SEMIOSE E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ESTUDO SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO DOS PROCESSOS SÍGNICOS EM SEQÜÊNCIAS LÓGICAS

Claudio Manoel de Carvalho Correia (UERJ)

 

1- INTRODUÇÃO

O ser humano possui, como uma de suas características primordiais, a capacidade de abstração, a condição de simbolização através da manipulação e operação com signos, entidades representativas, que tem como objetivo, a capacidade de gerar significados a partir da representação da experiência existente no mundo que o circunda. Esta característica de manipulação de signos tem sido associada a uma das capacidades humanas fundamentais que diferenciam o ser humano dos animais, na medida em que a condição para o uso de símbolos é uma atividade dependente de uma capacidade de abstração que rompe com os elos da experiência direta, introduzindo, na geração dos signos, representações da experiência prévia.

O desenvolvimento do homem está profundamente relacionado com essa capacidade de simbolização, diferenciando-o de outros organismos e demonstrando, no curso evolutivo da espécie, a condição de adaptar-se ao meio, através da aquisição desse sistema simbólico. Culturas foram constituídas por signos e seus ensinamentos ancestrais passados através de outro sistema de signos, a linguagem. Os signos permeiam, portanto, toda a existência humana e são condição para a manutenção dessa existência, na medida em que vivemos no seio de culturas e sociedades estabelecidas por signos.

Este trabalho tem como objetivo o estudo do desenvolvimento dos processos de significação e interpretação de crianças em faixas etárias distintas, visando à análise das estratégias de construção dos signos e a observação da evolução gradativa desses signos no curso do desenvolvimento cognitivo desses informantes. Buscamos, através do estudo que compõe o arcabouço teórico emergente das teorias de Charles Sanders Peirce (1972, 1980, 1995), filósofo-lógico-matemático norte-americano, um parâmetro de como os informantes geram significados nas diversas e distintas etapas cognitivas na qual se encontram. Serviram de apoio, também, alguns aspectos do conceito de signo apresentados por Vygotsky (1989, 1989a) e as teorias das semioses criativas e orientadas de Nöth (1995).

Com a finalidade de delimitar o objeto de análise dessa pesquisa, seguimos com o conceito retomado por Peirce ao longo de seus trabalhos para singularizar o objeto de estudo de sua Semiótica: a semiose.

A semiose enquanto processo é, portanto, o objeto de investigação dessa pesquisa, na medida em que é o termo que define a ação, a atividade dos signos. Na geração dos significados na mente do intérprete, a semiose é o processo transformador dos fenômenos existentes no universo real da experiência, que, através da relação dialética entre mente interpretadora e signo, transforma o fenômeno-experiência em veículo portador de significação: o signo.

O avanço analítico do uso do conceito peirceano de signo e de semiose nesta pesquisa, conjugando discussões do âmbito da Psicolingüística com as da Semiótica de Peirce, está na ênfase dada ao sujeito cognitivo no processo de geração das semioses, que passaram a ser analisadas e observadas a partir das situações reais de significação em diversas faixas etárias. O desenvolvimento cognitivo, espelhado na linguagem verbal, e o fenômeno da significação, foram estudados através da inclusão do sujeito no processo de análise. A interação entre os níveis cognitivo e lingüístico, e seu desenvolvimento foi observado no estudo das semioses, sobretudo, através da observação das semioses geradas em faixas etárias diferentes.

As possíveis relações entre a semiótica e as ciências cognitivas foram atentamente estudadas na dissertação de Correia (2001)[1] e, assim, concluímos que os princípios que emergem da ciência dos signos de Peirce apresentam-se como fundamentação teórica para a análise dos dados dessa pesquisa que pertence à área específica da Lingüística que estuda os processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem humana, ou seja, a Psicolingüística. O arcabouço teórico emergente da semiótica peirceana, as relações entre os signos, a experiência e a mente interpretadora, permitem a observação dos processos de aquisição do conhecimento a partir das relações entre a mente interpretadora e o signo. A semiose é, nesses termos, um processo intrínseco ao próprio processo gradativo do desenvolvimento cognitivo humano, na medida em que articula as experiências e as significações.

