UM ESTUDO SOBRE A PRODUTIVIDADE DOS SUFIXOS AUMENTATIVOS

Patrícia Botelho Santos

1- Introdução

No uso efetivo da língua, as formas sintéticas de indicação de grau são normalmente usadas para conferir valores afetivos ou depreciativos aos seus nomeados pelos substantivos. Observe formas como amigão, partidão, bandidaço, mulheraço; livrinho, ladrãozinho, rapazola, futebolzinho - em todas elas, o que interessa é transmitir dados como carinho, admiração, ironia ou desprezo, e não noções ligadas ao tamanho físico dos seres.

Este estudo encontrou motivação a partir da leitura da dissertação de mestrado de ROSA (1982). Neste estudo, ROSA fez uma análise sobre os aumentativos formados por derivação sufixal com o objetivo de testar a produtividade de dez sufixos, e ainda, qual dentre eles entrariam na formação de novas palavras. Os sufixos analisados foram: -oila, -ola, -orro, -orra, -arrão, -eirão, -alhão, -az, -aço e -ão.

O presente trabalho tem por objetivo ratificar, após vinte anos, a produtividade dos dez sufixos aumentativos, estudados por ROSA (1982). Além disso, verificar se esses dez sufixos são realmente interpretados pelos falantes como aumentativo, e ainda, se eles entram na formação de novas palavras.

2 - Desenvolvimento

2.1 - Fundamentação teórica e metodológica

O objetivo principal deste estudo é comprovar se os sufixos -oila, -ola, -orro, -orra, -arrão, -eirão, -alhão, -az, -aço, -ão, são realmente interpretados como aumentativos e ainda, qual dentre eles entram na formação de novas palavras. Tal proposta de análise está vinculada aos estudos de BASÍLIO (1980) e ARONOFF (1976). Os autores tentam compreender e explicar a competência linguística de um falante-nativo em relação ao léxico e deste modo, enfatizam a produtividade.

A fim de verificar a análise da estrutura de palavras e a produção de novas palavras no léxico, BASÍLIO propõe um modelo em que as regras produtivas de formação de palavras (REPs) são distintas das regras que analisam a estrutura interna das palavras (RAEs). O presente estudo se utilizará de tais regras tal como formuladas por BASÍLIO:

O termo ‘a regra de análise estrutural se refere a regras que analisam a estrutura de palavras morfologicamente complexas e o termo, ’regras de formação de palavras se refere a regras que formam palavras novas na língua”. As RFPs podem sempre ser usadas pelos falantes como RAE, deste modo, aquelas apresentam obrigatoriamente contra-partes de análise estrutural. “As RAEs, ao contrário, podem existir isoladamente na gramática, porque, embora indiquem que determinadas redundâncias são passíveis de reconhecimento, isto não implica, necessariamente, que tais redundâncias entrem na criação de novos vocábulos.

O corpus foi organizado através de uma testagem informal. Entrevistamos seis adultos, todos de nível universitário e faixa etária (26 a 60 anos). A amostra se encontra distribuída igualmente de acordo com a variável social sexo. Os testes foram idênticos aos utilizados por ROSA, uma vez que o presente estudo pretende verificar a produtividade de tais sufixos aumentativos após vinte anos.

Nos testes de 1 a 5, os vocábulos encontram-se fora de contexto, pois o objetivo era saber se os falantes reconheciam-nos como aumentativo.

Por outro lado, o teste 6 foi colocado em frases, porque o objetivo no item 6 era testar se havia ou não diferenciação de significado entre os sufixos -ão e -aço.

Segundo ROSA (1982), os testes de reconhecimento de redundâncias morfológicas (de 1 a 5) consistiram na apresentação de aumentativos precedidos da pergunta “O que você acha que essas palavras significam?” As respostas foram divididas em quatro grupos: a) acerto, quando base e sufixo eram reconhecidos; b) sufixo, quando era percebido o significado aumentativo, embora não se percebesse o significado integral do vocábulo; c) base, quando o informante conseguia isolar a base, mas não percebia o significado; d) erro, quando o sufixo e a base não eram reconhecidos.

2.2 - Análise dos sufixos

Iniciaremos a análise dos sufixos aumentativos anteriormente citados: -orro, -orra -oila, -ola,, -arrão, -eirão, -alhão, -az, -aço e -ão. Identificaremos qual dentre eles são reconhecidos como aumentativos e quais os que podem ser empregados na formação de novos itens lexicais. Os sufixos estão divididos em grupos do seguinte modo: 1) -ola e -oila; 2) -orro e -orra; 3) -arrão; 4) -eirão, -alhão, -aço e -az.

