PRESSUPOSTOS
METODOLÓGICOS PARA UMA
EDIÇÃO CRÍTICA DA
OBRA DE
ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA

 

 

 

José Pereira da Silva
Universidade Federal do Rio de Janeiro - FFP
Rua Visconde de Niterói, 512/97; 20943-000
Rio de Janeiro - RJ - Brasil

 

 

RESUMO

Trata-se de um projeto interdisciplinar que envolve um diferentes unidades da UERJ e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro para a publicação de uma edição crítica e comentada do episódio do mais extenso projeto de pesquisa realizado no Brasil no período colonial. Será levada em conta a preciosidade da obra, do ponto de vista da preservação cultural da Amazônia do Século XVIII, seu estado de preservação e disperção, dificuldades de interpretação ou leitura de toda ordem, a universalidade das informações nela contida e (quando o autor é um artista da palavra) a sua literalidade, traduzindo-se em línguas estrangeiras e atualizando-se os demais na ortografia e acrescentando-se-lhes notas filológicas e comentários técnicos.

RESUME

L´edition critique de l´oeuvre d´Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), savant au service de la Couronne portugaise, réunit des checheurs ae différentes facultés de l´Université Féderale de Rio de Janeiro et secteurs de la Bibliothèque Nationale. Au cours des travaux, il sera tenu compte de la rareté de lóeuvre du point de vue de la préservation culturalle de l´Amazone du XVIII° siècle, des difficultés d´interprétation de tout ordre, de l´universalité des informations et de la littérariété de l´oeuvre.

 

Introdução

          Preparar a edição da obra de Alexandre Rodrigues Ferreira para publicação tem sido, há mais de dois séculos, o sonho de muitos e importantes estudiosos e amigos das ciências. O governo Português, que financiou a pesquisa, não pôde financiar a sua publicação, envolvendo-se desgraçadamente com Napoleão e fugindo para o Brasil. Posteriormente, transferiu os documentos para serem publicados no Brasil.
          De três projetos de publicação aprovados pelo governo, resultaram apenas dois volumes de desenhos e dois de memórias, sem qualquer critério de crítica textual.

 

Quem é Alexandre Rodrigues Ferreira

          Um dos mais importantes cientistas do Brasil no período colonial (1756-1815), chefiou uma equipe que chegou a ter 118 índios a seu serviço, alem de soldados, capelão, desenhistas e botânico; tinha o apoio incondicional de todos os diretores e principais indígenas e demais vassalos de Sua Majestade Fidelíssima.
          Além dos diários e participações; das memória e notícias de Botânica, Zoologia, Mineralogia, Antropologia, Medicina, História e Geografia que escreveu sobre a Amazônia; fez traduções, redigiu peças oratórias em português e em latim, recolheu informações de terceiros, através de pesquisas encomendadas sobre medicina, agricultura, política, arquitetura, etc., produziu uma rica correspondência ativa e uma correspondência passiva não menos interessante.
          A Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira está vinculada ao assentamento das fronteiras luso-espanholas na América e voltada para a utilidade prática dos diversos ramos do conhecimento.
          Trata-se de uma literatura científica que registra os fatos observados e os interpreta, assim como os documentos que comprovam tais observações ou fundamentam as respectivas interpretações: cartas, ofícios, circulares, certidões etc., ou memórias e tratados escritos por sua especial recomendação, além de desenhos científicos, cartas geográficas, plantas arquitetônicas etc.

 

O Projeto Alexandre Rodrigues Ferreira

          É um projeto interdisciplinar que envolve diferentes departamentos e unidades da UERJ e da Biblioteca Nacional e professores da UFF e da UFPA, com duração prevista para quatro anos, e que prepara sua obra para publicação.
          Iniciado em 1993, pretendemos concluirmos a coleta de dados disponíveis até o final deste ano, a maior parte da Biblioteca Nacional (2.097 páginas de originais; 1.333 de cópias; 1.169 estampas, cartas geográficos e plantas arquitetônicas e 192 páginas de documentos sobre o autor e sua viagem). Descobrimos centenas de documentos no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, uns poucos no Museu Nacional e alguns no Arquivo Nacional e tivemos notícia da existência de textos em Cuiabá, Belém, Manaus e Portugal e Paris.

