UM ESTUDO DAS VARIANTES
NOS
TESTEMUNHOS DE O CÃO DE BORDO
DE ARTHUR DE SALLES
[1]

Rosa Borges Santos Carvalho (UFBA e UNEB)

 

INTRODUÇÃO

O estudo desenvolvido acerca do processo criativo do poeta Arthur de Salles levou-nos a caracterização de quatro situações textuais distintas, conforme os materiais disponíveis, isto é, autógrafos, apógrafos, datiloscritos e impressos da obra Poemas do Mar.[2] São elas:

1.     Dos manuscritos[3] – observam-se as transformações genéticas no interior de cada testemunho autógrafo, seja ele completo, incompleto, cópia limpa ou rascunho, datiloscrito ou impresso com emendas realizadas pelo autor;

2.     De um manuscrito a outro – considera-se o conjunto dos testemunhos autógrafos de uma obra: manuscritos, datiloscritos, impressos corrigidos pelo autor, incluindo-se também a versão divulgada em Poesias (SALLES, 1920), livro que teve o acompanhamento rigoroso do poeta em seu preparo;

3.     Do manuscrito ao texto impresso em vida – reúnem-se os manuscritos autógrafos, apógrafos, quando se justifica a necessidade de tomá-los na comparação, e os impressos;

4.     Do texto impresso ao impresso em vida – tomam-se os poemas que revelam um processo genético através das variantes impressas. Nestes casos, embora não tenhamos nem manuscritos, nem explicações do autor sobre o seu trabalho, a história da gênese, mesmo reduzida a história do texto impresso, se evidencia.

Do exame destas quatro situações textuais, procedemos à identificação, descrição física e análise das variantes,[4] classificando-as em dois tipos: variantes autorais e variantes da tradição impressa (em vida), que caracterizam dois momentos bem definidos, aquele em que o poeta corrige o texto com suas próprias mãos, não restando dúvida quanto a sua intervenção, e aquele em que os testemunhos trazem versões diferentes que foram publicadas enquanto vivo o poeta e que revelam um processo genético importante, mas que, diante da ausência do autógrafo, não se pode afirmar, com certeza, tratar-se de uma alteração realizada pelo poeta. Entretanto, a análise dessas variantes extraídas das situações 3 e 4 torna-se imprescindível para o estabelecimento crítico dos textos, principalmente no que diz respeito à relação estabelecida entre os testemunhos, numa árvore genealógica, e à escolha do texto de base. Além disso, os resultados obtidos em 3 e 4 foram confirmados quando confrontados com aqueles resultados que se verificam nas situações 1 e 2 e que, sem dúvida alguma, revelam o trabalho de criação do próprio Arthur de Salles.

Para mostrarmos como se desenvolveu o trabalho com as variantes, tomamos o poema O cão de bordo, que aqui se inclui na situação 3 (Do manuscrito ao texto impresso em vida). Buscamos, por meio de uma orientação estatística, determinar os percentuais, considerando a freqüência e distribuição das classes morfológicas, da estrutura sintática e dos sinais de pontuação em relação às operações genéticas de substituição, supressão, acréscimo e deslocamento.


 

ESTUDO DAS VARIANTES

NOS TESTEMUNHOS DE “O CÃO DE BORDO

Tradição do poema

São cinco os testemunhos desse poema: o apógrafo, sem data, 0448[5] (a quo 1933); os impressos, AV (1935), texto publicado no Jornal A Verdade, de Santo Amaro; VA (1946), texto publicado na Revista Veneza Americana, de Recife; RJ, impresso que apresenta a grafia característica da época na qual viveu o poeta, portanto, anterior a 1943; e o manuscrito autógrafo, 0259,[6] datado de 26 de março de 1912, como se pode observar na correspondência de Arthur de Salles:

O cão de bordo

Candeias-26-3-912. / Do - O Mar - Ribas Nataes-[7]

 

Ainda na correspondência deste poeta, há uma referência a uma publicação que teria feito do poema:

...Mandei-te um numero da / revista modernista da Bahia, Arco-Flexa em que apparecem uns versos meus mo- / dernistas. Esses senhores pensam que isto / é diffícil ou inattinjivel. No próxi- / mo numero publicarei Cão de bordo e o / primeiro acto do Macbeth de Shakespeare.

