UMA GRAMÁTICA, SEU AUTOR

E O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DE SUA OBRA

Márcia A G Molina (USP/UNISA)

INTRODUÇÃO

Sabemos que antes de qualquer pesquisa, cujo objetivo seja analisar um autor e sua obra, a fim de traçar a história de seu pensamento lingüístico, importante faz-se investigar - buscando ‘recuperar’ e descrever - o contexto sócio-histórico em que ele viveu e produziu seu trabalho, pois como diz Koerner, 1974

(...) histories of linguistics have failed to increase our awareness of the impact of matters or events outside the field - (in) particular socio-economical conditions, historical events, or political situations, often have had considerable influence on the motivation of writing the history of a particular discipline (...) (p.4).

Por isso, neste trabalho nosso objetivo é estudar o autor Eduardo Carlos Pereira, autor das Gramáticas Expositivas de Curso Superior e Elementar que tiveram mais de 100 edições durante a primeira metade do século XX. Procuraremos descrever sua vida, o período em que viveu e quais as linhas de pensamento norteavam os estudiosos da Língua Portuguesa na ocasião da escritura de sua obra, época de importante renovação nos estudos lingüísticos e momento em que se buscavam instrumentos e símbolos de identidade nacional.

 

Eduardo Carlos Pereira

e contexto de criação de sua gramática

É de conhecimento geral que o Romantismo foi o maior acontecimento espiritual do ocidente nos tempos modernos. Sabemos ainda que ele não foi simplesmente um movimento literário ou estético, mas sobretudo um momento de irrupção de uma nova maneira de pensar, agir e refletir a realidade tendo inclusive atingido todos os domínios do pensamento humano.

Sabemos também que um movimento literário não ocorre de um momento para o outro, abruptamente . Por esta razão não se pode determinar com exatidão o lugar e a data precisa de seu surgimento. Toda indicação a este respeito é, de acordo com Proença Filho ( 73: 180), relativa e aproximada. Muitos, no entanto, afirmam ter sido a Inglaterra o berço desse movimento, quando por volta de 1825, o pensamento inglês libertava-se da filosofia, moral e ciências, estendendo-se depois para os domínios da França e da Alemanha.

É de nosso conhecimento ainda que essa nova maneira de pensar foi na realidade uma revolução de amplo sentido, já que reivindicava para si o direito de observar as obras e ações humanas sob uma nova ótica, ou seja, a concepção do mundo e a atitude diante dos olhos dos românticos passaram a ser diferentes daquelas que marcavam os pensadores dos séculos anteriores. Era o relativismo histórico que (bifurcado em duas vertentes históricas: nacionalismo e liberalismo) pautava a maneira de pensar e agir do homem romântico.

O sentimento de nacionalidade evocava o gosto pelas tradições locais, pela poesia popular e como afirma Proença Filho (1973: 182) pela história e pela literatura de Idade Média. Em relação ao liberalismo, o homem do início do século XIX foi reformador e orgulhoso; vivia idolatrando seu ego, questionando a realidade e pretendendo modificar o mundo, instável emocionalmente, seu humor, muitas vezes, oscilava entre a alegria e a tristeza.

Foi em meio a esse movimento de ordem intelectual que sustentava as idéias do relativismo que, nos princípios do século XIX, se imprimiu novo e importante sentido aos estudos lingüísticos. Foi exatamente nesse momento histórico que o alemão Franz Bopp, com Sistema de Conjugação do Sânscrito em comparação com o Grego, Latim, Persa e Germânico, deu início ao que chamamos de gramática comparada, isto é, à Lingüística Histórica. Além dele, Meillet ( apud Elias, 75) afirma que se somam ainda os nomes de Frederico Diez e Grimm, já que ambos estudaram as línguas românicas. O primeiro cresceu no ambiente dos românticos, tornando-se depois mestre da romanística. Atribui-se, porém a Jacob Grimm o estudo propriamente histórico da linguagem. Em sua obra Deutsche Grammatik ( Gramática alemã), analisou a existência de correspondências fonéticas sistemáticas entre as línguas como resultado de mutações no tempo (Faraco, 98:85).

