CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM
DE EUCLIDES DA CUNHA em “OS SERTÕES

Maria Lucia Mexias Simon (USS/UVA)

 

Pretendemos, no presente artigo, abordar a mais famosa obra de Euclides da Cunha, especialmente no que se refere a sua riqueza lexical. Para tanto, a primeira dificuldade com que nos deparamos foi - qual das edições eleger? Dentre as várias edições encontradas no comércio, descartamos algumas, por falha quanto à identificação, havendo-as até do tipo texto resumido ou adaptação. As edições primeiras, ainda em vida do autor, já se tornaram raridades bibliográficas. Assim sendo, fizemos trabalho comparativo entre a 7ª , a 27ª e a 28ª edições da Universidade de Brasília, também numerada 27ª por uma circunstância esclarecida na edição de mesmo número da Livraria Francisco Alves. Entre essas edições manuseadas, há algumas diferenças formais, a saber:

na 7ª edição, a grafia é a da época (1923), inclusive quanto ao nome do autor (Euclydes); não apresenta a nota preliminar do autor; contém as notas do autor sobre a 2ª edição, as quais deverão aparecer nas edições sucessivas com a rubrica notas à 3ª edição; há fotografias, os mapas são policromados; os títulos das seções aparecem em folha à parte.

Na 27a edição, - Francisco Alves_ a grafia também é a da época (1968); aparece a nota preliminar do autor, assim como as notas à 2ª edição, com esse número indicadas; além das notas de rodapé do próprio autor, aparecem notas, numeradas, por Fernando Nery; os títulos das subseções estão inseridos no texto, com partição ligeiramente diversa da edições anteriores; não há mapas nem fotografias, porém desenhos de Aldemir Martins; acompanha-se de notas dos editores e relação de efemérides da Campanha d e Canudos.

Na 27ª edição da Universidade d e Brasília, também se atualizou a grafia para a época (1963); pretende ser, de acordo com anota dos editores, texto reconstituído com base na 3ª edição, pelo Grêmio Euclides da Cunha, de S. José do Rio Pardo, sob a chefia do Sr. Dermal de Camargo Monfré, que também se encarregou das notas do revisor; contém ensaio introdutório de Nelson Werneck Sodré; as notas do autor sobre a 2ª edição vêm somente intituladas notas do autor; apresenta a nota preliminar do autor, mapas em preto e branco e relação d efemérides; só contém as notas de rodapé do próprio autor.

Na 28ª edição, com estudo introdutório de Walnice Nogueira Galvão, vemos nota explicativa de Teresinha Marinho, onde se mencionam as modificações na parte ortográfica, sobretudo no aportuguesamento de palavras estrangeiras e, também, o respeito à pontuação e à sintaxe do autor, mesmo quando discordantes das normas vigentes à época da edição; há mapas policromados e fotografias; os títulos das subseções vêm em folha à parte; contém as notas do autor à 3ª edição, assim como sua nota preliminar; as notas de rodapé seguem a edição anterior da mesma edição anterior da mesma editora; não há relação de efemérides

Baseamos nosso trabalho na edição da Universidade de Brasília, por ter um aspecto de estudo crítico, uma vez que se reportou a edição antiga. Dessa edição extraímos os exemplos citados, respeitando a grafia, inclusive quanto à acentuação

Euclides da Cunha é o que se chama autor de livro único. Suas outras publicações; Peru versus Bolívia, Contraste e confrontos, À margem da história, são coletâneas de artigos de jornais, não guardam unidade. O que seria seu segundo livro - Um paraíso perdido - ficou nos esboços, interrompidos em 1909, com a morte do autor.

Ainda mesmo a sua grande obra - Os sertões - teve como ponto de partida a publicação de dois artigos, ambos intitulados - A nossa vendéia - em O estado de São Paulo, com datas de 1º de março e 17 de julho de 1897. Nesses artigos, Euclides compara a insurreição de Canudos com o movimento contra revolucionário na França, onde um foco de resistência da nobreza opunha-se à República. Pela repercussão que tiveram seus artigos, por sua formação militar, por seus conhecimentos de geografia e de geologia, obtidos na Escola de Engenharia, foi enviado aos sertões baianos como correspondente do grande jornal.

