INSERÇÕES PARENTÉTICAS
NA FALA CULTA DE SÃO PAULO

Paulo de Tarso Galembeck (UEL)

PRELIMINARES

Este trabalho discute a configuração formal das inserções parentéticas e o papel por elas exercidos na construção do texto falado. A exposição compõe-se de duas partes: a fundamentação teórica, na qual se trata dos processos de construção da língua falada (ativação, reativação, desativação), dos processos de desativação no plano da seqüência tópica (parênteses e digressões) e do conceito de tópico e ruptura tópica. Na segunda parte, as ocorrências são classificadas a partir de três variáveis: a configuração formal das inserções, as marcas formais da frase que “hospeda” o segmento parentético; o elemento ao qual se voltam as inserções.

O córpus do trabalho é constituído pelos inquéritos no 062, 333, 343, 360, pertencentes ao arquivo do Projeto NURC/SP e publicados e Castilho e Preti, 1987. Esses inquéritos pertencem ao tipo D2 (diálogos entre dois informantes e de cada um foi extraído um trecho correspondente a trinta minutos de gravação).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Processos constitutivos do texto

Castilho, 1995, menciona três processos que constituem a língua falada: a construção, a reconstrução (ou reformulação) e a descontinuação. Em um texto mais recente (Castilho, 1999), o mesmo Autor denomina esses processos de construção por ativação, construção por reativação e construção por desativação.

A construção por ativação (ou, simplesmente, construção), processo discursivo central, consiste na seleção das palavras para a constituição do texto e suas unidades e das sentenças e sua estrutura, tendo ambos uma dada representação fonológica.

A construção por reativação (ou reconstrução) é a volta ao que foi dito, por meio da retomada ou repetição de formas e/ou de conteúdos. A repetição (recorrência de expressões) e a paráfrase (recorrência de conteúdo) constituem as manifestações desse processo; ambas têm por finalidade reiterar e reforços assuntos do texto. Acrescente-se que Castilho, ao contrário de Barros, 1993, não inclui a correção entre os processos de reativação.

A construção por desativação (descontinuação) é a ruptura na elaboração do texto e da sentença. A forma mais radical de ruptura no nível do texto é o abandono do tópico em andamento; outras formas mais “brandas” são a digressão e os parênteses. No plano da sentença, a ruptura é assinalada pelas interrupções, pausas, hesitações, inserção de elementos discursivos, anacolutos.

O tópico e suas propriedades

Como o objetivo desta pesquisa é estudar um dos processos de ruptura na seqüência tópica (os parênteses), cabe definir tópico e expor suas prioridades.

Brown e Yule, 1983 definem tópico como “aquilo acerca de que se está falando”. O tópico é, pois, uma questão de conteúdo, e sua construção constitui um processo colaborativo, já que nela estão envolvidos os participantes do ato interacional.

Fávero, 1993, menciona, como prioridades do tópico, a centração e a organicidade. A primeira define-se como a propriedade do tópico pela qual os falantes têm a atenção voltada para um determinado assunto, implicando a utilização de referentes explícitos ou inferidos. Quando muda a centração, tem-se necessariamente um novo tópico. A organicidade, por sua vez, refere-se às relações (no plano vertical) entre as unidades tópicas mais gerais (supertópicos, tópicos) e as mais particulares (subtópicos) e, igualmente, à própria sucessão de tópicos e subtópicos.

Lembre-se, ainda, que a noção de tópico é essencialmente dinâmica, sobretudo na interação simétrica: mais que um dado prévio, o tópico é algo que se cria (ou se recria) no decorrer da conversação.

Descontinuidade tópica

Castilho, 1999, assinala que, no plano do texto, a construção por desativação é caracterizada pela descontinuidade tópica, ou seja, por um desvio momentâneo na progressão temática. Por alguns momentos, abandona-se a estrutura temática do texto para a inserção de fragmentos em relação à seqüência tópica; o mesmo Autor (ib) classifica esses fragmentos em duas classes de fenômenos: digressões e parênteses.