 

A Edição Crítica da Obra de Alexandre Rodrigues Ferreira

          Levaremos em conta a preciosidade da obra do ponto de vista da preservação cultural da Amazônia do Século XVIII, seu estado de conservação e dispersão, dificuldades de interpretação ou leitura, a universalidade de informações nela contida e, quando o autor é um artista da palavra, a sua literalidade. Os textos redigidos em línguas estrangeiras serão traduzidos, os demais serão atualizados na ortografia e acrescidos de notas filológicas e comentários especializados.

Critérios para atribuições de autoria

Partindo do pressuposto de que as anotações de Alexandre Rodrigues Ferreira constituem uma obra inacabada, essa obra existe. Há, inclusive, trabalhos prontos para serem impressos, dos quais algumas partes estão perdidas, como o caso da Viagem Filosófica pelo Rio Negro e do material iconográfico.
          Muitos dos autógrafos são rascunhos ou anotações provisórias. Muitas vezes, além dos rascunhos autógrafos, existem apógrafos completos assinados e/ ou anotados e/ ou corrigidos pelo autor. Daremos a esses textos o valor de autógrafos. é o caso da Notícia Histórica da Ilha Grande de Jonas ou Marajó, de que existem três versões incompletas e autógrafas e duas versões completas e apógrafas. Neste caso específico, os autógrafos são discordantes entre si, por serem textos provisórios, enquanto que os apógrafos são idênticos, por reproduzirem o original definitivo e perdido. Por isso, proporemos a edição crítica e comentada do texto definitivo, apesar de apógrafo, seguido dos autógrafos como apêndices.
          A obra de Alexandre Rodrigues Ferreira inclui contribuição de políticos, administradores, militares, engenheiros, astrônomos, médicos, desenhistas, um botânico, um arquiteto, um capelão e centenas de índios serviçais.
          Muitos desses trabalhos são encomendados e orientados pelo chefe naturalista, amparado por rigorosas ordens reais para que ninguém se negasse a executar o que por ele for solicitado. É o caso do Tratado da Agricultura do Pará, do Tratado sobre as enfermidades endêmicas usuais na capitania do Rio Negro e de Enfermidades endêmicas da capitania do Mato Grosso, além de muitas outras memórias ou notícias, dos desenhos de José Joaquim Freire e Joaquim José Codina e das plantas arquitetônicas de José Landi. Assim, a atribuição de autoria a Alexandre Rodrigues Ferreira exige explícitas ressalvas, nem sempre feitas até hoje.

As edições existentes

          a) Viagem Filosófica ao Rio Negro. Belém: Museu Emílio Goeldi, 1983.
          Edição fac-similar dos volumes XLVIII(1):1-123, XLIX(1):123-288,  L(2):11-141 e LI(1):5-166 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, nos anos de 1885, 1886, 1887 e 1888, respectivamente; mera transcrição, sem qualquer notícia ou comentário. Não de sabe  sequer quem foi o editor, onde estava a fonte manuscrita, quais os critérios editoriais, nada.

          b) Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971-1974. 4 v.
          Do material iconográfico, estava programada uma edição em pelo menos cinco volumes, dos quais só sairam dois: um de Geografia e Antropologia e um de Zoologia.
          Das memórias, estavam programados quatro volumes: um de Geografia, um de Antropologia, um de Zoologia e Botânica e um de Medicina e Assuntos Gerais. O de Antropologia foi preparado por Eduardo Galvão e Carlos Augusto Moreira Neto, e o de Zoologia e Botânica, por Emília Albina Alves dos Santos, Heraldo Britski, José de Lima Figueiredo e José Cândido de Melo Carvalho. Essa edição constitui uma adaptação do texto de Alexandre Rodrigues Ferreira, tais as alterações feitas no texto.
          Houve até a desonestidade de indicar o original manuscrito como fonte e transcrever um texto impresso, como foi o caso das Observações gerais sobre os mamais... e a de não citar  a fonte conhecida.
          Da epistolografia, Américo Pires de Lima publicou, em Lisboa, um volume que merece melhor exame, apesar de incompleto.
 Outros pequenos textos e estampas foram publicados esparsamente em revistas especializadas, além de biografias do autor.