Esteve no cenário de luta de agosto a outubro de 1897. De lá voltou com a “proposta de um Brasil possível de posse, mas ainda não possuído, dependente de uma valorização capaz de absorver e ultrapassar os nossos hábitos de sentir e pensar outros povos” (Herbert Fortes) . Cumprida a missão de correspondente, portando sua caderneta de campo, instalou-se em S. José do Rio Pardo, dirigindo obra de engenharia, que lhe deu a estabilidade e o lazer necessários à composição do livro que o tornaria famoso.

Não é uma obra fácil em nenhum sentido. Uma das dificuldades encontram os estudiosos, quando tentam enquadrá-lo em algum gênero literário. José Guilherme Merquior (in Oliveira, 1983) chamou-o saga sertaneja e também romance por usar linguagem literária. Herbert Fortes chamou-o obra de ficção, entre romance e epopéia. Precede de 25 anos o romance-ensaio, gênero abordado por Thomas Mann em A Montanha mágica. Ambos são romances de idéias enciclopédicas, gigantescos inventários de uma cultura. Com a distinção que, em Os sertões não há lugar para as relações amorosas. As mulheres, em suas páginas, ou são beatas ou são bruxas, “viragos repelentes”. Não se refere às palpitações da carne, não nos fala das palpitações da alma.

Afrânio Coutinho o chamou “obra de ficção, narrativa heróica epopéia em prosa, da família de Guerra e Paz, de Canção de Rolando, cujo antepassado mais ilustre é a Ilíada.” Para atender aos requisitos do gênero épico, falta-lhe o herói, já que não celebra os vitoriosos e sim os vencidos. Cada um deles aparece como feixe de fatos, expoente indicador das correntes subalternas das multidões. Cada um deles é um resumo, um compêndio, uma cristalização humana obtida por quatrocentos anos do labutar de uma meia cultura , cheia de enormes falhas, grosserias e incongruências de toda sorte. Sentem-se os “fios invisíveis com que a terra prende o homem e o faz a sua imagem e semelhança” (Sílvio Romero, numa lenta e segura laboração das almas e dos caracteres. Trata-se de uma obra política, com vistas à demografia, à economia, ao remodelamento social. A massa é contemplada como o fato mais simples possível. Daí o autor intitular-se “simples copista”. É testemunha que sobrepõe aos fatos consumados e fisicamente explicáveis, uma tabela de valores. Os fatos de que parte são os referentes à Campanha de Canudos. Em seu relato entrelaçam-se três linguagens: a do classicismo, a da ciência e a espontânea nativa. Resulta, assim, inútil todo o esforço de o encartar em algum sistema, de o reduzir à cópia em carbono de alguma escola.

Euclides da Cunha teve formação científica singular nos meios literários brasileiros. Depois d e escolher a Escola de Engenharia, ingressou na escola Militar, do onde foi desligado em conhecido acidente, ao qual o próprio Euclides fez questão de atribuir aspecto político. Com a proclamação da República, voltou em triunfo à Escola Militar, donde sairia definitivamente em 1890. Pelo estudo das Matemáticas - em oposição às Humanidades e às Ciências Jurídicas, praticadas pelas classes dominantes - chegavam aos jovens da época as idéias de Augusto Comte. Se o Positivismo no Brasil não se impôs como mística, permitiu que componentes da classe média, sem romper com os valores a que estavam apegados, pugnassem por reformas, que foram desaguar na Abolição e na República.

