os índios dos
climas
quentes, como
são os das costas
do Mar do Sul
e os dos rios das
Amazonas
e Orinoco, não podem
ser
comparados em
força
aos das regiões
frias.
Contudo,
cotidianamente
estão saindo canoas do
porto
do Pará,
estabelecimento
português no rio das Amazonas, para subirem por ele, apesar da rapidez
da sua correnteza.
E sem mudarem de remeiros, chegam a São Paulo, que
está na distância de 800 léguas. Não se
achará uma só esquipação
de brancos, nem
ainda de pretos,
a qual possa
resistir
a semelhante fadiga,
como os portugueses têm experimentado. Porém, isto é o
que todos
os dias se está vendo fazerem-no os índios, só porque a isto
estão habituados desde a sua infância.
Sempre,
porém, que o vigor de seus corpos não é violentamente
agitado por
alguma súbita variação de conduta, passando eles
do estado de uma
longa
abstinência para
o de uma extrema
voracidade;
sempre que,
nem o seu
ócio, nem
as suas fadigas
são excessivas e
sempre
que eles
não passam pelos
desassossegos e
incômodos
da guerra, nem
pela intemperança
que consigo
trazem as vicissitudes da estação; então,
o clima, por
uma parte, e o
seu
modo de viver,
por outra,
se dão as mãos para
favorecerem a duração de seus dias. E, entre eles, com maior freqüência do que
entre os europeus,
aparecem muitos
que
são sadios
e longevos. Tais
são os efeitos
que aos gentios
principalmente devem
resultar
de nem os seus
corpos serem
oprimidos
de trabalhos, nem
os seus espíritos
confundidos
daquelas cogitações e dissabores que inquietam e atribulam os
homens
civilizados. Alguns
índios
tenho visto tão
curvados e decrépitos e, já em todo o sentido,
tão desamparados da
natureza
que, ao ajuizar
deles pelos
sinais
externos, deveria considerar-lhes uma extraordinária velhice. Porém
eles, de uns
tantos
anos para cima, apenas
sabem dar conta de sua idade por alguns fatos notáveis
de que dão
notícia
ou alguns
dos antigos
generais
que conheceram ou
quaisquer outras circunstâncias que abrem a porta
às estimativas. E o
mais
é que daquela
mesma
beneficência do clima
participam muitos
europeus
que para ele se transportaram. Entre brancos e
índios
centenários
que vi, de ambos
os sexos, naquela parte somente do Estado do Grão-Pará, por
onde andei desde
21 de outubro de 1783 até 30 de janeiro
de 1789, montavam acima de cinqüenta. Na
soma total de
6.642 almas, de
que
em 1787 constava a
população
de dentro do Rio
Negro, se incluíam trinta daquela e de maior idade,
sendo 28 índios,
um
cafuz e um branco.
Os exemplos
abaixo
são tirados daquelas pessoas que
ouvi ou averigüei,
que
existiam muito próximas ao tempo em que entrei no Estado.
Pará
Em
1783, que foi quando estive na ilha do
Marajó, faleceu na sua fazenda do Igarapé-puca,
Domingos
Pacheco, natural da
ilha
de São Miguel,
aonde, dizia ele
que,
já ao tempo
do Senhor Rei
Dom Afonso sexto,
havia sido soldado.
Por
aqui se pode
conjecturar
qual seria a sua
idade. Sustentava-se de pequenos peixes
e outros
alimentos
de fácil digestão,
pelo que
conservava as forças precisas para trabalhar no campo com uma
fouce e todos os
dias
visitava pessoalmente as suas roças,
marchando a pé boa
meia
légua, para ir ter a
elas, donde voltava a jantar
em
sua casa.
Não dava a conhecer
o menor sinal
de demência.
Em
Macapá, ainda
vivia o outro
ilhéu
Manoel de Bittencourt, que também era da mesma ilha e da mesma idade.
Em
1785 faleceu, na Cidade,
Dona Antônia Maria de Oliveira (a mãe
dos generais). Sei
que
tinha mais
de cem anos,
porém já
padecia demência.
Rio Negro
Faleceu de idade
de cento e dez
anos o capitão
Constantino Dutra e Ruta, morador da vila
capital de Barcelos, em cuja matriz foi sepultado a 4 de
agosto
de 1786.
Na mesma vila ainda
continuava a viver o outro
morador centenário, o capitão Francisco Xavier de
Morais.
De cento
e doze
anos faleceu no
lugar
de Moreira, em 1786, o
índio
Damião.
De cento
e vinte faleceu no mesmo lugar, em 1788,
a índia Cristina.
Ora,
nada disto admira
que
suceda em um
clima tão
benéfico qual
é o do Pará e Rio
Negro. Vejam-se os
exemplos
seguintes, que
são os do Forte
do Príncipe, em
uma capitania tão
doentia como
é a de Mato
Grosso.
Mato
Grosso
Faleceu de cento
e quatorze anos Inácio Ferreira Marinho, natural do Rio de Janeiro, o qual,
até o ano
de 1787, em que
faleceu, de si dizia não ter conhecido mais
do que as duas
mulheres
que teve. Montava a
cavalo
com todo
o desembaraço e,
até
falecer, não
mostrou a menor
falta,
nem de juízo,
nem de sentidos.
Jaz no cemitério do Forte
do Príncipe.
Também
ali jaz outro
morador, Antônio Alves, que era europeu e, em 1788, faleceu de cento
e nove anos.
No mesmo ano faleceu de acima
de cem anos,
Maria Pinheira,
natural
da cidade de São
Paulo.
São
ainda vivos: o preto
Sebastião da Silva, que
conta
cento e sete
anos.
Tem a cabeça e a
barba
branca, porém
ainda trabalha
na sua roça
e, em semelhante
idade, ainda
o ano passado
de 1788, pertendeu casar-se. Marcha a pé boa légua e meia sem ficar abatido; trabalha com
fouce e enxada e dá
ordem
à vida. O outro
preto, José André,
que
conta acima
de cento e dez
anos, padece algumas cegueiras periódicas.
Além
destes, que vão especificados por
seus nomes,
existem mais
cinco
pretos
centenários. Donde se vê
que,
entre as 800
almas
de que, quando
muito, constaria
em
1786 a população do
Forte
do Príncipe, se incluíam dez centenários.
Eu
tenho escrito
o que basta
da constituição
física
corporal dos
tapuias.
b) Espiritual
Pelo que respeita às
suas faculdades
intelectuais e ao
exercício
que lhes
eles dão, nem
eu poderia
escrever tanto,
nem tão
universalmente recebido entre os doutos
como o que
escreveram os filósofos que mencionou o autor da História
da América. Não se creia sobre a minha palavra no que
há a dizer dos índios,
ou seja em
louvor ou
em vitupério
seu. De muito
boa vontade renuncio à
satisfação
que teria de o escrever.
Por este
modo, ninguém
poderá supor em
mim, nem
prevenção nem
exageração.
Não
é a sua cor avermelhada (diz Mr. de Chanvalon, falando dos
caraíbas da Martinica), não são as suas feições diferentes
das nossas, as que fazem uma tão grande diferença deles a nós;
é a sua excessiva
simplicidade.
A sua razão
nem é mais
iluminada, nem
mais
previdente que
o instinto dos
animais. A dos homens do
campo, os mais
grosseiros, e a dos mesmos
negros
criados naquelas
partes
de África, as mais remotas de comércio, algumas vezes
deixa entrever
uma inteligência que,
ainda que
em embrião,
mostra ao menos
que é capaz
de aumento. Porém
a dos caraíbas, nem disso mostra que é capaz.
Se a sã filosofia e a religião nos não ministrassem as suas
luzes, se se houvesse de
decidir
pelas primeiras impulsões do espírito, inclinar-nos-íamos a crer
que semelhantes
povos não
pertencem à mesma
espécie
humana que
nós. Os seus
olhos estúpidos são o verdadeiro
espelho de sua
alma; ela
parece que não
faz função alguma. A sua indolência
é extrema.
Se se olham como
homens (diz Ulloa)
os limites de sua
inteligência parecem
incompatíveis
com a excelência
da alma; e a sua
imbecilidade é tão
visível
que em
bem poucos casos se pode fazer deles idéia diferente
da dos animais.
Nada
altera a tranqüilidade de suas almas, tão insensíveis
aos reveses da fortuna, como às prosperidades. Tão
contentes andam
eles
meios nus,
como o rei
mais suntuoso,
revestido de suas
galas. As riquezas
para
eles não
têm o menor
atrativo. A autoridade e as
dignidades
parecem-lhes objetos tão curtos para serem ambicionados, que
um índio
receberá com a
mesma
indiferença o emprego
de juiz ou
o de alcaide.
Interesse
não os move,
porque
antes eles
não querem muitas
vezes
fazer um pequeno serviço
que se-lhes pede,
por
mais seguros
que estejam de receber
uma grande paga;
o temor também
não; o respeito,
menos. Não
se pode ultimamente tirá-los desta indiferença, que tantas provas
de esforços tem custado a homens os mais
hábeis, nem fazê-los
sair
desta grosseira
ignorância
e negligência que
desconcertam a prudência daqueles que se interessam nas suas
comodidades e se ocupam em fazê-los felices.
A insensibilidade
(escreveu Mr. De la Condamine, depois de
vistos e tratados
os índios do Peru
e do Pará) faz a
base
do caráter dos
americanos.
Deixo a decidir se se deve honrá-la com o nome de apatia, ou
envilecê-la com o de
estupidez.
Ela nasce, sem
dúvida, do
pequeno
número de suas
idéias, o qual
se não estende
além
de suas
necessidades. Golotões
até à voracidade,
quando há com
que satisfazê-la;
sóbrios,
quando o não
há, até se dispensarem de tudo sem
desejarem nada; pusilâmines e poltrões, se não
estão nos
transportes
da crápula;
indiferentes a
todos
os motivos de
glória, de honra e de
reconhecimento; unicamente ocupados com o presente, sem inquietação alguma pelo futuro.
