PALAVRAS DERIVADAS NO LÉXICO MENTAL
ABORDAGENS GERATIVAS E PSICOLINGÜÍSTICAS

Antonio Sergio Cavalcante da Cunha (UERJ)

A proposta de nosso trabalho foi mostrar a viabilidade de um diálogo entre a Teoria Morfológica de base gerativa e a Psicolingüística Experimental, por meio da utilização de um experimento psicolingüístico para a avaliação de diferentes modelos gerativos de representação lexical.

Dentro da teoria lexical de base gerativa, há modelos que consideram o léxico como tendo uma estrutura e, portanto, como objeto de estudo da gramática. Caberia, então, ao lingüista mostrar como o léxico está estruturado.. Entre esses modelos, os mais significativos são os de Jackendoff (1975), Aronoff (1976) e Basílio (1980, 1987, 1990).

No modelo de Jackendoff, o autor procedeu a um estudo das nominalizações deverbais em inglês e estendeu às conclusões às demais relações lexicais. Jackendoff defendeu a Teoria da Entrada Lexical Plena, sugerindo que, nos pares verbo/forma nominalizada deverbal, cada elemento correspondesse a uma entrada separada no léxico. No entanto, essas entradas estariam relacionadas por meio de Regras de Redundância (RR), que expressariam as regularidades fonológicas, sintáticas e semânticas existentes entre os itens lexicais em questão. Segundo o autor, uma vez que uma regra de redundância é apreendida, torna-se mais fácil aprender novos itens lexicais formados a partir da mesma relação de redundância.

Aronoff (1976) apresenta um modelo voltado para o problema da produtividade lexical e, neste aspecto, difere de Jackendoff, que dá ênfase às relações que o falante estabelece entre os itens lexicais. Para Aronoff, quanto mais regulares os produtos de um Regra de Formação de Palavras (RFP), maior sua produtividade. Como exemplo, compara as formas nominalizadas deadjetivais em inglês formadas com os sufixos -ness e -ity, apontando que, enquanto o acréscimo de -ness não produz qualquer alteração fonológica nas bases, o mesmo não ocorre com o acréscimo de -ity. Além disso, as formas X-ness são semanticamente previsíveis, isto é, têm os significados previstos na RFP, enquanto as formas X-ity podem assumir significados idiossincráticos ou perder um ou outro significado previsto na RFP. Assim, para o autor, a regra de formação de substantivos deadjetivais em -ness é mais produtiva do que a que forma a mesma classe de palavras em -ity.

Aronoff propõe, também, que, diante da total regularidade das formas X-ness, estas não precisariam estar listadas no léxico, pois podem ser geradas por regra, ao passo que as formas X-ity, por não serem inteiramente regulares têm de estar listadas no léxico. Mais uma vez, a proposta de Aronoff difere da de Jackendoff, pois para este todas as formas derivadas devem estar listadas, porém relacionadas por meio de Regras de Redundância.

Outra proposta importante de Aronoff é de uma morfologia baseada em palavras, pois, segundo ele, as RFPs só operam sobre bases que são formas livres na língua e que por isso têm o seu significado conhecido pelos falantes.

A proposta de Basílio é uma das mais interessantes, pois, além de trabalhar com dados do português, faz uma série de revisões nas propostas de Jackendoff e Aronoff. Para a autora, a competência lexical de um falante nativo consiste de uma lista de entradas lexicais. Porém, o falante nativo é, também, capaz de formar novos itens lexicais, analisar a estrutura de elementos pertencentes à lista de entradas e compreender itens lexicais novos. Ou seja, a competência lexical é, também, constituída de um conjunto de regras que permite ao falante nativo formar novos itens, analisar a estrutura dos já existentes e dos novos itens que, porventura, ele encontre. O falante chega a esse conjunto de regras a partir das relações que estabelece entre os itens pertencentes à lista de entradas lexicais.

Outra proposta importante da autora é a da separação entre Regras de Formação de Palavras (RFP) e Regras de Análise Estrutural (RAE). Essa distinção permite tratar tanto das criações novas quanto das formações fossilizadas no léxico, ao invés de assumir, como Jackendoff e Aronoff, um modelo em que as duas regras estão equacionadas em Regras de Redundância (em Jackendoff) e Regras de Formação de palavras, em Aronoff.