Em seus artigos e correspondência, Euclides mostra um itinerário que vai de Comte a Darwin, de Lombroso a Marx. Conhece e respeita Taine, “que pretendeu substituir o sentido de justificação pelo de explicação” (Herbert Fortes). Nega, assim, a Providência, a Liberdade, a pessoa, e parte da coletividade. Está sempre a fazer referência ao corpo ou à raça (que sofre ou vence as condições do meio natural) e aos valores por onde se mede o merecimento do homem e sua capacidade de progresso espiritual. Dentro da história, em sentido restrito, cuidou de fazer ambiente, povoá-lo de atores para, então, desentranhar deles intenções paixões, reações. “Num século aturdido e revoltado contra a inumanidade do naturalismo sociológico transbordante de denominações insignificantes ou de metáforas apanhadas na mecânica ou na biologia... o papel do historiador há de ser o que há de comum na história propriamente dita , como suplência cultural da memória coletiva” (Herbert Fortes). Para Euclides o missionário transfigurou o sertanejo, os poetas românticos e exultaram, ele quer fazer a ciência prestar seu depoimento. Como Lobato, empenhou-se em criticar o país em que vivia, em julgá-lo por seu atraso e desumanidade. O discurso humano é reduzido a monossílabos. O empobrecimento da fala enquanto agente exteriorizador dos processos mentais não é mais que espelho de miséria orgânica, miséria biológica, criadas pelas condições de vida subumano, infra-humana a que as pessoas estão chumbadas. Canudos não seria mais que uma sociedade de retardatários, sob a chefia de um desequilibrado mental.

A obra despertou a atenção desde o lançamento pelo estilo imaginoso, brilhante e pelo assunto, que parecia longínquo, exótico inesperado à grande maioria de um público, mais ou menos ignorante do assunto, como o do Rio de Janeiro e, em geral, do Brasil litorâneo. Os leitores, perceberam, do imediato, através da trama das idéias, o vinco de doutrinas sérias acerca do Brasil e o interesse pela genuína população nacional ( a grande massa rural e sertaneja) mostrado pela escolha do assunto. Descreve a terra e os costumes. Pinta, com firmeza, os tipos étnicos, os caracteres das coletividades, a alma dos grupos. Dilematizou o futuro do Brasil: ou progredimos ou desaparecemos. A obra socializa o saber pelo seu caráter interdisciplinar, descritivo. Porém descritivo apenas do que é áspero, estranho, agressivo. O pássaro pintado em detalhes em suas páginas a desgraciosa, enfezada cigana.

Outros exemplos há, na historia do Brasil, de insurreições messiânicas. Outros autores mostraram em diversas formas o "filho do norte". Mas enquanto José de Alencar e Gonçalves Dias fizeram ficção romântica, Euclides fez psicologia social, com a visão da sua época, mostrando os acontecimentos com terror e fascínio. Acusaram-no do retumbante; ele o foi, pois precisava se fazer ouvir em meio ao vozerio da cidade.

Por ser um trabalho muito vasto a descrição lexical em Os Sertões, tomamos aqui, como exemplo, apenas o vocabulário abrangido na seção A Luta.

Mas, não pudemos nos abster de observar outros aspectos lingüísticos (recursos fônicos, construção sintática, pontuação) já pela riqueza do material considerado, já pelo entrelaçamento das camadas de linguagem, impossíveis de compartimentar sobretudo numa consideração estilística.