De acordo com Elia (75), a Lingüística Comparada, fundada por Bopp e desenvolvida por muitos outros autores, foi, num primeiro momento, aceita com receio pela Filologia, mas a nova ciência preconizava, aos moldes da maneira como o século interpretava o mundo, que é o povo quem faz a língua, ocorrendo, portanto, uma democratização das gramáticas.

Proença Filho (73) afirma que no Brasil o movimento romântico ganhou aspectos peculiares, obviamente por causa das características particulares do país. Há pouco o país tornara-se independente, apenas em 1824 ganhava a primeira Constituição, fazendo surgir uma nova história; ou melhor, o império recém inaugurado, como afirma Schwarcz (1998), consolidaria um diálogo entre a tradição e elementos da cultura local, ou seja, entre o estado monárquico e a natureza e o povo de nosso país.

Em relação à cultura, a maioria dos livros era importada de Portugal, já que aqui praticamente só se imprimiam periódicos; nas artes plásticas, pintores vindos para o Brasil com D. João, como Debret e Taunay, começavam a ganhar notoriedade. Em 1827 foram criadas as primeiras Faculdades de Direito, em São Paulo e Olinda, cujos formandos contribuíam para organizar nossa vida política e jurídica, como afirma Buarque de Holanda (1995:144):

E não haveria grande exagero em dizer-se que, os estabelecimentos de ensino superior sobretudo os cursos jurídicos, fundados desde 1827 em São Paulo e Olinda, contribuíram largamente para a formação de homens públicos capazes (...)

Se, de um lado, começava a se formar a elite masculina, às mulheres só se admitia o papel de dona do lar e senhoras do marido. As escolas só admitiam meninas até o final do 1º grau, cabendo-lhes apenas o aprendizado das primeiras letras e das quatro operações. As poucas professoras existentes eram sempre mal remuneradas e, se alguma mulher tentasse fugir ao padrão moral vigente, recebia severas punições.

A sociedade de então era marcada pelo tradicionalismo e conservadorismo tendo sua base principalmente fora dos meios urbanos, mas tanto as cidades quanto as vilas eram os centros culturais, funcionando como extensões da zona rural. Os donos da terra eram os senhores locais:

Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica. Tudo se fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava a si mesmo” (opus.cit:80)

Nesta ocasião, alguns costumes passaram a fazer parte da sociedade dessas regiões, como fazer refeições fora de casa, compras nas ruas de comércio e passeios sociais pelos centros urbanos. Freqüentar bailes, reuniões e festas eram hábitos importados dos ingleses e franceses, somados ainda aos jogos de gamão, xadrez e voltarete. Por outro lado, eclodiam, em diferentes províncias, várias rebeliões com o fim único de buscar cada vez mais pela descentralização. Ocorriam, por exemplo, a Balaiada no Maranhão e a Sabinada na Bahia, revelando o perigo de desagregação do país.

Por esses motivos, o movimento romântico brasileiro, em primeiro lugar, teve de ajustar-se à alma do povo, fazendo surgir o “culto brasileiro da inspiração, da improvisação e da espontaneidade” (Proença Filho, 73:p.199), depois, foi sendo marcado enormemente por um forte caráter político e social. Como diz Schwarcz(1998:139):

como se vê (...) o romantismo no Brasil não foi apenas um projeto estético, mas também um movimento cultura e político, profundamente ligado ao nacionalismo

Este nacionalismo, pintado com as cores do lugar (idem, ibidem) traduziu-se, portanto, num indianismo exacerbado, e o liberalismo primeiramente gritou pela liberdade da escravidão e, posteriormente, encontrou no país recém independente, um momento de afirmação de sua personalidade.

Nesse sentido, preconiza Bezerra (1984: 155):

(...) a Independência e o Romantismo apresentam a base sobre a qual se alicerça uma forma nacional de sentir e pensar. De modo singular e autônomo a realidade brasileira (...)