Para Basílio, todas as RFPs têm sua contrapartida de análise estrutural, pois, se uma regra é produtiva, isso significa que os falantes nativos reconhecem as redundâncias a ponto de utilizá-las na formação de novos itens lexicais. No entanto, a recíproca não é verdadeira, pois o falante pode analisar formas da língua sem, contudo, utilizar-se de uma RFP semelhante para produzir novos itens. Neste sentido, a autora conseguiu abarcar os dois lados da competência lexical do falante nativo: o lado da produção de novos itens e o da interpretação de formas já existentes, por meio de dois mecanismos distintos, porém interligados: as RFPs e as RAEs

Basílio discorda de Aronoff quanto a uma morfologia derivacional baseada exclusivamente em palavras e apresenta dados do português que comprovam a formação de palavras a partir de radicais presos como no caso de sociologia/sociológico, biologia/biológico, que provêm dos radicais presos sociolog- e biolog-. A autora argumenta que, na morfologia derivacional, em virtude da semi-sistematicidade dos paradigmas e da semiprodutividade das regras, estas operam principalmente sobre radicais livres, pois estes têm intrinsecamente condições perfeitas de isolabilidade. No entanto, os exemplos supracitados mostram que as regras também podem operar sobre formas presas, embora em menor escala, desde que os paradigmas lexicais correspondentes forneçam condições suficientes de isolabilidade, como é o caso dos exemplos citados pela autora.

Em pólo oposto às propostas até aqui apresentadas, que vêem o léxico como tendo uma estrutura, está a proposta de Di Sciullo e Williams (1987), uma das mais aceitas na teoria gerativa atual. Para esses autores, o léxico é um conjunto de listemas que contém uma série de elementos heterogêneos; todos esses elementos fazem parte do léxico porque não estão de acordo com as leis e regras da gramática. O léxico é, segundo Di Sciullo e Williams, “como uma prisão, só contém os fora-da-lei e a única característica que os elementos do léxico têm em comum é o fato de todos serem fora-da-lei”. O léxico não tem estrutura, portanto, não é relevante para a gramática. Somente as formas derivadas plenamente regulares (fonológica e semanticamente) interessariam à gramática.

Essa postura é uma retomada da Teoria Padrão de Chomsky (1965), segundo a qual o léxico é uma lista não-ordenada de entradas e, de certa forma, também é uma radicalização da proposta de Aronoff, segundo a qual as formas plenamente regulares não precisam estar listadas no léxico, pois podem ser geradas por regras. No entanto, para Aronoff, é possível estabelecer relações dentro do léxico: as formas X-ity, embora todas listadas no léxico, mantêm entre si relações morfológicas, sintáticas e semânticas, expressas por meio de uma RFP, enquanto para Di Sciullo e Williams, não é possível estabelecer relações entre tais formas.

Quanto à teoria Psicolingüística, podemos dizer que sua aproximação em relação à Morfologia Gerativa é recente. Durante muito tempo, a discussão teórica em abordagens gerativas sobre o léxico e a investigação psicolingüística sobre processamento e representação lexical seguiram caminhos distintos e virtualmente incomunicáveis. A teoria psicolingüística que, nos anos 1960, mantivera estreita aproximação com a Sintaxe Gerativa, adotando, embora com uma visão própria as noções chomskyanas de Estrutura Profunda e Estrutura de Superfície, afastou-se da teoria lingüística a partir de 1970, aproximando-se mais, nessa época, da corrente central da psicologia Cognitiva e da Inteligência Artificial, de modo que as questões colocadas pela Morfologia Gerativa foram praticamente deixadas de lado, o que é explicado pelo fato de que os primeiros modelos de estruturação do léxico dentro de uma abordagem gerativa datam do período de afastamento entre ambas as áreas.

Ilustra esse afastamento o grande interesse desenvolvido pela teoria psicolingüística, nas décadas de 1970 e 1980, pelas questões relativas ao acesso lexical, isto é, questões sobre como os estímulos são processados e representados nos módulos de acesso visual e auditivo. Em contrapartida, quase nada se produziu, em Psicolingüística Experimental, que procurasse investigar a compatibilidade entre as proposições sobre acesso e as concernentes às representações no léxico central e à organização dessas representações centrais.

Em outras palavras, aceitando-se a distinção feita pela teoria psicolingüística entre léxicos de acesso (visual e auditivo), onde estão representadas particularidades acerca da ortografia e pronúncia dos itens lexicais, e léxico central, onde estão representações independentes da modalidade pela qual o item lexical é percebido, assim como atributos sintáticos e semânticos dos itens lexicais, podemos observar que, durante o período de afastamento, a pesquisa psicolingüística concentrou-se na investigação das representações de acesso sem dar a mesma importância às questões relativas à organização das representações no léxico central.

