ESTUDO DA MÉTRICA DE UM EPIGRAMA LATINO PRODUZIDO NO BRASIL NO SÉCULO XVIII

Maria Regina Pante (UEM)

 

INTRODUÇÃO

No século XVIII, mais precisamente no ano de 1749, em Mariana - Minas Gerais , ocorreu um grande festejo público , em decorrência da criação do novo bispado marianense e da chegada do bispo , vindo do Maranhão. Foram dias de comemorações, com procissão , shows pirotécnicos , teatros , festas sagradas e profanas e, ao final , uma academia de curta duração . Dela participaram muitas pessoas , das quais várias pertencentes ao clero . Dessa academia resultou uma obra , hoje rara , intitulada Aureo Throno Episcopal collocado nas minas do ouro ou Notícia breve da Creação do novo bispado Marianense..., na qual se encontram a relação da longa viagem empreendida pelo bispo e sua comitiva , do Maranhão até Mariana , a descrição de toda a entrada , dos festejos , shows , teatros , bem como os trabalhos da academia então realizada. Entre esses trabalhos encontram-se poesias em português , espanhol e latim , além de discursos proferidos na ocasião .

Nosso objeto de análise no presente artigo é um dos poemas recitados nesta academia . Trata-se de um epigrama constituído de dez versos ou cinco dísticos elegíacos , da autoria de Antonio Dias Cordeiro .

Faremos uma análise métrica deste epigrama , conforme os manuais de métrica latina , ou seja, uma abordagem dos tipos de pés métricos encontrados e dos esquemas de substituições .

Para tanto , procedemos a uma descrição das características do hexâmetro datílico, do dístico elegíaco , apresentando, sempre que possível , exemplos de autores clássicos latinos , a fim de que nossas explicações se tornem suficientemente claras .

 

 

O hexâmetro datílico

Também conhecido por verso épico ou verso heróico , o hexâmetro datílico é a forma mais antiga de verso grego de que se tem conhecimento . Foi empregado por Homero, na Ilíada e na Odisséia . Do seu emprego nas poesias épicas, estendeu-se à poesia didática , com Hesíodo e à poesia pastoril , com Teócrito.

Este tipo de verso foi introduzido na literatura latina por Enio (239-169 a.C.), para compor seus Anais , desaparecendo, dessa forma , o verso satúrnio, empregado por Névio (ap. 270 - ap. 199 a.C.), em A Guerra Púnica (Poenicum Bellum).[1]

Uma vez introduzido na literatura latina , foi aperfeiçoado por Virgílio e Ovídio, aproximando-se dos modelos gregos , salvo nos aspectos concernentes à cesura e ao fecho do verso , tornando o ritmo diferente do de Homero. Adaptado à literatura latina , o hexâmetro datílico passou a ser o verso preferido de Virgílio, na epopéia e nas poesias didática e pastoril , de Lucílio, na sátira , de Lucrécio, na poesia didática , de Horácio, na epístola .

Em decorrência de sua rigidez e de seu ritmo nada natural para a língua latina , o hexâmetro datílico provocou a exclusão de inúmeras palavras latinas correntes , principalmente aquelas que continham uma breve isolada entre duas longas: cōnsǔlēs, īmpĕrātor,as que começavam por três breves seguidas ĭnĭtĭum, sŏcĭĕtas, e as que tinham duas longas consecutivas entre duas breves nĕcēssārĭa, fǔīssēmŭs, etc, fazendo com que o verso perdesse em originalidade o que tinha em elegância . O motivo alegado para tal exclusão era o fato de tais palavras , - tipicamente romanas e dificilmente substituíveis -, não se adequarem ao ritmo datílico (- vv) ou (- - ). (Nougaret, 1948); (Herrero-Llorente, 1971).

 

A estrutura do hexâmetro datílico

O hexâmetro datílico, como o próprio nome sugere, é o verso de ritmo datílico, ou seja, composto por seis pés , contendo um elemento ( ou meio-pé) forte e um elemento ( ou meio-pé) fraco , de forma que o acento (ictus) ou sílaba forte , sempre recai sobre o primeiro meio-pé.