Euclides tem o gosto sintético dos esquemas, o sentido binário das antíteses; assinala, como traço de força, as precipitaçõess, os retornos, os saltos, os refreios de sua composição literária. O barroquismo está caracterizado pelo uso de catacrese, oxímoros, tendência para apreensão das imagens em seu momento mais fremente. O emprego dos termos científicos torna a linguagem precisa, concisa e ainda funciona corno instrumento avalizador da veracidade histórica dos fatos narrados. Já se disse que a linguagem é literária. Encontram-se aliterações, assonâncias reduplicação vocabular, hipérboles, A pontuação não é ortodoxa. Deparamos com vírgulas separando do verbo o objeto e até, por vezes, o sujeito, quando é longo. É freqüente o uso do gerúndio como adjetivo (duração do tempo verbal para qualificar a ação ou o objetivo). O polissíndeto mostra o cuidado em evitar o ritmo longo dos períodos. Usa expletivas para buscar energia; elipse para buscar concisão; para o vigor, o superlativo; provoca o impacto emocional através da antítese continuada; usa a onomatopéia para penetrar na realidade, assim como usa a antropomorfização. O pensarnento oscila entre a palavra mágica, lúdica e o pensamento bipolar, o oxímoro, Além do luxo vocabular, é atraído pelo luxo tático. O turbilhão da linguagem é a sua vindita contra a ordem e a disciplina da dicção científica. A expressão de Euclides está constantemente sacudida de um élan, um surto que se reflete abundantemente na adjetivação, na pontuação, nas metáforas, nas interjeições e reticências. Ouviu a língua falada de transmissão oral, mas não desceu a minúcias lingüísticas, com pretensões de fazer escola: apenas ouviu e registrou. Por vezes, entram em liça a língua da nossa historia, a língua da literatura portuguesa e as terminologias dos congressos científicos. Cada nome, cada construção, cada idiotismo deve atender prontamente ao ímpeto da idéia, do sentido, da tendência, do instinto. "Em Euclides não é a língua culta que aproveita a língua nativa, mas esta que se incorpora à outra sem que se diga qual a triunfante" (Herbert Fortes). Os seus temas valem pelo que traduzem da vida. ~ uma semântica sem leis. Cada semantema é um mundo. Não são termos de dicionário, mas partes de frase que se organizam numa grande encenação. Depois de Euclides, os termos - sertões, sertanejo, seca, estouro da boiada - passaram a ter uma riqueza de sentidos orgânica, uma função vital.

Em toda a obra quase não há diálogos, só há espaço para diálogos históricos, muito escolhidos, encerrados às pressas. Nunca modifica a linguagem dos falantes; impressiona-se com a formação da resposta negativa:

“ - Sei não...”

“ -Posso não”

Nesse modo do falar, Euclides descobre energia, altivez, laconismo, indiferença. Aí aparecem o idiomatismo, a língua brasileira, a língua do sertanejo. O que a alguns pareceu ênfase no seu estilo é, isto sim, um deslumbramento. É uma combinação do "vazio vozeante do litoral e do silêncio clamoroso dos sertões”. (Herbert Fortes).

Diz-se da literatura brasileira, inclusive a regionalista que sempre esteve marcada, no que se refere às coisas da terra pela indigência nominativa, à exceção de Guimarães Rosa. Euclides é nominativo, porem preferencialmente para o agressivo, o rude, áspero, o que é desolador no sertão ou esmagador na floresta equatorial. Tem o hábito de catar arqueologismos, é atraído pela paleontologia das palavras, pelo gosto em desenterrá-las e colocá-las em circulação, a paixão da palavra rara, da sinonímia, do eufemismo, do termo identificador, da técnica de jogar as palavras, dos giros fraseológicos, dos recursos estilísticos.

Passemos a abordar mais especificamente esses mesmos recursos na seção da obra, intitulada A Luta.

Considerando o capitulo em seu conjunto, observamos que a primeira subseção se inicia com os verbos em pretérito: mais que perfeito, para os sucessos de um passado longínquo; perfeito para os sucessos nas vésperas do ato de escritura; imperfeito para entranhar o passado no presente:

Quando se tornou urgente pacificar o sertão de Canudos, O governo da Bania estava a braços com outras insurreições. A cidade de Lençóis fora investida por atrevida malta de facínoras, e as suas incursões alastravam-se pelas Lavras Diamantinas; o povoado Brito Mendes caíra às mãos do outros turbulentos; e em Jequié se cometia toda a sorte de atentados. (p.171).

A primeira subseção passa a tomar o verbo no tempo presente quando se põe a descrever o Jagunço em suas condições mesológicas.

A segunda subseção - Causas próximas da luta, Uauá - usa quase com exclusividade o pretérito perfeito, vez que a forma é a narrativa.

A terceira subseção - Preparativos da reação. A guerra das caatingas - retoma o esquema da primeira subseção, no Jogo dos tempos verbais; assume novamente o presente ao mencionar as façanhas do franco-atirador, fazendo nos crer serem essas façanhas habituais.