Sobre
a religião
(diz o Pe. Ribas),
durante
muitos anos
que residi entre
estes povos,
apliquei a maior
atenção
que pude em
observar se se devia olhá-los
como
idólatras; e posso asseverar
com
verdade que, ainda que em alguns se
acham
sinais de
idolatria,
outros não
têm o menor
reconhecimento
de Deus, nem
mesmo de alguma
falsa Divindade,
e não dão culto
algum formal
ao Ser Supremo
que governa
o Mundo. Eles
não podem formar
idé[i]a da providência de um
Criador de quem
devem esperar na outra
vida o prêmio
de suas virtudes
e o castigo de
seus
vícios. Jamais
se ajuntam em
público
para praticarem um
só ato
de religião.
Aos que são religiosos
(ajunta Pison, falando dos do Brasil), o trovão,
que é neste país
freqüente e
terrível, se-lhes representa tal
e tão digno de culto religioso,
que pela
palavra "Tupana", que na sua língua significa deus,
designam eles
igualmente
o trovão.
Eu,
sobre a religião dos que
a têm, já em
outra parte
escrevi quanto
basta. Veja-se a Participação geral
do Rio Negro. Título 16, Artigo:
Superstição dos
gentios.
Para
os progressos
do Cristianismo (diz Robertson dos índios espanhóis) ainda
que são
muitos os
obstáculos,
nem todos
têm sido igualmente
insuperáveis. É verdade
que
os primeiros
missionários, inflamados do zelo
inconsiderado de fazer
prosélitos, admitiram ao grêmio da Igreja
Cristã muitas nações de gentios não tão somente antes de elas
estarem catequisadas na religião, que se-lhes propunha, mas
também antes
de os mesmos
missionários
possuírem a língua do país, para nela explicarem
os mistérios da
fé
e os preceitos da
moral... E foi
assim
que se viu,
durante
o furor das
conversões,
um
sacerdote batizar em um dia 5.000 mexicanos, e poucos
anos depois
da redução do México, terem-se batizado acima de quatro
milhões de almas...
Donde procedeu que
semelhantes
prosélitos tão
inconsideradamente admitidos, conservando sempre
toda a sua
veneração às suas antigas superstições, delas e da nova
religião fizeram
um
misto absurdo,
que foram transmitindo à sua posteridade...
Porém, não
é este ainda
o obstáculo mais
insuperável. A
inteligência
dos índios é tão
limitada e eles levam as suas observações
e reflexões tão
pouco
acima dos objetos
que ferem os seus
sentidos, que
apenas são
capazes de idé[i]as abstratas,
e nem palavras
têm, para as exprimirem. A
doutrina
sublime e
puramente
espiritual do
Cristianismo
deve ser incompreensível
a semelhantes
espíritos
tão pouco
exercitados. As cerimônias numerosas e brilhantes do culto
romano agradam-lhes
tão
somente como um espetáculo, porém logo que se-lhes explicam os artigos
da fé, relativos
ao culto exterior,
eles, sim,
ouvem com
paciência
o que se-lhes diz,
mas
percebem tão
pouco
o que ouvem, que
se não pode dar
o nome de crença
à sua submissão.
A sua indiferença
ainda vai mais
longe do que
a sua
incapacidade.
Ocupados tão
somente com o
presente, refletem tão
raras vezes no
passado
e pensam tão
pouco
no futuro, que
nem se tocam das
promessas
da Religião, nem
se atemorizam de suas ameaças... Que
esta foi a razão
por
que alguns
dos primeiros
missionários
declararam que
semelhante
raça de homens
era muito
estúpida para
compreender
os primeiros
princípios
da Religião. Um
concílio celebrado
em
Lima declarou que,
em razão
da sua
incapacidade, deviam ser excluídos do
Sacramento
da Eucaristia. E
ainda
que Paulo III,
pela sua
famosa bula
de 1537 os declarou
criaturas
racionais
e com direito
a todos os
privilégios
do Cristianismo; sendo já passados
dous séculos que
eles têm sido
membros
da Igreja, são
ainda tão
poucos os seus
progressos, que
bem poucos índios se acham com
uma porção de
inteligência
bastante para
serem olhados como
dignos
de participarem da Eucaristia... Pelo que, quando o zelo de Felipe II
fez estabelecer a Inquisição
na América, em 1570, os índios foram declarados isentos
da jurisdição deste
tribunal
e ficaram submetidos à inspecção de seus
diocesanos.
Advirta-se, contudo,
que as reflexões
acima, que
os americanos são
laxos, são
estúpidos e
indolentes,
que, em
uma palavra, são
uma gente menos
gente, conforme
os definiu o jesuíta Vieira,
relativamente
a nós, é que
neles se verificam ao pé da letra. Porque relativamente a eles
mesmos, que
estão postos em
outro estado
de sociedade, em
outra ordem
de cousas, em
outro
país e em
outras diferentes
necessidades, perdem uma grande
parte
de toda a sua
energia. Como
as suas
necessidades
naturais são
poucas, também os
seus
esforços
espirituais
e corporais são
poucos. O que
mais inquieta e
tira
de inação os
povos
civilizados são as
necessidades
adquiridas.
Porém
estes (diz Venegas dos califórnios) não conhecem honra,
nem reputação,
nem títulos,
nem postos,
nem distinção
alguma de superioridade. De
maneira
que a ambição,
esta poderosa
mola
das ações humanas,
que
tantos bens
aparentes lhes
causa neste mundo
e tantos males
reais, não
tem poder algum
neles. Daqui vem a sua indolência; e toda
a sua felicidade
consiste em não
trabalharem. Se os persegue a fome, e aliás não há com que a satisfazer (o que é raro), qualquer
raiz, qualquer
animal lhes
servem de alimento. Daqui vem a
falta
de providência para o futuro.
Ao lavrador, entre nós, que tem o seu celeiro cheio, bem pouco se-lhe dá que o inverno
haja de ser rigoroso ou não. Com maior razão, o tapuia
não pensa
em futuros
desta classe porque
nem celeiro
necessita ter. A mandioca
é tirada da terra
que lhe
serve de celeiro e
imediatamente
preparada para
lhe servir
de pão. Ainda
assim, esta, para
eles, é a cultura
mais complicada,
que lhes
oferece a fazer; quando
aliás os gêneros
constitutivos de suas lavouras não
passam da dita
mandioca, o milho, a
macaxeira, as batatas etc.
As árvores por todo o ano dão frutos;
acabam umas e principiam outras; por conseguinte, nem
sabem, nem lhes
é preciso plantá-las ou cultivá-las.
Se lhes faltam os
frutos,
não lhes
faltam
no mato a caça,
nem o peixe
nos rios
e nos lagos.
Para surpre[e]nderem a caça,
dotou-os a natureza de ardis e estratagemas os mais
próprios para
suprirem a imperfeição de
suas
armas.
É notável a
propriedade
com que
arremedam as cutias, os porcos, os veados
e outros
quadrúpedes; os papagaios,
cujuvis, enanbus, mutuns, macucauas
e outras aves, servindo-lhes estes arremedos
de negaças com
que as atraem até
as porem nas pontas das suas frechas. Do mesmo
estratagema se valem
para
surpre[e]nderem os caçadores,
arremedando as aves
que
eles mais
procuram, até os colocarem a alcance de suas armas. Como o peixe é infinito
nos rios
das Amazonas, dos Solimões e outros, nem arte de pescar lhes é percisa; basta
tanquejar
a água com
o timboretê,
o cuvuru-timbó, o açacu e outras plantas
venenosas; basta armar
uma ligeira
tapagem
na boca de
qualquer
riacho; e como
o pescar desta sorte
requer menos
atividade
que o caçar,
todos os que
habitam as margens dos rios, primeiro são pescadores
do que caçadores, e de fitífagos
que são
por natureza,
vão logo
desde a infância
passando a ictiófagos.
Por esta forma,
tudo quanto
se vê neste
artigo
é que, se da
parte
dos índios há uma
preguiça
extrema, também
da parte da
natureza
há uma profusão ilimitada.
Contudo,
para os cotidianos consumos,
que eles
têm a fazer das percisas
munições
de boca, durante
as suas
emigrações
ou econômicas ou
militares;
ou mesmo
para se feriarem, por
alguns dias
festivos, da
pensão
de pescar e de caçar; ou, finalmente,
para contraporem os efeitos
de sua providência
aos estragos que
lhes fazem nas
roças
as inundações repentinas, as chuvas e os calores
sucessivos e as
pragas
dos ratos e das
formigas?
Eles não
deixam de prevenir o futuro,
se bem que por meios muito diferentes
dos nossos. Os
europeus,
para suas
longas excursões marítimas, cozem o pão duas vezes, que é que faz
dar-se-lhe o nome de
biscoito
(panis biscoctus); comem a carne,
o peixe e as mesmas
hortaliças
salgadas; porque de
outro
modo se não
conservam, pelo menos,
com a menor
despesa possível;
bebem vinho e fumam
tabaco.
Pelo que em outro tempo diziam os asiáticos
dos portugueses que
era
gente aquela, que
comia pedras, bebia
sangue
e respirava fogo. Os tapuias, quanto
ao pão de viagem
ou de duração,
torram grandes
beijus,
que duram muitos
dias, e o mesmo
fazem às farinhas, se é que usam delas. O cassabe
dos índios espanhóis fica tão duro, que só molhado se pode mastigar. As
farinhas, entre
os gentios, não
são a mais
ordinária
preparação
da mandioca.
Quase
todos eles,
desmanchadas as roças que estão maduras, extraem da
dita
mandioca, tão
somente o amilo
ou a tipioca,
e, amassando grandes pães dela, passam a cobri-los de
folhas,
para os preservarem de
impurezas
e, depois de
secos
ao sol, os enterram
em
covas proporcionadas ao
seu número
e volume, para
lhes fazerem fogo
por cima.
Donde resultam uns grandes pães da referida tipioca, bem
preservada da umidade e apta para se manipular diferentemente, à vontade
de seu dono,
ou em
beijus, para
se comer[em],
ou em
tacacás (que são
caldos de farinha)
para se beberem. Tal
é a prática dos pacés
e outras nações de
gentios
que habitam nos
confluentes do Jupurá e mais rios que
deságuam no das Amazonas e Solimões. O beiju, ou da massa da mandioca,
ou simplesmente
do amilo
dela, é o seu
mais
certo alimento.
