REFLEXÕES LINGÜÍSTICO-LITERÁRIAS
EM
O DECAMERON, DE GIOVANNI BOCCACCIO

 

Alcebíades Martins Arêas
Delia Cambeiro

Pesquisar um autor da importância de G. Boccaccio é trabalho bastante sedutor. Mas, apesar de existir vasta bibliografia sobre sua obra, a análise textual, por vezes, é dificultada pelo “fiorentino volgare” utilizado pelo escritor - como ele mesmo assinala na Quarta Jornada. Por isso, nas duas partes iniciais, tento situar Boccaccio, em rápida visão, dentro da História e da Crítica literárias. A seguir, o Prof. Alcebíades Arêas, atualiza formas anteriores às do italiano hodierno, também analisa e comenta os jogos sintáticos, as inversões reiteradoras da ironia e da espontaneidade da linguagem quotidiana do autor. Visa tal procedimento a facilitar a abordagem de um texto considerado basilar da civilização ocidental.

 

QUESTIONAMENTOS INICIAIS

 

Configura-se no Decameron uma experiência artística que leva o leitor à organização do mundo cultural de G. Boccaccio (1313-1375). Esta famosa obra, plena de contrastes humanos, observa a realidade dos afetos de emblemáticas personagens cujas ações corriqueiras e enganadoras, muitas vezes audaciosas, se transformam em exemplos universais e atemporais sobre a mirada deste excelente narrador. Boccaccio, considerado já um irradiador da cultura pré-humanística, se coloca ao lado de Dante e de Petrarca pela sua alta e originalíssima atividade de escritor e o Decameron está entre as obras-primas não só da literatura italiana como mundial de todos os tempos.

As criaturas retratadas são, em geral, encarnações simbólicas, fruto da imaginação do poeta e originárias dos mais variados ambientes sociais do comércio e das finanças em que viveu, estudou e trabalhou com o pai: Firenze e Napoli. Algumas, entretanto, têm registro histórico, como o pintor Giotto e o poeta Cavalcanti. O criador daquelas figuras não as apresenta, porém, com um olhar sofrido ou reprovador, em conseqüência das paixões, dos prováveis males morais e éticos detectados, mas, como assinala Natalino Sapegno, “con chiara simpatia”. G.Boccaccio, de fato, embebe suas novelas de ironia e de humor, o que demonstra preocupação em suavizar, no curso do processo mimético, a reflexão sobre a natureza humana.

O Decameron narra como dez jovens - sete moças e três rapazes - se encontram na igreja de Santa Maria Novella, em Firenze, durante a peste de 1348, e decidem ir para fora da cidade a fim de fugirem do flagelo. Juntos e já abrigados, alternam dança, conversação, jogos etc., a fim de passarem o tempo. O título Decameron, cabe ressaltar, significa “[livro] dos dez dias” e modela-se provavelmente no Hexameron, um tratado medieval da literatura patrística do século IV, escrito por Santo Ambrózio, Bispo de Milão, comportando nove homilias que celebram os seis dias da Criação.

Os dez jovens, após decidirem o afastamento daquele universo que se deteriorava, símbolo de um locus horrendus despojado de beleza, já refugiados em arcádica e idílica paisagem, de marcada conotação cortês, não só celebram, mas também participam de mítica (re)Criação do mundo, pois ao permanecerem na vida através do fluxo da palavra inventiva e da imaginação colocaram-se próximos do ato inaugural. Já em ambiente paradisíaco, um locus amoenus representando o espaço da Beleza, contam, a cada dia, sob o comando de um rei ou de uma rainha, dez histórias, cujo tema é escolhido por quem naquele momento comanda a “lieta brigata”. Só não possuem tema único as novelas da Primeira e da Nona Jornadas. Assim, apenas ao longo das tardes, em meio à ameaça do Anjo da Morte, são apresentadas cem novelas, geradas pelo desejo de exorcizar Thanatos e invocar a proteção de Eros.

 

REALISMO E REALIDADE DA OBRA

 

Muito se diz sobre o Decameron, principalmente que vem a ser uma coletânea de histórias eróticas que alguns afirmam pornográficas. É necessário, porém, reverem-se tais conceitos para melhor compreender a obra.