Dascal e Katriel, 1982, definem a digressão como uma porção do texto que não se acha diretamente relacionada com o tópico em andamento. É o que pode ser verificado no fragmento a seguir:

(1) L2 (...) e por aí a gente vê por fora... como a coisa está difícil ( ) por isso eu vejo pelo meu marido... como eu falei para vocês ele faz seleção de pessoal né?... então... ele diz que para... por exemplo cada cem engenheiros que é pedido... ele funciona do seguinte modo as firmas precisam... de um em/ de um cara então ah por exemplo (ah) um:: um banco precisa de um diretor de um banco chega pra ele diz assim “eu preciso de um diretor de banco para tal tal área para fazer isso assim assim assim assim” ... então ele vai procurar... certo?... ou “preciso um:: um gerente de::... de produção:: o um gerente ( ) “normalmente é um engenheiro isso isso isso então eu estava explicando... ... é um pedido UM advogado... quer dizer a desproporção é inCRÍvel...

[

L1 ( )

L2 é incrível mesmo... os médicos também muito pouco...

(NURC/SP, 360, 1.895-913)

O trecho sublinhado corresponde a uma digressão, pois a informante abandona o tópico em andamento (as atividades do marido na seleção de pessoal) e introduz um novo assunto, representado por um exemplo que ilustra o modo como é feita a seleção de pessoal. Há, pois, uma nova centração, o que caracteriza o fragmento digressivo.

Já nos parênteses, não há a introdução de um novo tópico. É o que se pode verificar no fragmento a seguir:

(2) Nos dois exemplos a seguir, L1 e L2 comenta o fato de o vendedor não ter horário rígido de trabalho.

L1 não... não pode perfeitamente [ausentar-se do trabalho] eu acho que:: essa:: essa:: ... essa responsabilidade... ela não é atribuída... inclusive:: dentro da profissão de vendas o que:: interessa é:: ... faturar... entende? para eles pouco importa:: as vezes a::

L2 o tempo de de trabalho né?

L1 como você utiliza o seu tempo de trabalho (...)

(Inq. 062, 1.259-264)

Jubran, 1996, não emprega o termo “digressão”, porém menciona duas modalidades de inserção, correspondentes ambas à digressão e aos segmentos parentéticos. Segundo a mesma Autora, a primeira modalidade de inserção tem maior extensão textual e possui estatuto tópico, já que instaura uma nova centração e provoca, desse modo, a divisão do segmento tópico em andamento em duas partes não contíguas. Na segunda modalidade, de menor extensão textual, o segmento encaixado não tem estatuto tópico, porque não há nova centração e não se desenvolve, pois, um dado tópico específico.

Adota-se, neste trabalho, a definição de parênteses exposta por Jubran (op.cit.): os parênteses definem-se “como breves desvios do quadro de referência tópica do segmento contextualizador que não afetam a coesão da unidade discursiva dentro da qual ocorrem, pois não promoveria cisão do tópico em porções textuais nitidamente separáveis, visto que a sua interação é momentânea e a retomada, imediata).

ANÁLISE DAS VARIÁVEIS

Natureza do segmento parentético

Esta variável diz respeito à constituição formal das inserções parentéticas, as quais podem apresentar diferentes configurações: marcador conversacional, sintagma (simples ou composto), frase simples, frase complexa.

(a) Marcador conversacional

Os marcadores conversacionais que constituem fragmentos inseridos são geralmente representados por sinais de envolvimento do ouvinte (veja bem), de opinião (eu acho) ou de busca de aprovação discursiva (certo?, entende?).

(3) (O informante fala das pessoas que só querem acumular diplomas.)

L2 você vê umas aberrações da natureza aí com o título de... doutor aí... ninguém quer saber por quê... grandes empresas... às vezes não quer saber onde você se formou... você é advogado...? normalmente não quer saber... certo?

(NURC/SP, 062. l. 1192-1197)

Com freqüência, o marcador conversacional de valor parentético aparece sob a forma de turno inserido (turno breve, produzido pelo ouvinte):

(4) (A informante discorre acerca de problemas ocorridos no concurso para procurador do Estado.)

