Sumário
Peregrinatio Aetheriae
e a Formação
do Cristianismo
A Peregrinatio Aetheriae entre a Antigüidade, e a Idade Média e a perenidade

 

A Península Ibérica foi um reduto acolhedor do Cristianismo. Assim, a sua vocação cristã ficou bem indicada no renascentista Luís Vaz de Camões, em seu poema épico Os Lusíadas, narrando a viagem em busca das terras do Oriente e a luta em defesa do Cristianismo contra os mouros: Mas o Mouro, instruído nos enganos/ Que o malévolo Baco lhe ensinara,/ De morte ou cativeiro novos danos,/ Antes que à Índia chegue, lhe (ao Capitão Vasco da Gama) prepara(...) (Canto I, 97)

No século XV, Portugal conseguiu expulsar os mulçumanos da sua região, mas mantiveram os princípios do Cristianismo, mesmo sob a dominação árabe. O romance de Alexandre Herculano nos dá uma versão sobre esta conflituosa convivência em Eurico, o Presbítero.

Como se vê, a importância da narrativa Peregrinatio Aetheriae ad loca sancta, escrita por uma freira da Galiza, discorrendo sobre as suas viagens à Palestina, não é tão somente como fonte de estudos lingüísticos, o que já é importantíssimo. Trata-se também de um documento histórico e litúrgico, como conclui o Professor Rosalvo do Valle em sua tese, ora trazida a público pela Academia Brasileira de Filologia.

Pertence ao início do século V, já que se pode determinar a sua estada em Belém no ano de 417 (Elia, 1979, p. 32). No entanto, (e)ssa obra, só publicada em 1887, despertou logo a atenção de latinistas e romanistas, historiadores e liturgistas pela riqueza de material de pesquisa que oferece àqueles especialistas, de tal forma que é hoje assunto de vastíssima bibliografia. (Valle, 1975, p. 10)

E essa vastíssima bibliografia reconhece que a autora de Peregrinatio Aetheriae dispunha de cultura, embora não apresentasse um vínculo literário encadeado ao mundo clássico ou pós-clássico. Como apurou o eminente estudioso Rosalvo do Valle, conhecia muito bem a Bíblia e a Vetus Latina, que são as traduções anteriores a Vulgata. Há vestígios em sua escritura de elementos lingüísticos do latim cristão pela preferência de manducare que, no latim vulgar, passou a manger em francês. O preferido no latim vulgar hispânico era comedere que nos deu comer. Aquele é uma peculiaridade, por exemplo, na Vulgata.

Caro mestre Rosalvo, como você mesmo já me disse, a escolha de estudar latim é árdua, sed qui e nuce nucleum esse volt, frangit nucem!

Rio de Janeiro, 22 de abril de 2008
Amós Coêlho da Silva (UERJ)