O nome datílico se deve ao fato de este verso ser composto por pés dátilos (- vv), formados por uma sílaba longa e duas breves (- vv), que , na segunda metade do pé , podem ser substituídas por uma longa (- -). Assim , um dátilo (- vv), é um pé de quatro tempos , da mesma forma que um espondeu (- -), sendo que o primeiro é sempre forte , e os dois últimos , fracos , caracterizando o ritmo descendente do verso :

- vv / - vv / - vv / - vv / - vv / - v

A substituição de dátilos (- vv) por espondeus (- -), visando a uma quebra na monotonia e a uma maior liberdade na escolha dos vocábulos empregados , é possível porque uma sílaba longa (-), sílaba de dois tempos , eqüivale a duas sílabas breves (v v).

Essa igualdade na quantidade das sílabas permite que um dátilo possa ser substituído por um espondeu em qualquer pé . Quando ocorre no quinto pé , o pé dominante , dizemos que o verso é espondaico e, nesse caso , o quarto pé , ou seja, o pé anterior , deve ser sempre um dátilo:

Cara de / um subo / les, ma / gnūm Jŏvĭs / īncrē / mentum!

(Virgílio, Bucólicas, IV, 49);

Ante ti / bi Eo / ae A / tlāntĭdĕs / ābscōn / dantur

(Virgílio, Geórgicas, I, 221)

Crusius (1951: 63) afirma que

son raros en la mayor parte de los autores , excepto Catulo, los versos que tienem um espondeu en quinto pie. Catulo, por el contrario, ha usado el hexâmetro espondaico a imitación de sus modelos alejandrinos.

Em seguida , nos dá um exemplo , cujo quarto pé , ao contrário do que foi dito , não é um dátilo, mas um espondeu:

Phâsĭdŏs / ād flūc / tūs ēt / fīnīs / Aēē / tēōs.

(Catulo, 64, 3)

Havet (1930), ao estudar o assunto , cita Virgílio como exemplo de autor que apresenta versos espondaicos em suas obras . São 31 exemplos em 12.000 versos , número que comprova a pouca freqüência no emprego de versos espondaicos entre os autores clássicos latinos .

Note-se que nesses versos espondaicos, os dois últimos pés formam-se com uma só palavra , que neste caso , possui quatro sílabas . Crusius (1951) a esse respeito , afirma que na época clássica , o quinto e sexto pés às vezes se formavam com uma só palavra , quando se tratou de nome próprio ou palavra grega , ou em ambos os casos .

Laurand & Lauras (1963), analisando as obras de Virgílio, constataram essa afirmação de Crusius, pois , segundo eles , o clássico latino construiu a maioria de seus versos espondaicos com palavras gregas e com nomes próprios .

Ainda quanto a essa tendência , Havet (1930: 54) apresenta alguns versos de Virgílio, - considerados exceções -,[2] terminados por uma palavra latina com mais de três sílabas , formando os dois últimos pés do hexâmetro:

Dant sonitum ingenti, perfractaque quadrupedantum.

(Eneida, XI, 614);

Cornua velatarum advertimus antemnarum.

(Eneida, III, 549);

Proximus huic, longo sed proximus intervallo.

(Eneida, V, 320).

Quanto ao emprego ou não de um dátilo no quarto pé do verso espondaico, Nougaret (1948) afirma que Homero, na Ilíada, apresentava, a cada vinte e três versos , um espondaico e que , em geral , os autores gregos não apresentavam nenhuma dificuldade em empregar também o espondeu no quarto pé .

Mas , segundo Havet (1930: 10) “Il est rare parmi les quatre pieds qui précèdent un spondée cinquième, il n’y ait qu’un un seul dactyle”, ou seja, mesmo que o quarto pé fosse também um espondeu, deveria haver , pelo menos , um pé dátilo no verso espondaico, pois era muito raro quatro espondeus nos quatro primeiros pés . O único exemplo de que se tem conhecimento na poesia clássica é o de Catulo, 116, 3:

Quī tē / lēnī / rēm nō / bīs nēu / cōnā / rērē

Nougaret, analisando essa freqüência no emprego de dátilos ou espondeus no quarto pé do verso espondaico, afirma que “a partir de Lucrèce (...) est obligatoirement un dactyle” (1948: 45).

