ESTILÍSTICA DA PALAVRA

Carina Rejane Aprígio

Orientadora: Maria Antônia da Costa Lobo (UERJ/UCB)

 

Conceituação do léxico

A Estilística léxica ou da palavra estuda os aspectos expressivos das palavras ligados aos seus

Componentes semânticos e morfológicos, os quais, entretanto, não podem ser completamente separados dos aspectos sintáticos e conceituais.

Os atos da fala resultam da combinação de palavras segundo as regras da língua. Só teoricamente se separam do léxico (palavras) e gramática (regras), visto que mesmo as palavras que têm um significado real, extralingüístico, só funcionam no enunciado com a agregação de um componente gramatical.

Há dificuldade em precisar o conceito de léxico. De Acordo com Josette Rey-Debove (“Lexique et dictionnaire - Le langage”), o léxico pode ser conceituado de três maneiras:

Conjunto de morfemas de um língua, sendo os morfemas unidades significativas mínimas, presas ou livres, de natureza lexical ou gramatical. Os morfemas de natureza lexical (que também são designados como radicais, semantemas, lexemas) constituem classe aberta, com possibilidade de acréscimos e perdas; os de natureza gramatical (também chamados gramemas) constituem classe fechada, estabelecida, restrita.

Esta consideração é de difícil aceitação, por ser a frase formada de unidades codificadas mais altas, que são, em grande parte, a combinação de dois ou mais morfemas.

Conjunto de palavras de uma língua. Este é o conceito tradicional, que tem como imagem o dicionário. E insatisfatório pela imprecisão do que se deve considerar palavra. (A definição mais geralmente aceita é a de forma livre que não pode ser dividida em formas livres menores; uma forma livre mínima é capaz de atuar como uma elocução completa). Este conceito de léxico implica a divisão das palavras em lexicais e gramaticais, encontráveis nos dicionários, mas é discutível se as formas livres gramaticais são realmente palavras visto que muitas delas não podem atuar como elocuções completas.

Conjunto de unidades ou palavras de classe aberta de uma língua, podendo-se considerar essas unidades os morfemas lexicais ou as palavras lexicais. A aceitação deste conceito exigiria que a distinção entre conjuntos abertos e fechados fosse precisa, “e não da ordem do mais ou do menos”.

Não havendo, portanto, uma conceituação plenamente satisfatória de léxico, é tomada, neste trabalho, a tradicional (b), sendo o termo palavra empregado conforme o seu uso comum, apesar de condenado por muitos lingüistas por ser desprovido de rigor científico. (Mattoso Câmara adota no sentido amplo o termo vocábulo, distinguindo vocábulos lexicais ou palavras, que encerram semantema, e os gramaticais, que são meramente morfemas).

 

Palavras Gramaticas

Além das denominações referidas (morfemas, gramemas), empregam-se também as denominações palavras-formas, palavras vazias e instrumentos gramaticais ou não-palavras. Sua significação só é apreendida no contexto lingüístico, daí dizer-se que é intralingüística ou interna. Diz-se também (cf. Ulmann, Semântica, p.94) que são palavras sinsemânticas, por serem significativas quando acompanhadas de outras, em oposição às autosemânticas - as lexicais -, que têm significação por si mesmas. As palavras gramaticais são pouco numerosas mas de altíssima freqüência nos enunciados, desempenhando funções de grande importância. Sua função pode estar relacionada com o ato de enunciação, com a organização do discurso, ou com a estruturação da frase. Elas servem, pois, para:

relacionar o enunciado com a situação de enunciação, indicando os participantes da comunicação, o espaço e o tempo em que ela se dá. São os dêiticos (eu, tu e suas variantes, aqui, aí, agora, possessivos e demonstrativos referentes à 1a e à 2a pessoa, etc.);

substituir ou referir algum elemento presente no enunciado. São os anafóricos ou representantes (ele, demonstrativos não relacionados à 1a e 2a pessoas, etc.)

atualizar os nomes, transformando-os de elementos do paradigma ou palavras de dicionário em termos de frase. São os determinantes, como, por exemplo, o artigo, pronomes adjetivos, numerais;

indicar quantidade e intensificação (numerais, pronomes indefinidos quantitativos, advérbios quantitativos);

relacionar palavras no sintagma (preposições) e operações na frase (conjunções e pronomes relativos);

estabelecer coesão textual, seja dentro de uma frase, seja entre frases diversas (anafóricos, conjunções).