L2 (...) mas ainda tem um número... de acho que uns trinta umas trinta pessoas mais ou menos... que entraram com um novo mandado de segurança

L1 sei...

L2 não sei exatamente alegando o quê mas entraram (...)

(NURC/SP, 360, l. 614-619)

(b) Sintagma

Incluem-se neste item sintagmas nominais (antecedidas ou não por preposições), sintagmas adjetivais e sintagmas adverbiais:

(5) (O informante trata das obras interrompidas da av. Paulista.)

L1 então quando foram fazer a Paulista... já tinham gastado três bi sei lá... cacetada de dinheiro

L2 [com aquele rebá/ aquele rebaixamento né?

L1 é

L2 uhn

L1 aí resolveu-se que a idéia não era boa né?(...)

(NURC/SP, 343, l. 376-382)

(c) Frase simples

Trata-se de uma oração independente. Em casos mais raros, aparece uma oração subordinada, sem a principal correspondente:

(6) L1 (...) não segui outras carreiras ah::... que o curso de Pedagogia daria possibilidade como o caso da Orientação Educacional... que:: no quarto ano eu poderia ter feito... e a Psicologia Clínica também que:: eu poderia ter feito no quarto ano como opção... entre a licenciatura... ou ou a licenciatura em Pedagogia ou a Psicologia Clínica sem vestibular naquele tempo era... possível... e:: eu não fiz por falta de tempo(...)

(NURC/SP, 360, l. 1579-1586)

(d) Frase complexa

Trata-se de um período curto que, na maior parte das ocorrências (78%), é formado por duas ou três orações que se estruturam pelo processo de subordinação.

(7) (A informe discorre acerca dos filmes nacionais a que assistiu).

L1 (...) aliás vi dois filmes... nacionais... a Rainha Diaba (...) e aquele tirado da... do Marques Rebelo A Estrela Sobe... que eu também achei magnífico... como retrato de uma época... como justiça que o cinema fez a um grande escritor... que foi Marques Rebelo... então são dois filmes... foram acho que foram os dois únicos filmes nacionais.

(NURC/SP, 333, l. 631-644)

O quadro a seguir expõe a distribuição das ocorrências na variável em estudo:

Quadro I

  062 333 343 360
  N % N % N % N %
MC 01 07 04 10 02 06 03 08
SN 00 - 06 14 02 06 05 13
FS 13 86 15 36 15 46 13 34
FC 01 07 17 40 14 42 17 45

MC - Marcador conversacional.

SN - Sintagma.

FS - Frase simples.

FC - Frase complexa.

O predomínio de inserções parentéticas constituídas por frases simples e complexas decorre das próprias circunstâncias da enunciação.

Os ouvintes realizam breves desvios temáticos para formular opiniões, interpelar o ouvinte, esclarecer o tópico em andamento, e, assim, optam por estruturas sintático-semânticas completas, para que os parênteses tenham um papel definido na interação entre os participantes do ato conversacional. Em outros termos: se não houver estruturas completas, os parênteses deixam de cumprir as funções interacionais (sobretudo fornecer informações adicionais ao tópico) e, assim, sua inserção não se justifica.

A formulação de estruturas sintáticas complexas também se explica pelo caráter dinâmico do tópico. O tópico, na língua falada, não constitui um dado prévio, mas é algo que se constrói no decorrer da própria interação verbal. Ora, as estruturas parentéticas devem estar efetivamente ligadas à construção do tópico e encaixar-se no desenvolvimento do mesmo e, para tanto, é necessário que elas venham a constituir estruturas sintático-semânticas íntegras. Sem essa característica (predominante nas ocorrências do córpus), seguramente as inserções não teriam um papel relevante no desenvolvimento do tópico e no estabelecimento das relações entre os participantes do ato conversacional.