O objetivo central dessa pesquisa é a comprovação da tese da existência de um desenvolvimento gradativo dos signos, acompanhado pelo desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, ou seja, afirmamos que o processo de significação, de interpretação, evolui de acordo com o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, tornando o signo mutável, sob o ponto de vista subjetivo.

Acrescentamos, além do enfoque psicológico de Vygotsky e da perspectiva semiótica de Peirce, estudos do conceito de signo baseados nas investigações de Nöth (1995) que fornecem, à análise dos dados, subsídios da Semiótica de Extração Peirceana, pressupostos que envolvem o conceito de signo no seu sentido mais amplo e abrangente e que são, na verdade, a base essencial para um estudo aprofundado sobre o desenvolvimento cognitivo.

A teoria das semioses orientadas e das semioses criativas constitui o suporte teórico adequado para uma análise de entrevistas de seqüências lógicas, objeto de estudo deste trabalho. Esses conceitos fortalecem a perspectiva teórica desde o início proposta como objetivo primordial dessa pesquisa: a constatação de que o signo evolui de acordo com o desenvolvimento cognitivo do indivíduo.

 

2- A TEORIA DAS SEMIOSES ORIENTADAS E CRIATIVAS

Devemos observar que o processo de interpretação sígnica pressupõe a procura constante de signos capazes de auxiliar os complexos caminhos da representação. Nöth (1995: 107) postula o conceito de signo orientador, enquanto um signo interpretado com sucesso com base em um código válido, e o resultado dessa semiose está de acordo com as expectativas do intérprete.

Os informantes selecionados não encontram apenas signos de orientação, no que concerne a uma leitura da bateria de testes a eles aplicada. Ao contrário, encontram, constantemente, signos de desorientação no decorrer de suas leituras.

Nöth (1995: 108) caracteriza esses eventos semióticos sob o nome de semiose incompleta e transformada de forma que o intérprete desorienta-se porque um dos correlatos do signo não pode ser identificado. Nöth (1995: 108) denomina as transformações sígnicas como enganosas ou criativas.

Dentro dessa perspectiva, seguiremos nessa análise com o conceito de semiose criativa, na medida em que entendemos que os informantes analisados, dentro do grau de desenvolvimento cognitivo específico de suas faixas etárias, e desconhecendo, muitas vezes o código específico necessário à leitura da seqüência da bateria de testes aplicada, cria possibilidades e potencialidades de interpretação de acordo com sua maturidade cognitiva. Exploramos, portanto, como propõe Nöth (1995: 108): potencialidades inesperadas de um código existente, com base em um novo código.

A leitura de seqüências dentro de uma ordem lógica, que é o que caracteriza a bateria de testes utilizada para o levantamento de dados, na dissertação de Correia (2001: 125), é uma convenção cultural. Os signos são, portanto, símbolos arbitrários que necessitam do aprendizado por parte do intérprete para a decodificação de seu sistema. Os informantes, em suas faixas etárias específicas, utilizam os desenhos que possuem uma relação de semelhança com os objetos que representam. Em outros termos, ícones, que constituem a seqüência de quadros no processo de decodificação do signo-seqüência de quadros.

Nesses termos, podemos concluir que os informantes desenvolveram estratégias de construção do que entendemos como semioses criativas, ou seja, processos de produção de interpretações que, devido ao desconhecimento do código para a decodificação plena dos significantes apresentados na bateria de testes, direcionam os intérpretes para a geração dos significados.

A produção das semioses orientadas pressupõe a existência de signos orientadores devidamente interpretados. Como a leitura das seqüências de quadros pressupõe o conhecimento de uma ordem lógica, a interpretação considerada correta desse sistema significante específico será chamada de semiose orientada. Nesse caso, o indivíduo apresenta uma interpretação válida, uma semiose qualitativamente superior às semioses criativas e, principalmente, uma leitura linear na ordem lógica das seqüências de quadros.

