BREVES CONSIDERAÇÕES
SOBRE O LEGADO DAS LÍNGUAS CÉLTICAS

João Bittencourt de Oliveira (UERJ)

 

1. INTRODUÇÃO

As línguas célticas formam um ramo da família indo-européia, possuindo certos traços em comum, principalmente no âmbito da fonologia e do léxico. Tanto no terreno geográfico quanto no cronológico, essas línguas comportam duas divisões, geralmente conhecidas como o celta continental e o celta insular. DAUZAT (1940: 46) rotula, com bastante propriedade, as línguas dessa família como “línguas residuais.”

Celta continental é o nome genérico para as línguas faladas pelo povo conhecido dos escritores clássicos como Keltoi e Galatae. Durante um período de 1.000 anos (aproximadamente de 500 a. C. a 500 a. D.), os celtas ocuparam uma área que se estendia da Gália à Iberia, ao sul e à Galácia, ao leste. A maior evidência do celta continental consiste em antropônimos, nomes de tribos e topônimos registrados por escritores gregos e latinos. Somente na Gália e no norte da Itália encontram-se algumas inscrições, cujas interpretações são ainda duvidosas. Os celtas que atingiram a atual Península Ibérica ficaram conhecidos como celtiberos. Foram submetidos por Cartago e, depois, pelos romanos (século II a. C.). Além de topônimos, o parco conhecimento que se tem dessas línguas está confinado a alguns traços fonológicos e uma pequena parte do vocabulário.

O celta insular refere-se às línguas das Ilhas Britânicas, juntamente com o bretão (falado na Bretanha, França). Embora exista alguma evidência escassa das fontes clássicas - principalmente topônimos - e algumas inscrições nos alfabetos latino e ogham2 do final do século IV ao VIII a. D., a principal fonte de informação sobre os primeiros estágios dessas línguas são os manuscritos realizados a partir do século VII, em irlandês, e um pouco mais tarde em outras línguas britânicas.

As línguas insulares dividem-se em dois grupos - o irlandês e o britônico (ou bretão). O irlandês3 foi a única língua falada na Irlanda no século V, época em que se iniciou o conhecimento histórico daquela ilha. Os dois outros membros desse grupo, o escoto-gaélico e o manx, surgiram das colonizações irlandesas que começaram naquela mesma época. Houve também colônias de falantes do irlandês no País de Gales, porém nenhum vestígio desse idioma restou a não ser algumas inscrições.

O britônico, que parece ter coberto quase toda a Grã-Bretanha e a Ilha de Man, recebeu marcada influência romana no período da ocupação (43-410) e, a partir do século V, sofreu forte e desvantajosa concorrência do germânico. Inscrições e antropônimos remanescentes da Escócia mostram, de modo claro, que ali já se falou uma língua não indo-européia, geralmente conhecida como Pictish4 “picto”, e que foi mais tarde suplantada pelo britônico. Havia, sem dúvida, diferenças dialetais dentro da própria ilha, porém os dialetos existentes surgiram da fragmentação do britônico resultante da invasão da Ilha de Man e da região da atual Escócia pelos irlandeses e pelas invasões dos anglo-saxões que começaram pelo sul da atual Inglaterra e que finalmente alcançaram a Escócia. Como se sabe, a Escócia foi desde então dividida em dois compartimentos lingüísticos - o inglês (também conhecido como Scots) e o gaélico, atestado já no século V a. D., é ainda empregado no interior da Irlanda, no interior da Escócia e, muito precariamente, por alguns idosos na Ilha de Man. Um dialeto britônico, hoje conhecido como cúmbrio perdurou nas fronteiras ocidentais entre a Inglaterra e a Escócia até por volta do século X, mas nada se conhece a seu respeito. No atual País de Gales, o britônico sobreviveu como língua dominante até meados do século XIX; atualmente é conhecido como galês, ainda falado por pouco mais de um milhão de pessoas. Um outro foco do discurso britônico, o córnico, sobreviveu em Cornwall “Cornualha”, desaparecendo no final do século XIX. Foi dessa região que, nos séculos V e VI a. D., os emigrantes haviam trazido o Céltico mais uma vez para o continente europeu estabelecendo uma colônia ao noroeste da França, ainda conhecida como Bretanha.

