PÓS-MODERNIDADE NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA CINEMA E QUADRINHOS

Nataniel dos Santos Gomes (UFRJ/SUAM/CiFEFiL)

Ao pessoal da Aliança Bíblica Universitária, pelo carinho, apoio e reconhecimento.

 

A idéia de pensar no assunto veio a partir de uma mesa-redonda sobre Pós-Modernismo, que participamos no III Congresso Nacional de Lingüística e Filologia, após as brilhantes exposições dos professores Afrânio da Silva Garcia e Emmanoel Maria da Santíssima Trindade José dos Santos. 

Nosso trabalho está divido em 3 momentos: a definição de Modernidade e Pós-Modernidade, já que nem todas as pessoas são experts no assunto, visando torná-lo mais claro, sem aprofundar nas diversas correntes; a Pós-Modernidade no cinema e por último nos quadrinhos, sempre recheando o assunto com exemplos mais populares, evitando sempre que possível o termo técnico. 

 

Modernidade e Pós-modernidade: origens e definições

 

Uma forma de definir a chamada Modernidade seria a partir de todos os fenômenos sociais que aconteceram  devido ao desfruto das pessoas nos avanços da ciência e da tecnologia; assim como, pela urbanização rápida e excesso de informações, ainda que superficiais e manipuladas.

Nesse período não há espaço para realidades sobrenaturais, todo acontecimento do universo é pura obra do acaso e não há nenhuma interferência sobrenatural.

Já pudemos perceber que a cada dois ou três séculos ocorrem grandes transformações na história. Essas transformações têm tanto impacto na sociedade, que ela precisa se reorganizar para poder se adequar à essa nova visão de mundo, revendo seus valores, avaliando sua estrutura e política, e até mesmo suas artes.

A Modernidade tem raízes na criação da imprensa por Gutenberg, em 1455, e na Reforma Protestante, em 1517, o que fez surgir  o chamado Renascimento.

Nas ciências exatas, vimos Copérnico descobrindo que muitas propostas medievais de esclarecimento do mundo não passavam de armadilhas para manter as pessoas presas à religião. A partir deste momento o único centro do universo seria o próprio homem.

Na esfera política, surge uma nova concepção de Estado com a publicação de O Príncipe, de Maquiavel.

Com a Revolução Francesa, surgiu um conceito novo, o de religião secular, a crença da salvação pela sociedade.

Mas o que aconteceu com a filosofia? Para René Descartes, a filosofia deveria se basear somente no que a razão apreende com clareza e nitidez. Para ele, a verdade tinha que ser mensurável, objetivamente captada pela razão.

Kierkegaard, considerado por muitos como o pai do Existencialismo, propôs que quando nos envolvemos com provas racionais da existência de Deus ou com tais argumentos racionais perdemos nossa fé, e com ela, nosso fervor religioso.

O existencialista vê que a vida humana é movida por suas paixões, não podendo ser reduzida a elementos rudimentares de biologia, a atividade intelectual.

O grande dilema do existencialista é de conviver num mundo que não faz o menor sentido, apesar de suas paixões. No final das contas, ele não encontra ninguém fora de si mesmo. É por causa disso que em pouco tempo o existencialismo tornou-se uma força questionadora da Modernidade.

O próprio Albert Camus ao observar as atrocidades cometidas nos campos de concentração viu confirmada sua tese de que o mundo não fazia qualquer sentido.

Já Sartre defendia que os seres humanos precisavam dar um sentido à vida, só que criado por eles próprios, afinal não existem pontos de referência previamente estabelecidos para guiar o homem.

O existencialista volta para si mesmo, porque o relacionamento com o outro lhe causa “náuseas”. É a partir da sua individualidade ele tenta dar sentido à vida.

Na evolução desse processo temos Nietzche tentando transformar o ser humano em um “super-homem” como única forma de contrapor ao absurdo e à incoerência da própria existência.

Mas na Modernidade, as pessoas diziam: “Deus está morto”, na Pós-Modernidade, elas anunciam: “Marx também está, e eu estou doente de morte”. Infelizmente, esse o novo-homem que o niilismo sonhava acabou tornando-se um selvagem predador de seus semelhantes.

A chamada a Pós-Modernidade aconteceu também na esfera sociológica levando à secularização, à privatização, o que alterou os pilares básicos da sociedade: o convívio, as relações pessoais e a ética.

Na realidade, o Pós-Modernismo prometeu liberdade, mas lançou o homem na pior das escravidões: a solidão.

É nos anos 60 que começamos a ver a utopia da modernidade ruir. Os filhos da tecnologia “chutaram o pau da barraca”, desistindo do sonho da modernidade, desafiando os seus pilares: a fé na razão; a fé no progresso tecnológico; a fé que a ciência poderia substituir a religião como guia do destino; a fé que o homem auto-suficiente seria capaz de resolver seus dilemas.