Outras questões

         Infelizmente, muitos manuscritos autógrafos e apógrafos de Alexandre Rodrigues Ferreira já se encontram em estado de avançada deteriorização, tornando-se impossível a sua leitura, mesmo para simples cotejo de texto. Em tais casos, adotaremos a cópia legível como texto de base, remetendo o leitor para o original e acrescentando as notas necessárias para esclarecer o que nos parecer suipeito.
          Em caso do "condex inicus" , faremos apenas a transcrição, a atualização ortográfica e os comentários filológicos e específicos do assunto tratado.
          Há textos de que não só existem numerosos códices e diferentes versões, mas edições impressas em português e em tradução. Nesses casos, havendo manuscrito autógrafos do texto original definitivo, este será a fonte, a que acressentaremos os comentários cabíveis com base nas demais versões e em fontes externas. Se o original definitivo estiver perdido, usaremos um dos apógrafos como texto de base, priorizando as informações contidas nas versões autógrafas provisórias ou rascunhos originais, quer deverão ser editadas como apêndices se divergirem muito dos apógrafos definitivos.

A exuberância dos documentos e sua disperção

          Por serem muito numerosos os documentos e andarem dispersos, será difícil a execução completa dessa obra. Dado esse volume de informações e o seu estado caótico atual, será necessario informatizar o acervo encontrado no Rio de Janeiro e promover sua organização preliminar. A digitação estará pronta até o início de 1995, quando parte da equipe organizará este material, cortejando as transcrições com as respectivas fontes e com as cópias ali existentes e outra cuidará de investigações em Belém, Manaus, cuiabá, Portugal, Paris e Madri, de onde pretendemos conseguir microfilmes ou fotocópias.

Plano

          Não temos ainda um plano geral definitivo para a publicação desses documentos. Somente depois de organizados os textos inéditos e publicados existentes no Brasil é que partiremos para as propostas editoriais concretas, com um plano completo da obra. Intuitivamente, entretanto, apresentamos um primeiro prospecto do que poderá vir a ser o plano dessa obra:

1º) O 1º volume será a biografia do autor, com a pretenção de divulgar o seu nome entre os possíveis editores científicos.
2º) O 2º constará da retórica, com uma introdução crítico-literária.
3º) A correspondência será publicada em três partes: ativa, passiva e indireta (o 3º volume).
4º) A Viagem Filosófica ao Rio Negro formará três volumes: 4º - Alto Rio Negro, 5º - Baixo Rio Negro e 6º - Participação Geral do Rio Negro.
7º) O Diária do Rio Branco e o Tratado Histórico do Rio Branco formarão o 7º.
8º) Os outros diários ou relatos de viagens formarão o 8º volume.
9º) As memórias formarão seis volumes: 9º - Antropologia, 10º - Zoologia, 11º - Botânica e Agricultura, 12º - Geografia, 13º - Medicina e 14º - Memórias Avulsas.
15º) Os apêndices constituirão dois volumes: 15º - índices de assuntos, onomástico e cronológico e plano geral; e 16º - Glossário e Bibliografia.

          A Incografia não entra neste plano, mas poderá formar cinco ou seis volumes de aproximadamente 200 estaampas cada um.
          Paralelamente, continuaremos a publicar outros documentos importantes que lhe servirem de fontes: o Diretório dos índios, que está sendo preparado pelo Prof. Emmanuel Macedo Tavares, o Diário Viagem à capitania do Rio Negro de Freancisco Xavier Ribeiro de Sampaio, o Roteiro da viagem da cidade do Pará até as ultimas colônias do sertão da província do Pe. José Monteiro de Noronha, as Questões apologéticas do Pe. Manoel da Penha do Rosário, etc.

Conclusão

          Com trabalho e determinação, muita coisa será possível. Mas não sabemos nem queremos medir o alcance de nossos sonhos. A experiência mostra que, feito o trabalho, cedo ou tarde será reconhecido e aproveitado. Depois de concluído o projeto, seus resultados serão depositados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e no Centro de Produção científica que estamos criando na UERJ.
         A obra de Alexandre Rodrigues Ferreira é o mais importante acervo científico brasileiro do período colonial e está sendo preparada para a publicação, talvez um pouco tarde demais, visto que as calamidades do tempo já lhe destruíram boa parte e visto que poderia ter poupado muitos anos de pesquisas desnecessária a ter contribuído para o avanço científico e tecnológico nacional.
          Enfim, estamos contribuíndo para a divulgação do iluminismo filosófico português desenvolvido na prática da ciência objetiva e na redescoberta da Amazônia no final do século XVIII.