Por todo o capítulo é freqüente o uso do gerúndio:

...bateram rudemente a região, estacionando largo tempo..p.172

novas paragens opulentas, atraindo-os para o âmago das terras... p.172

uma outra, caracterizando-se, pelo nomadismo desenvolto... p.172

reflui à retaguarda, fugindo ante o deserto ameaçador...(p 191 )

os escombros...avultavam, insulando o arraial...(p. 194 )

O emprego dos sinais de pontuação é peculiar, assim como a partição de frases e até de parágrafos. As frases longas alternam-se com frases curtas, que surgem bruscamente, retomando o, que as antecede, num estilo que Herbert Fortes chamou stacato:

...o arraial na frente, porém não revelava lutadores a postos. Dormia. (p. 182)

...Imaginemos que dentro da arcabouço titânico do vaqueiro estale de súbito a vibratilidade incomparável do bandeirante. Teremos o jagunço. (p. 173 )

Usam-se freqüentemente travessões e reticências, realçando essa forma seca, repentina de partir frases, parágrafos e até capítulos.

A adjetivação é abundante, quase sempre prendendo-se à exatidão na descrição física e, muitas vezes, representada por verbos em formas nominais, sobrepondo ao estado a ação que o criou:

...aquela paragem...opulentada de esplêndidas minas...(p. 171

...o cerne da nossa nacionalidade nascente...(p. 172 )

...na frente, indefinido,...aquele maravilhoso vale...(p. 172 )

Quanto ao léxico, a obra de Euclides da Cunha é um capítulo à parte na literatura nacional por, como já foi dito, reunir terminologia científica, brasileirismos e palavras tidas como pertencentes à linguagem literária; palavras raras arcaísmos e neologismos; metáforas, sucessão de sinônimos e até palavras reunidas por seu valor fonético em aliteraçõe e paronomásias. Alguns temos foram esclarecidos pelo próprio autor em notas de rodapé. Para outros, a maioria dos leitores deverá recorrer a dicionários e/ou enciclopédias. Apresentamos alguns exemplos:

 

Brasileirismos:

... o indumento áspero dos grupiaras...(p. 171 )

_ lugar onde há cascalhos diamantíferos;

...formaram ali os mamalucos...(p. 172 )

_ descendente de brancos e índios;

...as ruínas das malocas...(p. 172 )

_ casa ou habitação rústica de nossos indígenas;

... teremos o jagunço...(p. 173 )

_ matuto valentão, capanga;

... com os pequiás atestados de diamantes...(p. 175 )

_ espécie de cestinho de taquara;

... a soberania da capangagem impune...(p. 175 )

_ guarda costas;

... o cangaceiro da Paraíba e Pernambuco é um produto idêntico ...(p. 175 )

_ derivado de cangaço, complexo de armas que trazem os malfeitores;

... a Parnaíba de lâmina rija e longa ...(p. 175 - aspas do autor )

_ faca longa e estreita;

... um mascate, rengueando ao peso das caixas...(p. 175 )

_ renguear = andar mal;

...piores que os “gerais onde ficam vários”, às vezes os mais atilados pombeiros...(p. 179 - aspas do autor )

_ diz-se do viajante que perde o rumo na uniformidade das chapadas; positivo, camarada; (nota do autor );

... a própria caatinga assume um aspecto novo...(p. 180 )

_ vegetação de arvoretas, mato esbranquiçado;

...a paragem clássica das catanduvas... (p. 180 - grifado pelo autor )

_ cahiva, mato ruim, de caa = mato + ahiva = mau ( nota do autor, citando B. Rohan, Dicionário de vocábulos brasileiros );

... até uma ipueira minúscula ...(p. 180 )

_ pântano que se forma após as cheias por águas não escoadas;

...cem casas mal feitas e tijupares pobres ...(p. 180 )

_ espécie de transição entre maloca e aldeia;

...opulenta capital das “terras grandes ...(p. 180 - aspas do autor )