 

2. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

2.1 O celta comum

As tentativas de reconstrução do celta comum (ou proto-celta) - a língua mãe que resultou nas diversas línguas do celta continental e do celta insular - têm sido pouco frutíferas. Embora o celta continental ofereça indícios em profusão da existência de um sistema fonológico bem desenvolvido, o mesmo não ocorre no que diz respeito à morfologia e à sintaxe. Nesse domínio, o velho irlandês, a mais arcaica das línguas insulares, é a que melhor apresenta subsídios para investigação. Os registros existentes apresentam um quadro de uma língua que guarda certas semelhanças com o latim e com o germânico comum; isto é, que ainda preserva uma parte considerável da estrutura da língua ancestral indo-européia e não perdeu as sílabas finais ou mediais. Seu sistema vocálico apresenta pouca diferença do sistema indo-europeu reconstruído por Meillet. As diferenças mais significativas são a substituição do *e Indo-europeu por *i (exemplo, gaulês rix e irlandês ri “rei”; cf. latim rex) e do *o por * a.

O sistema consonantal é também conservador, embora existam alguns traços marcantes, dentre os quais merece destaque a queda do *p (exemplo, indo-europeu *petër, irlandês athair “pai”; cf. latim pater5). Essa queda deve ter ocorrido num estágio bem antigo do celta comum; somente o topônimo Hercynia, preservado no grego, mostra que, em posição inicial, passou a h antes de desaparecer. Na maioria das línguas célticas conhecidas, um novo p surgiu por influência do *k endo-europeu. Daí gaulês pempe, galês pimpe “cinco” (cf. latim quinque). Esse fenômeno levou os lingüistas comparativistas a formularem a hipótese da existência de *kwenkwe no celta comum.

A morfologia dos substantivos e dos adjetivos não revela mudanças notáveis do indo-europeu. O verbo irlandês, entretanto, apresenta um arcaísmo surpreendente não encontrado em nenhuma outra língua indo-européia. Os pesquisadores demonstraram recentemente que as terminações conhecidas como primárias e secundárias do verbo indo-europeu, como na 3a pessoa do singular *-(e)t -(e)ti, ambas ocorriam no mesmo tempo verbal. As formas com -i eram usadas quando o verbo ocupava posição inicial absoluta; as outras formas eram usadas quando o verbo ocupava posição normal no final da frase. É o que se pode observar nas formas do velho irlandês beirith6 de *bereti) “ele carrega” e ni beir (de *beret) “ele não carrega”.

O problema da relação do celta comum com outras línguas indo-européias continua sem resposta. Durante algum tempo sustentava-se a existência de uma unidade ítalo-céltica. A presença de particularidades comuns às línguas célticas e itálicas, como por exemplo a correspondência q-p, os genitivos em -i dos temas em -o e a passiva em -r (cf. latim laud-or “sou louvado”), era o argumento dos que defendiam essa tese. Outro traço comum entre o céltico e o itálico que também não tem sido convincente é a formação do superlativo dos adjetivos (cf. latim -issimus; céltico -*samos, *-isamos).

O berço original dos celtas, conforme opinam a maioria dos lingüistas, foi o sudoeste da atual Alemanha, de onde se viram impelidos para a Gália, para a Espanha, para as ilhas britânicas, para o vale do Pó, até que, por fim, foram submetidos pelos romanos (século II a. C. - século I d. C.). Foi na Bretanha, no País de Gales e na Inglaterra que alguns aspectos da língua dos celtas melhor se conservaram. Pode-se inferir que os celtas haviam conseguido um padrão de organização social superior ao dos povos germânicos. Basta atentarmos para existência de palavras como Gótico reiki e andbahts (alemão moderno Reich e Amt) tomadas de empréstimo aos celtas *rïgion “reino, império” e *ambactos “oficial”. Para os gregos e para os romanos, por outro lado, os celtas eram de uma cultura inferior. As pouquíssimas palavras célticas encontradas no grego são as que se referem a instituições, como bardoi7 “poetas”. Do mesmo modo, os empréstimos do celta ao latim, os quais derivam principalmente do período anterior à expansão do poder romano, são também escassos, limitando-se a termos referentes a guerra, transporte e produtos agrícolas (ver 4.1).