Barracão 21-7-929.[8]

Ressalve-se, entretanto, que O cão de bordo não foi publicado na revista Arco & Flexa,[9] como afirmara Arthur de Salles.

Astério de Campos (CAMPOS, 191-: 89-104.), menciona O cão de bordo, lido para ele, por Arthur de Salles, numa tarde, à rua do Carmo: “(...) uns versos – ‘O CÃO DE BORDO’, que nunca publicou, versos que eu reputo uma obra prima.” (Id., ibid., p. 90.).

Édio Souza publicou no jornal Massapê, de Santo Amaro, em 1996, o texto que corresponde ao testemunho AV (1935) de O cão de bordo.[10] Em artigo divulgado no jornal A Tarde, de 30 de março de 1980, este autor, ao criticar a Obra Poética, (SALES, 1973) pelos seus enganos e tropeços, remete para o poema:

Mas, não se deixe de lamentar, aqui, duas omissões imperdoáveis que foram feitas emObra Poética”, do grande Arthur de Salles, dois poemas que aumentariam o renome de qualquer poeta verdadeiro: “Cão de Bordo” e “Zuza Tropeiro”. [11]

 

Descrição física dos testemunhos[12]

1. Testemunho 0259

SALLES, Arthur de. O cão de bordo. Candeias, 26-03-1912. 3 fº.

Manuscrito autógrafo. Texto definitivo. 55 linhas, distribuídas em 3 fólios, das quais quarenta e oito correspondem aos versos iniciados com letra maiúscula. Papel de carta pautado, medindo 329mm X 217mm. Numerado, a partir do f° 2, no centro da margem superior. Cópia xerográfica.

 

fº 1rº        

Contém 23 linhas: L. 1, título, ao centro, sublinhado, O cão de bordo; L. 2-23, versos. Mancha escrita com 221mm X 133mm. Manchas provocadas pela tinta da pena de aço em: bordo, L. 1; bravio, V. 24; bordas, V. 12; nocturno, V.13. No V. 8, a letra C de Cresceu e a palavra Tritão vêm sublinhadas .

 

fº 2rº

Possui 24 linhas: L.1, linha de pontos; L. 2-24, versos. Mancha escrita medindo 228mm X 175mm. Ao ângulo superior esquerdo acha-se lançado o título: (O) cão de / (b)ordo, sublinhado. Manchas provocadas pela tinta da pena de aço: bruto, o, velho o, V.37; valoroso, V.41; fofa, V.45.

 

fº 3rº

Com 6 linhas: L. 1-3, versos; L.4, Arthur de Salles; L.5, Candeias - 26-3-912. (ponto); L. 6, Do - O Mar - Ribas Nataes - . Mancha escrita com 150mm X 085mm. Ao ângulo superior esquerdo, (O) cão de / (b)ordo.

 

2. Testemunho 0448

SALLES, Arthur de. O cão de bordo. [S.l, s.d.] 2fº.

Manuscrito apógrafo, com 55 linhas, sendo cinqüenta e dois o número de versos. Escrito numa folha para Inventário do material existente... Papel de assentamento, pautado, com traços verticais, medindo 331mm X 216mm. Numerado a máquina: 3. Cópia xerográfica do manuscrito, pertencente ao Acervo Hélio Simões.

 

fº 3rº

Com 28 linhas: L.1, título: O cão de bordo-; L. 2-27, versos; L. 28, linha de pontos. Mancha escrita medindo 255mm X 184mm. Ao ângulo superior direito, lê-se a rubrica: (E)d. Carneiro, sublinhado. Não se acha grafado o ce final em esque(ce), V. 10.

 

fº 3vº

Consta de 28 linhas: L. 1-26, versos; L. 27, Arthur de Salles; L. 28, uma observação: Tem muita cousa copiada errada. A mancha escrita mede 233mm X 196mm. A parte inferior da letra g em golfão, V. 46, está manchada.