Sabendo-se que o hexâmetro é um verso formado por seis pés dátilos, ou por seus correspondentes espondeus,

- vv / - vv / - vv / - vv / - vv / - v

notamos que o sexto pé carece de uma sílaba breve , fato que levou muitos metricistas a denominá-lo verso catalético. Segundo esses autores , a possível substituição , no sexto e último pé , de um troqueu (- v ), pé de três tempos ( ou dátilo incompleto ) por um espondeu (- - ), pé de quatro tempos , ocorre porque , na poesia , a quantidade da última sílaba é indiferente , isto é, pode ser breve ou longa , de forma que o troqueu (- v ) pode ser substituído pelo espondeu (- - ), sem prejuízo para a composição do verso .

A adoção ou não do termo catalético varia entre um metricista e outro , ou seja, há aqueles que consideram o último pé um troqueu, podendo ser substituído por um espondeu ( verso catalético), e outros que entendem o último pé como um espondeu, substituível por um troqueu devido à indiferença na quantidade da última sílaba . Dentre os primeiros , temos: Bello (1862), Nougaret (1948), Havet (1930), Crusius (1951), Juret (1938).

Postgate (1923), por sua vez , não concorda com essa afirmação, dizendo que o último pé é sempre um espondeu (- - ) e, sendo assim , o verso não é catalético, mas acatalético Nesse caso , a possibilidade de se poder substituir esse espondeu por um troqueu se deve ao fato acima mencionado: a última sílaba é indiferente , ou seja, pode ser longa ou breve .

 

O dístico elegíaco

O dístico elegíaco é um tipo de estrofe composta de dois versos datílicos: um hexâmetro, exatamente igual ao estudado acima , e um verso mais curto , chamado elegíaco , construído da seguinte maneira :

- vv / - vv / - vv / - vv / - vv / -v (hexâmetro)

- vv / - vv / - || - vv / - vv / - (pentâmetro)

ou seja, de duas partes (hemistíquios) iguais , cada uma delas apresentando dois pés e meio ou 2 e ½ pés . No primeiro hemistíquio, os pés dátilos podiam ser substituídos por espondeus, o que não podia ser feito no segundo hemistíquio, cujos pés deviam ser sempre dátilos. De acordo com essa possibilidade de substituição no primeiro hemistíquio, os versos pentâmetros construídos com um dátilo e um espondeu, ou o inverso ou dois dátilos, eram considerados mais harmoniosos do que aqueles construídos por dois espondeus.

A exemplo do que vimos no hexâmetro datílico, o pentâmetro também é um verso catalético, pois apresenta seu 3º e 6º pés incompletos , carecendo da tésis ( sílaba breve ). Devido a isso , foi-lhe dado o nome de pentâmetro, pois os dois pés cataléticos somados, formariam o quinto pé . Harvey (1987) discorda do termo pentâmetro, pois não passa de um simples hexâmetro com dois pés cataléticos. Também discordam, nesse aspecto , Nougaret (1948), que chama o pentâmetro de hexâmetro formado por duas tripodias  [trípode, que tem três pés ] cataléticas, e Havet (1930), que adota o termo hexapodia, dividida em duas tripodias. Ambos fazem alusão aos tempos fortes ou ictus, pois o pentâmetro apresenta seis tempos fortes .

O verso elegíaco apresenta duas sílabas fortes seguidas , uma no fim do primeiro hemistíquio, e a outra no começo do segundo , ambas separadas pela cesura pentemímere. Isto fá-lo diferir do verso épico , no qual os meios-pés fortes são regularmente separados pelos meios-pés fracos .

- vv / - vv / - || - vv / - vv / -

A presença desses dois pés cataléticos, um no final do primeiro hemistíquio e outro no final do verso , ou no final do segundo hemistíquio, faz com que o verso adeque-se às expressões de tristeza ou outras sensações . Faz-se obrigatório o emprego da cesura pentemímere, ou seja, depois do segundo meio pé , dividindo o verso em dois hemistíquios de dois pés e meio cada :

Sī lĭcĕt / ēxēm / plīs || īn / pārvīs/ grāndĭbŭs/ ūti:

Haec făcĭ / ēs Trō / iaē ||cūm căpĕ / rētŭr ĕ / rat

[3], as formas mais simples e primitivas de composições líricas , próprias da manifestação de modestos pensamentos e suaves sentimentos . Posteriormente , passou a ser empregado nas inscrições ( epigramas ), cuja maior finalidade era a brevidade .