 

2.2 Registros antigos do celta

O celta desapareceu muito rapidamente na Europa Oriental. A mais antiga evidência do celta insular, bem como do celta continental, consiste principalmente em nomes documentados por autores gregos e latinos. No caso da Irlanda, muitos dos topônimos registrados por Ptolomeu no século II d. C. ainda não foram identificados. A partir do século IV, as inscrições no alfabeto ogham encontradas na Irlanda se referem apenas a antropônimos. A partir do século V, nomes britônicos em inscrições latinas são registrados no País de Gales bem como nomes irlandeses são registrados em latim e em ogham nas áreas de assentamento irlandês. Esses registros, embora escassos, contribuem de certa forma para a identificação de estruturas similares entre o britônico, o irlandês e o gaulês. Daí, na Bretanha encontra-se o genitivo Catotigirni, que no antigo galês dá Cattegirn, e na Irlanda o genitivo Dovatuci, que no velho irlandês dá Dubthaich. Essa mudanças - a perda das sílabas finais e das vogais de ligação, o enfraquecimento das consoantes entre vogais, etc. - são muito semelhantes ao que estava acontecendo ao latim na França na mesma época (cf. avicellus > oiseau, acqua > eau). As explicações sobre as razões dessas profundas mudanças bem como a época em elas ocorreram ainda são insatisfatórias.

 

3. CARACTERÍSTICAS LINGÜÍSTICAS

DAS LÍNGUAS CÉLTICAS INSULARES

As línguas célticas insulares, as únicas cujas formas são mais bem conhecidas, apresentam um considerável número de traços sem paralelo em outras línguas indo-européias. Alguns lingüistas têm argumentado que esses traços podem ter resultado da presença de um grande substrato não-céltico nas Ilhas Britânicas. Embora seja pouco provável que as invasões célticas daquelas ilhas tenham iniciado muito antes de 500 a. C. ou que os invasores tenham exterminados os habitantes lá existentes, essa possibilidade não pode ser rejeitada. Por outro lado, algumas particularidades outrora consideradas exóticas, como o verbo na posição inicial da frase, tem sido demonstrado de modo bem convincente tratar-se de um desenvolvimento orgânico do indo-europeu. Outras características, como a contagem em múltiplos de vinte, constituem puras inovações, porém este sistema é compartilhado pelo inglês (three score and ten) e pelo francês (quatre-vints).

 

3.1 Características fonológicas

O traço fonológico mais marcante do celta insular é uma dupla série de consoantes em que consoantes fortemente articuladas se distinguem de suas correspondentes fracas. As duas séries eram originalmente apenas variantes fonéticas, com as variantes fortes ocorrendo em posição inicial absoluta e em certos grupos consonantais e as variantes fracas em outras posições. Mais tarde, entretanto, as duas séries se tornaram independentes. Mudanças consideráveis têm ocorrido nas formas fonéticas dessas duas séries a partir do momento em que as línguas iniciaram a fase da escrita. No irlandês e no galês, no córnico e no bretão o contraste forte - fraco nas oclusivas sonoras foi substituído pelas oclusivas - fricativas (b-v). O irlandês possui o mesmo sistema para as oclusivas surdas (t - th); porém o galês, o córnico e o bretão possuem as sonoras (exemplo: surda t - sonora d). Essas mudanças, por si mesmas, não são muito diferentes do enfraquecimento de consoantes entre vogais que ocorre em outras línguas européias ocidentais (compare o galês pader “prece, oração”, do latim pater “pai”, com o português padre, do latim patre-); porém, no celta insular, elas ocorreram não apenas no interior da palavra mas também no interior do sintagma, daí o enfraquecimento da consoante inicial de uma palavra quando precedida de uma outra palavra terminada por vogal. Quando as sílabas finais desapareciam na evolução para as línguas modernas, essas variações permaneceram, estabelecendo-se um sistema de mudanças iniciais. Se, por exemplo, a forma nominativa do gaélico *sindos kattos koilos “o gato magro” for reconstruída, teremos in catt coel no velho irlandês após a queda das sílabas finais; porém o genitivo *sindi katti koili “do gato magro” dará in chaitt choil, com a mudança das consoantes iniciais. O mesmo tipo de mudança ocorreu num dos dialetos italianos: no toscano, as formas latinas porta, illa porta, tres portae dão, respectivamente, porta “porta”, la porta “a porta” e tre pporte “três portas”. Em ambos os casos, o enfraquecimento de consoantes evoluiu da palavra para o sintagma. Esse desenvolvimento comum, entretanto, não é garantia de que ele seja distintivamente céltico.