Vale salientar que nessa época ocorre uma idolatria em relação à língua portuguesa falada no Brasil, e conseqüentemente uma recusa ao modelo lingüístico português, mas este dualismo apresentou pouca ou nenhuma repercussão em nossos meios gramaticais. Tal dado é confirmado quando, o decreto de 2 de dezembro de 1837 reforma racional e radicalmente o Seminário de S. Joaquim, transformando-o em collegio de Instrucção Secundario com o título de Collegio de D. Pedro II, (ANNUARIO, 1914) única instituição oficial brasileira, posicionando-se contra inovações. Em seu discurso de inauguração, assim fala o então Ministro e Secretário de Estado e Justiça Interino do Império, Sr. Bernardo Pereira de Vasconcelos, a respeito dos ideais do Colégio:

Manter e unicamente adotar os bons métodos; resistir a inovações que não tenham a sanção do tempo e o abono de felizes resultados(...) (apud Bezerra, 1984:158).

A disciplina Gramática Geral e Gramática Nacional, ministrada apenas no primeiro ano dos cursos, começou a ser efetivamente lecionada apenas depois do Regulamento de 1º de fevereiro 1841, tendo pouca importância frente ao aprendizado das línguas clássicas.

Foi somente nessa ocasião, que inspirado nos ideais românticos, D. Pedro II, monarca interessadíssimo com estudo e cultura, começou a propor a criação de gramáticas e dicionários (Schwarcz, 1998:131).

Tudo isso motivou o aparecimento de um lado, da figura do homem das letras e de outro lado, tanto da carreira literária quanto de público qualificado para a leitura de seus romances, poesias e peças de teatro. O romantismo brasileiro apresentou, portanto, enorme penetração, trazendo, principalmente o índio como temática e fiel representante da cultura e a floresta como cenário tropical brasileiro. Esse movimento, como diz Schawrcz (1998) favorecia não só afirmar a universalidade, mas o particularismo, ou seja, permitia-nos mostrar ao mundo o jovem país que surgia, em oposição aos cânones legados pela mãe-pátria (p.128).

Em meio a essa efervescência cultural, aos primeiros sinais do “despertar da consciência americana” (Silva & Ribas, 1975:43), nascia em 8 de novembro de 1855, na cidade serrana de Caldas, Minas Gerais, quase divisa com o Estado de São Paulo, Eduardo Carlos Pereira.

Quando criança, o autor contava, como era costume na ocasião, com a colaboração de um tutor, seu irmão mais velho, para o aprendizado da vida e de suas primeiras letras. Somente mais tarde passou para a escola da cidade, onde também tomou aulas de Latim e Francês com professores enviados para lá pelo Imperador Pedro II. Alguns anos mais tarde, acompanhando esse seu irmão foi estudar no então famoso Colégio Ipiranga de Araraquara. Já adulto e acompanhando sua escola que se mudara para esta cidade, transferia-se para Campinas, onde, jovem professor, começou a lecionar Latim e Português, o que lhe possibilitou ampliar seus conhecimentos em relação a essas disciplinas.

Foi nessa época que soube da chegada à cidade de um grande missionário americano da Igreja Presbiteriana, Rev. George Morton, então diretor do Colégio Internacional, com quem entrou em contato e de quem ficou muito amigo, recebendo dele importante influência religiosa.

Mais tarde, transferiu-se para São Paulo a fim de estudar na Academia de Direito de São Paulo e realizar um de seus sonhos: o de ser jurisconsulto. Paralelamente penetrou nos estudos religiosos, tornando-se logo depois um extremado evangelista.

Mas, nem tudo eram festas. Estávamos em 1870, ocasião da Guerra do Paraguai, que , ao contrário do pensado por muitos, durou muito tempo e trouxe muitos prejuízos à nação, não só de ordem financeira, quanto intelectual, já que o governo brasileiro, na figura do imperador, dedicou muito tempo a ela.

Nessa ocasião, novos princípios passam a nortear os intelectuais da época e agitavam os bancos universitários europeus: o evolucionismo de Darwin e depois Mendel, o socialismo e o positivismo dialogavam, tomavam espaço, discutiam com o relativismo da geração anterior. Predominava nesta ocasião uma concepção materialista da realidade, que passava a ser vista como em constante processo de evolução, dentro de leis naturais bastante definitivas.