Aplicamos, portanto, na dissertação de Correia (2001), as teorias da semiose criativa e da semiose orientada, na medida em que seguimos com uma perspectiva que dialoga com os conceitos de desenvolvimento cognitivo propostos por Vygotsky. Acreditamos, dessa forma, que a semiose criativa constitui o processo que descreve as formas de interpretação das crianças em estágios cognitivos e lingüísticos iniciais.

A semiose criativa, enquanto modelo de descrição do uso por parte dos intérpretes de suas potencialidades na decodificação de um sistema significante, exemplifica bem o processo através do qual crianças procuram interpretar as seqüências de quadros sem o conhecimento da ordem necessária para essa decodificação. Através das semioses criativas, podemos perceber como as crianças exploram as potencialidades cognitivas inerentes às faixas etárias a que pertencem, de forma criativa, buscando os signos orientadores em meio à desorientação simbólica na qual se encontram.

Assim, na perspectiva do desenvolvimento cognitivo seguida na dissertação de Correia (2001), cremos que a semiose orientada é um estágio cognitivo constituído da evolução de outro estágio cognitivo anterior, ou seja, a semiose criativa.

 

3- METODOLOGIA DA PESQUISA

A pesquisa se baseou na análise e observação do material lingüístico coletado através de levantamento de dados em pesquisa de campo realizada com informantes dos sexos masculino e feminino, na faixa etária de 2 e 10 anos de idade, oriundos de classes sociais média e baixa. Os informantes foram submetidos, de 6 em 6 meses, a uma bateria de testes composta por recursos motivadores específicos: quadros (gravuras), seqüências (pequenas histórias) e dramatizações (filmagens em videocassete). Todos esses instrumentos de teste foram idealizados por Fernandes (CNPq, 1985). O corpus aqui analisado é oriundo deste levantamento.

Na dissertação (Correia, 2001) foi utilizada apenas uma parte da bateria de testes, ou seja, a que se refere ao estudo de seqüências lógicas apresentadas aos informantes. Para o estudo das estratégias de construção dos conceitos, utilizamos as seqüências de número um e de número três da bateria de testes, que apresentam as disposições dos quadros em ordens não semelhantes[2]. O corpus de dados, dessa forma, foi analisado possibilitando as necessárias observações acerca de como o informante desenvolveu os conceitos e os representou mediante as seqüências de gravuras a ele apresentadas. Este procedimento possibilitou a realização do estudo das estratégias de construção e evolução dos signos, de acordo com as análises sobre a lógica utilizada pelo informante na descrição oral dessas seqüências.

Visando a uma observação detalhada dos processos de construção dos conceitos em diversas faixas etárias, foram selecionadas entrevistas com crianças das seguintes idades: 2,0; 4,0; 6,0; 8,0 e 10,0 anos. O espaço de dois anos entre as idades visou à manutenção de um padrão no estudo do corpus.

Através do corpus selecionado, estudamos os níveis de desenvolvimento do signo das diversas faixas etárias e observamos o processo gradativo do desenvolvimento cognitivo em relação ao signo.

Para exemplificar o processo de geração e evolução dos significados ao longo do desenvolvimento cognitivo das crianças, destacamos um exemplo referente à primeira seqüência de quadros. Constitui-se de uma tabela na qual estão descritos, na primeira coluna, os significados gerados pelos informantes para a interpretação das seqüências de quadros. Selecionamos, entre todas as entrevistas analisadas, aqueles exemplos que consideramos mais representativos das manifestações interpretativas das crianças nas idades observadas. Os exemplos de evolução dos signos foram selecionados em entrevistas por idade, e não pela continuidade de exemplos do mesmo informante em idades diferentes, na medida em que buscamos observar a evolução dos signos em faixas etárias e não no mesmo indivíduo.