O emprego das palavras gramaticais diz respeito, portanto, à sintaxe e à organização textual, seguindo regras mais ou menos fixas. Entretanto, sempre há a possibilidade de uma aliteração ou violação das regras para um efeito expressivo. Palavras gramaticais podem perder, em certos empregos, esse valor gramatical e tornar-se meros elementos de realce ou ainda receber um valor nocional, aproximando-se das palavras lexicais. Também palavras lexicais podem perder seu valor nocional, gramaticalizando-se.

No seu estudo “Expressões de situação”, Said Ali procura explicar o sentido e a possível gênese de empregos de partículas como: mas, então, agora, sempre, afinal, pois, se, pois sim, pois não, etc., e com valor diferente do “gramatical”. Explica o autor as expressões de situação como “expressões concisas, alheias, talvez, à parte informativa, mas capazes de conseguir intuitos que palavras formais não conseguiriam”. Tais “recursos de linguagem nos acodem com uma presteza espantosa, cada qual em seu lugar”, sem que os analisemos, quer quando os empregamos, quer quando os ouvimos. “São meios de expressão já do domínio do subconsciente”. “Não são frutos do acaso. Têm explicação; mas oferecem muita dificuldade ao estudo. Fazem, ou fizeram, parte de pensamentos latentes. É preciso restaurá-los, restabelecê-los em palavras e, então, se verá como essas expressões de situação, expressões restantes, vêm a figurar juntamente com as idéias e pensamentos que se enunciam regularmente.” (Meios de expressão e alterações semânticas, p.30-31)

Exemplos:

“Te liga aí...” (Vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo. TV Cultura, 1988).

“... tu aí que é metido a esculachá os outros...” (Vídeo exibido na Casa de Detenção. TV Cultura, 1988)

 

Tonalidades emotivas das palavras

Os elementos emotivos que entram na constituição do sentido das palavras são de máximo interesse para a Estilística. A tonalidade afetiva de uma palavra pode ser inerente ao próprio significado ou pode resultar de um emprego particular, sendo perceptível no enunciado em razão do contexto, ou pela entoação (enunciado oral), ou por algum recurso gráfico, como aspas, grifo, maiúsculas/minúsculas, tipos de impressão, e outros (enunciado escrito).

 

Palavras de significado afetivo

São aquelas cujo lexema exprime emoção, sentimento, um estado psíquico. O lexema pode receber vogal temática, desinência ou afixo que o atualize como substantivo, adjetivo, verbo ou advérbio, podendo assim haver cognatos emotivos das várias classes das palavras lexicais. Sirvam de exemplo as séries: amor, amar, amoroso, amorosamente; ódio, odiar, odioso, odiosamente; triste, tristeza, tristonho, entristecer; medo, medonho, amendrontar, etc. Mas nem sempre existe toda uma família, assumindo o lexema uma ou duas formas, como ojeriza, xodó (enxodozar), gana, quizila, enquizilar, etc.

Exemplos:

“... saudável Frank Sinatra ao superturbinado Michael Jackson...” (Escrevendo Muderno. RIBEIRO, João Ubaldo).

“...som superenrolado...” (Som. ANDRADE, Carlos Drummond de).

 

Palavras que exprimem julgamento

São também carregadas de afetividade as palavras que exprimem julgamento pessoal. Predominam neste caso os adjetivos que atribuem qualidades positivas/negativas, valorizadoras/depreciativas, que podem ser distribuídas semanticamente no campo de bom/mau, e igualmente os substantivos abstratos, verbos e advérbios a eles correspondentes. Feio/bonito, covarde/corajoso, generoso/avaro, delicado/grosseiro, inteligente/estúpido, gracioso/desenxabido, etc. são exemplos de adjetivos em que o elemento afetivo é inerente ao significado básico. Desnecessário é lembrar que tais adjetivos tanto podem ser de nível popular (bacana, legal, micho, etc.) como erudito (ínclito, excelso, pérfido, etc.).