 

Estudo das substituições no epigrama latino

Retomando o que já foi dito a respeito das substituições de dátilos por espondeus nos versos hexâmetros, vimos que os espondeus podem substituir os dátilos em qualquer pé , sendo raro que isso ocorra no quarto e quinto pés . No caso dos dístico elegíaco , o verso hexâmetro jamais é espondaico, de forma que não vamos encontrá-lo no epigrama estudado.

De acordo com as possibilidades de substituição , o número mínimo de sílabas que um verso hexâmetro pode apresentar é treze, no caso de quatro substituições :

- - / - - / - - / - - / - vv / - v

e, no máximo , dezessete, se não ocorrer nenhuma:

- vv / - vv / - vv / - vv / - vv / -v

Quando houver uma substituição , o verso apresentará dezesseis sílabas , se houver duas, quinze, e se houver três , quatorze. Já nos versos pentâmetros, como também já foi dito , podemos substituir os dátilos por espondeus apenas no primeiro hemistíquio, permanecendo, o segundo , invariável .

O uso de dátilos ou espondeus nos quatro primeiros pés do hexâmetro depende muito da predileção do autor ou das impressões que ele deseja passar . Segundo Postgate (1923), o emprego de um dátilo no primeiro pé é mais comum . Quanto aos outros três , serão dátilos se o autor quiser expressar movimentos rápidos e velozes ; serão espondeus, se ele tiver a intenção de passar a idéia de movimentos pesados e lentos , como o caminhar pela escuridão . Em suma , serão dátilos para expressar sentimentos de alegria , e serão espondeus para denotar tristeza e melancolia .

Nos autores clássicos latinos , o que se pode notar é uma alternância expressiva entre o emprego de dátilos e de espondeus, sendo que no primeiro pé , geralmente predomina um dátilo. No segundo e terceiro pés , vamos ter uma alternância entre dátilos e espondeus, dando ao verso um ritmo mais cadenciado e harmonioso .

A tendência , portanto , é a construção de versos de 16, 15 e 14 sílabas , ou seja, versos apresentando, respectivamente , uma, duas ou três substituições . Ainda quanto à tendência dos clássicos latinos , a maior freqüência são os versos onde temos, nos quatro primeiros pés , um dátilo e três espondeus.

A ocorrência de versos de 17 sílabas , ou seja, formados por dátilos puros , sem nenhuma substituição , é bem mais difícil , da mesma forma que os versos de 13 sílabas , cujos quatro primeiros pés são espondeus. Isso comprova a afirmação de que os versos que apresentam alternância entre dátilos e espondeus deixam de lado o ritmo apenas lento ou pesado ou apenas rápido e veloz .

No epigrama de Antônio Dias Cordeiro , composto em dísticos elegíacos , procedemos ao estudo completo das substituições de dátilos por espondeus, nos quatro primeiros pés de cada verso hexâmetro e do primeiro e segundo pés de cada pentâmetro, segundo as características gerais por nós apresentadas anteriormente .

Quanto ao sexto pé do hexâmetro, também conhecido por pé catalético, apresentaremos um levantamento do emprego de espondeus ou troqueus (dátilos incompletos ), logo após o estudo das substituições ocorridas.

Restam, finalmente , as substituições de dátilos por espondeus nos versos pentâmetros, que serão analisadas sempre depois das substituições nos versos hexâmetros.

Substituições de dátilos por espondeus nos versos hexâmetros:

Sōluĭtŭr / īn quĕrŭ / lōs || tēl / lūs Mără / nōnĭă / flētūs,

dūm tē / Pāstō / rēm || trīstĭs ă / bīrĕ uĭ / dĕt.

Flēt, dŏlĕt / ātquĕ gĕ / mīt || sīn / gūltĭbŭs / aēthĕră / cōmplēns,

paūpĕrĭ / ēm dī / uēs || quōd tŭă / dēxtră lĕ /uĕt.