Os tucunas da parte
superior
do referido rio dos Solimões,
que
também usam do
milho,
depois de colhidas as maçarocas,
as conservam ao ar do fumo, arrumando-as em
tendais,
de sorte que
não fica maçaroca
alguma por defumar.
Quanto
ao conduto,
como eles
não têm sal
marino,
substituem-lhe o sal fuliginoso que lhes subministra o fumo
de um fogo
lento, ao qual
defumam o peixe e a
caça, estendendo-a em uma
grelha
de paus, ao que
se chama "moquear".
Dá-se a um tapuia
um pouco
de sal, de que
todos eles
são extremamente
ávidos, e vê-se
que
faz dele o mesmo
uso
que nós
outros
do açúcar. Vai dissolvendo com a saliva cada cristal de
per si
e dando com a
língua
grandes estalos,
o que prova bem o grau de estímulo que
nela sente. Eles,
em
muitas partes,
não
deixam de o ter em
um de dous
estados,
ou no de fóssil,
que é o que
se desentranha do seio de algumas montanhas e terras,
ou no de
eflorescência, à superfície
dos lagos
e das lagoas.
Porém
um e outro
o recolhem e conservam impuro, dentro em
cabaços ou gomos
de tabocas mais grossas, e os dependuram
ao fumeiro para
os preservarem da umidade. Esse mesmo que tiram
é muito pouco,
e os mais deles, se alguma cousa salgam,
é com as cinzas
do cariru de cachoeira, das palmeiras pachiúva e marajaí,
e de
outras ervas e
árvores. Note-se que ao
que
recolhe
ou conserva
o sal, e o mesmo
digo do peixe, da
caça
etc., não
pertence
um direito
exclusivo de usar
dele. Isto que
vou a dizer é notável
entre os índios,
ou eles
sejam gentios ou
domesticados. Sentados a comer, a ninguém chamam ou
convidam; também a
ninguém
excluem. Todos, irmãmente metem a mão na mesma cuia. Por onde bebe um,
bebem todos. O
pouco
chega para muitos, quando não há
abundância; ao mesmo
tempo que,
em a havendo, o
muito
mal chega
para poucos. E
como tudo
é para todos,
não tem o hóspede
que agradecer.
Outro
método
praticam eles, de
conservar
o peixe, o qual
têm adotado os colonos portugueses
estabelecidos em
distâncias
consideráveis dos
portos
do mar, praticando-o igualmente como
os gentios, de todas as vezes que, ou lhes falta o sal nos centros
destes sertões;
ou
se-lhes faz tão
dispendioso
o seu uso,
que transcende as
suas
possibilidades; ou o peixe a conservar é tão miúdo e espinhoso que
se não julga
digno
de se desperdiçar sal
com ele.
Eu já
o descrevi em
outra
parte,
aonde disse: Que
a todo o peixe,
grande ou
pequeno, inteiro,
como se pesca
ou se frecha, e
com
as suas escamas
e espinhas, o põem a moquear, estendendo-o e voltando-o repetidas vezes ao ar de um fogo mais forte, até se-lhe dissipar toda a umidade interna
e externa e ficar
o peixe nos
termos de se quebrar
entre as mãos.
Que então
despem da escama e o expurgam das maiores espinhas
para o pulverizarem em
farinha, a qual
passam por uma
peneira
e a torram ao forno, como se faz à de mandioca,
para a empalharem, como
àquela. Que o
método
de usar desta farinha
de peixe consiste
em
a cozer em água, reduzindo-a à consistência
de um apisto
(os índios chamam mungica) e o bebem
adubado ou com
o tucupi
ou com
o molho de limão
azedo e pimenta-da-terra, e os brancos lhe
adicionam ou o
azeite,
ou a manteiga,
ou a simples
gordura de peixe,
o que tudo
junto com
as gemas de ovos
batidas e com
as cebolas,
prepara
umas boas sopas.
A quem
não possui bens
móveis ou
de raiz que
avaluar,
nem moeda
entesourada que contar,
nem tem longos
cálculos que
fazer, ou
sejam sobre o
tempo,
ou sobre
o espaço,
certamente
que para nada serve a Aritmética, para o mesmo sem dúvida que aos tapuias
servem estas e outras idé[i]as abstratas. Para os seus pequenos cálculos de 1 até
10,
em os dez
dedos das mãos,
têm outros tantos
algarismos. Para
significarem 20, mostram os dedos das mãos e dos
pés. De 20 para
cima, uns mostram repetidas vezes uns e outros
dedos, e outros,
os cabelos.
Alguns
tomam um grande
punhado de areia
e a espalham pelo chão.
Quantas são as
castanhas
de caju que
eles mostram, guardadas em algum
cabaço, tantos
são
os anos, que
eles querem dizer
que têm de idade;
porque o cajueiro
só de ano
em ano
dá fruto.
Porém os índios
domesticados, e entre estes os de maior
porte,
como são
os principais,
oficiais
das povoações e
pilotos
das canoas de
negócio,
para darem ou
tomarem contas, praticam o seguinte método.
Em as quinas
de uma régua de
madeira, a qual é
maior
ou menor,
segundo a
progressão
do seu cálculo,
abrem com uma faca
uma dezena de
pequenos
dentes, com
a diferença, que
o décimo é maior,
isto é, mais
saído fora,
para denotar a dezena. Duas dezenas
destas formam, na sua língua, uma jangaba,
ou vintena na
nossa.
Por conseguinte,
dez dezenas
ou cinco
iangavas
fazem uma centena,
que
entre eles
se chama uma "papassaba".
Logo também
dez "papassabas" ou centenas
produzem um
milheiro; e por esta
forma
contam os alqueires de farinha; de arroz,
de milho e
as arrobas de
salsa, de cravo, de
café, de cacau etc.
Para
suprirem as folhinhas e os diários, em uma
tabuleta de
madeira, abrem, ao comprimento
dela, tantos furos quantos são os
meses do ano. A
cada
um destes furos
correspondem, pela
largura
da tabuleta,
outros
tantos sucessivos
quantos são
os dias de cada
mês; o que
corresponde ao dia de domingo é notado com
o sinal de uma
cruz;
então o furo
em que
está introduzida uma escravelha
denota o número e a
denominação
do dia em
que se está.
Se a algum
deles se pergunta a que
horas, por
exemplo, se chegará à boca de tal ou tal rio, contanto que ele entenda
a pergunta, há de se-lhe perceber
a resposta,
porque
o sol servirá de
relógio
e o dedo índex
do gentio, de
mostrador. Se depois de
ele
fixar
o índex no
nascente, vem
com ele
subindo até parar
em um
ponto eqüidistante
do oriente e do
meio
dia, entende-se
que
ele diz: "Pelas nove horas". Se
pára no perpendículo, entende-se que
"pelo meio
dia"; se descreve o semi-círculo inteiro, entende-se que
"um dia".
Umas poucas voltas destas indicam uns poucos de dias.
Assim, não
é raro que
daquele seu fundo
de estupidez saiam algumas
espertezas
tanto mais
dignas de admiração
quanto
menos filhas do
ensino. O que faria
um
europeu, o qual,
sendo criado como
um tapuia
destes, que nem
sabe que há
Geometria,
nem Geografia,
Hidrografia
etc., fosse, contudo, perguntado pelo curso geral de um rio, sua direção, confluentes que
deságuam nele e número de aldeias situadas? O que
fez um gentio,
eu o digo. Tomada
uma corda, a estendeu pela terra, dando-lhe os jeitos capazes
de representar as voltas
do rio principal. À
referida corda foi
lateralmente
atando, da direita e da esquerda, outros
tantos cordéis
quantos
eram os confluentes que ele devia representar,
ajustando-os às distâncias que, na sua mente, tinham uns dos outros
e, ajeitando-os aos termos de também representarem as suas
voltas. Ultimamente, em cada um dos cordéis laterais
deu tantos nós,
mais e menos
aproximados, quantas eram as alde[i]as de índio
situadas
e quanto distavam umas das outras. Eis aqui
resolvido o problema que se-lhe propôs, sem
lhe ser
perciso levantar carta
alguma, nem para
se ele explicar,
nem para ser entendido. Mais que isto me sucedeu
no rio Branco,
com um
gentio da nação
macuxi, que
casualmente
encontrei na povoação do Carmo.
Entrando este índio
na palhoça em
que eu
habitava, reparou em que eu estava a
riscar. Era um pequeno mapa de população;
porém ele
entendeu que seria
talvez
o rio. Pelo que, sem me dizer palavra, me
tomou de um canto
da palhoça o
bastão
que eu
trazia e, com a
ponta
dele, se pôs a riscar na
areia
do pavimento uma encadeação de grandes e pequenos
rios, e o mais
é que, na foz
daquele que,
segundo ele,
era o Arauru e
entre
nós Tacutu, riscou
tantos
quadrados quantas eram as palhoças anexas à fortaleza
de São Joaquim e a
mesma
fortaleza. Lancei
mão
da ocasião e, oferecendo-lhe papel, o convidei a fazer com pena e tinta o que até ali tinha feito com o bastão.
Assim o fez
prontamente,
porque com
as costas do aparo se pôs a riscar uma carta, aonde as cordilheiras
eram marcadas por sucessivas séries de ângulos,
mais e menos
agudos, e as
malocas
dos gentios, por
círculos maiores
e menores, sem
lhe eu
adicionar cousa alguma de
mais
que tão
somente os nomes
que lhe
ouvia, para assim
a
apresentar e mostrar, como fiz, a Sua
Excelência o Sr. João Pereira Caldas,
ao governador da
Capitania, ao Dr. Astrônomo
José Simões de Carvalho e a outros
muitos.
A respeito
de religião, é verdade que algumas tribos
se têm achado, as
quais
nenhum
conhecimento
mostram ter de um
Ser Supremo, nem praticam culto
algum religioso.