Acrescente-se que o caráter completo das inserções corresponde a outra característica das mesmas: o fato de elas figurarem no final da frase. Em ambos os casos, verifica-se que a inserção parentética não atrapalha o desenvolvimento do tópico, por estar ligada ao desenvolvimento deste.

Marcas formais da frase em que se insere o segmento parentético

Considera-se, nesta variável, a posição do segmento parentético em relação ao enunciado no qual ele se insere. Foram localizadas no córpus as seguintes modalidades de inserções:

(a) Fim de frase (limite entre frases):

(8) L1 (...) nesse dia... eu estava aqui na minha sala... sintonizei para o canal quatro... um programa da::... Elizeth Cardoso... Brasil Som Setenta e Seis... eu gosto muito da Elizeth Cardoso... e daí a pouco quem eu vejo Marília Medalha... cantan::do... umas músicas lin::das::... e com um presen::ça extraordinária... eu acho::... a Marília Medalha uma das nossas atrizes mais significativas... e ela está se dedicando muito à música popular (...)

(NURC/SP, 333, l. 551-560)

As duas ocorrências assinaladas aparecem após a conclusão de estruturas frasais. Nesse caso, a inserção não quebra a seqüência sintática, mas unicamente interfere (parcialmente) na continuidade tópica.

(b) Frase truncada, com continuidade sintática entre as partes separadas

(9) (A informante comenta o aspecto da capital de São Paulo).

L2 (...) uma vez o Franck sabe aquele que... que é arquiteto?

L1 uhn...

L2 ele estava falando que a topografia da cidade é muito bonita (...)

(NURC/SP, 343, l. 65-69)

A inserção do segmento sabe aquele que... que é arquiteto? não impede a continuidade sintática da frase: uma vez o Franck (...) ele estava falando (...). Nesse caso não há propriamente truncamento, mas interrupção, pois o corte é momentâneo.

(c) Frase truncada, sem continuidade entre as partes separadas

(10) L2 bom tem dois acho que tem dois tipos de professor... o professor que... tem como profissão professor... que (...) o que dedica-se em tempo integral... seria o professor vive daquilo... porque:: nós tivemos nossos professores normalmente eles... eles exerciam profissão fora... então:: para eles seria um::... ou gostavam de dar aula ou bico... entende? ... agora::... o:: eu acho que o professor... você vê o... período integral pelo que eu sei eles não ganham muito não... então eles preferem partir para::... para a empresa privada (...)

(NURC/SP, 062, l. 1540-1551)

Ocorrem, neste exemplo, duas estruturas parentéticas cuja inserção provoca a descontinuidade sintática da frase “hospedeira”: então para eles seria um:: (...) agora eu acho que o professor (...); você vê o... período integral (...) então eles preferem partir (...). Nesse caso, há realmente um truncamento, que decorre de uma atitude prospectiva por parte do locutor. Para justificar o que foi dito, basta atentar para o fato que a fala é pontilhada por sinais de hesitação (representados por alongamentos e pausas), indicativos de que o locutor está buscando a melhor formulação discursiva.

(d) Alternância de falantes.

(11) (A informante fala de um dos seus filhos).

L1 (...) ele é vivo... bastante... mas é levado demais sabe?... ele fica duas horas...

L2 [bem normal um menino bem normal né

L1 bem normal graças a Deus não é nenhum:: geniozinho... mas é muito vivo (...)

(NURC/SP, 360, l. 1467-1471)

(12) (Os informantes falam acerca da rotina de trabalho).

L1 (...) então o tempo para mim é::... imprescindível que ele seja bom... certo? para poder... me deslocar e inclusive vender mais no serviço...

L2 melhor bate papo melhor né? dá mais ânimo né?...

L1 fica mais alegre... mais feliz... e aí rende mais

(NURC/SP, 062, l. 44-51)

Nos dois exemplos citados, o parêntese é inicialmente formulado pelo outro interlocutor e encerrado pelo falante anterior. O caráter de inserção fica bem nítido quando se verifica o seguinte: o interlocutor que foi interrompido (nos dois exemplos, L1), dá continuidade à idéia anterior à inserção parentética.