Para De Sanctis, no Decameron, a vida vem à superfície, mostrando o mundo da natureza. A “comédia humana” se organiza nesta obra exemplar, única e sem precedentes na narrativa italiana e européia, inspirando outros autores. Boccaccio não propõe nenhuma finalidade moral ou edificante, como acontecia na tradição medieval dos Exempla, e mesmo na Divina Comédia de Dante. O autor adota clara visão realística do mundo e dos fatos, restituindo, recriando, mostrando e fazendo aparecer no texto múltipla e concreta totalidade.

Ao refletirmos sobre os termos “realismo” e “realidade”, afastando-os, porém, de questionamentos filosóficos, concluímos que genericamente designam “toda tendência estética centrada no real, entendido como a soma dos objetos e seres que compõem o mundo concreto”. Existe, entretanto, o movimento literário conhecido como Realismo no século XIX, cujas origens estão na França, nascido em reação ao Romantismo. Os realistas preconizavam um enfoque objetivo do mundo, da realidade, em oposição ao subjetismo romântico. Queriam indagar a existência humana de forma a compreendê-la mais no “como” as coisas se passavam do que no “por quê” das coisas acontecerem. Trata-se, no entanto, de um comportamento existente em qualquer século ou literatura, não apenas em seu aspecto stricto sensu de escola e de movimento artístico-literário do século XIX.

Nessse sentido, G. Boccaccio é realista. Em especial porque seu Realismo avant la lettre, ao observar o ser humano em situação e ao “fotografá-lo”, como pretendiam os realistas, dele representa o dom e a capacidade em saber como viver frente a confrontos com as principais forças que movem a humanidade: o amor, o prazer, o ódio, a felicidade, a dor atc.. Criadas em dimensão terrena e laica, as personagens boccaccianas ignoram o drama do pecado da forma como é compreendido por Dante e por Petrarca e, em geral, pela Idade Média. Elas já se tornam artífices e responsávis de suas vidas, porém frente a si mesmas, não mais frente a Deus. Agem estimuladas por sua Natureza em direção ao Amor que, na qualidade de pura e simples paixão carnal ou de sentimento idealizado, acaba legitimado não demonizado, como o era no inconsciente coletivo da medieval, por ser uma força natural e terrena. A idéia da salvação, portanto, tão cara ao medievo, ancora-se já na dessacralização, na laicidade do mundo, tendo a paixão e a inteligência como forças de autoconhecimento dinamizadoras da remissão dos pecados.

É inegável o persuasivo papel exercido pela extensa e larga galeria de virtudes e de vícios das personagens que nos suscitam risos, ao lado de reflexões profundos sobre a condição humana. Por ela percorre o olhar agudo e condescendente do escritor para com os tolos como Andreuccio da Perugia, com os astutos como Chichibio, com os embrulhões como Frate Cipolla e Ser Ciappelletto, dentre muitos outros. Já quanto às novelas de tema erótico-amoroso, envolvendo figuras femininas, os detratores de Boccaccio, originários de meio católico e sexófobo, trataram-nas com suspeita e censuraram-nas por considerá-las licenciosas.

É interessante lembrar o fato de que um frade, em visita a Boccaccio, conta-lhe a parição em sonho de um irmão de Ordem já falecido que o advertia sobre a morte e a danação que recairia sobre o escritor por sua obra imoral. Presa dramática de profunda crise ético-moral, Boccaccio procura o amigo Petrarca que o demove de destruir o Decameron. Mesmo que algumas delas evidenciem um ludismo espurituoso e/ou licencioso para o ascético medioevo, a literariedade da obra, impregnada do que chamaríamos de dionisíaca irreverência, não as deixa cair no vulgar.