O movimento nas ciências biológicas foi tão importante que apresentou imbricações até nos estudos de língua, fazendo-a ser concebida como organismo vivo. Fausto Barreto foi o primeiro dentre nossos estudiosos a aplicar nela conceitos do evolucionismo. Lembremo-nos de que o hábito de comparar-se biologia e lingüística já vinham, diz Silva Neto (1956), de Schleicher, que escrevera:

As línguas são organismos naturais, independentes da vontade do homem, que nascem, crescem, evolucionam e depois envelhecem e morrem, de acordo com leis determinadas; são-lhes próprios uma série de fenômenos aos quais nos acostumamos a chamar vida (apud Silva Neto, op. cit. Introdução, p.60).

Júlio Ribeiro apresenta em sua Grammatica Portugueza (p.153 da 7ª edição) dois quadros comparativos, apontando as semelhanças no tocante à seleção e à classificação genealógica, nas espécies e nas línguas.

Mas não só para o estudo das línguas o homem do século XIX valia-se do conhecimento científico. Também para conhecer praticamente tudo que o cercava, buscava explicação científica. Estávamos na “era da sciencia”, às portas do triunfo de uma “modernidade que não podia esperar” (Costa e Schwarcz, 2000:9) Para o jovem da época, era através de análise e sistematização dos fatos que se adquiria sapiência com precisão.

Finda a Guerra do Paraguai, desenvolvem-se no país campanhas em prol, tanto da abolição da escravidão, quanto da República. Já haviam sido criados o “Partido Republicano”, a “Sociedade de Libertação” e a “Sociedade Emancipadora do Elemento Servil”. Por pressão social, começam a ser aprovadas as leis abolicionistas.

Paralelamente viam-se surgir e multiplicar inúmeras descobertas científicas de grande repercussão. Era época da “Segunda Revolução Industrial - também conhecida como Científico Tecnológica (...) que levou à aplicação de recentes descobertas científicas aos processos produtivos.” (idem, ibidem, p.19). Tais descobertas fizeram surgir na medicina novos produtos usados na anestesia; possibilitaram ver bactérias, pequenos organismos vivos responsáveis por várias doenças de grande seriedade, através do microscópio, permitiram isolar alguns microorganismos responsáveis por sérias doenças, fazendo aparecer as primeiras vacinas, contra, por exemplo, a febre amarela.

Por outro lado, aparecem as primeiras máquinas de escrever, somar e de costurar. O fonógrafo, o telefone, o gramofone, o microfone melhoravam as comunicações e introduziam uma significativa revolução nos hábitos dos principais centros brasileiros. As primeiras locomotivas, bondes elétricos, bicicletas, começavam a encurtar as distâncias.

No Brasil, durante o Segundo Reinado, a população no Rio de Janeiro e em São Paulo multiplicou-se, surgia a nova burguesia urbana, que começava cada vez mais a freqüentar salões literários, saraus, cafés e teatros, contribuindo assim para dar mais vida à capital e cidades importantes, enquanto a figura do senhor de engenho em todo Brasil começava a perder suas características, desprendendo-se da terra e das raízes rurais.

Em São Paulo, as fazendas de café proliferavam e começavam a prosperar. Quase simultaneamente, começava o ciclo da borracha no Norte, trazendo mais riquezas à população. No entanto, em relação à educação, quase não haviam ocorrido mudanças. Outras faculdades haviam surgido, como as de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, mas o ensino primário continuava extremamente deficiente e o secundário continuava praticamente apenas restrito para os meninos, embora algumas mulheres começassem a se rebelar contra isso.

Nessa ocasião Eduardo Carlos Pereira já havia iniciado sua atuação na Primeira Igreja Presbiteriana, realizando sua obra pastoral em cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Nelas, o autor tanto atendia no júri, quanto prestava serviços religiosos e médicos.

De outro turno, a sociedade brasileira começava a modificar-se. Aqui e ali se viam surgir movimentos e clubes republicanos. A Igreja Católica, que desde o início da colonização dependia e vivia para e pelo Estado, tentando reverter este quadro, começava a escolher bispos de mentalidade reformadora, culminando com a vinda de novos religiosos e uma grande agitação em prol do combate à maçonaria, instituição secreta condenada pelo Papa. Nessa ocasião houve uma “tempestade” no seio da Igreja Presbiteriana do Brasil, da qual participou ativamente nosso autor. Como se sabe, a maçonaria, dentre suas atribuições, também protegia os protestantes. Por causa disso a Igreja Católica começou a persegui-los, dando início então, na Igreja Presbiteriana, a uma grande discussão a respeito da compatibilidade ou não do Evangelho com os princípios maçônicos. Eduardo Carlos Pereira entrou na liça, concluindo que realmente havia afinidade entre ambos. Muitos artigos jornalísticos foram escritos, muito se debateu, mas finalmente tudo se resolveu, quando, um dos fortes oponentes de Pereira, o Dr. Silva Rodrigues reconheceu publicamente a incompatibilidade daquela com os princípios do Evangelho.