2.2.1 - Os sufixos -ola e -oila

Os testes demonstram que os informantes não conseguiam verificar nos sufixos -oila , -ola o significado aumentativo; no entanto, a base era reconhecida, por alguns nos vocábulos ‘passarola’, ‘patoila’. Apenas um informante identificou ‘pratola’ como sendo um ‘prato grande’.

Os sufixos -oila e -ola em alguns exemplos forma identificados com significado diminutivo. Isso se deve talvez a identificação fonética com os vocábulos: moçoila - ‘mocinha’, rapazola - ‘rapaz pequeno’. Assim, ratifica-se o que ROSA (1982) já havia dito em relação a tais sufixos.

Seguem-se abaixo as respostas dos informantes em (1):

(1) a - passarola ‘pássaro pequeno’

‘algo que vem de pássaro’

‘pássaro mãe, redondo’

‘passagem’

b - façoila ‘muito fácil’

‘não identifica nada’

‘algo ligado à moçoila’

c - pratola ‘algo de prato’

‘prato grande’

‘não identifica nada’

d - patoila ‘algo de pato’

‘patotinha’

‘não reconhece’

Percebe-se que parte dessas respostas são idênticas as de ROSA (1982) . Assim, constata-se que , após vinte anos, o comportamento desses sufixos não se alterou.

Dessa forma, a não identificação da forma fonética dos sufixos e da base acarreta análises totalmente erradas, como nos exemplos acima em (1).

Portanto, não podemos falar em redundância com relação aos sufixos -oila e -ola. Com isso, não é certo continuarmos a considerá-los como aumentativo. Assim, esses sufixos não são produtivos, pois os falantes não utilizam-nos para a criação de novos vocábulos.

2.2.2 - Os sufixos -orro e -orra

De acordo com as gramáticas -orra e -orra indicam sufixos aumentativos de valor depreciativo.

Os testes comprovam que os falantes nativos não têm tanta dificuldade de isolar a base e o sufixo, porém não se atribui significado aumentativo-pejorativo. Veja algumas das respostas abaixo em (2), também apresentam algumas respostas idênticas as de ROSA (1982).

(2) a - gatorro ‘diminutivo de gato’

‘mistura de gato com cachorro’

‘gato’

‘gato grande’

b - manzarra ‘mão grande’

‘não reconhece’

‘mão’

c - beatorro ‘beato’

‘não imagina’

d - livrorro ‘livro de pouca qualidade’

‘livro grande’

‘algo de livro’

e - casorra ‘casa pequena de pouco conforto’

‘casa grande’

f - cabeçorra ‘cabeça’

‘cabeça grande’

Ratificamos que as formas novas criadas para a testagem não expressam apenas valor de aumentativo: podem em alguns casos apresentar outra análise semântica. Em vista disso, os sufixos -orro e -orra não atribuem aos vocábulos apenas valor de tamanho grande, logo, falantes nativos não utilizarão tais sufixos na formação de novos aumentativos.

2.2.3 - O sufixo -arrão

Nota-se que não há dificuldade para o reconhecimento da base e seu significado é facilmente identificado. As palavras novas criadas por ROSA (1982) não sofreram problemas de análise, por exemplo: caparrão, saparrão, assim como os outros itens pertencentes ao léxico, todas interpretadas semanticamente no aumentativo. Entretanto, as formas novas mostraram-se estranhas aos informantes.

Portanto, o sufixo -arrão entra nas RAEs, no entanto, não nas RFPs, pois tal sufixo não é utilizado pelos falantes para a criação de novos vocábulos aumentativos. Esta conclusão, entretanto, não é definitiva, uma vez que a não aceitabilidade de formas novas poderia ser por outros motivos não detectados no corpus.

2.2.4 - Os sufixos -eirão, -alhão e -az

As gramaticais tradicionais exibem -eirão, -alhão como formas variantes do sufixo -ão. O sufixo -az apresenta valor depreciativo juntamente com as formas -ão e -aço, sendo os três últimos sufixos aumentativos mais comuns.

O resultado mostrou que os sufixos -eirão e -alhão atribuem significação aumentativa, embora haja certa dificuldade por parte do falante no isolamento da base. Seguem-se abaixo alguns exemplos das respostas dadas:

(3) a - chapeirão ‘chapéu grande’

‘chapéu’

‘chapa grande’

‘não reconheci’

b - parvoeirão ‘muito tolo’

‘palavra estranha

c - espadalhão ‘espada grande’

‘idéia de grande’

‘espada’

‘palavra estranha’

d - capeirão ‘capa grande’

‘idéia de grande’

‘palavra esquisita’

Os testes não evidenciaram o reconhecimento por parte dos informantes do sufixo -az, todas as palavras criadas eram estranhas. Apenas houve a identificação correta do item lobaz, como sendo um lobo grande, esse vocábulo já faz parte do léxico. Ratificamos que não se conseguiu isolar a base, assim não foi possível o uso das RAEs nem das RFPs e o sufixo -az não possui condições para ser produtivo.