Mas bastou apenas uma década para que esses hippies se desencantassem do próprio projeto alternativo e passassem aos valores da burguesia que tanto lastimavam; assim se transformaram em ricos  yuppies, investidores do Wall Street.

É incrível perceber que na Pós-Modernidade, já nem se questiona a dependência do Iluminismo na razão como forma de verificação da verdade, mas que exista qualquer tipo de verdade. Para esta geração, objetividade, absolutos e conceitos universais não existem mais.

A própria arte da modernidade focaliza o objeto da arte, que está contido em si mesmo. Na Pós-Modernidade, a arte não tem objeto, ela apenas obedece a processos. Há apenas decriação, desconstrução e sempre antítese. Se a Modernidade valorizava a presença, a pós-modernidade só vê ausência.

Com tudo isso, conseguimos observar alguns sinais que anunciam a desintegração das sociedades: a)um sentimento de abandono; b) um cínico fatalismo; c) desaparecimento de qualquer  idealismo; d) o deixar se levar pelas circunstâncias, lançando-se nos modismo; e) deixam de existir quaisquer tipo de mobilizações; e) crescimento da culpa, devido ao abandono moral, f) uma aceitação de tudo, um ecletismo e uma tolerância acrítica da ética.

Finalmente, em 1989, vimos a queda do Muro de Berlim, que simbolizou a morte das utopias, sobretudo do socialismo.

O mais alarmante talvez seja na filosofia da pós-modernidade, que já não se separa em diversas escolas, há apenas os otimistas, que são poucos, e os pessimistas, que crescem a cada instante.

Nesse último ano na casa do “mil”, notamos um interesse internacional sem paralelo por textos gnósticos e apocalípticos. É a hora marcada pela síndrome do dia do juízo final, pelos fantasmas, do medo. O apocalipse ainda é parte de nossa bagagem ideológica. Ele acabou se tornando um afrodisíaco, um pesadelo, uma mercadoria como qualquer outra.

O homem agora não considera que Deus tenha morrido, como na Modernidade, mas que simplesmente enlouqueceu. Afinal, existe coerência? De onde ela vem?

Conforme dissemos acima, os pilares da sociedade foram abalados, trazendo como conseqüência a secularização, privatização da sociedade: o convívio, as relações humanas e a percepção da ética.

O homem pós-moderno largou os métodos racionalistas e científicos de aproximação ao sagrado, misturando Jesus Cristo com os gurus, faz estudos cabalísticos e numerológicos em ruínas e nos escritos do Mar Morto.

A velocidade nos viciou. Tudo tem que ser veloz porque a concentração das pessoas não passa de alguns minutos.  Como conseqüência, as pessoas não se interessam mais por relacionamentos profundos, e se acostumam com a superficialidade.

 

Quadrinhos na Pós-Modernidade

 

Os comics têm algo de muito interessante, como forma de literatura que representa as grandes mudanças da sociedade. As personagens são verdadeiras pérolas da Pós-Modernidade. Vejamos alguns:

O Surfista Prateado é um ser condenado a viver na Terra, longe de seu planeta natal. Uma criatura de proporções colossais, conhecida como Galactus, tentou devorar seu planeta. O Surfista fez um acordo com a criatura para evitar a destruição de sua casa. Ele acaba se tornando um arauto de Galactus na busca de planetas para serem devorados. Mas ao chegar à Terra,  acaba se compadecendo de seus habitantes e se rebelando contra o seu senhor. Nosso herói acaba exilado na Terra, proibido de voltar para casa.

O Super-Homem na Pós-Modernidade passou por poucas e boas: foi assassinado por uma criatura conhecida como Apocalipse e ressuscitou em quatro versões: o Erradicador (um tipo de robô-clone), o Aço (um homem com uma superarmadura com o símbolo do Super-Homem no peito), o Superboy (um clone mais jovem e com menos poderes que nosso herói) e um Super-Homem Ciborgue (na realidade, um antigo vilão). Ele volta, segundo os editores ele não havia morrido, mas estava sem energia e precisava recarregar. Ultimamente, ele anda divido em dois: um vermelho e um azul. O mais famoso herói é o que mais se fragmentou.

O Homem-Aranha também teve sua crise de identidade. Ele participou de um evento conhecido como Guerras Secretas, em que um tipo de deus une os maiores heróis e vilões num planeta para duelarem. Neste evento ele muda de uniforme, que podia se regenerar. O uniforme se revela um simbionte, o Venon, que quer destruir um Homem-Aranha a qualquer custo, este ser gera um outro, o Carnificina. Ao mesmo tempo o herói descobre que é um clone, e que o verdadeiro Homem-Aranha não está agindo. Eles trocam de posição e descobrem que tudo não passava de um armação do famoso Duende Verde, arquiinimigo do Aranha, que havia sumido há uns 15 anos (os editores fazem um milagres inacreditáveis para vender revistas). Novamente, não se sabe quem é quem na vida pós-moderna.