Exemplo:

“...Um (salário) mínimo absoluto...” (Apotegma do vil metal, FERNANDES, Millôr).

 

Sentimento avaliativo relacionado ao afixo

O elemento avaliativo pode ser acrescentado a um lexema por um sufixo ou prefixo. Se política, gente, povo podem empregar-se sem tonalidade afetiva em contextos intelectivos, já politicagem, politicalha, gentalha, poviléu, são muito mais ricas em afixos responsáveis por uma derivação emotiva de considerável amplitude. A formação de vocábulos de teor expressivo será tratada a seguir.

 

Prefixação

Embora ofereça menos possibilidades expressivas que a derivação sufixal, os escritores criativos conseguem com eles (os prefixos) formações originais e sugestivas.

Exemplos:

“Superlimitado, superbom, superalegre, supercordial, supercorreta.” (Escrevendo Muderno, RIBEIRO, João Ubaldo).

No caso acima, o uso demasiado do prefixo -super, retrata uma supervalorização dada à língua inglesa pelo povo brasileiro. Na verdade, trata-se de uma crítica à essa supervalorização, criando novos vocábulos.

 

3.3.3.2 - Sufixação

E o processo de maior vitalidade, quer pelo grande número de sufixos da língua, quer pela variedade de conotações que muitos deles permitem sugerir.

Comecemos por mencionar a multi8plicidade de valores afetivos dos sufixos de diminutivo e aumentativo.

O diminutivo pode exprimir, por um lado, a apreciação, o carinho, a delicadeza, a ternura, e, por, outro, a irritação, a ironia, a hipocrisia. Está na fala de todos, cultos ou ignorantes, e só não aparece com um tom afetivo nos textos escritos que têm por meta a objetividade e, portanto, só admitem o diminutivo nocional, exprimindo a idéia de tamanho pequeno, sendo que, em muitos casos de diminutivo erudito, mesmo a idéia de pequenez passa despercebida (ósculo, opúsculo, glóbulo).

Exemplo:

“...rói devagarinho...” (Vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo).

 

Palavras evocativas

A tonalidade emotiva de um grande número de palavras se deve a associações provocadas pela sua origem ou pela variedade lingüística a que pertencem. São as palavras de poder evocativo, conforme as classificou Bally. São elas: os estrangeirismos, os arcaísmos, os termos dialetais, os neologismos, a gíria, os quais não só transmitem um significado, mas também nos remetem a uma época, a um lugar, a um meio social ou cultural.

 

Estrangeirismos

Podem se empregados por força do relacionamento entre os povos, quando o nome das coisas importadas as acompanha, não têm praticamente valor expressivo; como qualquer outra palavra, poderão ter, conforme o emprego, um valor expressivo, mas não por serem estrangeirismos; são palavras incorporadas ao léxico português e cuja procedência grande parte dos falantes ignora.

Exemplo:

“...temos um insight maravilhoso...”(Escrevendo Muderno. RIBEIRO, João Ubaldo).

Há expressividade quando o estrangeirismo dá à fala ou ao contexto um toque de exotismo, quando contribui par dar autenticidade a referências, outras terras e outras gentes, ou ainda quando a palavra estrangeira, pela sua constituição sonora, parece, pouco mais motivada que a vernácula.

Exemplo:

“...I love you, ele tem o som super mais natural do que eu te amo...” (Escrevendo Muderno. RIBEIRO, João Ubaldo).

 

Gíria

Entre linguagens especiais, que evocam determinadas classes sociais ou grupos profissionais, é a gíria a que oferece maiores possibilidades expressivas, traços efetivos mais intensos. Diz Mattoso Câmara que a gíria assinala o estilo na linguagem popular, é o aspecto poético da linguagem falada. A gíria tanto pode ser uma defesa da população marginal, como uma manifestação de agressividade da juventude, um reflexo do conflito das gerações. O vocabulário, inicialmente restrito a um grupo, generaliza-se, passando então a fazer parte do dialeto social popular. A necessidade de força expressiva faz que a linguagem gíria se renove constantemente, já que as expressões de uso intenso são sujeitas a rápido desgaste.