Já os vocábulos formados pelos sufixos -eirão e -alhão em formas forjadas, apresentam um determinado número de acerto na identificação do sufixo; porém não podemos afirmar que tais sufixos entram nas RAEs. Conseqüentemente também não deverá utilizar as RFPs, logo esses sufixos não propiciam a formação de novos termos na língua.

2.2.5 - Os sufixos -aço e -ão

As gramáticas costumam atribuir ao sufixo -aço um valor aumentativo-pejorativo. Já o sufixo -ão forma aumentativo por excelência. Os testes com tais sufixos apresentam os vocábulos dentro de um determinado contexto lingüístico, visando a corroborar se há ou não diferenciação de significado entre tais terminações.

O resultado evidenciou que os informantes não tiveram dificuldade em analisar estruturas x -aço. A noção de aumentativo-pejorativo praticamente se perdeu. Entretanto esses vocábulos apresentaram-se como possuidores de qualidade acima do normal, independentemente da dimensão que possam ter. Com isso, as estruturas x -aço e x -ão apesar de terem a mesma base, não serão necessariamente sinônimos. Por exemplo: um goleirão, seria um ‘goleiro grande’ , já um goleiraço, seria um ‘bom goleiro’.

Em relação à produtividade, o item -aço surge em novas palavras predominantemente no discurso informal, sendo utilizadas em programas de televisão e rádio direcionados ao público jovem, como por exemplo: musicaço, rockaço. Essas palavras convivem ao lado de outras que já foram incorporadas ao léxico como mulheraço, filmaço, golaço.

Como conclusão, o sufixo -aço apresenta um processo de mudança semântica, à medida que perde o seu significado pejorativo e adquire um valor intensificador. A testagem constatou alteração no grau de produtividade, porque aparece em construções novas, com maior freqüência.

No que diz respeito a estrutura x -ão, são sempre aceitas e interpretadas como aumentativo, sejam formas novas criadas para a testagem ou não.

Sendo assim, propomos RFPs para os sufixos -ão e -aço, porque tais itens são utilizados pelos informantes para a criação de novos vocábulos. Em virtude disso, propomos também RAEs para tais sufixos, pois, conforme já foi dito anteriormente, se os falantes produzem palavras com determinada estrutura, conseqüentemente serão capazes de analisar vocábulos formados com essa estrutura.

3 - Considerações Finais

A análise ratificou que dos sufixos apontados como aumentativos (-oila, -ola, -orro, -orra, -arrão, -eirão, -alhão, -az, -aço e -ão), apenas -aço e -ão entram na formação de novas palavras. Verificou-se ainda que os sufixos x -arrão, , x -aço e x -ão entram na RAEs.

Deste modo, tem-se para o aumentativo em português as seguintes regras:

1ª RAEs:

[ [X] N arrão ] N

aumentativo

[ [X] N aço ] N

aumentativo

[ [X] N ão ] N

aumentativo

Tal regra indica que os falantes podem reconhecer nomes aumentativos, formados a partir de bases nominais com os sufixos -arrão, -aço e -ão. No entanto, como somente os sufixos -aço e -ão são produtivos no português é necessário formular também as RFPs:

2a. RFPs:

[X] [ [X] N ão ] N

aumentativo

[X] [ [X] N aço ] N aumentativo

A regra acima significa que um nome existente pode servir de base a um aumentativo pelo acréscimo dos sufixos -ão e -aço. O item -aço existe como formador de novas palavras na gramática de falantes jovens.

Este estudo mostra também que as gramáticas tradicionais não levam em conta as mudanças lingüísticas, apresentando desse modo, uma relação desatualizada dos sufixos aumentativos em português. Em geral, essas gramáticas não mencionam sequer a não produtividade de tais sufixos.

4 - Bibliografia

ALI, M. Said . Gramática secundária da língua portugues. São Paulo : Melhoramentos, 1964.

ARONOFF, Mark. Word formation in genarative grammar. Cambridge, Mass : The MIT Press, 1976.

BASÍLIO, Margarida Maria de Paula. Estruturas lexicais do português: uma abordagem gerativa. Petrópolis : Vozes, 1980.

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 15ª edição, São Paulo : Cia. Ed. Nacional, 1969.

CUNHA, Celso & LINDLEY Cintra. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro : Nova Fronteira , 1985.

LEITÃO, Ricardo Luiz et alii. Gramática Crítica. O culto e o coloquial no português brasileiro. Rio de Janeiro : Oficina do autor, 1998.

LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro : José Olympio, 1983.

ROSA, Maria Carlota Amaral Paixão. Formação de nomes aumentativos: um estudo da produtividade de alguns sufixos portugueses. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1982.