Foi muito importante a participação da imprensa nesse pleito e noutros, já que fazendo oposição ao Império, deu novo impulso tanto ao jornalismo político, quanto ao religioso no país. Inúmeros periódicos começaram a circular nas principais cidades, sustentados, ou por grupos políticos antimonarquistas, ou religiosos.

Com a participação da imprensa e dos intelectuais, que apoiavam e difundiam as idéias positivistas foi instalada, em 1889, a República por força de um golpe militar, elevando o Marechal Deodoro da Fonseca a chefe do governo provisório da República.

Essa nova forma de governo surgia, como bem diz Schwarcz (1998) como um outro recurso à modernidade e à racionalidade nas relações, eram alguns sinais do novo tempo que eclodia com a pretensão de alterar símbolos e quaisquer traços que lembrassem o regime monárquico.

Eduardo Carlos Pereira, nessa ocasião, escrevia artigos doutrinários, evangelísticos e orientadores na Imprensa Evangélica e na Revista das Missões Nacionais, fundadas e organizadas por presbiterianos.

Nessa época também, já haviam sido fundados vários veículos de informações como O Estado de São Paulo, O Correio Paulistano e, em relação a veículos de divulgação de estudos lingüísticos, já contávamos com a Revista da Língua Portuguesa . Eduardo Carlos Pereira tornou-se importante colaborador dos três.

Pouco antes da virada do século XIX para o XX, nossa sociedade continuava passando por muitas transformações. O preço da borracha e do café oscilava, o processo de industrialização crescia causando uma maior urbanização, sobretudo na Região Sudeste brasileira. Muitos sinais de prosperidade podiam ser vistos aqui, trazendo grande desenvolvimento urbano e instalação de inúmeras fábricas em São Paulo, Rio de Janeiro e cidades próximas a essas capitais.

Na literatura, poetas do Parnasianismo, como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia escreviam inspirados na natureza e no amor. Foi nessa ocasião também que, paulatinamente, a literatura simbolista adentrava os meios letrados brasileiros pelas mãos, sobretudo, de poetas como Cruz e Souza.

Alguns jornais procuravam atuar de maneira mais presente e crítica na realidade brasileira, embora o público leitor continuasse muito restrito, já que a grande parte da população continuava analfabeta, pois o governo federal ainda não considerava a Educação uma prioridade, embora o advento da República houvesse trazido uma maior preocupação com a construção nacional por meio da melhoria e incentivo ao ensino primário, principalmente. Já havia o Ensino Oficial, mas a maior parte das escolas de nível secundário surgia da iniciativa de particulares ou religiosos.

Além dessas, inauguravam-se mais e mais Escolas Normais destinadas, agora e principalmente, às meninas de classes mais favorecidas, como a de São Paulo, autorizada pelo decreto de 1890, assinado pelo Dr. Prudente de Moraes.

Em 1887, o Diretor Geral do Colégio Pedro II, percebendo a necessidade de se imprimir nova orientação aos estudos da língua vernácula, designa vários professores para efetuarem uma reorganização do Programa de Ensino do Curso Secundário, cabendo ao professor Fausto Barreto, o programa da Língua Nacional . Esse fato incentiva vários estudiosos a produzirem materiais didáticos que atendessem ao novo programa. É nessa ocasião que surge a gramática de João Ribeiro, seguindo a mesma orientação da de Júlio Ribeiro.

Quase nessa época também, mais particularmente, em 1895, Eduardo Carlos Pereira presta concurso público no Ginásio Oficial do Estado de São Paulo, concorrendo com o Monsenhor Camilo Passaláqua e Carlos Lentz. Este empata com nosso autor, tendo ambos sido aprovados e nomeados para a qualidade de professores catedráticos de Língua Portuguesa, no mesmo ano.

