REFLEXÕES EM TORNO DOS NOMES PRÓPRIOS

José Pereira da Silva (UERJ)

 

MEXIAS-SIMON, Maria Lúcia; OLIVEIRA, Aileda de Mattos. O nome do homem: Reflexões em torno dos nomes próprios. [Rio de Janeiro]: H. P. Comunicação, [2004], 175 p.

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Eis um livro que traz uma ambigüidade preliminar: trata de um tema que preocupa a todos permanentemente mas de extrema dificuldade de tratamento técnico e abrangente, como afirma José Lemos Monteiro no seu prefácio (p. 9):

Não é tarefa fácil escrever um livro sobre nomes próprios. Quase tudo nesse campo, a começar pela questão da referência e do significado, ainda constitui objeto de controvérsia ou nem sequer chamou a atenção dos lingüistas. O simples fato de saber se os nomes próprios têm ou não significado carece de uma resposta simples e universalmente válida.

O mesmo lingüista continua, ainda na mesma página in fine, aprimorando sua declaração inicial:

O fato é que semanticamente os nomes próprios são muito distintos dos comuns: não descrevem propriedades, mas contêm uma forma que constitui o seu significante. O ponto de partida da análise é a seguinte constatação: eles constituem formas lingüísticas que, assim como os dêiticos e as expressões definidas, apenas referem.

Na tentativa de compreender os limites do poder irônico dos nomes próprios em diversas culturas, Maria Lúcia e Aileda “fornecem uma sólida fundamentação histórica e uma adequada interpretação sociológica” (p. 10), estigmatizando nomes como Caim, Judas Iscariote, Hitler, Nero, Calabar etc., lembrando que eles se tornaram inadequados por comportarem conotações extremamente negativas.

Extremamente fascinante e relevante, as autoras buscaram fundamentação em obras literárias, na reflexão sobre os provérbios e em livros de batistérios de duas paróquias do Rio de Janeiro, para estabelecerem estatisticamente as preferências das duas gerações que mearam o século XX.

Enfim, o autor do Dicionário de Hipocorísticos conclui, em relação ao estudo das professoras Maria Lúcia Mexias e Aileda de Mattos Oliveira (p. 12):

Pela forma que discute e elucida uma série de questões relativas ao poder irônico dos nomes próprios, bem como pela riqueza de dados, vem preencher uma lacuna nos estudos de onomástica e, com certeza, logo se tornará uma obra de referência obrigatória, de interesse não dos lingüistas mas de todos os que se aplicam ao conhecimento da língua portuguesa.

As autoras lembram que os dicionários de nomes próprios, em geral, são dicionários etimológicos, quase que sem exceção, e que os dicionários enciclopédicos se referem aos nomes de pessoas que, de uma forma ou de outra, se tornaram ilustres. Por isto,

O estudo visa traçar uma série de questões, todas relacionadas ao uso dos antropônimos, não ficando estritamente preso a discutíveis explicações da Etimologia, em que pese a importância dessa ciência, no conhecimento da relação da linguagem com seus usuários. (p. 16)

A própria filóloga Maria Lúcia Mexias-Simon destaca o seguinte fragmento para sintetizar a sua preocupação profissional quando escreveu este trabalho com a professora Aileda:

Sabe-se, pelos universais lingüísticos, que nunca houve um povo que não atribuísse a seus membros um vocábulo, ou grupo de vocábulos, que lhes fosse próprio com as funções de referência e de apelativo. Essa denominação atende, também, a um objetivo adotado em ralação a objetos e seres da natureza, como se disse, segundo suas características e segundo sua pertinência a um grupo maior. Sem alguma classificação, tem-se o caos, que sempre lhe será inferior. Os nomes pessoais são, portanto, com muita freqüência, considerados como sendo algo mais que casos de convivência social. A escolha do nome para recém-nascido e o ritual do registro são levados na mais alta conta, em inúmeras sociedades. (4ª capa)

A professora Aileda também destaca o aspecto social da questão do nome próprio, dando-se entretanto, mais ênfase à questão do poder e de coerção, como se no fragmento que destacou:

Se antigamente, o nome era uma coisa viva, por estar magicamente pleno de significação, por força de influências cósmicas,  absorvidas nos cerimoniais de passagem, os nomes, hoje, desprovidos de qualquer sentido, desvinculados da magia do clã, podem, no entanto, tornar-se sinônimos de poder e de coerção. Dependendo da herança social, cultural, financeira de quem os tem, adquirem vida própria e impõem-se como meio de força, de persuasão ou de convencimento àqueles que, desavisadamente, estorvam a passagem dos indivíduos que nomeiam.

Aliás, é sabido que os antropônimos de grande parte dos indígenas brasileiros estão diretamente ligados à história e/ou à caracterização física dos indivíduos nomeados, de tal forma que um mesmo indivíduo, em fases sucessivas de sua vida na sociedade, pode receber nomes diferentes dos que teve noutras.

Ajuricaba, por exemplo, foi o nome de um guerreiro indígena valoroso da Amazônia do século XVII, fato que explica etimologias possíveis de seu nome, como a que significa “mutirão ou ajuda coletiva” (aiuricaua) e a que significa “vespa falante” (aiuru + caba), além de outras.

Aliás, tratando desse nome, José Pedro Machado (Dicionário Onomástico..., s.v.) lembra:

Quiçá, para nome de guerreira eloqüente, este étimo seja apropriado. Assim se chamava o chefe indígena brasileiro dos manaus, na região onde depois se ergueu Manaus, capital do Estado do Amazonas. Viveu no século XVII e aliou-se aos holandeses contra os portugueses.

Enfim, lembremos, com a filóloga Maria Lúcia, que

O nome é tomado como metáfora da própria pessoa. Apor o nome em um documento é concordar com o seu teor. O uso dos nomes em fórmulas de maldição e de encantamento é universal. Os nomes são instrumentos de controle do mundo; portanto, mantêm sua magia, principalmente quando evocam seres humanos.

Nenhum desses valores dos nomes próprios se perdeu, na caminhada até os nossos dias. Nessa caminhada, nomes cristalizaram-se, aderiram para sempre a seus portadores, reais ou imaginários. Tornaram-se indicadores de determinadas qualidades, migraram para nomes comuns, havendo, também, o caminho inverso.

Por isto, depois de tratar alguém pelo nome, a intimidade fica francamente estabelecida e se torna, de fato, hilariante a pergunta: Eu te conheço?!...”