Do poeta receberam os desavisados juízes pronta e criativa resposta, no Proêmio, no início da Quarta jornada e na Conclusão das novelas. As passagens, de cunho metalingüístico e de criativa intromissão do autor, são momentos em que ele se dirige tanto àqueles que o acusavam quanto a um público especial: suas “belíssimas”, “lindas”, “doces”, “gentis”, “caríssimas” e “queridas” mulheres. Defende-se simulando uma confissão a seu público feminino, mas atinge aqueles que o atacavam. Afirma, na Introdução à Quarta Jornada, ter um “corpo que Deus fez todo aparelhado para amá-las” e quem não o fizer “desconhece os prazeres do amor e a virtude da afeição natural”, por isso o censuram. Boccaccio garante que, de fato, como dizem seus censores, ele mais “parece um alho porró de cabeça branca, porém de cauda verde e que as Musas são mulheres, entretanto, aquelas nunca foram motivo de suas composições... só as mulheres”. Finalmente exclama irônico: “(...) calem-se os detratores; se não conseguem eles aquecer-se, que vivam atormentados pelo frio, e fiquem com os seus prazeres, ou, antes, com seus apetites corruptos. Deixem-me ficar, contudo, no meu prazer (...). Sempre estive disposto a agradar todas vocês, lindas mulheres, agora, mais do que nunca (...)”. Diz-nos proceder “de conformidade com as leis da Natureza, e escrever em socorro e refúgio das mulheres que amam, “pois, para as demais, são suficientes as agulhas, o fuso e a roca”. Conforme preceitos poéticos horacianos, ele afirma que, “ao lerem a obra, as mulheres poderão obter prazer e útil conselho das coisas reconfortantes que as narrativas mostram”. Com razão deseja tudo isso às leitoras, porque para ele “Hoje são limitadas as leis sobre o prazer”.

Nota-se, assim, a intenção do autor de dar à obra um caráter agradável e útil, sublinhando seu envolvimento direto com o mundo e com a realidade do público leitor feminino carente de prazer e de atenção. Portanto, o tão discutido “realismo” do Decameron representa uma atitude pessoal do escritor preocupado em retratar, sem medo do pecado, penas e prazeres do ser humano delineado em seu ângulo luminoso e/ou sombrio da psique. Representam, ainda, tais “fotografias”, como já afirmamos, uma espécie de “biografia” cultural e espiritual de Boccaccio, criado no meio de mercadores e de banqueiros. Sua biografia atesta que, por influência do pai, freqüentou, para habituar-se nas artes fianceiras e mercantis, a famosa Casa de’ Bardi, depois falida. Sua vivência em Firenze e em Napoli, circulando nos ambientes da corte, enriqueceu certamente a imaginação e o dom de abservar os seres que desfilavam pelas câmeras e antecâmaras dos palácios e pela múltipla cena urbana eternizada na obra. O Decameron, devemos reafirmar, é uma das grandes literaturas de tema urbano.

Entretanto, o que mais suscitou críticas descabidas, ou, como afirma Boccaccio, “mordidas da inveja”, foi sua capacidade inventiva, criadora. O princípio de verossimilhança das novelas foi posto em discussão por “certos sujeitos” que tentavam diminuir o valor do texto ao afirmarem que as coisas ali contadas aconteceram de modo diverso e não como Boccaccio as apresentava. Atacado em sentido moral, era questionado por contar histórias irreverentes de mulheres e homens apaixonados, carregadas de realismo. Porém, a incapacidade de seus detratores verem a importância literária da obra lançou ao artista críticas descabidas quanto à verossimilhança, ao princípio essencial da obra - a mímesis - ou seja, questionavam sua capacidade de transformar em matéria literária o real.

Mas o veio realístico mais instigante está na descrição dramática e por vezes grotesca da peste, que passa de pretexto a elo condutor da obra, servindo assim para enquadrar e ligar as várias partes - as novelas - umas às outras, inclusive dar um ponto final à narrativa, quando o mal se atenua. Com o abrandamento da peste, os dez narradores voltam ao lugar de onde partiram, fechando o círculo dinâmico da obra.

O Decameron integra uma chamada “literatura da peste” de que fazem parte o historiador Tucidides ao descrever a peste de Atenas de 431-430 a.C., o poeta latino Lucrecio, Alessandro Manzoni e chega a Albert Camus. A observação da força desconstrutora da peste, ao invés de escatológico fim do mundo, sugere eterna e contínua transformação das coisas, ou seja, propõe a luta, o conflito, a tensão contínua como princípio de tudo, processos percebidos, na filosofia, por Heráclito e repensados por Parmênides.

Mas, deve-se perguntar: por que escritores e artistas, todos arquitetos do Belo, se deixam atrair pelo tema da peste ou da doença? Talvez por serem tais catástrofes a evidência objetiva do nosso existir fadado à renovação, à luta. Ou ainda por lembrar através da dor uma possível condição de mítica felicidade perdida. Certamente por isso, a ambiência das novelas seja animada por prazer e felicidade, pois o aristocrático grupo de narradores transita em paradisíaca atmosfera de festa, de jogos, de cantos, na qual o autor não esquece, porém, de inserir o recolhimento espiritual. As atividades hedonísticas da “laudevole brigata” ficariam suspensas na sexta-feira e no sábado, o que nos dá idéia de “shabática” parada no tempo profano, a fim de revigorarem uma conexão mística ligada certamente à Cabalá.