Interpretações / Descrições

Idade

Observações

(P.01.F.2,0)

3- I. É bicicleta. (aponta a bicicleta)

2,0

O informante reconhece apenas um elemento da seqüência de quadros, a “bicicleta”.

(P.08.m.4,0)

86- I. O menino caiu da bicicleta nessa rampa.

88- I. Olha ele vai su... ele su... ele vai subir na rampa e vai cair. se tiver outra aqui. (I. aponta para a figura).

90- I. O meni... A bicicleta quebrou.

4,0

O informante inicia a interpretação de forma invertida. Interpreta a seqüência de quadros a partir do último quadro, o quadro de número três (cf. linha 86) e continua sua interpretação voltando a descrever o primeiro quadro da seqüência (cf. linha 88).

(P.24.M.6,0)

284- I. Ele vai subir na rampa.

286- I. E ele tirou o da bicicleta.

288- I. caiu no chão todo quebrado.

290- I. a bicicleta também quebrou e ele começou a chorar.

292- I. Eu não sei mais nada, não... ele... a roupa dele rasgou e ele começ... ele... todo mundo riu dele.

6,0

O informante apresenta descrição linear e na ordem lógica para a interpretação da seqüência de quadros da bateria de testes. Apresenta, assim, um processo de significação a nível de semiose orientada, como podemos observar através da linhas 284, 286, 288, 290 e 292.

(P.38.M.8,0)

387- I. Uma corrida de motoca, o menino foi subir a rampa, todos os garotos e as garotas estão vendo, o menino tava andando rapidinho, subiu, quando foi cair... puh! Ele... saiu da bicicleta, segurou com a mão o volante, caiu no chão quebrou o nariz.

389- I. Todo mundo riu.

8,0

Exemplo de semiose orientada. Além da semiose orientada formulada na ordem lógica necessária (cf. linhas 387 e 389), o informante apresenta um exemplo de desorientação simbólica na medida em que interpreta a “bicicleta” da seqüência de quadros comomotoca” (cf. linha 387).

(P.46.M.10,0)

503- I. Aqui né, um garoto né, que deve ser ambicioso pra caramba... dizendo que ele era bom, assim, é o bom... né? Disse que podia pular daquela ta... tábua ali, de uma certa altura. Daí tá, ele foi correndo, daí tinha um bocado de gente, criança, olhando, né?

505- I. Daí ele foi, subiu... ele s... daí foi, a bicicleta tava voando, ele saiu da bicicleta e ele qu... ele se espatifou todo e a bicicleta amassou toda, caiu em cima dele, e todo o mundo começou a rir dele.

507- I. ele começou a chorar. Todo o mundo ficou na... na cara dele, : “Ah! Ambicioso, né?” Começou a gozar dele.

10,0

Exemplo de semiose orientada. O informante apresenta leitura na ordem lógica necessária para a interpretação da seqüência de número um (cf. linhas 503, 505 e 507). O informante introduz juízos de valor (cf. linha 503 e 507).

TABELA 1– OBSERVAÇÕES GERAIS

SOBRE AS INTERPRETAÇÕES DA SEQÜÊNCIA DE QUADROS 1 – SQ1

 

A partir de nossas investigações, constatamos a existência de perfis cognitivos para a interpretação das seqüências lógicas. Apresentaremos a seguir, uma das quatro tabelas apresentadas na dissertação de Correia (2001: 185) com o objetivo de mostrar algumas considerações quantitativas mais gerais sobre as análises do corpus selecionado e demonstrar melhor os perfis cognitivos que observamos:


 

 

Faixa etária

No de entrevistas de informantes

No de entrevistas com descrições das seqüências

Semiose criativa

Semiose orientada

2,0

16

10

10

0

4,0

16

16

11

5

6,0

16

16

0

16

8,0

16

16

0

16

10,0

16

16

0

16

TABELA 2 – TABELA GERAL DAS ENTREVISTAS DOS INFORMANTES,

DESCRIÇÕES E SEMIOSES

 

4- CONCLUSÃO

A partir dos estudos realizados, concluímos que as primeiras manifestações de semiose nas crianças são as semioses criativas, como as primeiras manifestações da capacidade de manipulação com signos.