Gāudĕt ĕt / ēxūl / tāt, || plāu / dīt sĕcŭs / āurĕă / tēllūs,

dūm uĭdĕt / ād mū / nūs || tē sŭbĭ / īssĕ tŭ / ŭm .

Quīs, Pătĕr, / īn tō / tō, || quīs / tē fē / līcĭŏr / ōrbĕ ,

tē nō / tūm quān / dō || dēxtĕră / sōlă fă / cĭt?

Fērrĕă / nūnc nōs / cīt || tēl / lūs Mără / nōnĭă / sāeclă,

āurĕă / nūnc sā / tīs || āurĕă / tērră uĭ / dĕt.

(Antonio Dias Cordeiro )

 

A Maranônia terra em prantos funde quérulos

vendo o pastor partir , entristecida.

Dorida , chora e geme, enchendo o ar de soluços ,

saudosa do poder de tua destra .

A Terra do Ouro entanto alegre bate palmas ,

feliz de ver-te aqui no teu ofício .

Quem no orbe todo , Pai , quem mais feliz que Tu ,

pois basta tua destra ao teu renome ?

A Terra Maranônia a idade férrea sabe,

mas vê sua áurea idade a Áurea Terra .

(Trad. do Prof. J. Lourenço de Oliveira )[4]

Uma substituição , no 3º pé ( versos de 16 sílabas ):

- vv / - vv / - - / - vv / - vv / - v

Nos versos 1, 3.

Ocorrências : 02 (duas) ou 40%;

Duas substituições , no 2º e 3º pés ( versos de 15 sílabas ):

- vv / - - / - - / - vv / - vv / - v

Nos versos 5, 9.

Ocorrências : 02 (duas) ou 40%;

Três substituições , no 2º, 3º e 4º pés ( versos de 14 sílabas ):

- vv / - - / - - / - - / - vv /_v

No verso 7.

Ocorrência : 01 (uma) ou 20%.

Resumindo o esquema das substituições temos:

Uma substituição , versos de 16 sílabas : 02 ou 40%;

Duas substituições , versos de 15 sílabas : 02 ou 40%;

Três substituições , versos de 14 sílabas : 01 ou 20%.

Substituições no:

Segundo pé Terceiro pé Quarto pé

____                         só no 3º: 02 ____

2º e 3º : 02 2º e 3º : 02 ____

2º, 3º e 4º : 01             2º, 3º e 4º: 01 2º, 3º e 4º : 01

______________________________

TOTAL 03               TOTAL 05 TOTAL 01

(60%) (100%) (20%)

Nos primeiros pés dos pentâmetros, encontramos as seguintes substituições :

Um dátilo + um espondeu: 3 versos (60%);

Dois espondeus: 2 versos (40%).

Por meio desse levantamento , podemos notar que o epigrama de Antônio Dias Cordeiro apresenta semelhanças com as poesias de clássicos latinos , pois temos predominância de versos de 14 e 15 sílabas (60 % do total ), sendo também freqüentes os versos de 16 sílabas (40 %). Não há, portanto , versos de ritmo lento ou grave (13 sílabas ), nem versos de ritmo rápido (17 sílabas ), de forma que a poesia se nos apresenta com um ritmo harmonioso e cadenciado.

Segundo Postgate (1923), nos autores clássicos latinos , ocorre uma maior freqüência de dátilos no primeiro pé e de espondeus no quarto . Nos hexâmetros do epigrama em questão , é correto afirmar que temos o emprego absoluto de dátilos no primeiro pé (100%), mas não de espondeus no quarto (25%).

No segundo e terceiro pés dos hexâmetros, encontramos uma alternância entre dátilos e espondeus, apesar do predomínio dos primeiros (100%) sobre os segundos (60% ).

Quanto aos pentâmetros, encontramos mais pés dátilos seguidos de espondeus, porém , temos também dois versos constituídos por dois espondeus, o que é menos freqüente nos clássicos latinos .