_ frase vaga com que os matutos designam o litoral que não conhecem ( nota do autor);

...o curiboca audaz que levava ...a grande cruz de madeira...(p. 183 )

_ o mesmo que mamaluco;

...os jagunços revolviam os aiós...(p. 183 )

_ bolsa de caça;

...vira de perto o arrojo dos matutos...(p. 184 )

_ tabaréu, caipira;

...espessos rengues de xiquexiques...(p. 189 )

_ planta cactácea das regiões áridas do nordeste;

...os laços corredios dos quipás reptantes...(p. 184 )

_ planta rasteira e espinhosa;

...acúleos recursos das macambiras...(p. 190 )

_ planta da família das bromélias;

..a cada estalido nas macegas ...(p 191)

_ capim dos campos secos e crescidos;

À p. 192 aparece uma relação de termos da flora regional: umbu, araticum, curicuri, mari, quixabá, juá, caroá etc.

Palavras raras: (por arcaicas, por demasiado técnicas, ou por criação do autor, com ou sem registro em dicionário)

... o trato de território...( 171 )

_ região, espaço de terra, extensão, prolongamento;

...aquela paragem, malsina-a a própria opulência...(p. 171 )

_ delata, denuncia;

...aventureiros ferrotoados pelo anelo...de riquezas... (p. 171 )

_ não consta;

...esquadrinhando afanosamente...(p. 171 )

_ com afã, trabalhosamente;

...afundando os veeiros...(p. 172 )

_ veio, filão de metal na rocha;

...naquele ponto se abeiravam das lindes de Goiás...(p. 172 )

_ limite; estrema, marco, padrão;

...as dádivas jazem em cópia...(p. 174 )

_ grande quantidade, abundância;

...o clavinoteiro entra ali...(p. 174 )

_ bandido armado de clavina; (carabina )

...a arma à bandoleira...(p. 174 )

_ segura por uma correia a tiracolo;

...fizera voltar abortícia...a missão apostólica planeada ...(p. 178 )

_ nascida por aborto; _o mesmo que planeada;

...os homens ajoujados de mochilas...(p. 179 )

_ presos por ajoujos; prisão de animais de dois em dois;

...bivacando duas léguas além de Juazeiro...(p. 179 )

_ bivacar = passar a noite ao ar livre;

...ensarilhadas as armas, a força acantonou...(p. 181 )

_ensarilhar = colocar no chão aos grupos; _ acantonar = alojar-se, aquartelar;

...inscientes da verdade das coisas...dispartindo espavoridos...(p. 181 )

_ ignorante, que não é sabedor; _ ( não consta );

...os flagícios das secas... (p. 182)

_ crime, ação infame, delito grave;

...os vedetas estremunhando...(p. 182 )

_ guarita de sentinela, guarda avançada;

...um companheiro espostejado a faca...(p. 182 )

_ cortado em postas;

...um alferes serôdiamente espertado...(p 183)

_ serôdio = tardio, que veio fora do tempo;

...o jagunço solerte e bravo...(p. 188 )

_ habilidoso, astucioso, finório;

...abrem-se em trilhas multívias...(p. 188 )

_ que tem ou apresenta muitos caminhos;

...a bala passa rechinante...(p. 189)

_ rechinar = ranger, produzir um som áspero;

...acúleos recursos das macambiras...(p. 190 )

_ excreção dura e aguda, espinho;

...golpeados de gilvazes...(p. 190 )

_ golpe no rosto, cicatriz resultante de golpe no rosto;

...o sertão estua nos bochornos dos estios...(p. 190 )

_ deságua; _ vento quente, atmosfera abafadiça; _ verão;

 

Metáforas:

...o governo da Bahia estava a braços com outras insurreições...(p. 171)

...aventureiros ferrotoados pelo anelo de espantosa riqueza...(p. 171 )

...quando se desvendaram as lavras do Rio das Contas...(p. 172 )

...uma ociosidade singular sulcada de tropelias...(p. 172 )