O trabalho de Tyler, Waksler e Marslen-Wilson (1993) foi um dos primeiros a retomar as investigações relativas às representações centrais (entradas lexicais).

Os autores realizaram três experimentos de priming morfológico bimodal, em que pares de palavras eram apresentadas, a primeira palavra sempre apresentada oralmente e a segunda, por escrito, na tela do computador. Nesse tipo de experimento, parte-se do pressuposto de que o resíduo do primeiro elemento do par, mantido na memória de trabalho, assim como as representações mentais por ele ativadas, podem facilitar a percepção e processamento do segundo elemento do par. Esse efeito é tomado como indicador do tipo de informação mantida a curto prazo na memória e das conexões que podem ser estabelecidas entre representações mentais numa tarefa de processamento. A explicação para a utilização de uma tarefa bimodal é a de que, como os elementos do par são apresentados de forma distinta (o primeiro, oralmente e o segundo, visualmente, a tarefa não é sensível a coincidências puramente fonológicas ou ortográficas entre os membros do par, prestando-se, assim, à investigação de aspectos relativos às representações centrais, independentes de modalidade.

As relações entre os itens dos pares eram de distintas naturezas: pares em que os itens lexicais mantinham relação morfológica de derivação, transparência semântica e total transparência fonológica (friendly/friend); pares em que os elementos mantinham relação morfológica de derivação, transparência semântica, mas certa opacidade fonológica (serenity/serene); pares em que havia relação morfológica de derivação, transparência fonológica no derivado, porém opacidade semântica (department/depart); pares sem relação morfo-semântica, mas com grande semelhança fonológica (tinsel/tin); pares em que tanto a primeira palavra quanto a segunda eram derivados semanticamente transparentes de um mesmo item lexical (confessor/confession). Foram testadas, também condições em que os elementos do par eram invertidos, isto é, a primeira palavra (antecessora) era primitiva e a segunda (palavra-alvo) era derivada.

Foi utilizada tarefa de decisão lexical, pois os participantes do experimento teriam que dizer se o segundo elemento era ou não palavra da língua no menor tempo e com a maior precisão possíveis. Para caracterizar a tarefa como de decisão lexical, foram utilizados pares de palavras em que a palavra-alvo (segundo elemento) não pertencia à língua. Porém, em tais casos, o tempo de reação não era computado.

Os resultados revelaram a importância do fator relação morfológica/transparência semântica. Houve significativos efeitos de facilitação no reconhecimento do segundo elemento quando havia um relação morfológica entre os itens do par e a palavra derivada era semanticamente transparente, isto é, seu significado era a soma do significado de sua base mais o de seu sufixo. Isso ocorreu mesmo nos casos em que havia uma certa opacidade fonológica (serenenity/serene), tanto nas condições em que a palavra-alvo era a base quanto naquelas em que era a antecessora. No entanto, no caso de department, na qual existe relação morfológica de derivação e transparência fonológica, o efeito de facilitação foi reduzido. Nos pares em que há apenas semelhança fonológica, mas não há relação morfológica/semântica (tinsel/tin), o efeito de facilitação foi insignificante. Entretanto, o efeito de facilitação também foi pequeno nos casos em que os dois elementos são derivados semanticamente transparentes da mesma base (confession/confessor)

Em vista desses resultados, os autores propuseram um modelo de organização do léxico central em que apenas as bases estariam representadas. Não haveria necessidade para a representação integral das palavras derivadas semanticamente transparentes, mesmo que não fossem fonologicamente transparentes. Mas no caso de department, que não é semanticamente transparente, haveria uma representação integral para esse item, uma vez que o reduzido efeito de facilitação mostra que o falante não o associa mais à sua base depart. A explicação dada para o reduzido efeito de facilitação entre derivados da mesma base (confessor/confession) é a de que a base, representada no léxico, estaria ligada aos sufixos que formam esses derivados e esses sufixos inibir-se-iam mutuamente.

No entanto, seria, também, possível, assumindo-se um modelo não-decomposicional, explicar os resultados obtidos. É viável admitir que as entradas lexicais estariam todas representadas integralmente no léxico central e interconectadas por meio de uma série de ligações morfológicas. Assim, a entrada lexical de um item derivado estaria representada integralmente e conectada à representação integral de sua base. Depois do reconhecimento do input, nos quais os itens lexicais são processados integralmente, cada derivado sufixal, semanticamente transparente, ativaria sua entrada lexical correspondente, o que, por sua vez, ativaria também a entrada lexical de sua base. A ativação desta seria causada pela ativação que se estende ao longo da conexão entre a entrada lexical do derivado e a da base.