Spawn é um “herói” um tanto quanto diferente. Ele é um ex-policial que foi assassinado que foi para o inferno. Lá ele faz um acordo com o demônio para voltar para a Terra e rever sua amada esposa, para sua decepção já se haviam passado quatro anos e ela já estava casada. Ele é um dos seres que está na Terra para preparar um exército que irá lutar contra as forças celestiais no dia do Juízo, enquanto isso ele vai matando um bando de mal-feitores. O personagem é uma busca pelo sagrado, uma inversão de valores: o mal já não é tão mal assim.

Lobo é uma criatura deplorável, um alienígena que destruiu seu planeta natal por puro prazer e hoje está pelo universo matando por prazer, e ainda é considerado um herói!

O Lanterna Verde viu sua cidade ser destruída e sua esposa assassinada na época da volta do Super-Homem. Para tentar consertar as coisas ele começa a praticar atos totalmente antiéticos: inclusive matando seus companheiros e tornando-se um vilão. O bom que passa a servir um desejo custe o que custar.

 

Cinema Pós-Moderno

 

No cinema encontramos exemplos muito interessantes. Citaremos apenas alguns, afinal nosso espaço é muito restrito.

Os filmes do Quentin Tarantino já verdadeiras marcas pós-modernas. Pulp Fiction é narrado em fragmentos, num eterno vai e vem. Um drink no inferno conta a história de dois bandidos que seqüestram um pastor em crise e sua família e vão parar num bar habitado por vampiros. Na primeira parte do filme, nós torcemos para os bandidos acabarem presos, na segunda, estamos vibrando por eles, para que eles matem vampiros. Metade do filme é policial, a outra é terror. Uma hora eles são bandidos, noutra hora são heróis. A que gênero estamos assistindo?

Clube da Luta brinca com as clínicas de lipoaspiração: os sabonetes são feitos com gordura humana. Parece uma referência aos atos dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Oito milímetros mostra um submundo perverso dos filmes pornô, inclusive com mortes filmadas para o prazer dos expectadores. A vida não vale mais nada, tirar a vida de outro pode trazer um prazer quase sexual.

Asas do desejo fala de um anjo que se apaixona por uma trapezista e decide deixar sua posição de mensageiro dos céus. Na dimensão celestial tudo é preto-e-branco, na esfera humana tudo é visto a cores. A esfera espiritual não tem muita graça se não for do meu jeito.

Blade Runner reconta a velha história da rebelião da criatura (os replicantes) contra o criador na busca de mais “vida”. O mais curioso é que o caçador de andróides também é um andróide, mas não sabe. Afinal quem sou?

Tanto Matrix quanto O Show de Truman falam de mundos aparentes. Os personagens não sabem que vivem mundos que não existem, são mentiras construídas por máquinas para obter energia ou para alcançar audiência. Será que estou vivendo no mundo real ou tudo não passa de fantasia ou engano?

 

Conclusão:

 

Pudemos perceber como os personagens dos quadrinhos são tão representativos de nosso tempo e como os filmes retratam dilemas vividos pelas pessoas, mas raramente verbalizados. Apesar de parecer um laser, o filmes e os quadrinhos merecem um estudo contextualizado de nossa realidade, de como eles refletem o nosso modus vivendi.

 

 

Bibliografia Básica:

 

ABRÃO, Bernadete Siqueira.  História da Filosofia.  Coleção Os Pensadores.  São Paulo : Nova Cultural, 1999.

ENCICLOPÉDIA HERÓI.  São Paulo : Publifolha / Acme, [1997?].

GAARDER, Jostein.  O mundo de Sofia: romance da história da filosofia.   São Paulo : Companhia das Letras, 1996.

GARCIA, Afrânio da Silva.  O Pós-Modernismo nas histórias em quadrinhos.  Anais do III Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Rio de Janeiro : CiFEFil, [no prelo].

GOMES, Nataniel dos Santos.  O discurso fragmentado de Luísa (quase uma história de amor), de Maria Adelaide Amaral.  Anais do III Congresso Nacional de Lingüística e Filologia.  Rio de Janeiro : CiFEFil, [no prelo].

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 3ª ed.  São Paulo : Loyola, 1993.

MOYA, Álvaro de.  Shazam!  São Paulo : Perspectiva, 1970.

SANTOS, Emmanoel Maria da Santíssima Trindade José dos. Pós-Modernismo e Cinema.  Anais do III Congresso Nacional de Lingüística e Filologia.  Rio de Janeiro : CiFEFil, [no prelo].

VIDEOGUIA MULTIMÍDIA. /s.l./: Nova Cultural, 1997.