 

3.2 Características gramaticais

Outro traço do celta insular é a ausência de morfema marcador do infinitivo do verbo encontrado na maioria das línguas indo-européias, como por exemplo, inglês “to study”, “to write”; português “estudar”, “escrever”. Emprega-se, em seu lugar, um substantivo verbal, cuja raiz nem sempre é a mesma do verbo. Por ser um substantivo, pode ter como complemento um substantivo no caso genitivo, que, pelo menos nas línguas mais antigas da família, funciona ora como sujeito ora como objeto, dependendo do tipo do verbo. Desse modo, do velho irlandês téit in ben "a mulher vai" pode-se formar a frase nominal techt inna mná "a ida da mulher"; já da frase marbaid inna mnaí "ele mata a mulher" pode-se formar marbaid inna mná (lais) "a morte da mulher (por ele)." Dentre muitas outras funções do substantivo verbal está seu emprego, quando precedido da preposição apropriada, com o verbo substantivado para denotar uma noção aspectual progressiva. Desse modo, para a frase téit in ben existe uma paralela a-tá in ben oc techt "a mulher está a ir" (= a mulher está indo), e à marbaid in mnaí corresponde a-tá oc marbad inna mná "ele está matando a mulher." Eis mais um exemplo curioso: creud adhbhar na moicheirghe sin ort? No português esta frase corresponde a: "por que você se levantou tão cedo?" Literalmente significa "qual foi a causa desse levantar cedo por você?"

 

4. A INFLUÊNCIA CÉLTICA

A NAS LÍNGUAS EUROPÉIAS MODERNAS

No decorrer dos séculos, a influência céltica nas línguas européias modernas tem sido cumulativa e pode ser distribuída em três áreas.

 

4.1 Vocabulário geral: empréstimos

Lancea "arma de guerra". Cf. inglês e francês lance, alemão Lanze, provençal lansa, espanhol lanza, italiano lancia, português lança.

Carrus < *karron (*karros) "veículo de quatro rodas". Cf. inglês car, francês car (da antiga forma normanda char), alemão Karren "carroça" (diferente de Wagen), italiano, espanhol e português carro.

Carpentum < *carpentos "carro, veículo de carga; veículo de exército, entre os gauleses". Desse termo somente o derivado carpentariu-s "fabricante de carros" parece ter vingado em outras línguas. Cf. inglês carpenter, francês charpentier, provençal carpentier (donde o espanhol carpintero, o português carpinteiro e o italiano carpentiere).

Cervesia "cerveja". Cf. francês cervoise, espanhol cerveza, português cerveja. O alemão Bier, o inglês beer e o italiano birra derivam do velho alto alemão bior "bebida fermentada". Somente o inglês mantém os termos beer e ale para designar o mesmo produto; as línguas escandinavas somente ale, e as demais línguas germânicas somente beer.

Druid <*dru|wids “aquele que sabe com certeza”. Nome dos primitivos sacerdotes gauleses e bretões. Cf. francês druide, latim plural druidae, druides, grego druidai < gaulês druides (= irlandês draoi, genitivo plural druadh, gaélico draoi, draoidh, druidh) < velho celta *derwijes (donde galês dewydd-on) de *derwos (donde galês obsoleto derw “verdadeiro”, irlandês derb “certo”), donde o sentido etimológico “adivinho, vaticinador”. Há uma outra hipótese baseada em *dru “carvalho” (associada aos rituais druídicos com esta árvore). O velho inglês tinha dry “mágico” < velho irlandês drui. - Os druidas, que formavam uma classe sacerdotal, possuíam uma doutrina religiosa e filosófica: acreditavam na imortalidade da alma e em reencarnação. Atribuíam virtudes misteriosas a certas plantas. As suas atribuições judiciárias lhes permitam ter influência política, social e religiosa sobre as nações celtas (Gália, Bretanha e Irlanda).

São provavelmente de origem céltica as palavras dun “de cor escura” e ass “asno” (através do latim asinus), todas tomadas de empréstimo no período pré-anglo-saxão.

Quando os romanos finalmente conquistaram a Gália e impuseram sua língua, um certo número de palavras célticas relacionadas à vida rural penetraram no latim, algumas ainda se conservam em dialetos franceses como mouton “carneiro”, ruche “colmeia” e arpent “medida de terra”.

Do celta insular provieram, ao longo dos séculos, algumas dezenas de termos ligados principalmente a acidentes geográficos, muitos dos quais predominam somente no inglês. Dentre esses termos contam-se:

 

Do bretão

Dolmen < *taolvean, *tolven "dólmen", monumento druídico, pré-histórico, formado por uma grande pedra achatada, colocada sobre outras em posição vertical. Os mais famosos dólmens encontram-se em Cornwall.

Menhir < men hir (de mean "pedra" + hir "longa") "menir", monumento formado por um bloco de pedra cortado verticalmente.

 

Do gaélico

Banshee < bean sidhe "espírito feminino" (folclore).