Também não é necessário assumir inibição da ligação entre a base e os sufixos para explicar o pequeno efeito de facilitação obtido entre derivados da mesma base. Pode-se argumentar que as duas formas derivadas estão representadas integralmente e conectadas à sua base comum, porém não conectadas entre si. Assim, havendo ativação de um dos derivados, essa ativação passaria, em grande parte, para a base, mas o nível de ativação que chegaria ao outro derivado seria relativamente pequeno em virtude do fato de que eles não estão conectados entre si.

Além disso, os experimentos feitos por Tyler et alii usaram apenas derivados sufixais que contêm apenas um sufixo. Não foram feitos experimentos para verificar a existência de efeito de facilitação entre um derivado com dois sufixos semanticamente transparente (governmental) e sua base, também derivado sufixal com um sufixo, semanticamente transparente (government), (derivado de govern). Se um experimento desse tipo revelar efeito de facilitação entre tais itens lexicais, isso indicaria que ambos teriam de estar representados no léxico, mesmo a base government, o que prejudicaria a proposta feita por Tyler, Waksler e Marslen-Wilson no que diz respeito à representação apenas das bases primitivas.

Nosso experimento procurou replicar em parte os feitos por Tyler et alii, trabalhando, no entanto, apenas com formas nominalizadas como palavras-alvo. A razão para a escolha das formas nominalizadas está na significativa produtividade da nominalização, o que a aproxima da flexão. Por isso, evitamos utilizar, em nosso experimento, distintas relações lexicais, ao contrário do que fizeram Tyler, Waksler e Marslen-Wilson, evitando, assim, as diferenças no nível de produtividade das relações lexicais.

Em nosso experimento, feito apenas com alunos que estavam cursando a universidade (PUC e UFRJ), utilizamos dois tipos de tarefa: uma monomodal, em que os dois elementos do par foram apresentados visualmente, e outra bimodal, conforme proposto nos experimentos de Tyler et alii. Na tarefa monomodal, pretendemos examinar as questões relativas ao acesso lexical, admitindo a existência de léxicos de entrada dependentes da modalidade. Na tarefa bimodal, o objetivo foi o de verificar os fatores que influem na configuração do léxico central, independente da modalidade pela qual os estímulos são percebidos.

Em ambas as modalidades, utilizou-se tarefa de decisão lexical, isto é, o participante teria de decidir se o segundo elemento do par era ou não uma palavra da língua portuguesa. Para isso, foram criados pares de enchimento nos quais o segundo elemento poderia ser uma não-palavra. O tempo de reação ao segundo elemento dos pares de enchimento não foi considerado.

Os pares experimentais foram divididos em quatro condições com seis pares cada, decorrentes da manipulação das seguintes variáveis:

-relação morfo-semântica: o segundo elemento do par (forma nominalizada) é ou não derivado do primeiro e, conseqüentemente, é ou não semanticamente transparente;

-transparência fonológica: o segundo elemento do par (forma nominalizada) é ou não fonologicamente relacionado com o primeiro.

As quatro condições experimentais obtidas com a manipulação dessas variáveis são: Condição 1 (+F/+M) (cruel/crueldade); Condição 2 (+F/-M) (sola/solidez); Condição 3 (-F/+M) (conter/contenção); Condição 4 (-F/-M) (colina/covardia).

A hipótese a ser testada é a de que a estruturação morfo-semântica é um fator relevante na organização do léxico mental. Essa hipótese faz prever que o tempo de decisão lexical para itens lexicais morfológica e semanticamente relacionados (condições +M) deverá ser significativamente menor do que o tempo de decisão lexical para os itens nos quais não haja relação morfo-semântica (-M).

Os resultados na tarefa monomodal (em mseg) foram os seguintes: Condição 1: 798,01; Condição 2: 939,13; Condição 3: 821,14; Condição 4: 949,77. O dados foram submetidos a uma análise da variância por meio do programa estatístico BMDP-Classic em que relação morfológica e transparência fonológica foram tomadas como medidas repetidas. Foi encontrado efeito principal da variável relação morfo-semântica, o que demonstrou que o fator relevante no reconhecimento dos derivados nessa primeira tarefa foi a relação morfo-semântica entre os elementos do par, o que sustenta nossa hipótese. Nas condições +M, o tempo médio foi de 809,58 mseg, enquanto, nas -M, foi de 944,45 mseg, diferença de 134,87 mseg.