Portanto, a leitura do Decameron não pode restringir realismo e realidade ao relato jocoso, ao chiste, muito menos ao pornográfico. A importância das cem novelas faz a obra ultrapassar a condição de histórias para rir ou para enrubescer. Constroem variado afresco da natureza humana, atingindo mormente a instância estética. Com isso, Boccaccio é inserido no grupo dos “autores fortes”, segundo terminologia adotada por Harold Bloom, pois influenciou outros escritores que o imitaram no gênero narrativo.

Com ele, após o universo dos cavaleiros, pulsa em suas páginas uma nova civilização italiana, povoada, repetimos, de mercadores, de banqueiros, burgueses espertos, entretanto, tenazes empreendedores: tipos jamais celebrados tão bem anteriormente. Os ideais da nova aristocracia burguesa florentina - já uma aristocracia de espírito e não de sangue, como no mundo feudal - desfilam neste sugestivo palco em que é encenada, em suma, a comédia humana.

O cuidado em surpreender o homem em ação se reforça no fato de Boccaccio ter acrescentado à obra uma série de desenhos, narrando também com imagens a realidade da trama desenvolvida em palavras. De fato, quem lê a exposição minuciosa do que acontece na cidade durante o flagelo percorre verdadeiro material fotográfico e cinematográfico. Em 1999, jornais italianos, tais como, Il Corriere della Sera, Il Giorno, entre outros, destacaram a publicação pela Casa Editrice Le Lettere, de um volume do Decameron ilustrado com 30 desenhos autografados pelo escritor, sob orientação de Vittorio Branca, especialista em Boccaccio. Sem dúvida, este é um Boccaccio duplamente pioneiro, não só pelo teor das novelas, mas por ilustrar, com figuras, a sociedade burguesa e popular em sua plena realidade e efervescência. A marca pictórica de sua narrativa provocou-lhe o desejo de oferecer aos leitores seu texto visualizado. Mais uma prova, portanto, de que a proposta da obra é estimular a observação, instigar o questionamento da sociedade pintada pelo escritor e artista.

Testemunho perfeito de que Boccaccio aposta na natureza humana é a história de Filippo Balducci, integrante da Introdução à Quarta Giornata, única novela em que o autor intervenha diretamente. Nas outras, a função de narrador recai sobre as personagens que formam a “laudevole brigata”. Como já explicado anteriormente, a Introdução da Quarta Giornata contém ampla intervenção do autor, em primeira pessoa, tratando-se de uma autodefesa da obra. O objetivo das intervenções é demonstrar a força irresistível da atração erótica - conceito da doutrina boccaccesca sobre o amor - apresentada a seguir resumidamente.

O filho de Filippo Balducci viveu desde a morte da mãe, por opção do pai e junto a este, uma vida de eremita, afastado de qualquer contato com a civilização, ignorando as tramas mundanas. Indo a Firenze, encontra um grupo de belas e elegantes jovens. Por não saber do que se tratava, não sabia nomear aqueles seres, pergunta, então, ao pai que o levara, “o que era aquilo”. Para desviar o filho das tentações e dos instintos, diz-lhe que se chamavam “papere”, ou seja, marrecas. Imediatamente o rapaz é invadido por incontrolável desejo de possuir uma delas e de levá-la para o lugar em que moravam, pois eram mais bonitas do que as pinturas de anjos que o pai sempre lhe mostrava. Neste instante, Filippo compreende “ter mais força a natureza”, como afirma Boccaccio ao fim da novela, do que suas estratégias de ocultar o mundo para o filho. O velho eremita tenta burlar o rapaz em criativo jogo lingüístico, trocando o significante do cobiçado referente, porém esqueceu que o significado estava latente, guardado no inconsciente, no intelecto e na emoção do jovem pronto para se manifestar. A constatação da força dos sentidos reaparece mais adiante, quando o autor se dirige às mulheres: “os outros e eu, que amamos todas vocês, queridas mulheres, agimos naturalmente, pois querer lutar contra tão grande força é inútil e danoso”.