 

3. Testemunho AV

SALLES, Arthur de. O Cão de bordo. A Verdade, Santo Amaro, 3 ago. 1935.

Texto publicado em uma coluna central, envolvido numa moldura, pondo em destaque o título, separado dos versos pelos adornos que compõem a moldura, bem como o nome do poeta. Consta de 60 linhas: L.1, o título em maiúsculas, O CÃO DE BORDO; L. 2-59, os versos iniciados com maiúsculas; L. 60, o nome do poeta, ARTHUR DE SALLES. Papel vincado ao meio, comprometendo a leitura do V. 35. Xerox pouco nítida.

 

4. Testemunho VA

SALLES, Arthur de. O Cão de bordo. Veneza Americana, Recife, set. 1946.

Texto distribuído em duas colunas: col. 1, 42 linhas: L.1, Poemas, destacando apenas a inicial maiúscula; abaixo dessa palavra, há 9 estrelas; L. 2, do Poeta Bahiano; L. 3, Arthur de Salles; L. 4-9, comentário sobre o poeta, entre aspas; L. 10-36, 38-42, versos; L. 37, linha de pontos; col. 2: no ângulo direito da página, há uma foto do poeta, medindo 92mm X 69mm, e, ao lado esquerdo, em linha vertical, há 6 estrelas; seguem-se-lhe 27 linhas correspondentes aos versos.

 

5. Testemunho RJ

SALLES, Arthur de. O cão de bordo.[S.l., s.d].

Poema com cinqüenta e oito versos, iniciados com maiúsculas. Impressão em preto. Recorte de jornal, ainda não identificado. Furos, no papel, causados por cupins, atingem duas estrofes, a terceira e a quarta. Título em negrito. Traz o nome do poeta no ângulo inferior direito, em maiúsculas: ARTHUR DE SALLES. Medida do recorte: 228mm X 91mm. Erro óbvio em exguio, V.17: x por s.


 

Variantes lingüístico-estilísticas

Iniciamos esta análise, considerando as marcas deixadas pelo autor no texto manuscrito, avançando-se depois para o confronto entre todos os testemunhos desse poema. Certamente, os textos veiculados pela tradição impressa podem sofrer mutilações e alterações comprometedoras cometidas por editores, tipógrafos, copistas, no caso do apógrafo, entretanto, as transformações genéticas que se verificam nos diferentes testemunhos de O cão de bordo revelam “marcas invisíveis”, marcas não-físicas, da intervenção do autor no processo de construção desse poema. Evidencia-se um rico processo genético que merece ser explorado, com as devidas ressalvas, levando-se em conta que as intervenções ali realizadas não permitem ver a mão do autor, mas, por outro lado, oferecem informações, com relativa margem de segurança, a seu propósito, pois um editor, acredita-se, não seria tão ousado a ponto de mudar, por exemplo, o conteúdo dos versos.

Tomamos para estudo das variantes o manuscrito 0259, de 1912, com 48 versos, por ser o único testemunho autógrafo conhecido até o momento, e, provavelmente, o primeiro, levando-se em conta as alterações que se mostram nos demais testemunhos; o apógrafo 0448, com 52 versos, não datado, mas escrito com a mesma letra dos poemas Anchieta e Os Boitatás, datados de 18 de agosto de 1933, por atestar algumas modificações encontradas no recorte de jornal (RJ); e os impressos AV, RJ e VA, com 58 versos, que se mostram modificados em relação à versão apresentada em 0259: com dez versos a mais, com substituições de palavras, com outra redação para determinados versos. Observando-se a cronologia, esses testemunhos ficariam assim organizados: 0259 (1912), 0448 (a quo 1933), AV (1935), RJ (ant. a 1943), conforme características ortográficas) e VA (1946). O apógrafo 0448 revela-se intermediário entre o autógrafo 0259 e os impressos AV, RJ e VA, parece copiar um texto que o poeta vinha trabalhando. Os impressos, por sua vez, representariam uma etapa mais avançada na elaboração do texto, como se pode notar pelo número de versos e pelas transformações por que passou o poema. O estema que melhor representa a relação entre estes testemunhos é:


 


 

 

Vejamos então quais foram as mudanças realizadas no texto desse poema. No manuscrito autógrafo (0259), tem-se apenas um momento genético, aquele em que o poeta passa a limpo o texto, fazendo-lhe correções características do ato de recopiar, a substituição por sobreposição (100%). Veja-se: I. Substituição por sobreposição: 1. Olhando o mar festivo onde revolto<†> seio (V.7, fº 1rº); 2. E lesto inda uma vez, como então, v<†>/a\loroso (V.41, fº 2rº); Ahi fica em <†>/f\o<†>/f\a areia. A agua, em surdo bramido, (V.45, fº 2rº). Quando cotejamos todos os testemunhos, notamos que esse poema sofreu várias alterações.

No V.1, o autor muda o tempo verbal de abriu (pretérito perfeito) para abrira (pretérito mais-que-perfeito) e muda os verbos, de veio (perfeito de vir) para foi (pretérito perfeito de ir), suprime o SN um dia, e, por fim, modifica a pontuação:

 

V.1

Ms.          0259        1912        Mal que os olhos abriu o mestre veio um dia

Ms.          0448        1933                                abrira               foi busca-lo;

AV           1935                                                                abrira,             foi buscal-o ...

RJ            ant. 1943                                             abrira              foi buscal-o ...

VA           1946                                               abrira             foi buscá-lo...

 

O V. 2 do manuscrito 0259 foi basicamente suprimido: a primeira parte, o verbo acompanhado do pronome, Buscá-lo, encontra-se no final do verso anterior e o restante, e se partiu a longa travessia, foi eliminado:

V.2

Ms.          0259        1912        Buscal-o e se partiu á longa travessia. (cp. V.1)

Ms.          0448        1933        E em pleno mar, ao sol, á chuva, ao rude embalo (cp. V.3)

AV           1935                       E foi a vida, em pleno mar, ao rude embalo

RJ            ant. 1943                                                       mar (s.v.)        

VA           1946                                                          mar,

 

O V. 3 do manuscrito 0259 equivale àquele do V. 2 do apógrafo 0448, que sofreu alterações nos testemunhos impressos. De 0259 para 0448, registrou-se o acréscimo da conjunção E, a substituição de oceano por mar e de um SP por outro, ao murmúrio por ao rude embalo. De 0448 para AV, RJ e VA, houve a supressão de dois SPs, ao sol / á chuva, o deslocamento do SP em pleno mar, o acréscimo foi a vida e a modificação da pontuação:

Ms. 0259 (V.3)        Em pleno oceano, ao sól, á chuva, ao murmurio

Ms. 0448 (V.2)        E em pleno mar, ao sol, á chuva, ao rude embalo

AV          (V.2)        E foi a vida, em pleno mar, ao rude embalo

RJ            (V.2)                                       mar (s.v.)

VA          (V.2)                                        mar,

 

Os versos 10 e 11 do manuscrito 0259 se afastam daqueles dos testemunhos 0448 e dos impressos. Novos versos foram acrescentados, num total de 12, e alguns, suprimidos, uns, na íntegra, outros, modificados apenas parcialmente. O autor alterou a ordem do verbo por três vezes (cf. V. 2 para o V.1, V. 8, V. 35/39, de 0259 para 0448), invertendo a posição ou passando para outro verso, e uma vez o adjetivo. Também deslocou o SP, por duas vezes (cf. CARVALHO, 2002: V.3/2, 10). Essas são algumas das transformações verificadas ao longo desse processo genético.

