HIPOCORÍSTICO
UM IDENTIFICADOR OU APENAS UM TRATAMENTO CARINHOSO?

Cristina Brito

O estudo antroponímico, em lato sensu, preocupa-se com a história e etimologia dos nomes de pessoas; enquanto em strictu sensu, o hipocorístico é nome que traduz afeição, carinho. Em função da definição, um elemento caracterizador da linguagem familiar, ou um tratamento carinhoso, ou ainda um fator identificador em que o prenome é parcialmente abandonado em prol da projeção de seu apelido, procurar-se-á o seu desempenho dentro da nossa sociedade na atualidade.

A magia em torno de certos hipocorísticos mais os significados que passam a ter em função da projeção ou não dentro do grupo social, muitas vezes, tornam esses elementos autônomos ¾ ocorrendo a abolição dos nomes propriamente ditos.

A proposta, aqui, é apresentar um número deles e procurar observar se seu uso relaciona-se somente com o campo afetivo ou se pode ser analisado como um elemento identificador de certos indivíduos, substituindo, então, os prenomes.

Quem ainda não chamou alguém de senhor ou senhora e, em muitas ocasiões, obteve como resposta a prosaica frase “senhor(a) está no céu”. É próprio do brasileiro em geral privar, nas mais diversas situações, por alta recreação, de intimidade mesmo com quem ele mal conhece (ou acaba de conhecer); tal atitude será fruto de simpatia ou um mero pavor de envelhecer, já que o tratamento, entre nós, está associado à idade, e ninguém a quer ter, ou, ainda simplesmente não se consegue ser formal, cerimonioso, pois qualquer ritual atrapalha o modo descontraído de ser?

Em Raízes do Brasil, Sérgio de Holanda traça como uma das características do brasileiro:

Nosso temperamento admite fórmulas de reverência, e até de bom grado, mas quase somente enquanto não suprimam de todo a possibilidade de convívio mais familiar. A manifestação normal de respeito em outros povos tem aqui sua réplica, em regra geral, no desejo de estabelecer intimidade.

Assim, verifica-se que até no catolicismo tal relação está presente quando o santo é tratado com familiaridade, intimidade quase desrespeitosa; é o caso de santa Teresinha (santa Teresa de Lisieux), onde se percebe uma atmosfera intimista tornando seu culto quase fraterno. Também entende-se perfeitamente o emprego acentuado, no domínio da lingüística, da terminação aposta às palavras que serve para nos familiarizar tanto com as pessoas como com os objetos. Tal atitude se explicaria em função da aversão às distâncias tão peculiar ao espírito brasileiro.

Hipocorístico é a palavra que traduz a intenção de carinho e próprio para uso no trato familiar, entende-se ainda como qualquer palavra que designa carinhosamente a pessoa na intimidade, estendendo-se a animais de estimação. Em sentido lato compreende-se como qualquer palavra criada por afetividade. Em geral certos diminutivos usados, que, em verdade, não nos damos conta de que estamos empregando um hipocorístico: por exemplo maninho, benzinho, “mozinho” quando nos dirigimos a nosso bem querer ou, ainda palavras da linguagem infantil: papai, tetéia, em geral, formas de reduplicação.

Em um sentido restrito, o termo é uma alteração do prenome, sendo também designações carinhosas familiares. A formação de tais nomes obedece, em regra, a uma série de alterações já convencionais como: uso de sufixo diminutivo (Renatinho); abreviação do prenome (Gabi por Gabriela); reduplicação de sílabas (Lulu por Luciana) ou abreviação ou reduplicação com acréscimo do sufixo diminutivo (Gabizinha, Luluzinha).

Aqui não nos deteremos propriamente nos processos formadores de hipocorísticos, mas, sim, no seu uso hoje. Como ele é empregado e o seu papel social nos diversos grupos.

José Leite de Vasconcelos (1928) afirma que é um emprego infantil, e, se por acaso, continua pela vida afora, em geral, nasce de hábitos familiares, criados nos primeiros tempos de existência.

No Brasil, o vocábulo apelido, para todos ou quase todos, é percebido como sinônimo de hipocorístico (designação científica), isto é, uma expressão familiar de carinho ou intimidade, geralmente não depreciativo. Em contra- partida por alcunha entende-se um nome bom ou mal que é dado a alguém, em do mecanismo função de uma qualidade física ou moral ou de certa particularidade da sua vida como por exemplo Ivã, o Terrível, Isabel, a Redentora de acordo com Guérios (1981).

O termo hipocorístico é pouco conhecido entre nós, sendo bem mais divulgada a idéia de apelido que conceitualmente se aproxima bastante do significado daquele.