Bog <*bhugh "terra úmida e esponjosa".

Brogue < brog "tipo de borzeguim rústico do couro cru (usado especialmente na Irlanda e Escócia).

Cairn <carn "pilha de pedras".

Clan < clann "clã", "tribo".

Colleen < cailin, diminutivo de caile, "menina".

Corrie < coire "sorvedouro, remoinho de água".

Crag <*krako "rochedo íngreme".

Crannog < crannog "antiga habitação lacustre".

Gallore < gu leóir "em abundância".

Glen < gleann "vale estreito, ravina".

Loch < loch8 "lago".

Plaid < plaide "manta ou capa de lã escocesa em xadrez".

Slogan < sluaghghairm "slogan", "lema”.

Strath < strath "vale largo".

Tor < tòrr "pico rochoso e pontudo".

Tory < *tóraighe "perseguidor"; a partir de 1689, nome de um grande partido político conservador da Grã- Bretanha.

Trousers < triubhas "calças".

Whiskey <uisgebeatha "uísque" (literalmente "água da vida", decalque do latim aqua vitae).

 

Do galês

Coracle < curach "barquinho dos antigos bretões feito de vime ou madeira recoberta de couro ou oleado".

Cromlech < cromlech (de crom "curvado" + "lech "pedra") "elevação pré-histórica de grandes pedras brutas"

Cwn < cwm "vale escarpado".

Flannel < gwlanen "flanela".

Flummery < llymru "tipo de papa ou mingau de aveia".

 

4.2. Temas, estilos e nomes literários

Após a conquista da Grã-Bretanha pelos normandos no século XI, os bretões e os galeses usuários do latim, do francês e do inglês começaram a difundir temas históricos célticos nas cortes e nos mosteiros da Europa Ocidental. Um elemento chave dessa disseminação foi the Matter of Britain, cuja forma original francesa, Matière de Bretagne, indica a ligação com a Bretanha (região e ex-província da França que se estende entre o Canal da Mancha e a Baía de Biscaia) com a atual Grã-Bretanha. O mais importante desse material são as lendas do Rei Artur e seus cavaleiros cujos personagens possuem nomes célticos ora afrancesados ora anglicizados, como Arthur, Gareth, Gawain, Guinevere, Lancelot, Merlin e Morgan. Nesse ciclo literário podemos observar a fusão de estilos e temas cristãos, clássicos e germânicos presentes nas pseudo-histórias da Grã-Bretanha, nos romances de cavalaria e nas narrativas do Santo Graal. A literatura de inspiração céltica em língua inglesa tem continuado desde então. Evidências dessa continuidade encontram-se, por exemplo, no poema épico Ossian de MacPherson (1736-96), nos poemas e romances de Walter Scott (1771-1832), nos romances de James Joyce (1882-1941) e nos poemas de Dylan Thomas (1914-53).

Vale aqui ressaltar que, nas últimas décadas, a música de temática céltica tem marcado sua presença, através de nomes já de repercussão internacional, como Bill Douglas, Bill Whelan, Clannad, Enya, dentre muitos outros.

 

4.3 Topônimos e antropônimos

É, sem dúvida, na toponímia que a contribuição céltica mais se faz presente. O reino de Kent, por exemplo, deve seu nome à palavra céltica Canti ou Cantion, "borda", "aba"; já os dois antigos reinos de Deira e Bernica, na Northumbria, derivam suas designações de nomes tribais célticos. Outros distritos, especialmente os do oeste e do sudoeste, mantêm nos dias atuais os traços de suas antigas designações célticas: Devonshire contêm no primeiro elemento o nome tribal Dumnonii, Cornwall significa “galês da Cornualha”, e seu ex-condado Cumberland (atualmente parte de Cumbria) é a “terra dos Cymry ou Britônicos”. Ademais, num grande número de centros importantes no período Romano podem ser identificados elementos célticos corporificados em seus nomes. O próprio topônimo London9 “Londres”, capital da Inglaterra e do Reino Unido, embora a origem da palavra seja um tanto incerta, muito provavelmente remonta a uma designação céltica. Se observarmos num mapa da Inglaterra ou mesmo dos Estados Unidos nomes em que aparecem os elementos win-: Winchester, salis-: Salisbury, glou-: Gloucester, wor-: Worcester e lich- ou litch-: Lichfield podemos assegurar tratar-se de origem céltica.