Na tarefa bimodal, os resultados (em mseg) foram os seguintes: Condição 1: 773,51; Condição 2: 926,24; Condição 3: 847,35; Condição 4: 966,24. Submetidos a uma análise da variância com medidas repetidas, obteve-se, mais uma vez, efeito significativo da variável relação morfo-semântica. Nas condições +M, o tempo médio foi de 810,43 mseg, enquanto, nas condições -M, foi de 946,24, diferença de 135,81 mseg. No entanto, os resultados estatísticos mostraram, também, nesta tarefa, efeito da variável transparência fonológica.

Os resultados comparativos das duas tarefas foram submetidos a uma análise da variância 2 (relação morfológica) x 2 (transparência fonológica) x 2 (tarefa), em que os dois primeiros fatores são medidas repetidas e tarefa é um fator grupal. O teste comparativo mostrou, mais uma vez, forte efeito da relação morfo-semântica. A diferença entre as médias das condições +M (809,95 mseg) e -M (945,23 mseg) foi de 135,28 mseg. Mas também foi detectado efeito do fator transparência fonológica. A diferença entre as condições +F (860,39 mseg) e -F (894,79 mseg) foi de 34,40 mseg..

Assim, os resultados dos experimentos sustentam a idéia de que a relação morfo-semântica é fator extremamente significativo na organização do léxico, em conformidade com a hipótese de trabalho.

Uma explicação possível para a presença do efeito de transparência fonológica nos resultados da tarefa bimodal e da tarefa comparativa, o que diverge dos resultados obtidos por Tyler et alii, pode estar no fato de que, como no português, a divisão silábica é muito mais nítida do que no inglês, qualquer diminuição da transparência fonológica, mesmo quando há relação morfo-semântica entre os itens do par, poderá reduzir o efeito de facilitação no reconhecimento do derivado como segundo elemento do par. No entanto, essa redução, não impediu que, havendo relação morfo-semântica entre os elementos do par, o reconhecimento do segundo elemento (palavra-alvo) seja significativamente facilitado pela apresentação anterior de sua base.

Uma solução possível para o problema da interferência do fator transparência fonológica em nossa tarefa bimodal e na análise grupal estaria na realização de novo experimento em que o fator falta de transparência fonológica seria radicalizado na condição 3 (em que os elementos do par mantêm relação morfo-semântica), utilizando-se pares como romper/ruptura. Assim, poder-se-ia distinguir, com maior precisão, a questão da ausência de transparência fonológica da condição 3 em relação à presença de transparência fonológica nos pares da condição 2 (+F/-M).

Como conclusões gerais, pudemos verificar, em nossos experimentos, que o fator regularidade morfo-semântica foi decisivo nos tempos de reação, resultado difícil de acomodar as proposições de Di Sciullo e Williams, para quem o léxico não tem qualquer estrutura. Mais especificamente, nossos resultados mostram que a redução da transparência fonológica dos elementos alvo da condição 3 deveria colocá-los, de acordo com Di Sciullo e Williams, obrigatoriamente no léxico; e, no entanto, o tempo de reação dos participantes nessa condição, em oposição às condições em que não há relação morfo-semântica, coloca esses dados muito mais próximos dos elementos transparentes da condição 1, candidatos a objetos morfológicos, de interesse da Gramática.

Esses resultados constituem apenas uma instância preliminar; os próximos passos serão a testagem de condições com uma ruptura mais radical na transparência fonológica dos itens morfológica e semanticamente relacionados a suas bases, conforme já sugerido; condições com correspondência semântica, mas não morfológica; e a testagem de condições em que tenhamos formações com duas camadas de derivação, o que buscaria dar uma resposta para o problema da representação de base vocabular ou de base morfêmica, esta última proposta por Tyler, Waksler e Marslen-Wilson (1993), questão que se caracteriza por ser uma antiga controvérsia na teoria morfológica, envolvendo possibilidades nem sempre levadas em conta em experimentos psicolingüísticos.

Assim, apesar do caráter apenas inicial de nosso trabalho, esperamos ter demonstrado a relevância e caráter promissor do diálogo entre propostas gerativas e abordagens psicolingüísticas sobre o papel das estruturas morfológicas na organização do léxico mental.

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