Porém isto
é o que
naturalmente
deve acontecer ao homem,
ainda constituído na infância da sociedade.
Sendo, em
semelhante
estado, tão
débeis as suas
potências
intelectuais que
lhe não
permitem o distinguir-se dos outros animais, deduzindo, pelo que é visível, a
existência do invisível.
Nem a ordem,
nem a beleza
do universo fazem a
menor
impressão em
seus sentidos;
na sua língua
não há uma só
expressão que
designe a divindade; vive,
porém
não faz mais
do que vegetar;
olha, porém
não reflete; apreende, porém não
raciocina. Em
cujos
termos,
evidentemente, se vê
que
os seus espíritos
nem se acham exercitados pela Filosofia,
nem iluminados
pela
Revelação. E tão
absurdo seria o pretender-se que quem não reflete nem
discorre seja capaz de
reconhecer
a existência de
um
ser invisível,
como se se quisesse
que
dele tivéssemos, quando crianças, o mesmo
conhecimento que
quando homens.
Contudo, nem
em todos
os americanos é
geral
esta ignorância. Não
somente da existência
de Deus, mas
também da
imortalidade
da alma, viram
muitos
observadores as
idéias
que tinham os nathchez e naturais de Bogotá, os mexicanos e peruvianos. Dos
manaos do Rio Negro,
já em
outra parte
escrevi,
que em
matérias de
religião, criam, com uma
espécie
de Maniqueísmo, que haviam dous deuses, um
chamado Mauari, autor de todo o bem, outro por nome Sarauá, autor
de todo o mal.
Entre
as muitas superstições
que praticam os
gentios
purus, habitantes de um dos confluentes do Solimões,
assim
chamado, é célebre a do jejum expiatório
a que se eles
entregam por preceito
de religião. Sendo
tão
rigorosa a sua
abstinência que,
enquanto obriga o
preceito,
nem ainda
no caso de lhes
sobrevir alguma enfermidade,
ou comem cousa alguma, ou tratam de si.
De maneira que
muitos chegam a morrer
de desfalecidos; escolhendo antes o morrer para cumprirem a lei do que
violá-la para viverem.
Cujas idé[i]as, ainda
que tão
extravagantes,
como
denotam as suas
crenças, os seus
sacrifícios, os seus
bailes
e os seus
funerais,
sempre deixam ver
que da idéia
de deus, nem
todos eles
carecem, mas tão
somente da revelação.
Quanto a ela,
o homem animal
(diz São Paulo)
não percebe as cousas que são de Deus. Elas lhe parecem uma estultícia,
e ele as não
pode compreender, por
causa de que
as tais cousas, para
se discernirem, pedem uma luz espiritual.
Mas
nem por isso, que da mesma idéia de Deus
carecem algumas tribos, podem os índios argumentar a favor do seu partido.
Eles
nos opõem (diz o Pe. Jamin)
os selvagens
estúpidos
do Novo Mundo,
que andam
errantes
pelos montes,
sem lei,
sem culto,
sem templos
e sem sacrifícios.
Mas uns homens
que apenas
conservam a figura de homens, de uma razão
obscurecida, embrutecida e sepultada na matéria,
não devem fazer-nos
força,
contra uma verdade
reconhecida por
todos
os povos da terra.
Nós não
fazemos juízo das
faculdades
do corpo humano,
pelos mudos,
surdos, cegos
nem coxos;
e querem que o façamos dos ditames da linhagem humana, por uns
homens toscos,
estúpidos e
idiotas?
Que extravagância!
Respondamos, pois, aos filósofos que nos opõem
uns doutores tão
sábios, o mesmo
que respondeu um
poeta moderno:
Eu
a bon droit, Libertins, vous etez meprisables,
Lors que
dans ces forets, vous cherchez vos
semblables.
Pelo
que pertence ao Cristianismo,
confessemos com De Buffon,
que as missões
têm formado mais
homens
nestas nações bárbaras do que as armas
vitoriosas dos príncipes, que as subjugaram. A doçura,
o bom exemplo,
a caridade e o
exercício
da virtude,
constantemente
praticado pelos
missionários, tocaram estes
selvagens
e venceram a sua desconfiança e ferocidade. De seu
"motu proprio",
eles têm vindo muitas vezes a pedir que se-lhes ensine uma lei
que tão
perfeitos faz a
todos
os homens, e a
ela
se têm sujeitado.
Nenhuma outra cousa faz tanta honra à Religião, como
o ter civilizado estas
nações
e lançado os fundamentos de um império, sem outras armas
que as da virtude.
Constituição
Moral
Se se principia pela
afeição conjugal,
por
ser este o primeiro de todos os afetos humanos,
posso dizer que,
ao melindre e à
ternura
que, entre
os povos civilizados, merece a mulher a seu marido, não
corresponde a dos americanos. A tapuia, verdadeiramente, não
é mulher, mas
sim escrava
de seu marido.
É verdade que,
na repartição do
trabalho, a ele é
que
pertence roçar,
caçar e pescar; porém, nada mais. A mulher
é a que planta,
se isto se pratica; é a que colhe e a que
transporta para a sua
palhoça o cesto
de mandioca à
cabeça
e o filho, se o tem, ou às costas, ou a um lado do corpo; é
a que prepara
o beiju ou a farinha, a que
espreme os vinhos para
as suas bebidas,
a que vai buscar
e conduzir a água
e, em uma palavra,
a que tudo
faz, e passa
pelos
empregos mais
humilhantes. Os serviços pessoais que o tapuia consagra àquela com
quem quer
casar não são os meios para a conseguir. Isto só depende
de ele a comprar
a seus pais;
quero dizer, de dar em troca dela o
que eles
desejam, porque
entre
os gentios não
há moeda. Uns são
monógamos e outros polígamos; se o país é fértil e
abundante, de
maneira
que nenhum
cuidado lhes
dá o intertenimento
de uma numerosa
família, se assim o pedem
as suas
instituições e
costumes, usam de mais
que
uma mulher. Porém
elas não
são gerais,
nem para todos, nem para os da sua
parentela. Porque,
ainda
que geralmente
se diga que eles
são frios
para as mulheres,
isto não
proce[de] tanto da
falta
de ciúme, ou
de apetite do coito,
como da liberdade
de o terem quando e
como
o apetecem. Sabe-se que, entre eles, nem há lei nem religião que os modere. Pelo contrário, o que
eles logo
tratam de esconder e
recatar,
em sentindo gente
estranha, são
as mulheres, as
raparigas
e os filhos, os
quais
eles zelam e guardam como as meninas de seus
olhos. E se
alguns
índios, depois
de domesticados, os fecham, tratando de bagatela
a infidelidade conjugal, ou eles mesmos aliciados de dádivas
e de importunações entregam as mulheres, logo
ao primeiro acesso
de alguma crápula, exprimem o seu ressentimento e bem claramente dão a entender quanto neles domina o ardor
da vingança. O que
se diz, para prova de sua debilidade, que
nem a mesma
veemência do apetite do coito
é neles tão
grande
como nos
europeus, ainda
os mais bem
murigerados, eu o
não
confirmo nos que
tenho visto. É verdade
que todos
estes habitam nas
margens
dos rios, aonde
o céu é benigno,
o terreno fértil
e a subsistência
abundante; e aonde,
por
conseguinte, as
paixões
que excitam as
necessidades,
tais como
a fome, a peste
e a guerra, não
enfraquecem ou distraem aquela do amor. Talvez que esta seja a razão
da diversidade das
minhas
observações,
porque
o certo é que,
quanto mais
nutrido e folgado
anda
o corpo, tanto
mais ardente
se faz aquele apetite.
Sim;
não é fácil de se ver um índio empenhado em ganhar a afeição de sua amada, ou por diligências
assíduas, ou por
carícias externas
e outras muitas dessas demonstrações
inventadas a esse
fim
pelos amantes
civilizados. Porém
também
elas para com eles, nem necessitam de tantos
serviços pessoais,
nem têm lá
de si para si formado uma idé[i]a de
especialidade
de favor que
nisso lhes façam. Se elas têm amor,
pelas suas obras
é que o mostram; quero
dizer,
pelos serviços
pessoais que
fazem, pela
facilidade
de condescenderem em tudo quanto diz
respeito ao
tratamento
corporal daquele a
quem
se consagram; que pelas suas maneiras externas, pela correspondência de obséquios,
pelo riso de alegria, pelas lágrimas
de tristeza e pelos
gemidos de dor,
é raro que
alguém possa julgar
o seu afeto.
Do amor dos pais a
seus filhos,
enquanto eles
são pequenos
e necessitam de seus socorros, nenhum
observador, que
eu saiba,
tem até agora
duvidado.
Porém este amor dura tanto como o de
outro qualquer
animal, porque,
em o filho
chegando à idade de
poder
ele mesmo
diligenciar o seu
sustento, fica
inteiramente
absolvido o pai de
tratar
dele, e o filho, senhor
de si e de suas
ações. Nunca
jamais se ouve ao
pai
aconselhá-lo, nunca louvá-lo, nunca repreendê-lo. Em
uma mesma palhoça, que, aliás, não tem repartimento algum,
estão irmãmente vivendo: o pai, a mãe, os filhos,
as filhas e as noras; e tudo quanto entre os povos
civilizados se não faz sem grande recato, em ordem ao respeito
e à decência,
eles
sem ressábio
algum
de malícia, o praticam ao pé uns dos outros.
Donde vem que esta
indiferença
com que
se olham o pai e o
filho
enfraquece(m) muito aquela união e amor a sua família, que fazem o caráter
permanente das
famílias
civilizadas.