Percebemos, portanto, que para Boccaccio não há sublimação no sentido stilnovístico de que o amor é instinto e de que tal sentimento só proporciona felicidade na medida do apagamento físico, o sublime implicando no repúdio da natureza. Nesta novela-apólogo, Boccaccio delineia sua concepção amorosa ultrapassando seu tempo através de sugestiva linguagem. Basta que apreciemos a figura “donne-papere” e a pronta resposta de Filippo Balducci - “tu non sai donde elle s’imbeccano, metáfora para indicar o ato sexual - e compreendemos que “dessublimam” a mulher e desproblematizam o amor. Para representar o erotismo latente na natureza humana, o escritor recorreu ao uso da realidade quotidiana e familiar, objetivando sempre construir jocosa atmosfera.

 

APRESENTAÇÃO DO TEXTO ORIGINAL

 

Nella nostra città, già è buon tempo passato, fu un cittadino il qual fu nominato Filippo Balducci, uomo di condizione assai leggere, ma ricco, e bene inviato ed esperto nelle cose quanto lo stato suo richiedea; ed avea una sua donna, la quale egli sommamente amava, ed ella lui, ed insieme in riposata vita si stavano, a niuna altra cosa tanto studio ponendo quanto in piacere interamente l'uno all'altro.

Ora, avvenne, sì come di tutti avviene, che la buona donna passò di questa vita, né altro di sé a Filippo lasciò che un solo figliuolo di lui cenceputo, il quale forse d'età di due anni era. Costui, per la morte della sua donna tanto sconsolato rimase quanto mai alcuno altro, amata cosa perdendo, rimanesse, e veggendosi di quella compagnia la quale egli più amava rimaso solo, del tutto si dispose di non volere più essere al mondo, ma di darsi al servigio di Dio, ed il simigliante fare del suo piccol figliuolo. Per che, data ogni sua cosa per Dio, senza indugio se ne andò sopra Monte Asinaio, e quivi in una piccola celletta si mise col suo figliuolo, col quale, di limosine, in digiuni ed orazioni vivendo, sommamente si guardava di non ragionare, là dove egli fosse, d'alcuna temporal cosa né di lasciarnegli alcuna vedere, acciò che esse da così fatto servigio nol traessero, ma sempre della gloria di vita eterna e di Dio e de' santi gli ragionava, nulla altro che sante orazioni insegnandogli; ed in questa vita molti anni il tenne, mai della cella non lasciandolo uscire, né alcuna altra cosa che sé dimostrandogli.

Era usato il valente uomo di venirne alcuna volta a Firenze, e quivi, secondo le sue opportunità, dagli amici di Dio sovvenuto, alla sua cella tornava. Ora, avvenne che, essendo già il garzone d'età di diciotto anni e Filippo vecchio, un dì il domandò ov'egli andava. Filippo gliele disse; al quale il garzon disse:_ Padre mio, voi siete oggimai vecchio, e potete male durar fatica; perché non mi menate voi una volta a Firenze, acciò che, facendomi conoscere gli amici e divoti di Dio e vostri, io che son giovane e posso meglio faticar di voi, possa poscia pe' nostri bisogni a Firenze andare quando vi piacerá, e voi rimanervi qui ?Il valente uomo, pensando che già questo suo figliuolo era grande, ed era cosí abituato al servigio di Dio, che malagevolmente le cose del mondo a sé il dovrebbono omai poter trarre, seco stesso disse: _ Costui dice bene. _ Per che, avendovi ad andare, seco il menò. Quivi il giovane veggendo i pelagi, le case, le chiese, e tutte l'altre cose delle quali tutta la città piena si vede, sí come colui che mai più per ricordanza vedute non n'avea, si cominciò forte a maravigliare, e di molte domandava il padre che fossero e come si chiamassero. Il padre gliele diceva; ed egli, avendolo udito, rimaneva contento, e domandava d'un'altra. E così domandando il figliuolo e il padre rispondendo, per ventura si scontrarono in una brigata di belle giovani donne ed ornate, che da un paio di nozze venieno; le quali come il giovane vide, così domandò al padre che cosa quelle fossero. A cui ilpadre disse:

_ Figliuol mio, bassa gli occhi in terra, non le guatare, che elle son mala cosa.Disse allora il figliuolo:

_ O come si chiamano ?

Il padre, per non destare nel concupiscibile appetito del giovane alcun inchinevole disidero men che utile, non le volle nominare per lo proprio nome, cioè femine, ma disse:

_ Elle si chiamano papere.