Exemplos retirados do Vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo:

“vago mestre” (§2o linha8);

“cana dura” (§2o linha 3);

“tranca” (§2o linha 2);

“pico” (§5o linha 1).

Nos exemplos acima, a linguagem retratada é popular, típica da população marginalizada. Tal linguagem caracteriza uma espécie de defesa, já que não é facilmente entendida pelas demais classes. A gíria, aqui, é um código, restrito aos detentos.

Nota-se a existência de gíria em textos literários, como Som, de Carlos Drummond de Andrade:

“curtir” (linha 2);

“rico de curtição” (linha 19);

Carlos Drummond de Andrade, em Som, ironiza o tipo de música ouvida pelos jovens, e faz uso, intensamente, da linguagem deles.

 

Linguagem Figurada

O mais importante fator de afetividade é certamente o emprego da linguagem figurada, seja da metáfora e da metonímia, em que as palavras assumem um sentido mais afastado do significado fundamental, seja das figuras de construção e pensamento em que as palavras envolvidas assumem um relevo ou conotação especial.

Trataremos aqui, mais detalhadamente, da símile e da metonímia.

 

Símile

O símile se distingue da comparação gramatical, intensiva, por relacionar termos de diferente nível de referência, isto é, teremos de natureza diferente. Na frase “O jequitibá é mais alto do que o ipê”, temos uma comparação gramatical, porque se comparam duas coisas da mesma ordem de referência. Mas, quando se diz “O homem era forte como um jequitibá.”, estabelece-se uma aproximação entre elementos de diferente natureza, havendo, portanto, símile, ou comparação qualitativa, assimilativa ou metafórica.

Exemplo retirado do Vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo:

“A saúde é como a liberdade.” (§5o linha 12-13).

 

Metonímia

“Consiste na ampliação do âmbito de significação de uma palavra ou expressão, partindo de uma relação objetiva entre a significação própria e a figura.” (DANTAS, José Maria de Souza. Novo Manual de Literatura. Ed. Difel. Rio de Janeiro, 1979.)

Exemplo extraído de Apotegmas do vil metal:

“...o Congresso vota...” (§1o linha 2-3).

 

BIBLIOGRAFIA

Bally, Charles. El lenguaje y la vida. Trad. De Amado Alonso. Buenos Aires : Losada, 1941, 2 v.

Câmara Jr., Joaquim Mattoso. Contribuição à Estilística Portuguesa. 3ª ed.. Rio de Janeiro : Ao Livro Técnico, 1977.

------. Princípios de lingüística geral, 4ª ed. Rio de Janeiro : Acadêmica, 1967.

------. Dicionário de filologia e gramática. 6ª ed. Rio de Janeiro, J.Ozon, 1974.

Dantas, José Maria de Souza. Novo Manual de Literatura. Rio de Janeiro : DIFEL, 1979.

Enkvist, Nils Erik et alii. Lingüística e Estilo. Trad. de José Paulo Paes e de Jamir Martins. São Paulo : Cultrix, 1970.

Guirard, Pierre. A estilística. Trad. de Miguel Mailler. São Paulo : Mestre Jou, 1970.

Martins, Nilce de Sant’anna. Introdução à estilística. 2ª ed. revista e aumentada. São Paulo, 1977.

Mounin, Georges. Clefs pour la linguistique. Ed. rev e corrigida. Paris, Seghers, 1971. (Introdução à linguística. Trad. de José Meirelles. Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1970.)

Rey-Debove, Josette. “Lexique et dictionaire”, in Le langage, sob a direção de Bernard Pottier. Paris : Retz, 1973.

Said Ali, Manuel. Meios de expressão e alterações semânticas. 3a ed. revista. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 1971.

Spitzer, Leo. Lingüística e história literária. 2a ed. Trad. de José Perez Riesgo. Madri : Gredos, 1968.

Ullmann, Stephen. Semântica - uma introdução à ciência do significado. Trad. de J.A. Osório Mateus. 2a ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.