Nossas análises demonstraram dois fatos importantes: (1) as semioses geradas são sempre uma evolução; (2) em um corte diacrônico, ou seja, histórico do processo de desenvolvimento dessas semioses, ao longo do desenvolvimento lingüístico e cognitivo dos informantes analisados, há uma evolução qualitativa das semioses, acompanhada de uma evolução quantitativa (reconhecimento de figuras e cenários) e qualitativa do reconhecimento do objeto. O signo evolui, portanto, porque o reconhecimento do objeto também evolui, e na medida em que a semiótica peirceana inclui o objeto como um dos correlatos do signo, fazendo parte da função e atividade semiótica, é a evolução desse objeto, dentro do signo, funcionando na “função semiótica” do signo, que faz com que as interpretações geradas sejam formas mais sofisticadas e evoluídas de significados, quando comparadas com as faixas etárias anteriores.

Os signos evoluem com a maturidade cognitiva dos indivíduos porque a percepção do objeto também evolui e isso se dá porque um aumento qualitativo das experiências no decorrer de sua maturidade cognitiva. Em outros termos, os signos evoluem porque a capacidade de apreensão da experiência e sua conseqüente simbolização (não podemos esquecer que na fenomenologia de Peirce, quando apreendemos um fenômeno, nós o apreendemos com o caráter de signo) também evolui, influindo na capacidade qualitativamente superior de gerar inferências sociais e psicológicas que o Interpretante recebe da mente interpretadora. É nesse ponto que a cognição produzida na mente do intérprete evolui.

Em meio a toda dificuldade de organizar a seqüência de quadros para gerar os significados, as crianças conseguem realizar, no processo de percepção, e na posterior interpretação, a construção dos significados. É nesse ponto que acreditamos que “todas” as crianças se utilizam em estágios iniciais de idade, no que concerne à leitura da seqüência de quadros, de semioses criativas. Essa estrutura interpretativa não se assemelha às semioses geradas por crianças em idades superiores, pois essas conseguem interpretar a seqüência em uma ordem lógica que chamamos de semiose orientada.

Interpretar as seqüências de quadros na ordem lógica, necessária, convencional e similar, no que concerne à ordem da escrita da língua materna dos intérpretes, constitui uma forma elaborada, organizada, altamente qualificada de interpretação que está muito além das interpretações diretas e qualitativamente inferiores, que encontramos nas interpretações das faixas etárias iniciais.

Se passarmos a incluir o estudo das semioses como fundamental para o estudo do desenvolvimento cognitivo humano, constataremos a importância do conceito de semiose postulado por Peirce, que constitui um processo de natureza triádica, incluindo o objeto, o signo e a cognição produzida na mente, podemos encontrar um novo arcabouço teórico para o estudo do desenvolvimento cognitivo. Assim, distinguimos, no desenvolvimento cognitivo da criança, dois processos que qualitativamente se caracterizam diferentes no curso do desenvolvimento: as semioses criativas e semioses orientadas.

Encontramos, nesse ponto de análise, a importância de uma união entre as teorias de Vygotsky e de Peirce, na medida em que, num prisma vygotskyano, as leis que regem os processos são psicológicas e dependentes de fatores sócio-culturais, enquanto que na perspectiva de Peirce, entenderíamos essas leis como lógicas do processo de geração dos signos-interpretantes. Assim, a evolução cognitiva proposta pelas teorias de Vygostsky justificam a geração lógica dos interpretantes, se pensarmos sobre a ótica da Teoria da Incompletude do Signo de Santaella (1992, 1995), na qual, no processo de representação do objeto, o signo não tem a capacidade de abarcar a totalidade do objeto, direcionando o facho da representação para a mente do intérprete. Assim, o estágio cognitivo específico, no qual a criança se encontra, justifica a forma como ela representa esse recorte do objeto feito pelo Representamen enquanto correlato determinado pelo Objeto.