Apresentamos, a seguir , o esquema da freqüência dos pés dátilos e espondeus dos cinco dísticos elegíacos , para que tenhamos uma idéia de como foi composto esse epigrama . Nos pentâmetros, apresentaremos somente o primeiro e segundo pés do primeiro hemistíquio, já que o segundo hemistíquio é sempre invariável , ou seja, apresenta apenas dátilos no terceiro e quarto pés .

1º dístico 1. dátilo / dátilo / espondeu / dátilo / dátilo / troqueu

2. espondeu / espondeu /

2º dístico 3. dátilo / dátilo / espondeu / dátilo / dátilo / espondeu

4.        dátilo / espondeu /

3º dístico 5. dátilo / espondeu / espondeu / dátilo / dátilo / espondeu

6. dátilo / espondeu /

4º dístico 7. dátilo / espondeu / espondeu / espondeu / dátilo / troqueu

8. espondeu / espondeu

5º dístico 9. dátilo / espondeu / espondeu / dátilo/ dátilo / troqueu

10. dátilo / espondeu

TOTAL . . . . . 05 dísticos (10 versos )

Segundo afirmações de Laurand & Lauras (1963: 630), nos clássicos latinos , os versos mais freqüentes são aqueles cujos quatro primeiros pés são compostos por um dátilo e três espondeus. No epigrama em questão , encontramos, em cinco hexâmetros, apenas um apresentando essa estrutura (20%). Apesar disso, temos uma maior ocorrência de espondeus no segundo e terceiro pés , enquanto o primeiro é quase sempre dátilo, conferindo um ritmo harmonioso aos versos .

Para completar o quadro das substituições , temos, no sexto pé :

Versos terminados em troqueus (dátilos incompletos ):  03;

Versos terminados em espondeus:                     02.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse breve estudo de um epigrama latino produzido no Brasil, em pleno século XVIII, nos atesta que , naquela época , os membros do clero , bem como outros “ homens das letras ” conheciam e dominavam perfeitamente o latim .

Além disso, o fato de, na mesma obra Aureo Throno Episcopal, encontrarmos autores versando em mais de uma língua , comprova o plurilingüismo dos poetas que , mais do que por uma vaidade pessoal , atendiam à tendência imposta pela “ tirania dos modelos , vassalagem à moda , pressão do ambiente intelectual , tão comuns em academias espalhadas por toda a Europa”.

 

BIBLIOGRAFIA

CRUSIUS, F. Iniciación en la métrica latina (versión y adaptación de Angeles roda ). Barcelona: Bosch, 1951.

ERNOUT, A.; MEILLET, A. Dictionnaire étymologique de la langue latine. 3ª ed. Paris: Kincksieck, 1951.

HAVET. L. Cours élementaire de métrique grecque et latine: redigé par Louis Duvau. 7ª ed. Paris: Delagrave, 1930.

HERRERO-LLORENTE, V. J. La lengua latina en su aspecto prosódico : com un vocabulario de términos métricos. Madrid: Gredos, 1971.

NOUGARET, L. Traité de métrique latine classique. Paris: Klincksieck, 1948.



[1]O verso satúrnio ( versus saturnius) é o único originalmente latino . Sua forma mais antiga encontra-se nos fragmentos da tradução latina da Odisséia , pelo grego Lívio Andrônico. O outro autor a usá-lo foi Névio, em sua obra Bellum Punicum, da qual não restam fragmentos . Além desses autores , tem-se conhecimento de fragmentos das Sententiae, de Ápio Cláudio Cego , das Satirae Menippeae, de Varrão , e de inscrições votivas e funerárias , e de citações por autores e gramáticos .

[2] Os outros versos construídos dessa maneira são , em sua maioria , imitações diretas de outro autor ou versos empregados com vista a uma harmonia imitativa.

[3] Segundo Harvey (1987), a etimologia da palavra elegia (do grego Elegeia) é incerta, e pelo que se sabe, originariamente foi o nome de um canto de lamentação , adotado desde cedo pelos poetas para a expressão dos sentimentos pessoais e para exortações e reflexões relativas a uma grande variedade de assuntos , graves ou alegres .

[4] Tradução extraída de Afonso Ávilla. Resíduos Seiscentistas em Minas - Textos do século do ouro e as projeções do mundo barroco . Belo Horizonte : Centro de Estudos Mineiros , 1967. vol. 2. 680p.