Pouco tempo depois, Eduardo começa também a escrever suas gramáticas, utilizando, de um lado, exemplos dos grandes nomes da literatura, como Camões, Padre Antonio Vieira, Sá de Miranda, Alexandre Herculano, Almeida Garret, Antônio Feliciano de Castilho, Camilo Castelo Branco e Gonçalves Dias; quanto de filólogos e lingüistas mundialmente consagrados, como Frederico Diez, W. Meyer Ducke, C. Ayer, Mason, M. Bréal, Andrés Bello, Whitney etc. e, de outro lado, estudiosos da Língua Portuguesa, como: João Ribeiro, Cândido de Figueiredo, Ruy Barbosa etc.

Sabemos que sua primeira obra didática foi Gramática expositiva (Curso Superior), cuja primeira edição data de 14 de fevereiro de 1907; a seguir, adaptando o conteúdo dessa ao primeiro ano dos ginásios e de acordo com o programa oficial, edita a Gramática expositiva (Curso Elementar) datada de dezembro do mesmo ano. Somente mais tarde termina a sua Gramática Histórica (1915), que é publicada em 1916, objetivando complementar os cursos antecedentes. Somando-se a essas, vale lembrar que há a pouco conhecida “Questões de philologia - resposta aos críticos da Gramatica Expositiva”, lançada em 1907, com o objetivo de justificar algumas posturas lingüísticas adotadas na primeira edição de sua gramática.

Além de homem das letras, já se pôde perceber que Eduardo Carlos Pereira foi um dos maiores mestres do idioma pátrio ( Correia, s/d:94), tendo sido ainda um dos responsáveis pela tradução da versão brasileira da Bíblia Sagrada , editada em 1917, considerada uma das mais fiéis em Língua Portuguesa. Foi também um cristão extremoso e escritor evangélico fecundo, uma vez que chegou a publicar inúmeras obras de cunho religioso , como: A maçonaria e a igreja cristã, O problema religioso da América Latina, As origens da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Balanço Histórico; inúmeros opúsculos e folhetos evangelizantes.

Vivíamos a Primeira Grande Guerra. Embora o país tivesse declarado, num primeiro momento, sua neutralidade, os efeitos de seus conflitos seriam muito importantes no Brasil. Ocorreu, por exemplo, a redução de exportação do café brasileiro, dificuldades de importação traziam crises de abastecimento, sobretudo de cereais. Greves operárias eram deflagradas em várias regiões do país, gerando um estado de sítio decretado pelo então presidente Hermes da Fonseca.

Nesta ocasião também, Eduardo Carlos Pereira ausentou-se do Brasil, para uma reunião do Congresso que estudava a questão religiosa, sobretudo relacionada à América Latina. Por outro lado, na literatura, surgiam escritores cuja obra distanciava-se dos modelos da época. Eram autores que procuravam inspiração nos fatos da realidade brasileira, escrevendo numa linguagem clara, num tom jornalístico, tecendo uma crítica, muitas vezes feroz, à realidade brasileira. Eram eles: Lima Barreto, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato.

A guerra termina, mas em vários lugares movimentos sócio-políticos começam a ganhar força, notoriedade e aceitação popular. Trabalhadores, camponeses e militares aniquilados pela guerra, começam a pregar igualdade social. Era a possibilidade de uma revolução anticapitalista que começava a ganhar contornos. No Brasil, é criado o Partido Comunista, cujo objetivo era a luta pelo socialismo.

No ano seguinte, de volta ao Brasil, morre vítima de grave doença, deixando uma obra respeitável, tanto de fundo religioso quanto gramatical, constituindo preciosa fonte, nas quais religiosos e estudiosos da gramática da atualidade vão buscar recursos, subsídios e profunda orientação.

CONCLUSÕES

Indubitavelmente, Eduardo Carlos Pereira foi um dos grandes nomes que despontaram nos primórdios do século XX. Seriíssimo advogado, importante religioso, fecundo escritor, extremado professor e sem dúvida, o gramático que introduziu nas Letras muitos dos intelectuais de hoje.

 

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