É, porém, nos nomes de rios, montes e lugares próximos a ambientes naturais que sobrevivem o maior número de topônimos de origem céltica. São nomes de rios de origem céltica: Thames “Tâmisa”, Avon, Exe, Esk, Usk, Don, Severn, e Wye. Palavras célticas que significam “morro ou colina” são encontrados em topônimos como bar “topo, cume”: Barr; bre “colina”: Bredon, Bryn Mawr (literalmente “grande colina”); pen “cume”: Pendleton, dentre outras. Alguns outros elementos célticos ocorrem também com certa freqüência, tais como cumb “vale profundo”: Duncombe, Holcombe, Ilfracombe, Wichcombe; tor “rocha alta”: Torr, Torcross, Torhill; pill “enseada de maré”: Pylle, Huntspill; broc “texugo”: Brockholes, Brockhall; dun “lugar protegido”: Dundee, Dunbar, bem como o antigo nome de Edinburgh, Dunedin; Kill “igreja”: Kildare, Kilkenny e -llan “sagrado”: Llangollen, Llandudno. Outros nomes de lugares de provável origem céltica incluem: Dover “água”, Dublin, Glasgow, York, Ecles “igreja”, Bray “monte”.

Palavras latinizadas como caester (e as variantes caster e cester), fontana, fossa, portus, vicus e o elemento -col como em Lincoln10 (< colonia “colônia”) foram empregadas para dar nomes a lugares durante a ocupação romana da ilha e transmitidas aos anglo-saxões pelos celtas. A primeira delas, castra (< castra “campo” ou "cidade murada"), tornou-se um elemento bem familiar na formação de topônimos ingleses, sendo os mais importantes: Chester, Colchester, Doncaster (de Danum, nome de um rio), Dorchester (de Durnovaria "briga de socos", talvez em referência a competições de pugilismo locais), Manchester (de Manucium "nome de uma colina em formato de seio"), Winchester (de Venta "lugar especial"), Lancaster, Gloucester (de Glevum "luminoso"), e Worcester, Rochester (de Durobrivae "ponte fortificada", em que apenas a sílaba ro pode ser identificada), Caeleon, Cardiff, Carlisle

No Continente, são de origem céltica os nomes dos rios Danúbio [alemão Donau, de danu- "rio", através do latim Danuvius]; Reno [alemão Rhein, de Renos "correr, fluir", através do latim Rhenus]; Sena e Tejo [através do latim Tagu].

Há fortes evidências de influência céltica também na toponímia, tais como: Verdun, Novion, Metz [através do latim Mettis] e Bourges (na França); Nertobriga, Lacobriga, Turobriga, Mirobriga, Arcobriga, todos com a terminação -briga, que significa "altura", "montanha" (Portugal). A estes nomes de lugar podem ser acrescentados: Coimbra [através do latim Coniumbriga], Bragança, Alcóbira e Ségovia (também em Portugal) e Madrid (na Espanha).

Nomes de pessoas de origem céltica incluem: prenomes tais como Alan, Donald, Duncan, Eileen, Fiona, Gavin, Ronald, Sheila; patronímicos e sobrenomes em mac ou mc (MacDonald, McDonald) e O ( O'Donald, O'Neil), e outros como Cameron, Campbell, Colquhoun, Douglas, Evans, Griffiths, Jones, Morgan, Urquhart.

 

5. CONCLUSÃO

Muito antes da invasão dos anglo-saxões (século V), as línguas faladas pelos habitantes da Ilhas Britânicas pertenciam à família céltica, introduzidas por um povo que lá chegara por volta do ano 500 a. C. Muitos desses povoadores foram, por sua vez, subseqüentemente, subjugados pelos romanos, que ali chegaram em 43 a. C. Porém em 410 os exércitos romanos haviam se retirado para ajudar a defender seu Império na Europa. Após um milênio de ocupação por falantes do celta e de meio milênio de ocupação por falantes do latim, não foram tão grandes os efeitos sobre a língua dos novos conquistadores: os anglo-saxões.

Ao que parece, muitas dessas palavras célticas não lograram um lugar muito permanente na língua inglesa. Algumas logo desapareceram, enquanto outras conseguiram somente aceitação local. O relacionamento entre os dois povos não foi do tipo que causasse qualquer influência considerável no estilo de vida ou no discurso inglês. Os celtas sobreviventes transformaram-se num povo submerso. O anglo-saxão teve pouca oportunidade de adotar os modos de expressão célticos, e a influência céltica permanece como uma das menos relevantes dentre as primeiras influências que afetaram as línguas do continente europeu em geral e a língua inglesa em particular.

 

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