As mães, logo que acabam de parir,
lavam-se a si e a
seus
filhos. Em
as filhas chegando à idade de lhes repontar o mênstruo, logo pela primeira vez que são
assistidas, a cerimônia de sua purificação
é precedida de um
baile
lustral. A
filha
é retirada a um
tendal levantado alguns pés acima do pavimento da palhoça;
ali a conservam
seus
pais pelo tempo que lhe dura o
mênstruo, fazendo-lhe fumo por baixo e
adietando-a com
caldos
de farinha de
mandioca. O que
ainda
hoje não
deixa de se praticar
ocultamente, em algumas das nossas povoações, aonde
um dos efeitos
da corrupção dos costumes
que, na verdade,
passam de licenciosos, é o da prostituição das índias, muito
antes de serem assistidas. Da idade de nove anos para cima, principiam a prostituir-se,
primeiramente,
com os chamados "capitaris", que são índios rapazes de doze até
dezesseis anos,
e ao depois, com
os homens de todas as idades e condições.
Do que se não
dá muito ao comum
de seus pais,
por duas razões:
Primeira, porque,
para a pobreza
em que
vivem, nunca deixam de serem lucrativos os seus
disfarces; os
brancos
as sustentam
e vestem, tanto
a elas como
a seus parentes; os índios
lhes fazem as
roças e,
com isso lhes
pagam. Segunda, porque,
por estarem prostituídas, não perdem casamento, visto que aos olhos de um índio, a
honra
deste gênero é cousa
bem
insignificante. Donde se segue:
1º) que cedo
principiam a parir e cedo
acabam;
2º) que uma índia
de 17 até 20 anos
fica tão estragada nas forças e no aspecto e com a presença tão mortificada como,
na Europa, uma mulher de 30;
3º) que enfraquecido e esgotado o
pouco
vigor nativo
de sua
constituição
física, por
tão diferentes
causas, como
são a dissipação de
substância, a debilidade dos alimentos,
a freqüência dos deboches,
o trabalho doméstico
e rural, os
esforços
dos partos e a
criação
dos filhos. Com
todos estes
obstáculos da
população, entra logo a
lutar
a sua fecundidade
e, de 30 anos para
cima, poucas índias parem.
Com os
escravos, se os senhores
são
antropófagos, sabe-se qual é a sua conduta. Nunca jamais a submissão
do vencido desarma a cólera do vencedor;
os mais humanos
os reservam para os serviços
domésticos,
enquanto
os não vendem
àqueles
que eles
sabem que os compram. Do que em todos obram a ira,
a vingança, a ingratidão
e outros vícios,
já ficam dadas algumas idé[i]as na
acusada Participação Geral do Rio Negro. É
perciso considerá-los vivendo entre si,
naquela união social
a que se dá o
nome
de nação, que
é o mesmo que
examinar a sua
[constituição
política].
Constituição
Política
Pela
palavra "nação de índios"
de nenhuma sorte se deve
entender
o mesmo que
na Europa. O europeu que ler ou ouvir
dizer
que tal
ou tal
rio é habitado de tantas e tantas nações enganar-se-á se pensar
que alguma delas é,
por
exemplo, não
digo como a alemã, a francesa, a
portuguesa etc., mas nem sequer como aquela parte
de habitantes que
cabem à menor
província
de qualquer destes
reinos. Chamam-se nações
de índios
umas sociedades
tão
pequenas e
insignificantes
em número
de indivíduos que,
às vezes, não
constam de mais de 300, 400 e 600 almas. O que então é para
admirar
é que algumas de
tão
pequenas
corporações
ocupem, às vezes,
espaços
maiores que
os maiores reinos
da Europa. Assim
lhes
é perciso repartirem-se as famílias em pequenas tribos para poderem subsistir segundo o seu modo de viver. Porque para grandes corporações não
podem achar a subsistência
percisa, não tratando eles de lavoura,
de comércio e de
criações
de gados. Ainda
assim mesmo
divididas, não subsistem
bem, se não estão situadas em distâncias
proporcionadas à abundância
ou
carestia
que há nos
rios ou
territórios da
sua
habitação, dando-se, por esta forma, lugar uns aos outros,
para cada tribo desfrutar uma porção de terreno
proporcionada ao seu número e às suas
necessidades.
Então,
cada uma delas, se
não
é errante e de
corso, estabelece uma ou
mais
alde[i]as.
Mas
o que são estas alde[i]as? Nas casas
de que elas
se compõem (diz Mr. Barrere) se vê logo um ar de extrema pobreza, e são
uma perfeita
imagem
dos primeiros
tempos. Todas elas,
que ordinariamente estão edificadas, ou em algum alto, ou à borda de algum rio, umas confundidas
com as outras, e
sem
ordem, formam uma prospectiva
das mais tristes
e desagradáveis. Nada ali se vê que não seja horrível e selvagem. O silêncio mesmo,
que ali
sempre reina
e que só
de quando em
quando é
interrompido
pelo som
desagradável da voz de alguma ave ou de algum animal,
nenhuma outra cousa é capaz de inspirar, senão o terror.
Ei-los constituídos nas
suas
malocas, em
cada uma das
quais
se acomodam umas poucas de famílias; porém em cada maloca
domina o seu principal.
Tais foram, nos
primeiros tempos,
os pais de
famílias
em suas
casas. O principalato é uma dignidade hereditária.
O que a exercita se distingue de seus súditos pelos ornamentos
que traz; pelos
seus arcos
e flechas, que
sempre são
os mais fortes
e mais bem
paramentados, e pela
autoridade
de os mandar. Quanto
aos vestidos, tão
nu anda
o principal, como
os seus vassalos;
tão bem acomodado está ele,
como os outros;
nas suas
conversas, à sua
mesa
e em toda
a sua economia
particular, se-lhe
não
vê uma só
afetação de
superioridade.
Sendo esta
a constituição
política
de cada nação,
de em cada
maloca governar
o seu principal,
sem haver, ou um só que governe a
todos, ou
uma parte escolhida
para
esse fim,
ou todos
eles representados
por
alguns, segundo
as diferentes
formas
de governos que
vemos na Europa. Evidentemente se vê que a sua união política, ainda
para os casos
de um interesse
comum, é muito
incerta e precária.
Porém,
durante a paz
é que duram mais
os efeitos desta
independência
natural. Como
eles não
têm magistrados,
cada
um faz justiça
a si mesmo.
O direito de cada
particular, nos
casos criminais, é o da sua vingança. O filho vinga a morte do pai, o marido a
da mulher, o
amigo
a do outro amigo.
Bem poucas ou
nenhumas idéias têm do que é subordinação
civil. O mais
que fazem, nos
tempos
calamitosos e nas ocasiões de perigo comum, é
consultar a experiência
dos velhos.
Mas
não sucede assim quando se
trata de uma
guerra
ofensiva ou
defensiva., então
todos eles
conhecem que são
membros de um
só corpo,
o qual necessita de uma só cabeça. Dá-se
o lugar de chefe
ao que mais
valor tem e mais
experiência. Não
que este,
declarada que seja a guerra, possa obrigar alguém a servir nela; mas para
dirigir
aos que se querem
alistar
como soldados;
porque, para
ocuparem os postos de oficiais, é primeiramente
perciso que o pertendente
do posto tenha
dado
repetidas provas de uma extraordinária firmeza
d'alma, ou
antes sofrimento
sem
limite. Porém
os sucessos da
guerra
são os que
fazem perpétuas
ou
amovíveis as
honras
desta patente. O
noviciado
do posto de chefe
ou de capitão
consiste em uma
rigorosa
repetição de atos,
não de valor,
mas de paciência.
O menor sinal
de falta dela é
quanto
basta para o inabilitar. Se ele
passa muitos
dias sem
comer nem beber, em ordem a guardar o jejum que
se-lhe impõe para prova
do seu sofrimento; se, por largas horas
que o estão flagelando, não produz um só gemido; se,
na sua maca, aonde o deitam e o cobrem de
formigas
as mais vorazes,
se deixa estar
tranqüilo, sem
emoção, nem
de espírito, nem
de corpo; se, ao
fumo
de algumas ervas de
mau
cheiro, ele
nem se sufoca,
nem
volta a cara,
então se julga
digno
do posto. Há quem
pertenda que, da
contextura
de sua pele
e de sua
constituição
física dependa
o serem eles
menos
sensíveis às
dores
do que nós.
O certo é que,
por motivo
de uma dor se não
ouve gemer um
índio; antes
é capaz de sofrer
a amputação de um
braço e de uma
perna
sem dar o menor suspiro.
Não
é que a eles lhes
faltem, ou acenos,
ou vozes
com que
manifestarem, ou
seus
gostos, ou
as suas dores.
Mas é que
eles mesmos,
fora dos
transportes
da crápula ou
do tumulto das
paixões,
não são
homens que
desperdicem palavras. Costumados a pensar pouco, também falam pouco;
donde vem que o aspecto
de um tapuia
é o de um homem
sério e melencólico.
O seu mesmo
falar é tão
lento, como
são lentas as
suas
cogitações. Não se
vê
neles que prestem uma demasiada atenção
ao que se-lhes diz
com
aquela mesma taciturnidade com que se
deitam, com essa acordam e, se não têm que fazer, nela perseveram dias
inteiros. Ora,
quem não
está costumado a
comunicar
com franqueza
os seus
sentimentos, é naturalmente
desconfiado. A ninguém abre o
seu
coração, de
ninguém
se fia e o
seu caráter,
em todas as suas
deliberações, é o da reserva. O que bem o mostra a experiência, porque
para a execução
de seus planos,
por exemplo,
para uma fuga,
para uma sublevação, nada
é capaz de abalar
aquela inimitável
constância
com que
entre eles
se guarda a insidiosa
máxima
de um
impenetrável
segredo e de uma refinada
dissimulação. Andando ou
trabalhando, se não são índios criados entre os brancos,
não se-lhes ouve cantar,
nem gemer.
Canta
o Caminhante
Lêdo
No caminho trabalhoso.
Por
entre o espesso arvoredo;
E de noute, o temeroso
Cantando, refreia o medo.
Canta
o preso docemente,
Os duros
grilhões tocando;
Canta
o segador contente,
E o trabalhador,
cantando,
O trabalho menos sente.
Porém
isto em tapuias, de
nenhuma forma se verifica. Sendo que, ou para a prosa, ou para o verso, não deixa de haver nas suas línguas, suficiente energia
e propriedade. Tendo a extinta nação tupinambá sido a mais
dominante por
estas partes,
também
a sua língua
foi a mais geral.
