A TERMINOLOGIA
E A FIXAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
EM MOÇAMBIQUE

Fátima Helena Azevedo de Oliveira (UFRJ)

Introdução

Antes de tratar da importância da Terminologia na fixação da Língua Portuguesa em Moçambique, tema central deste trabalho, seria útil esclarecer o motivo pelo qual se considera este um tópico relevante da área. Há três motivos por que parece importante discuti-lo:

A) Durante seis anos, de 1983 a 1989, a Autora do presente trabalho lecionou língua portuguesa em Moçambique e observou a presença marcante das línguas do tronco Banto no dia-a-dia do povo em comunicações orais.

O fato de o moçambicano estar sempre em contato com a língua inglesa, através das fronteiras (África do Sul, Swazilândia, Zimbabwé, Tanzania), põe em questão, a importância da Lp na região.

C) A dimensão cognitiva da Terminologia está no fato de os termos relacionarem linguagem e realidade, estabelecendo uma base semântica. Ao partir da estrutura do signo, o significante define o termo como uma forma que faz parte de um sistema de oposições, com unidades e regras de formação, associado a um referente; o significado define o termo como parte de conjuntos semânticos organizados, armazenados como conceitos e suas relações. Ao se tomar a relação significante-significado como a mais característica do fazer terminológico, tem-se a situação ideal para fixação da língua portuguesa em Moçambique, uma vez que cada termo refere-se a um único conceito, dentro de um universo do discurso.

A língua portuguesa em Moçambique

Em Moçambique, de acordo com os dados do Recenseamento Geral da População (1997), as línguas maternas da maior parte da população pertencem à família do grupo banto, sendo praticamente inexistentes os locutores nativos de português. Este é, assim, tipicamente uma língua segunda (daqui em diante, L2) e constitui a língua primeira (daqui em diante, L1) apenas para 1,2% dos cerca de 25% de falantes que, segundo a mesma fonte, conhecem o Português.

De um modo geral, o discurso produzido pelos falantes de Português/L2, apresenta alterações significativas com relação à norma européia. O caráter sistemático desses fenômenos de variação parece indicar que os falantes adquiriram um conhecimento estruturado desta língua, tornando-se assim possível uma “abordagem regulada”(principled approach”) (LIGHTFOOT, 82) dos enunciados realizados.

Dessa forma, admitindo que os falantes moçambicanos adultos (com mais de 18 anos), instruídos (com nove anos de escolaridade) possuem já um sistema de conhecimento do Português, foram divulgados procedimentos culinários na referida língua, em forma de livrinhos de receitas. O objetivo geral ultrapassava os limites da cozinha. A descrição dos pratos de salgados e doces proporcionava uma visão mais profunda do Português em Moçambique, contribuindo para caracterização do processo de mudança dessa língua em questões terminológicas. Como L2, o português, ao ser usado na comunicação especializada, tem como especificidade o fato de os interlocutores, de antemão, não compartilharem muitas informações sobre a mesma área de conhecimento. A Terminologia nesse caso auxilia na transferência de conhecimento. (Cabré, 1999).

Importância da Terminologia

na fixação da Língua Portuguesa em Moçambique

No presente estudo, entende-se Terminologia como “estudo lingüístico dos signos especializados” que utiliza uma disciplina do conhecimento ou da atividade humana conhecedora de certa classe de trabalho”(LARA, 1999). Vista por esse ângulo, pode-se designar uma terminologia da culinária moçambicana, enquanto atividade humana conhecedora de certa classe de trabalho, ocasionando o estudo lingüístico (científico) desses signos especializados.

Em Moçambique o vocabulário especializado tem exercido papel importante para fixação da língua portuguesa, uma vez que ela é a L2 para a maioria da população. Por um lado, a prática de elaboração de vocabulário especializado vincula-se à cultura, com estreita relação com a Terminologia. Por outro, a prática da escrita ajuda a transferir a realização do ato comunicativo para um outro local ou para um outro momento. O armazenamento de informações em língua portuguesa, (daqui em diante Lp), possibilita a sua preservação e memorização. A Terminologia passa a proteger a Lp contra o esquecimento, uma vez que “a adoção dessa língua como oficial significou a institucionalização de um bilingüismo generalizado”, segundo Albarram (1988). A linguagem especializada da culinária surge como processo de percepção do signo, sua estrutura e seus significados. Nesse recorte escolhido, a culinária, o significante é o aspecto material e técnico e o significado é o aspecto simbólico e cultural.

A Lp atua em Moçambique como um sistema de significação o qual “utiliza os sistemas semióticos para produzirem ‘discursos’, e estes, informação parcialmente renovada por contextos no bojo de uma tensão dialética conservação-mudança” (FONSECA, 1997). Os limites desses sistemas são a ruptura do sistema pela incompreensão do novo (no caso de signos e sintaxes completamente estranhos) ou a estagnação, fazendo com que formas e usos deixem de dar conta das novas necessidades de comunicação.

Ao destacar o léxico da culinária, observa-se que a Lp em Moçambique produziu uma especialização para atender a novas necessidades sociais. Para ilustrar, cita-se o exemplo de um dos primeiros livros de receita publicado após a independência moçambicana, em 1986:”cortam-se os filhetes”, “bate-se tudo muito bem”, “põem-se a cozer”. É de notar o emprego do pronome enclítico, numa linguagem que prima pela informalidade. Lembra-se que os livros de culinária referidos foram elaborados por homens participantes do Secretariado Nacional da OMM, organização governamental ligada ao Partido Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). OMM significa: Organização da Mulher Moçambicana, os referidos livros, com dois volumes, utilizam unicamente a Lp para apresentar as receitas.

Após a era Samora (morto em 1986), as instituições ligadas ao Partido Frelimo passaram por reformulações e o papel da Lp em Moçambique foi alterado. Com isso, as receitas culinárias passaram a apresentar palavras das línguas banto. Com modificações na postura lingüística do governo, a L1 do usuário das receitas passou respeitada, evitando substituir um termo banto tradicional por um termo em português: “Nicomtomcorro” no lugar de “Puré de Mandioca”, como se escreve em Portugal; “Matapa” ou “Mathapa” (Tsonga) no lugar de “Folha de mandioca ou couve com amendoim”; “M’BOA” (Tsonga, dialeto Ronga) ou “Matsavo” (Tsonga, dialeto Changane) (folhas de abóbora).

A dimensão da Terminologia está no fato de os termos relacionarem linguagem e realidade, estabelecendo uma base semântica. A sua importância na fixação da LP em Moçambique se dá à medida em que ao partir da estrutura do signo, o significante o define como uma forma que faz parte de um sistema de oposições, com unidades e regras de formação, associado a um referente da L1 do usuário; o significado define o termo como parte de conjuntos semânticos organizados, armazenados como conceitos e suas relações. A relação significante-significado é a mais característica do fazer terminológico, ao considerar como situação ideal cada termo referir-se a um único conceito em Lp, dentro do universo do discurso moçambicano.

Conclusão

À vista do exposto, e sabe-se que muito terá sido deixado de se expor, ou por falta de informação ou pela exigüidade natural da apresentação, pode-se avaliar que, de fato, a Terminologia ocupa um papel importante na fixação da Lp em Moçambique.

Embora ciente das limitações dessa exposição em função da estratégia de estudo adotada (análise fixação da Lp em Moçambique através da Terminologia), acredita-se ter apresentado um esboço de como a busca da padronização do termo pode propiciar uma comunicação profissional precisa. O registro de unidades específicas auxilia tanto na preservação da Lp quanto das línguas bantos, L1 dos moçambicanos.