A pesquisa compreendeu informantes da faixa etária dos 13 anos aos acima de cinqüenta, perfazendo um total de 236 pesquisados. Entre os hipocorísticos de formação tradicional, isto é, dentro do mecanismo acima apresentado foram identificados 15 para nomes masculinos e 28 para femininos.

Mas no que se refere a nomes ligados a atributos, os números são bastante expressivos. Observemos no masculino os nomes atribuídos em função de uma particularidade foram identificados 97 e em sua maioria com explicação: os obesos podem ser Roliço, Barril, Geléia; enquanto que os magros Linguição; os de dentes grandes são Dentinho; Tiquinho por ser de baixa estatura; Miudinho exatamente o inverso, por ser alto (daí o chiste, explicação dada pelo informante); Neném por ser o mais novo da casa; Farinha / Farelo porque é muito branco e é cheio de sarda; Chokito tem muita espinha; Trakinas parece com o biscoito; Almondegão parece com; Mole pois coloca o dedo junto ao pulso; Pombo (por causa de um barulho que é minha mania); Boi (porque foi corno) e Pitu (por beber muito me batizaram com o nome da cachaça).

Em relação ao grupo feminino 65 informantes também são denominadas de acordo com características que destacam um ou outro atributo: as magras são penalizadas com os títulos de Meio Kilo, Genezia, Magrinha, Lacraia, enquanto que as gordinhas de Baleia Azul, Butijão, Fofinha; as de privilégio físico são Mônica do Bundão,Tanajura, Narigous (nariz meio grande), Papa Légua (pernas muito grandes), Dino (por causa da postura errada), Leite Ninho (branca demais), Tintim (demorou a crescer); ou as de características diversas como: Olhinho (comia a comida dos outros), Jujuba (parece com), Sorriso (vivo sorrindo), Soninho (tem cara de sono), Bruxa (por causa da risada), Cocotinha (porque danço no bonde das cocotinhas).

Formalmente o conceito de hipocorístico se restringe ao termo afetivo formado de um prenome ou sobrenome, de tal forma que sejam reconhecidas as alterações sofridas; os nomes afetivos que não resultam de variações morfofonêmicas de um dado prenome ou sobrenome são apelidos, no sentido do vulgar, termo geral de que o hipocorístico constitui espécie.

Em função das características apontadas para o termo hipocorístico por autores vários o que inicialmente se conclui é que apenas 18,2% dos informantes de fato têm o hipocorístico formado de forma tradicional. Porém 68,6%, em verdade, não constituem tratamento afetivo, mas denominações em função de particularidades suas. E em 13,1% dos pesquisados os nomes apresentados como as formas que os chamam não se enquadram em nenhum dos dois grupos: Xoxô (quando criança ficava espantando as galinhas no quintal), Chininho (por falar besteira como uma conhecida da família - Chininha - passou a ser conhecido assim).

No mundo da sociedade globalizada encontramos inúmeros hipocorísticos onde muitos são de origem familiar, dentro das características de formação tradicional, outros tantos fruto da célebre intimidade de que o brasileiro com freqüência se atribui, ou em função de algumas atitudes condenáveis pelo grupo perdem o valor carinhoso e passam a ser sinônimo de ato incompatível com a sociedade, estando em diversos casos atrelado a algum deslize político ou de caráter.

Quem não se lembra do primeiro ganhador da loteria esportiva - Eduardo Varela - que em fração de segundos passou a ser chamado por todos de Dudu da Loteria, um tempo depois ficou ligado ao fracasso, pois o que ganhou pouco usufruiu, perdendo tudo em curto espaço de tempo em um mundo que não estava habituado e os a sua volta aproveitaram bem o seu ganho.

Há outros que foram aumentando a riqueza e sua projeção dentro da sociedade, assim quem não gostaria de ser um Gugu ou Faustão. Ou Helô Pinheiro, musa inspiradora de Vinícius de Morais e Tom Jobim numa das mais famosas músicas do Brasil - Garota de Ipanema. Ou um Pedrinho Agnaga, modelo, considerado um dos homens mais lindos do Brasil na década de 70. Ou ser um vencedor político, comprovando que a perseverança é fundamental para vencer como o Lula. Ou Caco Barcelos responsável por reportagens fantásticas junto ao crime quer nacional, quer internacional, considerado o melhor jornalista na categoria correspondente internacional 2002/2003. Ou Zezé Moreira aquele que administrou nossa grande conquista na Copa de 1962. Ou Bebeto de Freitas também vencedor no vôlei que se tornaria a nova paixão nacional. Ou Zico que não ganhou nenhuma Copa, porém implantou o futebol no Japão. Ou a diversidade cultural de um Jô Soares. Ou um Pelé, este dispensa qualquer explicação, mundialmente é mais conhecido que o próprio país, atleta impecável e homem de negócios, de modo geral, bem sucedido. Ou uma Gabi, jornalista conhecida por suas entrevista no Cara a Cara, além de ser aquela que “fisgou” o garotão Gianecchini.