Maravigliosa cosa ad udire! Colui che mai più alcuna veduta non n'avea, non curatosi de' palagi, non del bue, non del cavallo, non dell'asino, non de' denari, né d'altra cosa che veduta avesse, subitamente disse:

_ Padre mio, io vi priego che voi facciate che io abbia una di quelle papere.

_ Oimé! figliuol mio, _ disse il padre, _ taci: elle son mala cosa.

A cui il giovane domandando disse:

_ O son così fatte le male cose ?

_ Sì, _ disse il padre.

Ed egli allora disse:

_ Io non so che voi vi dite, né perché queste sieno mala cosa: quanto è a me, no m'è ancora paruta vedere alcuna così bella né così piacevole, come queste sono. Elle son più belle che gli agnoli dipinti che voi m'avete più volte mostrati. Deh, se vi cal di me, fate che noi ce ne meniamo una colà su, di queste papere, ed io le darò beccare.Disse il padre:_ Io non voglio. Tu non sai donde elle s''imbeccano! _ e sentì incontanente più aver di forza la natura che il suo ingegno, e pentessi d'averlo menato a Firenze.

 

ATUALIZAÇÃO LINGÜÍSTICA DO TEXTO ORIGINAL

 

Nella nostra città, già da molto tempo fa, esistette un cittadino chiamato Filippo Balducci, che era un uomo modesto, ma ricco e abile nelle cose necessarie alla sua condizione. Aveva una sposa e si amavano tantissimo e, insieme, si godevano intensamente i piaceri della vita.

Un giorno avvenne, come avviene con tutti gli esseri umani, che la buona donna passò di questa vita. Non glielo lasciò altro che un solo figliolo, di lui concepito, che aveva forse due anni. Rimasto solo e disperato con la perdita della donna amata, decise di allontanarsi dalla vita mondana e di dedicarsi al servizio di Dio, portandosi, con sé, il figliolo. Perciò, diede ai poveri, per amore di Dio, tutto ciò che possedeva di bene materiale e se ne andò sopra il Monte Asinaio. Lì, in una piccola capanna, si installò con il suo figliolo. Vevevano di elemosine, fra digiuni e preghiere, e cercava di non pensare alle cose mondane.

Manteneva il suo figliolo lontano da tutto e da tutti, affinché nulla lo potesse distrarre o farlo desistere della vita dedicata al servizio di Dio. In questo genere di vita, lo mantenne per anni, senza lasciarlo uscire dalla cella né vedere nessuno. Il buon uomo aveva l'abitudine di venire qualche volta a Firenze e, secondo i suoi bisogni, provveduto di ciò che gli occorreva per vivere dalle persone caritatevole, ritornava in cella. Una volta però, dopo che il giovane ragazzo aveva compiuto diciott'anni e Filippo si era invecchiato molto, il figliolo gli chiese dove andasse. Filippo gli rispose e il figlio aggiunse:

_Padre mio, voi siete già vecchio e potete non sopportare le fatiche. Perché non mi portate questa volta a Firenze, affinché io conosca i vostri amici e devoti di Dio ? Io son giovane e posso meglio di voi sopportare le fatiche e, poi, la prossima volta, posso andarci da solo a prendere i nostri bisogni, quando vi piacerá, mentre voi rimanete qui. Il buon uomo che credeva che suo figlio fosse già grande e abituato al servizio di Dio, tanto che le cose del mondo difficilmente potessero attirarlo, disse a se stesso:

_Hai ragione lui. _ E, perciò, dovendo andare in città, lo condusse con sé. A Firenze, il giovane vedendo i palazzi, le case, le chiese, e tutte le altre cose che di solito si vedono in città e che non ne aveva mai viste in vita sua, cominciò a meravigliarsi e a domandare al padre cosa fossero e come si chiamassero. Il padre gielo deceva e lui, soddisfatto della risposta, continuava a fare domande. E, così, per caso, incontrarono un gruppo di belle giovani donne ornate che venivano da qualche festeggiamento nuziale. Il giovane, vedendole, chiese al padre cosa fossero e lui, allora, disse:

_ Figliol mio, bassa gli occhi in terra; non le guardare; son cosa cattiva.

Disse il figliolo:

_ O come si chiamano ?

Il padre, per non destare nel giovane un desiderio inopportuno, non le volle nominare per il proprio nome, cioè femmine, e rispose:

_ Esse si chiamano papere.