Relativamente a
eles
e à limitada esfera de suas idé[i]as, era
harmônica, vasta
e enérgica; e tão
somente pobre
de termos que
significassem idé[i]as abstratas; porém muito semelhante
à grega pela
composição dos
seus
vocábulos; e
estes
apropriados à
natureza
e ao caráter das cousas. Com a língua
inglesa a assemelhavam as posposições dos nomes
em alguns
casos como,
sempre que
concorriam dous substantivos, o que se colocava em
primeiro lugar
ficava sendo genitivo do segundo. E por esta forma, para entre eles se dizer "buraco de pedra",
ao substantivo "itá" (pedra) dava-se
o primeiro lugar
e o segundo ao
outro
substantivo "coara" (buraco) para se proferir no seu idiotismo "itacoara".
O seu alfabeto carecia das letras
F,
L, S,
Z. Nem se usava nele de rr dobrado ou áspero.As letras
A com til (ã) dava
energia a algumas palavras "xaço-ã" = eu
já vou; "amano-ã" = já morreu; "aani-ã"
= isso não.
E tinha força de obrigar o
verbo a significar
que o que
se fazia era
independente
ou de cousa ou
de pessoa. "Aço-é" (eu
mesmo vou, ou
eu vou por
mim, sem
me levarem).
I, em princípio de
verbo, era
relativo: "Iayucá" = nos matamos; e no fim
de nome, era
diminutiva. "Comandá" = fava, e "comandá-í" = favinha; "iaguara" =
cão, e "iaguara-í" = canito.
A mesma letra I, com
til (~i)
junta
ao verbo, denotava
exercitar
ele a sua
ação por acaso ou sem força. "Aimonhangu~i"
= faço de meu motu
próprio; "acepiac~i" = vejo, como se não
visse.
O J jota
servia, como na
língua
latina, ora
de vogal, ora
de consoante. Dele usavam os antigos línguas,
marcando com dous
pontos
nas duas extremidades, por se pronunciar com um som médio, entre U e I.
A letra
U
sempre era
vogal e nunca
consoante.
Do K se serviram os
línguas, todas as vezes,
que
pertenderam que a
escritura
correspondesse, com
propriedade, à pronúncia
de algumas dicções, como a
do verbo "Aker" = (dormir), onde não tinha lugar, para a pronúncia da segunda
sílaba, nem
o C áspero, nem
o Q.
As letras
I, C, P
serviam de relativos correspondentes ao qui, quae, quod
dos latinos.
Na ortografia
e ortologia
desta língua,
como
também na sua
etimologia,
prosódia
e sintaxe, poder-se-ão instruir
os que tiverem a
curiosidade
de ler as obras
que abaixo
vão apontadas.
Estudaram-nas
fundamentalmente
os missionários
jesuítas,
que foram
encarregados
das missões dos
índios. O que ao
princípio
o fizeram para mais
facilmente lhes introduzirem e arreigarem
as máximas da
Religião
Cristã; porém
pouco
depois se foram deixando
penetrar
dos europeus, os
desígnios
de sua nímia
familiarização; até
que
se deslizaram
nos absurdos
que fizeram indispensável
e urgente a sua
expulsão e
extinção.
A arte que, da
referida língua, compôs o jesuíta José de Anchieta, impressa
em Coimbra, em
1595,
por ser o primeiro parto deste gênero, saiu muito
diminuta e confusa.
Porém
dela mesma se extraiu e ajuntou as observações de Marcgrav, um
dicionaríolo
de termos os mais
usuais. O opúsculo
que, em
1618, saiu pela
primeira
vez à luz
foi o que em
1686 a viu segunda
vez
debaixo do título
de "Catecismo Brasílico
da Doutrina Cristã”, com o Cerimonial
dos Sacramentos e
mais
atos paroquiais,
composto por padres doutos
da Companhia de Jesus, aperfeiçoado e dado à luz pelo Pe. Antônio de Araújo, com
as emendas do Pe. Bartolomeu de Leão. Em 1687,
se imprimiu em Lisboa a
Arte de Gramática da
Língua
Brasílica,
por
seu autor
o jesuíta Luiz Figueira.
Este coligiu e ordenou as principais regras,
que deduziu de
suas
observações. Nelas se pode ver o que então era esta língua, hoje em dia tão viciada, que
nem os tapuias
mesmos a entendem,
conforme
tenho experimentado. Possuiu-a perfeitamente
o governador e capitão-general que foi Alexandre de Souza Freire, o qual governou o Estado
pelos anos
de 1728 até 1731. Nela compôs diferentes versificações, que
andam entre as
mãos
dos curiosos.
Porém
como por
uma parte a
língua
original de que
se compôs aquela Arte declinou de todo; e por outra parte, nem na mesma língua geral e
viciada como está,
leva
Sua Majestade
a bem que se
façam aos índios as
instruções
cristãs e civis; mas antes manda
instruí-los na língua portuguesa tão somente,
para
nela se comunicarem.
Não trato
de estender-me mais
em
semelhante
assunto
Darei agora lugar às questões
de que tratam os historiadores do Novo Mundo,
perguntando também
eu:
Como se povoou a América? Por onde
passaram os homens de um para outro continente?
E por que
parte do globo
se comunicaram entre si os dous hemisférios?
Será que
os americanos não
descendem do pai
comum,
mas antes
formam uma descendência separada, como parece que
fazem verosímel:
1º) a separação
de seu hemisfério;
2º) a diversidade
da
sua cor;
3º) a de suas feições;
4º) a de suas línguas;
5º) a estupidez de sua alma;
6º) a debilidade de seu
corpo;
7º) a novidade
de seus usos
e costumes?
Porém
a isto se opõe a infalibilidade da
Palavra Divina, pela qual estamos instruídos que
de um só
homem descendem
todos
os mais quantos
povoam a terra.
Será que eles são descendentes de alguns
restos de antigos
habitantes que
escapassem do dilúvio, derramando-se estes restos por um país vasto e inculto como também fazem verossímil:
1º) a analogia
de algumas palavras;
2º) a de alguns
usos e costumes?
Porém,
além de também estarmos instruídos com
a mesma infalibilidade sobre o número
de homens que
escaparam, são
tão
débeis as razões de verossimilhança, como
fundadas que são
em relações
acidentais de
costumes
e semelhanças equívocas de palavras que, a
dever-se aceder a elas,
não ficará no
mundo
nação alguma a
quem
não possa competir
a honra de ter
povoado a América.
Será que,
tendo
ela sido, no seu
princípio, unida ao
Antigo
Continente
mediante
algum istmo,
fosse este
ao depois, ou
quebrado pela
ação de outro
dilúvio, ou
de algum terremoto,
ou transformado naquele grupo de ilhas
vulcânicas, que
em
1769, reconheceu por parte da Rússia o capitão
Krenitzin, o qual
em
algumas ainda viu
que
lançavam fogo e
em
todas observou manifestos indícios de suas
antigas erupções?
Porém
isto, ainda
que cabe
no possível, não
passa de uma conjectura
sem fundamento,
ou na História,
ou na tradição.
Será que algum navio europeu, extraviando-se do seu
rumo, fosse,
casualmente,
ter à costa
da América e, ali, começasse a sua tripulação
a povoar aquele
continente? Outra
conjectura tão
sem fundamento
como a primeira.
Será que, pelo norte da Europa, tenham desta
passado para
a América algumas famílias de Groelândia,
como fazem verosímel:
1º) a descoberta
que o ponto
de contato mais
vizinho entre
os dous continentes, velho e novo, está na extremidade setentrional de
um e outro;
2º) a identidade
dos animais que
se acham nas províncias setentrionais do Novo Mundo; os quais
são os mesmos
que os das partes
do Antigo
Continente, situadas em
latitudes
correspondentes.
Porque,
ainda que
nas províncias americanas que, ou estão debaixo dos trópicos,
ou vizinhas a
eles,
todos os seus
animais indígenos
são diferentes
daqueles que habitam nas partes correspondentes
do Antigo Mundo.
Contudo, nas
setentrionais
da América há o urso, o lobo, a raposa,
a lebre, o gamo, a
cabra
montês e a alce,
que são
os do norte da Europa.
3º) A confirmação
da atual
vizinhança
entre os dous
continentes, adquirida pelos
russos, depois que
sujeitaram à sua
dominação
a parte ocidental
da Sibéria. Sendo desde então que, pelas
tradições destes povos. Sobre
uma viagem que,
em 1648, se concluiu felizmente à roda
do promontório do
nordeste
da Ásia,
eles se animaram a
prosseguir
aquele descobrimento.
Sendo
desde então
que, para o
prosseguirem, saíram em 1741, em dous navios
constuídos no Mar de Kamtchatka, os
dous capitães
Berring e Tschirikow; os quais, havendo
navegado a leste, e
descoberto
uma terra que,
então, lhes
pareceu do Continente da América, depois de passarem a comunicarem-se com alguns habitantes
das ilhas que
formam uma cade[i]a leste-oeste, entre a
dita terra, ou imaginado continente,
e a costa de Ásia, neles descobriram muita semelhança com os povos da
América Setentrional, porque
até da mesma
Insígnia de Paz,
de
[que] eles
usam, usavam também os referidos habitantes.
Sendo
desde então
que, pela
outra viagem
que, ao mesmo
fim foi mandado
fazer em 1768
o capitão Krenitzin, não somente foi confirmada a
primeira descoberta
quanto à
navegação
que se havia
feito,
mas também
ampliada e corrigida na parte em que haviam erros. Porque o que os
dous capitães Berring e Tschirikow
supuseram
em 1741, que
eram promontórios
ou
cabos do
Continente
da América, viu Krenitzin que não eram mais
do que a mesma
continuação daquela
cadeia
de ilhas, que
eles tinham visto
em tempo
tão nevoado que
raras vezes tinham podido
observar,
nem o sol,
nem as estrelas.