A teoria das semioses criativas e orientadas demonstra a evolução dos signos: há a evolução lógica do signo e há o desenvolvimento do signo no curso do desenvolvimento cognitivo. O que constatamos, na dissertação, é que os dois cursos de evolução, lógico e cognitivo, crescem paralelamente, ao longo da maturação cognitiva das crianças analisadas (Correia, 2001: 193).

O grande avanço analítico dessa teoria para as ciências da cognição está no fato de que reúne, em um único princípio, isto é, no conceito de “semiose”, questões complexas que, até então, sempre foram tratadas por outras disciplinas de forma separada. Referimo-nos à “percepção” e à “significação”. A teoria da semiose engloba estes dois pólos intrínsecos à cognição humana, demonstrando que a percepção constitui-se como uma atividade subjacente à própria atividade de significação (Correia, 2001: 7-24). Assim, os significados são dependentes das percepções e, dessa forma, essa definição resolve os problemas analíticos que esta separação causa nas outras ciências.

A Teoria da Incompletude do Signo de Santaella (1992, 1995) também se constitui como uma teoria essencial para os estudos cognitivos. Na medida em que o Representamen, no processo de representação, abarca alguns dos aspectos do Objeto e, através desse processo direciona o facho da representação para a mente do intérprete, o intérprete preenche o Interpretante com suas experiências prévias, adicionado aos aspectos abarcados do Objeto pela representação do Representamen. Dessa forma, acrescenta à interpretação suas experiências de mundo. Todo esse processo é, em si mesmo, uma descrição lógica da produção da cognição na mente dos intérpretes.

A importância dessa teoria para os estudos realizados está no fato de que o processo de introdução das inferências oriundas das experiências de mundo do intérprete, no processo de interpretação, depende, sobretudo, do estágio cognitivo no qual se encontra.

Em resumo, o signo cresce em seu aspecto lógico, como nos descreveu Santaella (1992, 1995) e, também, evolui com a maturação cognitiva das crianças.

Vale ressaltar que acreditamos que o aprendizado por parte da criança ordem necessária para a decodificação das seqüências na ordem lógica, que constitui a semiose orientada. Emerge do contato cultural com a organização da leitura, que é um aprendizado cultural, que se inicia em casa, ou através do contato com adultos, ou na entrada do ambiente escolar. A ordem necessária para a leitura das seqüências é dependente da ordem da escrita de uma determinada cultura, e, portanto, apresenta diversas variações, dependendo da sociedade e da organização do código gráfico das línguas.

As teorias das semioses criativas e orientadas de Nöth (1995) demonstram que os processos de interpretação e de geração dos signos acompanham o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, servindo-se de uma teoria que contribui com a dissertação de Correia (2001) na expansão do limiar semiótico, como observou Santaella (2001: 4):

Cunhada por Umberto Eco na década de 1970, a metáfora do limiar semiótico tem sido usada para designar as fronteiras do campo de pesquisa semiótico. Isto é: quais são os limites de abrangência do campo que a semiótica pode abraçar? Para aqueles que têm acompanhado o desenvolvimento histórico dos estudos de semiótica explícita, desde os anos 1950 até o presente, é evidente que esses estudos vêm passando por uma expansão contínua e gradual do limiar semiótico.

Assim, buscamos contribuir para a expansão da fronteira dos campos de investigação da semiótica, na medida em que defendemos a inclusão da teoria da semiose como objeto de estudo da Psicolingüística. A partir dos estudos analisados, concluímos que os signos evoluem com o desenvolvimento dos processos cognitivos dos indivíduos, e que o processo de semiose está profundamente relacionado aos processos cognitivos.