Meravigliosa cosa ad udire! Il figliol che mai aveva visto una donna, ignorando palazzi, bue, cavallo, asino, denari e altro che avesse veduto, subitamente disse:

_Padre mio, io vi prego che facciate in modo che io abbia una di quelle papere.

_ Oimé! Figliol mio. _ disse il padre _ Taci: esse son cosa cattiva. Allora, il giovane gli domanda dicendo: _ O son così fatte le cattive cose ?

_ Sì. _ disse il padre.

Il figliol allora disse:

_ Io non so cosa voi dite né perché queste siano cattiva cosa. Quanto a me, no mi ricordo di aver mai visto cosa tanto bella né tanto piacevole come queste. Esse son più belle degli angeli dipinti che mi avete tante volte mostrati. Deh, se volete compiacermi, fate che noi ne conduciamo una con noi lassù, di queste papere, ed io le darò beccare. Disse il padre: _ Io non voglio. Tu non sai dove esse s'imbeccano! _ e, rendendosene conto della prevalente forza della natura, si pentì d'aver portato il figliolo a Firenze.

COMENTÁRIOS SOBRE A ATUALIZAÇÃO LINGÜÍSTICA

 

Verificamos, após leitura do texto original e já atualizado, que os entraves a serem transpostos, a fim de estabelecer-se um diálogo produtivo com o texto, são, sobremaneira, a elaboração complexa dos períodos e, conseqüentemente, o ritmo que o narrador impõe ao seu estilo de narrar, lançando mão, para tal escopo, de uma pontuação assaz rica.

No tocante à extensão e à complexidade dos períodos, interligados, muitas vezes, por conectores eficazes, mas de uso pouco freqüente no italiano atual, observa-se que a novela, com certos ecos de recursos retóricos, objetivando o uso persuasivo da linguagem, busca reproduzir a espontaneidade de um contador de histórias que narra para uma platéia seduzida pela palavra. Nele estão: os vocativos e os epítetos, as repetições, conjugados às retomadas e às inversões, retratando bem a estratégia do narrador em vivificar o que relata.

No entanto, o excessivo uso de vírgula e ponto-e-vírgula, as retomadas, as repetições e a extensão dos períodos contribuem para que a leitura do texto se torne pouco prazerosa e eficaz, mesmo que sejam recursos imprescindíveis para o tecer habilidoso de uma história simples que se transforma em uma narrativa exemplar, pois exigem do leitor muita familiaridade com o texto medieval. Pensando no leitor hodierno, decidimos interferir nessa trama-arte, fantasticamente urdida, ponto a ponto.

Para esse fim, fomos forçados a reconstruir os períodos, repontuar todo o texto, eliminar certas inversões e renunciar à excessiva, mas brilhante linguagem pleonástica que, como já aludimos, servia para prender a a tenção dos ouvintes e, além disso, acerscentamos, para retomar o ponto de partida, lembrar o fio da trama fácil de perder na oralidade.

Reduzimos a ocorrência de pronomes relativos e encurtamos os períodos, buscando construir um texto mais próximo de nossos dias, mantendo-nos, contudo, para fins pedagógicos, infiéis à estrutura lingüística da obra, mas fiéis à mensagem do texto original.

Procuramos, também, no que se refere ao vocabulário, atualizar palavras de domínio mais restrito a texto daquela época tais como: seco, pelagi, omai, servigio, rimaso, limosine, quivi entre outras. Julgamos pertinente homogeneizar o uso dos pronomes: elle/esse, il/egli e algumas formas verbais, tais como: conceputo/concepito, veggendo/vedendo, sieno/siano, dovrebbono/dovrebbero.

Em relação ao aspecto semântico, preferimos substituir alguns verbos que poderiam remeter a outros significados hodiernamente: guardarsi/astenersi, menare/condurre, guatare/guardare.

Finalizamos, pois, afirmando que, em suma, procuramos centrar-nos na mensagem, visando, primordialmente, a facilitar o acesso ao texto clássico àqueles leitores - estudantes de letras ou não - que estão mais aptos a decodificarem textos elaborados a partir do italiano moderno.

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

BOCCACCIO, G. Decameron. Milano:Garzanti, 1980. 2 vol.

SANTORO, M. Le stagioni della civiltà letteraria italiana .Firenze: Le Monnier, 1979.

SAPEGNO, N. Disegno storico della letteratura italiana. Firenze: La Nuova Italia, 1979.