E sendo,
ultimamente, desde então, que por algumas relações
circunstanciadas que, daquele país e seus habitantes, deram alguns
missionários
luteranos
e moravos que para
ali haviam
passado, se veio a
saber:
que a costa
ao noroeste da Groelândia estava separada
da América por um estreito
nimiamente pequeno;
que
no fundo de uma baía
donde ele acaba,
era
provável que
se unissem os dous continentes; que os habitantes
de ambos se correspondiam entre si; que os esquimós
da América perfeitamente se pareciam com os groelandos, tanto
na figura, como
nos vestidos
e modo de viver;
que os
marinheiros,
que sabiam algumas
palavras
dos groelandos, haviam contado que elas tinham sido entendidas dos
esquimós; e que
um
missionário moravo, bem
versado na língua
dos groelandos, tendo visitado aquele país, havia, com
muita admiração
sua, descoberto
que eles
falavam a mesma
língua,
pelo que fora de todos eles bem recebido e
agasalhado como
irmão.
Ou será
que
pelo nordeste
da Ásia é que a América recebeu os seus primeiros
povoadores? Qual destas duas hipóteses é a mais
provável? A que
sustenta que
pelo noroeste
da Europa recebeu os groelandos ou a que supõe que pelo nordeste da Ásia
recebeu os tártaros? Veja-se o parecer a que me inclino.
Ainda que
seja possível que
a América tenha recebido do nosso hemisfério os seus
primeiros
habitantes,
ou seja pelo noroeste da Europa, ou
pelo nordeste
da Ásia, há boa razões
para
supormos que os
ascendentes
de todas as nações americanas, desde o Cabo de
Horn até as
extremidades
meridionais do Lavrador,
vieram antes da Ásia que da Europa. Os esquimós
são os únicos
povos da América
que,
pela sua
figura e caráter,
alguma semelhança têm com
os europeus. Esta é, evidentemente, uma espécie
de homens
particularmente
distinta de todas as mais nações
deste continente,
pela
língua, pelos
costumes e pelos
hábitos. Donde
alguma autoridade
há, para se fazer subir à sua origem a fonte que eu já indiquei. Porém, entre todos os outros povos da
América, está saltando aos olhos uma semelhança tão viva, tanto na sua constituição
física como
nas suas
qualidades
morais que,
não obstante
as diferenças produzidas pela influência do clima, ou pela desigualdade de seus
progressos na
civilização, somos obrigados
a olhá-los como ramos de um mesmo tronco. Sim,
pode-se-lhes
achar alguma variedade
no colorido; porém,
em
todos eles
se acha a mesma
cor primitiva.
Cada tribo lá tem algum caráter particular
que a distingue das outras; mas em todas elas se reconhecem certas
feições que
são comuas à
sua raça inteira. Uma
cousa é digna de reparo,
que em
todas as particularidades, ou físicas, ou morais, que caracterizam os americanos,
acha-se mais semelhança
com as das tribos
bárbaras, derramadas pelo
nordeste
da Ásia, do que
com
as de nenhuma outra das nações estabelecidas ao norte
da Europa. Pode-se logo
subir
à sua primeira
origem e concluir
que os seus
ascendentes
asiáticos, havendo-se estabelecido naquelas
partes
da América, aonde os
russos descobriram a vizinhança
dos dous continentes, dali se foram
derramando gradualmente por estas diferentes
regiões.
Esta
idéia se conforma
com
as tradições que
tinham os mexicanos sobre a sua própria origem, e que, por mais
imperfeitas que eram, sempre
as haviam conservado com maior cuidado, e mereciam
mais
crédito do que
as de nenhum
outro
povo do Novo Mundo. Entre eles, passava por
certo que
os seus
ascendentes
tinham vindo de um
país
remoto e situado ao
nordeste
do seu império. Eles
indicavam certas
paragens
aonde haviam pousado aqueles estrangeiros,
por ocasião
da jornada, que
iam sucessivamente fazendo para os sertões das províncias; e aquela era
precisamente a
rota
que eles
deveriam seguir, na suposição
de terem vindo da Ásia. A descrição que os mexicanos faziam da
figura, dos costumes e do
modo
de viver dos seus
maiores por
aquele tempo,
é uma figura fiel
das tribos
selvagens
dos tártaros, de
quem eu
suponho que eles
descendem.
Nota
de A: “Syst. Nat., t. 1º., p. 24".
Nota
de A: “Mus. Adolph. Frid Praefact".
[Em B: “Prof.”
Por
“Praefact.”].
A repetiu "o político, o político",
sublinhando a segunda ocorrência. [Em
B está em
itálico].
B insere neste o parágrafo seguinte.
Nota
de A: "O Ilmo. e Exmo. Sr. Luiz Pinto
de Souza Coutinho, o qual, pelo espaço de quase
4 anos governou a
Capitania
de Mato
Grosso
e Cuiabá; e do que nelas se
viu e observou, algumas notícias
comunicou ao autor da História
da América." B omitiu nesta nota
as
palavras em
negrito.
Nota
de A: "Noticias Americanas, p. 308."
Estado
de desnutrição
profunda.
Definhamento progressivo e lento
do organismo
humano
produzido por
doença.
Purupuru é uma dermatose contagiosa
que se caracteriza
por
manchas brancas. Essa
tribo
tem esse
nome
por ser o
purupuru endêmico entre eles.
B: "crítico" por
"étnico".
Esta frase
constitui um
parágrafo
isolado na edição de 1934.
B: "talofos" por "jalofos".
Nota
de A: “Buffon.
Hist. Nat., t. 6º, p. 308".
Vide
figuras nº 114 e 115 [da edição do Conselho
Federal de
Cultura].
Vide
figura nº 120 [da
edição
do Conselho
Federal
de Cultura]. B divide o
parágrafo
neste ponto.
B: "observam-nos" por
"observamos".
Nota
de A: “Nulli Strabones, lusciosi, claudi, aut gibbo deformati inter
illos inveniuntur, cum fasciis, aut linteolis
infantes
numquam involvantur, aut Europaeorum more ligentur. Brasilia Medica,
lib. 1º, p. 6." [B: "deformat" por
"deformati".]
Nota
de A: “Nec facile est inter illos invenire distortum, vel luscum, aut
claudum, cum infantes recens
natos
numquam fasciis involvant, aut ligent. Brasil, lib. 8º, cap. 5º,
p. 269".
B divide neste ponto o parágrafo.
B divide neste ponto o parágrafo.
B: "abastados" por
"abarrotados".
Nota
de A: “Epístola 1ª a Tito, 1,11"
["Os cretenses são sempre mentirosos,
más bestas,
ventres
preguiçosos"].
B: "renne" por "remi". Trata-se da rena,
cuja etimologia
se explica pelo
francês
"renne". É uma espécie de veado das regiões
do norte.
B: transcreveu-se "kamkatka".
B: "satisfeitos" por
"satisfeitas".
B: "equipação" por "esquipação".
Nota
de A: “Manuscrito de Mr. Godin, o moço, citado por
Robertson".
B: "consumidos" por "confundidos".
Nota
de A: “Quo fit, ut supra centesimum aetatis annum, viridi, et longaeva
senecta brasiliani, et ipsi quoque Europaei, hic potiantur.
Pison. De Medicin.
Bras.,
lib. 1º, p. 6. Longaevi sunt ad modum. Marcgrav. Bras.,
lib. 8º, cap. 5, p. 269".
B: "daquela" por "naquela".
B: "o outro" por
"outro".
B divide o parágrafo
neste ponto.
Esta frase
constitui um
parágrafo
isolado.
B divide o parágrafo
neste ponto.
B divide o parágrafo
neste ponto.
Nota
de A: “Voyag. a la Martinique, p. 44, 45, 51". B
não
divide o parágrafo
aqui.
Sobre
a palavra "felices", registramos
que é hoje
uma forma poética
da palavra "felizes",
mas corrente
no século XVIII. B
registra
"Uchoa" por "Ulloa".
B divide neste ponto o parágrafo.
Variante
rara do adjetivo
"glutões".
Modo
extravagante de
vida;
devassidão,
libertinagem.
B omite esta preposição "de".
Nota
de A: “Relation abregée de un voyage etc., p. 52 e 53".
Uso do
indicativo pelo
subjuntivo no presente.
Em
B "conhecimento" por "reconhecimento".
Nota
de A: “Ribas, Triumph. etc., p.
16".
Nota
de A: “De Medic. Brasil, p. 8".
Na edição
de 1983, p. 618-619:
SUPERSTIÇÃO
Ainda que ele tenha um mando absoluto na maior
parte dos
pensamentos, e das obras
dos gentios,
não se pode
contudo
asseverar tão
decididamente
como
tenho ouvido,
que
eles nem
pensam, nem obram
coisa
alguma, que
lhes
não seja sugerida pelo
demônio. Os
missionários, que têm sido entre
nós as pessoas
encarregadas de espreitar as
suas
opiniões e
práticas
religiosas, desconfiam de tudo quanto os vêem falar e obrar, principalmente
se entre os
seus
usos e costumes
lá chegam a descobrir
algum, que
se lhes representa
ser
da maior veneração. Se se
inclinam a desconfiar,
já digo, em
tudo quanto
obram os gentios,
não
vem senão
obras
do demônio; se a conciliá-los com o cristianismo,
passam de um a
outro
extremo: porque
desde
logo lhes
atribuem idéias,
que
eles, sim,
são capazes
de adquirir, como
os outros
homens,
porém que
ainda não
as têm.
E
daqui procede estarem alguns dos
ditos
missionários descobrindo em muitas ações
dos gentios bem
profundos
vestígios
dos mais
sublimes
mistérios, interpretando a seu jeito certas expressões
e cerimônias,
que
eles não
entendem, e transformando tudo quanto vêem, do que
verdadeiramente é, para os
que
se lhes representa
ser. É certo,
que entre
os diversos
princípios
da religião,
que
alguns deles professam, um deles é o de sustentarem,
que
há deuses
autores
dos males,
que
afligem a espécie
humana. A estes
representam os gentios embaixo de formas
as mais horrendas; e todo o culto que lhes dão, o
dirigem ao fim de aplacarem a cólera destas terríveis
divindades. Crêem
como
os antropomórfitas, que os seus deuses têm
forma humana,
porém com
uma natureza
superior
à do homem; e
sobre
as qualidades e
operaçães
destes deuses, imaginam fábulas as mais
absurdas e incoerentes que se pode imaginar.