 

5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORREIA, Claudio Manoel de Carvalho. Semiose e desenvolvimento cognitivo: Estudo Sobre as Estratégias de Construção dos Processos Sígnicos em Seqüências Lógicas. 2001. 200 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística). Rio de Janeiro: UERJ. 2001.

FERNANDES, Eulália. Estudo de estruturas sintáticas na linguagem do deficiente auditivo. Rio de Janeiro: CNPq, 1985. Relatório de Pesquisa.

NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix: 1972.

––––––. Escritos coligidos. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores).

––––––. Semiótica. 2ª ed.. São Paulo: Perspectiva, 1995.

SANTAELLA, Lucia. Peirce’s semioses and the logic of evolution. In –––. Signs of Humanity L’homme et ses Signens. Mouton de Gruyter, 1992.

––––––. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995.

––––––. A expansão do limiar semiótico. In: JORNADA DO CEPE, 4, 2001, São Paulo. Cadernos: COS/PUS-SP, 2001. p. 4-5.

VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

––––––. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

 


 

[1] A dissertaçãoSemiose e Desenvolvimento Cognitivo: Estudo Sobre as Estratégias de Construção dos Processos Sígnicos em Seqüências Lógicas” (Correia, 2001) foi organizada em duas partes para melhor conduzir o leitor pelas discussões que emergem das teorias estudadas. Na primeira parte, intitulada “Signo, Semiose e Cognição”, os estudos teóricos foram apresentados em quatro capítulos que visam à apresentação do arcabouço teórico, que constitui a base das discussões sobre a semiose e o desenvolvimento cognitivo. Essa parte tem como objetivo direcionar as discussões teóricas para a segunda parte da dissertação, intitulada “Signos em Evolução”, que constitui o campo de aplicação através da análise de dados resultantes da pesquisa de campo. Foi discutido, nessa primeira parte, no primeiro capítulo, o conceito de semiose enquanto atividade dos signos, as interações e causalidades subjacentes a essa atividade e os níveis de percepção constituintes da semiose. No segundo capítulo, foram apresentados estudos teóricos sobre o conceito de signo em Peirce, estudos sobre a fenomenologia de Peirce que se constitui como essencial para o entendimento de seu conceito triádico de signo, as relações de determinação entre os correlatos do signo e, a Teoria da Incompletude do Signo de Santaella (1992, 1995). No terceiro capítulo foram observadas as relações entre a Semiótica e as Ciências Cognitivas, as possíveis relações entre a Semiótica e a Psicolingüística, através das discussões sobre uma perspectiva que entende a linguagem enquanto fenômeno mental e a semiose enquanto objeto das ciências cognitivas. O capítulo quatro, último capítulo dessa primeira parte, apresenta discussões sobre o signo, contextualizando-o às discussões sobre o desenvolvimento cognitivo, através de um diálogo entre os conceitos de signo de Peirce e Vygotsky e a relevância desse diálogo para os estudos cognitivos. A partir desse ponto, foram apresentadas no último subitem do capítulo quatro as teorias das semioses criativas e orientadas de Winfried Nöth (1995) que são o arcabouço teórico-metodológico aplicado na análise do corpus selecionado na segunda parte da dissertação.

[2] A seqüência de número um apresenta três quadros que descrevem as ações dos personagens na seguinte forma: 1o quadro – O menino dirige-se de bicicleta a uma rampa ascendente sendo observado por outras crianças; 2o quadro – o menino salta de bicicleta da rampa; 3o quadro – o menino está caído, chorando, com a bicicleta totalmente destruída, enquanto é observado por outras crianças. A terceira seqüência da bateria de testes apresenta quatro quadros (desenhos) que descrevem as ações na seguinte ordem: 1o quadro um menino coloca um barco num lago; 2o quadro – o menino tenta pegar o barco que se afasta da margem; 3o quadro – o menino se desequilibra e cai no lago; 4o quadro – a mãe do menino o retira do lago.