O fenômeno mais significativo, no que se refere à manipulação dos signos léxicos e gramaticais, foi o da substituição (65,5%) que envolveu, sobretudo, as palavras da mesma classe gramatical; os demais, o acréscimo (17,2%) e a supressão (17,2%), tiveram a mesma freqüência. Entre os signos léxicos (70,7% das 58 ocorrências), o autor trabalhou, intensamente, com o adjetivo (31%): risonho / sereno (luar) (V.6); feroz / arisco (cão) (V.8); agigantado / asselvajado (cão) (V.8); festivo / revolto (mar) (V.7); revolto/tranqüilo/múrmuro (mar) (V.7); inquieto/ ligeiro (cão) (V.13/17); turrante / patusco (mestre) (V. 14/18); acinzentada/ esvermelhada (a pele do cão em feridas) (V. 26/30); impaciente / assanhado (cão) (V. 12/16), etc., e, a seguir, com o verbo (17,2%): olhando / mirando (V.7); dormir/ cochilar (V. 30/34); empola / erriça / escava (V. 35/ 39); assoma / surge / irrompe (V. 12/16); seremos/ estaremos (V. 19/23), incluindo-se também as locuções verbais (6,9%), totalizando 24,1%. O substantivo (13,8%) também foi modificado, porém com menor freqüência que os adjetivos e os verbos: fusta / marinhagem; quarentão / cinqüentão, entre outros. O advérbio (1,7%) apresentou apenas uma ocorrência. Nesses casos, a modificação prima pela concisão, pela expressão concentrada em função da imagem e da metáfora que o poeta deseja construir, valorizando as diferenças entre os sinônimos. Ressalte-se que em qualquer situação impõe-se o respeito à métrica, à rima e ao conteúdo. O trabalho intenso com o adjetivo e o verbo revela certo equilíbrio entre dois aspectos característicos da produção poética de Arthur de Salles, o descritivo e o narrativo. Tomando-se os signos gramaticais, que correspondem a 29,3% do total de ocorrências, notamos a supremacia da preposição (10,3%) e da conjunção (10,3%) sobre o pronome (6,9%) e o artigo (1,7%).

No que tange às estruturas sintáticas, observamos, conforme resultados apresentados, que os fenômenos de substituição (43,2%), acréscimo (37,8%) e supressão (18,9%) tiveram um percentual bastante significativo e envolveram, sobretudo, a frase, F (40,5%), e parte dos versos, Ffrag (32,4%), esta, na maioria dos registros, substituída (56,25%); aquela acrescentada (85,7%). Quanto aos sintagmas, destaca-se o manuseio pelo autor do SP (13,5%), a seguir, do SN (8,1%). Os Sadj (2,7%) e Sadv (2,7%) tiveram uma freqüência baixa.

As alterações concernentes à distribuição dos elementos de natureza sintática, no conjunto dos testemunhos, resultam da preocupação do autor com a melodia do verso, com o sentido mais preciso, com a forma, daí o acréscimo de novos versos, a substituição de um verso por outro ou ainda a supressão dele.

Quanto às correções que envolviam os sinais de pontuação, verificamos que o acréscimo (44,3%) teve uma freqüência expressiva em relação à substituição (28,6%) e à supressão (27,1%). A vírgula (67,1%) foi o sinal de pontuação mais manipulado pelo autor, tanto foi acrescentada (83,9%) como suprimida (78,9%). Registrou-se ainda seu deslocamento nos versos 27/31 e 39/43. (Id., ibid., vol.1.)

Todas as modificações relativas à pontuação traduzem o comportamento do autor em duas direções: uma que se revela na ansiedade do primeiro momento de escrita, e, por isso, é despropositada, ainda frouxa, mais espontânea; e a outra que resulta de um momento de reflexão, mais racional, quando a pontuação é feita de forma consciente, atendendo-se, em alguns momentos, às normas da gramática, e, em outros, pontuando de acordo com a emoção do autor.

Da análise desse material lingüístico envolvido nessas transformações genéticas, procurou-se caracterizar, ainda que superficialmente, o labor estilístico do poeta, a luta que travou para alcançar o resultado desejado, buscando conciliar as qualidades que as palavras apresentam com sua intenção de comunicar por meio de sua poesia, com ênfase para a expressividade poética, trata-se da retomada do texto com a intenção de melhorá-lo. Vê-se delinear a busca da frase perfeita, dentro da forma apurada, construída com todos os seus ingredientes léxicos, gramaticais e rítmicos.