Mas um contraponto se faz a todos, é o trio Silveirinha, Rosinha e Garotinho formalmente hipocorísticos, porém nada afetivos, pelo contrário, estão ligados no Rio de Janeiro a atos obscuros - rombo do ICMS - que o povo da Cidade Maravilhosa não faz questão de privar de qualquer intimidade, pois, fatalmente, eles estão interligados não só por laços de amizade como também pela grande maracutaia. E o Lalau, o juiz ligado a falcatruas no Tribunal em São Paulo.

Também a Literatura apresenta hipocorísticos que buscam suavizar a narrativa com formas carinhosas peculiares a um ambiente familiar do passado: Bentinho, Capitu, Sanchinha em Dom Casmurro, Sinhazinha em A Moreninha, Lucíola de Alencar, Quincas de Jorge Amado ou o Jeca palavra que celebrizou a personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato em Urupês designa o caboclo do interior do Brasil, o caipira, o matuto. Lembremos que também assumiu um papel adjetivo: vestido jeca, festa jeca.

É necessário destacar que entre os hipocorísticos a forma Zé tem-se mantido ao longo do tempo, assim é raro o adulto de nome José, quer no meio do povo, quer familiarmente entre gente culta, que não seja tratado por Zé, é uma daquelas denominações que acabam tornando-se praticamente uma condição - chama-se José, fatalmente será denominado Zé, seja entre os familiares, seja fora dele.

Também há hipocorístico que se torna nome como Maitê que seria antes o tratamento de carinho dado a Maria Teresa e hoje ele tem o seu: Teca.

Pela pesquisa verifica-se um alto índice em relação às denominações que não se enquadram dentro da formação de hipocorísticos tradicional, apresentando um índice de 18,2%. Já entre os apelidos, que são muito freqüentes, por se referirem a atributos pessoais, constituem um identificador em relação àqueles que os têm, o percentual chega a 68,6%. Enquanto que os hipocorísticos usados por personagens da sociedade são mais ainda identificadores, pois seus nomes estão invariavelmente ligados às suas características por todos. Embora não sendo aqui entendido sonhadas por uns, desejadas por outros e ambicionada apenas como tratamento carinhoso, mas como uma forma individualizadora, em função da idéia e do valor que permeia cada um.

Hoje, no Brasil, em face do desconhecimento do termo hipocorístico, a palavra apelido, em verdade, aqui é um equivalente; dessa forma entenda-se, então, hipocorístico como uma designação científica sinônimo de apelido.

J.Leite de Vasconcelos (1928:492) ainda destaca que o tratamento não é freqüente no masculino:

O uso atual de hipocorísticos em pessoas adultas é todavia mais freqüente em mulheres do que em homens, porque o mimo que na primeira infância era comum aos dois sexos (...) desapareceu essencialmente no homem, depois que este se tornou adulto; só a mulher permanece terna e ameninada!

Os nomes dos que estão em evidência na sociedade contrariam tal idéia. O que se constata é que não só as mulheres são hoje merecedoras de tratamento carinhoso mas também eles em nossa sociedade, pois existem mais hipocorísticos no universo masculino do que no feminino.

Acrescentando à sua característica maior de tratamento afetuoso com marcas morfofonêmicas, hoje, o significado de hipocorístico, entre nós pelo menos, está atrelado ao sucesso social, tanto na vida real quanto na literatura.

Assim, se, formalmente, o nome é a pessoa, um hipocorístico / apelido muito mais, pois carrega tanto a identificação como a carga semântica dêitica daquele que o possui, sendo às vezes de modo carinhoso, outras tantas, em função de qualquer atributo não tão afetivo.

Referência Bibliográfica

CÂMARA Jr., J. Mattoso. Dicionário de filologia e gramática - referente à língua portuguesa. 4ª ed. Rio de Janeiro: J.Ozon, 1970.

GUERIOS, Rosário Farani Mansur. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. São Paulo: Ave Maria, 1981.

J.DUBOIS e outros. Dicionário de lingüística. 15ª ed. São Paulo: Cultrix. 1997.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed, 16 reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

VASCONCELOS, José Leite. Antroponímia portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1928.

MONTEIRO, José Lemos - disponível em: www.geocities.com/Paris/cathedral/1036