...a situação surgia a talho para a desafronta...(p. 176 )

...bater os insurretos ... e apertá-los ao cabo... (p. 187 )

...soberania apisoada pelos turbulentos impunes...(p. 187 )

 

Antíteses:

...móveis mais insignificantes para sucessos tão graves...(p. 177 )

...pela noite dentro, dispartindo espavoridos, descampados em fora...(p. 181 )

...uma fórmula paradoxal - dividir para fortalecer...(p. 187 )

...o exército sente na própria força a própria fraqueza...(p. 191 )

...o minotauro impotente e possante...(p. 191 )

 

Reiterações:

... aquela paragem ...opulentada de esplêndidas minas, malsina-a a própria opulência...(p. 171 )

...marcos, demarcando-lhe a passagem...(p. 177 )

...o jagunço, saqueador de cidades, sucedeu ao garimpeiro, saqueador da terra...(p. 171 )

 

Recursos fônicos:

...espavorindo a ferro e fogo o selvagem e fundando povoados...(p. 172)

...o mais frágil “positivo” pode atravessar, inerme e indene...(p. 174)

...tudo denuncia que o distrato foi adrede feito ...(p. 176 )

...pela noite dentro, dispartindo espavoridos, descampados em fora...(p. 181 )

...impotentes estadeiam, imprecando, o desapontamento e a raiva...(p. 190 )

...o sertão estua nos bochornos dos estios...(p. 190 )

Da palavra Canudos dá-nos, ainda, ciência Paulo Dantas, explicando-a como termo do geologia - estrato truncado - e relacionando esse truncamento geológico ao truncamento psicológico abordado na obra.

Trabalhar todo o vocabulário característico cm Os Sertões seria quase recopiar o livro inteiro. Escolhemos, aqui, somente alguns exemplos. As definições apresentadas foram extraídas do dicionário Caldas Aulete, à exceção daquelas fornecidas pelo próprio autor.

 

CONCLUSÃO

Euclides da Cunha foi um homem do seu tempo. A ciência do seu tempo era racista. Daí seu erro de considerar inferior gente que só era social e economicamente inferiorizada. Passa por cima de todo o legado cultural que o índio nos deixou, não diz urna palavra sobre o etnocídio praticado pelos colonizadores. Demorou-se mais no negro, não o vendo como escravo e sim como agente de degradação antropológica. Não considerou a obra sinistra de três séculos de escravidão, espoliando e assassinando o negro. Imbuído de antropogeografia, de psiquiatria social, ficou nas concausas da tragédia de Canudos, cego para suas causas econômicas.

Canudo e os canudenses não entregaram a chave de sua decifração aos métodos utilizados pelo autor que o levaram às grandes simplificações teóricas, subterrâneas à enorme complexidade estrutural e estilística da obra. Feito o balanço, resta-nos o depoimento exaustivo, o testemunho concludente e honesto. Foi o drama de uma gente cuja culpa baseava-se num regime feudal1 a que estava ligada há' séculos. Foi uma rebelião camponesa, uma luta de classes de oprimidos contra opressores. Os opressores, entretanto, não eram aqueles soldados que arrasaram o formidável reduto.

"E foi, na significação integral da palavra, um crime.

Denunciêmo-lo. (p.4)

 

BIBLIOGRAFIA

COUTINHO Afrânio do Santos. Euclides, Capistrano e Araripe. Rio : Ed. Ouro, 1967.

CUNHA, Euclydes da. Os sertões. Rio: Francisco Alves, 1923. (Ed Universidade de Brasília, 1963; Rio : Francisco Alves, 1968 e 1979).

DANTAS, Paulo. Os sertões de Euclides e outros sertões. S. Paulo : Conselho Estadual de Cultura, [s. d.].

FORTES, Herbert Parentes. Euclydes, a espada e a letra. Rio : Paz e Terra, 1983.

PINTO, Pedro A. Brasileirismos e supostos brasileirismos. Rio : Tip. S. Benedito, 1931.

ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Rio : J. Olympio, 1960.