 


 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse momento, salientamos que o estudo dessas modificações feitas ao texto, das “marcas invisíveis”, faz-se necessário, embora saibamos ser difícil afirmar, com segurança, que todas aquelas variantes correspondam à vontade do autor, que não se dispõe do autógrafo que teria servido de base ao(s) texto(s) publicado(s), e nem se tem certeza quanto à revisão do texto pelo autor antes de sua publicação. Além disso, deve-se também considerar a possibilidade de intervenção alheia tanto no apógrafo como no impresso. Desse modo, as considerações acerca da gênese do poema O cão de bordo limitam-se a observações prováveis, a hipóteses, jamais terão um caráter conclusivo, mas deverão contribuir para entendermos melhor o processo de construção do texto.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, Astério de. Vários escriptos: 1911-1916. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, [191-]. p. 89-104.

CARVALHO, Rosa Borges Santos. Poemas do Mar de Arthur de Salles: edição crítico-genética e estudo. 2001. xxxvi + 809 + 56 f. il. 2 v. Tese (Doutorado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador. Orientada pelo Prof. Dr. Nilton Vasco da Gama.

GRÉSILLON, Almuth. Eléments de critique génétique: lire les manuscrits modernes. Paris: PUF, 1994. 258 p.

SALLES, Arthur de. Obra poética de Artur de Sales. 1973, 464 p. [Obra póstuma].

––––––. Poesias:1901-1905.Bahia:[s.n.], 1920. iv + 252 p. il.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA. Obra poética de Artur de Sales. Salvador: Mensageiro da , 1973. 464 p.

SOUZA, Édio. “Berço Vazio”. A Tarde, Salvador, 30 mar. 1980.


 

[1] Este trabalho é um excerto da minha tese de doutorado e faz parte de um capítulo que estuda as modificações que sofrem os textos em seu processo de construção.

[2] Trata-se de um livro que o poeta pretendeu publicar em vida, mas, infelizmente, não o fez. Os poemas que deveriam formar tal livro acham-se dispersos em jornais e revistas, outros, ainda inéditos. Coube-me a tarefa de reunir e editar esses poemas de temática marinha.

[3] Entenda-se manuscrito em sentido amplo, todo e qualquer testemunho em que se possa perceber “as mãos do autor”.  Segundo Grésillon, manuscrito moderno é o termo reservado aos manuscritos que fazem parte de uma gênese textual atestada por vários testemunhos sucessivos e que manifestam o trabalho de escrita de um autor. (Cf. GRÉSILLON, 1994: 244).

[4] Lugar de variação no interior de um testemunho ou entre os diversos testemunhos de uma obra.

[5] Cf. doc. PO-CO-OM-076:0448-XE (2 cópias): 01-02/HS; citado 0448 (número do documento no Acervo do Setor de Filologia Românica).

[6] Cf. doc. PR-EP-CO-OM-063: 0259-XE: 01-03 / JM ; citado 0259 (número do documento no Acervo do Setor de Filologia Românica).

[7] Cf. id., ibid., f°1r°, L. 1; f° 3r°, L. 5-6.

[8] Cf. doc. PR-EP-CO-OM-069:0381-XE:01-04/ JM, f° 3r°, L. 8-14;  f° 4r°, L. 15.

[9] Cf. revista Arco & Flexa, 1929.

[10] Ofertou-me o texto digitado encaminhado ao jornal e também o jornal Massapê com a publicação do poema. Deu-me ainda uma cópia do texto publicado no jornal A Verdade, de 1935.

[11] Cf. Édio SOUZA. “Berço Vazio”. A Tarde, 30 mar. 1980. Faz parte do livro Bondinho da Saudade que reúne as publicações do autor.

[12] Os testemunhos são representados por siglas que correspondem ao jornal, revista ou livro onde foram publicados ou pelo número de tombamento do documento no Acervo do setor de Filologia Românica.