Mas estes mesmos
nenhuma forma tem de
culto
público, não
erigem templos
em
honra das suas
divindades, não
têm ministros
especialmente
consagrados ao seu
serviço; porque
os pajés,
que
são os seus
feiticeiros e
sacerdotes,
também são
os médicos, os filósofos e os estadistas de cada
tribo. O entusiasmo supre a ciência
do feiticeiro. Os
gentios
fáceis em crer
tudo quanto
lhes parece
maravilhoso,
pelo temor em que os põe o
seu sacerdote,
se dispõem a estar pelo que lhes ele diz; explica-lhes os
sonhos, observa os presságios,
e intima-lhes a atenção ao canto,
e ao vôo das
aves, e aos gritos
dos outros
animais.
Todas estas circunstâncias (lhes
adverte) são
prognósticos
do futuro, e se de alguma delas
pronuncia, que
lhes
é desfavorável,
não
se executa o que estava
deliberado.
Uso
do indicativo
pelo
subjuntivo no presente.
Que
apenas são
capazes de idéias
abstratas significa "que mal são capazes de idéias
abstratas".
B: "compreenderem" por "compreender".
Indicativo
pelo subjuntivo
no pretérito
perfeito.
Robertson, sobre os índios
espanhóis e o Consílio de Lima
[B: "Hist. de l'Amérique, t. ].
B: "a menos" por
"menos".
B omite "para lhe servir....... mais
complicada".
B divide o parágrafo
neste ponto.
B divide o parágrafo
neste ponto.
B: "enambus, etuns, macucavas" por
"nambus, mutuns, macucauas".
Trata-se dos animais caçadores.
Só
com a
justaposição
de "timbó" e "retê" podemos representar
a pronúncia do
adjetivo
"retê" (verdadeiro), com "r" brando.
Vegetarianos.
Palavra composta
de "fit" (vegetal) + "i" (vogal
de ligação) + "fago" (que
come); ou seja, o
que
se alimenta de
vegetais.
O texto
registra "ictiogafos", que é um erro evidente.
B divide o parágrafo
neste ponto, substituindo a
expressão
"ou mesmo
para se feriarem" por
"Ou menos
para se fiare".
Cassabe, caçabe, caçave ou
caçava (palavra proveniente do
haitiano "cazabi", através do espanhol "cazabe") é a farinha
de mandioca. B omite a palavra "cassabe".
Forma
desusada de "amido".
B: "tapioca" por
"tipioca".
Os pacés ou passés viviam entre
o Negro e o Içá.
Varais
onde se estende o
charque, o peixe etc.
para
secarem.
Conduto
é aquilo
que
se come com pão.
Pode ser presunto,
mortadela etc.
O adjetivo
"marinho" é uma forma
evoluída portuguesa do latim
"marinu", enquanto
"marino" é um latinismo.
B omite "outros" e divide o parágrafo
ao fim desta
frase.
B omite "e os mais deles, se alguma cousa salgam".
B: "pachiúvas e morajaí" por "pachiúva
e morajaí".
B: "recolhem" por "recolhe".
B: "o não há é" por
"não há".
Nota
de A: “Participação Geral do Rio Negro. Título 27. Dietética.
Artigo: Piracuí".
[Não encontrei esta autocitação
no referido capítulo,
que
está nas páginas 685-710 da edição de 1983.]
Apisto é um caldo
substancioso para
alimentação
de doentes.
Nota
de A:"Artigo:
Tucupi". Cf. p. 698 da Viagem..., edição de 1983.
Avaluar
é o mesmo
que
avaliar.
Nota
de A: “Pison. De Medicin. Brasiliens., lib. 1º, p. 7. Marcgrav.
Brasil. Medic., lib. 8º, cap. 5º, p. 269".
Jangaba, iangaba, yangaba, jangava, iangava, yangava, iangaua etc.
são
variantes
gráficas
de uma mesma
palavra
indígena na
transcrição
dos lusófonos, pois a
primeira
e a última
consoante
não possuem
correspondentes
em nosso
idioma.
B: "jangabas" por "iangavas".
Na verdade, a palavra
significa conta,
contagem ou
numeração; e eles dificilmente
conseguiriam contar
além
deste número.
B: "escrevelha" por "escaravelha".
B não
divide o parágrafo neste
ponto, continuando até
"entende-se que ‘um dia’."
"Fichar",
como está em
A, deve representar a
pronúncia
do amanuense.
Indicativo
pelo subjuntivo
no presente.
B: "hidrofia" por "hidrografia".
B: "índios situados" por
"índio situadas".
B divide o parágrafo
neste ponto.
B divide o parágrafo
neste ponto.
Nota
de A: “Participação Geral do Rio Negro. Tít. 16,
Art. Superstição". [Na edição de 1983, está na pág. 618.]
Nota
de A: “Memória
sobre
os gentios catauixis, de 4 de junho de 1788". [Na edição
de 1974, está na pág. 87.]
Nota
de A: “Animalis autem homo non percipit ea, quo sunt spiritus Dei:
stultitia enim est illi, et nom potuit intelligere: quia spiritualiter
examinatur. (I Coríntians, 2, 14)". [B omite esta
transcrição
latina.]
Nota
de A: “Pensamentos Teológicos, cap. 2, § 3º". [B: “Pensamentos Lógicos”.
Cap. 2.]
Nota
de A: “At ex gentibus illis, tam eferatis et inhumanis, ut ait
Porphirius, non oportet ab aequis iudicibus convicium fieri naturae
humanae. Lib. de abstinentia". [B omite esta
nota.]
Nota
de A: “Hist. Nat., t. 6º, p. 299". [B omite esta nota.]
"Motu proprio" é
expressão latina
que significa "espontaneamente". De
seu
"motu proprio" tem, aqui, o
mesmo sentido
[B: "motor próprio"
por "motu proprio"].
Nota
de A: “Assim, o posso
testificar
dos gentios curetus, habitantes na margem
oriental do rio dos
Apaporis, confluente do Jupurá, [B: Japurá,]
segundo
o que deles ouvi e o que eu mesmo vi. Ouvi ao tenente-coronel Teodósio Constantino
de Chermont, primeiro
comissário
da Quarta
Partida
da diligência da
demarcação
de limites,
que, achando-se na sua
alde[i]a ambas as partidas portuguesa e espanhola, aos 2 de julho de 1782; depois
de ambas elas terem sido
bem
recebidas e agasalhadas dos referidos gentios.
A ele, primeiro
comissário português,
havia representado o principal Catiamani, que eles
naquela alde[i]a queriam um vigário para os batizar e instruir, e que por conta deles deixasse o seu
sustento, como
também a fatura
do negócio
preciso
para se inteirar a sua côngrua. Que
foi o mesmo
que, estando eu
em
Barcelos, capital do
Rio
Negro, presenciei
que, ao capitão-general João
Pereira Caldas, mandou aquele
principal dizer da sua parte, por um filho seu, que ali chegou
aos 3 de fevereiro de 1787".
Nota
de A: “Tomo 6º,
página
299".
Ainda
hoje é corrente
a forma "intertimento" no interior de Minas
Gerais. A palavra
"entretenimento" entrou em nossa língua através
do espanhol "entretenimiento".
Tudo
isto está
impresso
na Corografia Histórica do Estado do Maranhão, t. 2.
Escassez,
falta, carência.
B substitui estas duas palavras "Todas elas"
por "Elas
são tão
síplices (diz o abade de la
Croix) que, por maior que seja a
casa, um
dia basta
para a construir. Todas
as referidas alde[i]as (continua Barrere)".
B: "perspectiva" por
"prospectiva". Prospectiva significa previsão.
B omite todo este parágrafo.
O mesmo
que ocorreu com
"preciso", também se pode dizer de "pretender"
e seus
derivados, provenientes do latim
praetendere.
B: "depende" por "dependa".
B: "melancólico"
por "melencólico".
Rimas de Camões, 2ª
parte. Deve-se tratar da edição de
1779, realizada sobre os manuscritos de Faria e Souza.
B: "'Há' (pedra) davo-se" por
"'itá' (pedra) dava-se".
A é de difícil leitura.
Na verdade, a língua
geral também
não tinha
o nosso
fonema
/s/, pois a sua
sibilante era
ligeiramente
aspirada. Mas
também
não tinha
o /d/ puro,
pois
esse fonema
só ocorria com
ressonância nasal,
assim como
/m/ e /n/. Isto
significa que a vogal anterior era sempre nasalizada. Também
não existia no
nosso
J ou /`'z/,
pois
o fonema
que
mais se aproximava dele era idêntico ao
J dos ingleses.
"Aari-ã" é a forma registrada em
A. Mas uma
nota
marginal nos
alertou para o
significado
dos elementos
constituintes
de "aani-ã". Aani = não,
nada, ninguém;
ã = isto,
isso,
aquilo, etc., já.
B: "qui, quo, quoc" por "qui,
quae, quod".
Ortologia é a parte da gramática que trata da boa
pronúncia.
Prenderem, amarrarem pela raiz.
B: "as destinaram" por "se
desligaram".
A está sublinhado a lápis.
B: "dicionário"
por "dicionaríolo".
Leiam-se, a respeito da imposição
da língua portuguesa aos índios, os primeiros
parágrafos do
Diretório,
cuja edição
crítica e comentada está sendo preparada pelo doutorando Prof. Emmanuel Macedo Tavares e as
Questoens Apologeticas do Pe. Manuel da
Penha
do Rosário,
por
nós publicada na RIHGB, nº 355, de
1987.
O autor
usa o lusitanismo
"verosímel" pelo
atual
"verossímil".
Personificação da nação através
do pronome "quem".
B: "fosse este" por
"fosse".
Indicativo
presente pelo presente do subjuntivo.
B: "de que o ponta"
por "que
o ponto".
O adjetivo
"indígena" é
comum-de-dois-gêneros atualmente.