Cabe acrescentar que, nos dois exemplos anteriores, as inserções parentéticas assumem a forma de uma pequena seqüência inserida. As inserções desse tipo foram incluídas nos casos de parênteses na troca de falante, dado o pequeno número de ocorrências.

A tabela a seguir expõe a distribuição das ocorrências nas quatro categorias citadas:

Tabela II

  333 360 343 062
  N % N % N % N %
FF 31 74 28 74 23 70 09 60
FT 08 19 06 16 06 18 04 26
FS 02 05 02 05 02 06 01 07
AF 01 02 02 05 02 06 01 07

FF - Fim de frase.

FT - Frase truncada, com continuidade sintática entre as partes separadas.

FS - Frase truncada, sem continuidade sintática entre as partes separadas.

AF - Alternância entre os falantes.

A maior parte das inserções parentéticas figura em final de frase. Ora, a quase totalidade das inserções parentéticas é produzida pelo próprio informante e ele procura colocar essas inserções no lugar mais adequado, para que haja a menor interferência possível no desenvolvimento de suas idéias. Ao inserir o parêntese no final da frase, o enunciador completa o enunciado e formula um outro enunciado, mas geralmente completo. A inserção no final da frase atende, pois, a razoes discursivas, pois esta é a melhor posição para que a inserção cumpra efetivamente a sua finalidade de esclarecimento, explicitação ou opinião pessoal.

As inserções no meio da frase (com continuidade entre as partes) ocorrem geralmente quando o falante sente a necessidade de esclarecer um termo ou contextualizar os dados, como já se viu no exemplo apresentado. Nesse caso, o locutor interrompe a frase, porque está seguro de que aquele é o momento para inserir a informação que se faz necessária para o prosseguimento da interação verbal. Já a falta de continuidade entre as partes da oração constitui - como já se viu - um sintoma de hesitação, de tateamento na busca da formulação adequada.

Os casos de inserções formuladas pelo outro interlocutor (parênteses na troca de falantes) evidenciam o desejo de participar, de forma direta, da construção do diálogo. Nesse caso, o interlocutor intervém para marcar a própria presença, por meio de um comentário ou uma observação paralela.

Elemento do discurso a que se volta a inserção parentética

A inserção parentética está ligada à elaboração do discurso falado e à interação entre os participantes do ato conversacional. Esse fato confere às inserções um caráter dinâmico e faz com que elas focalizem um dos elementos a seguir: o tópico e sua elaboração; o locutor; o interlocutor; o ato discursivo em si.

(a) Parênteses relacionados à elaboração e ao desenvolvimento do tópico.

As inserções que se encaixam nessa modalidade são relevantes para a elaboração do tópico, pois explicitam ou esclarecem o tópico em andamento, ou explicitam o sentido de um termo do texto:

(13) (L1 e L2 comentam o fato de o vendedor não ter horário rígido de trabalho).

L1 não... pode perfeitamente [ausentar-se do trabalho] eu acho que:: essa:: essa::... essa responsabilidade... ela nos é atribuída... inclusive:: dentro da profissão de vendas o que:: interessa é::... faturar... entende?... para eles pouco importa:: às vezes a::

L2 o tempo de trabalho né?

L1 como você utiliza o seu tempo de trabalho (...)

L2 mas existe um limite em que você deva um mínimo le/levar nete tal de faturamento?

[

L1 não não existe... não existe... não existe...

L2 você tem uma vantagem sobre a gente entende? o dia que você estiver chateado o dia estiver muito bonito você pode pegar o seu carro e:: dar uma deslocada para o litoral e tal (...)

L1 não isso realmente não existe não há problema nenhum se o indivíduo que estiver bastante chateado qualquer coisa assim... VÊ... inclusive que o:: que o::... que o próprio a própria conduta dele naquele dia não está rendendo...

L2 não é produtiva...

L1 não é produtiva ele pode procurar uma uma outra forma qualquer de... espairecer...

(NURC/SP, 062, l. 259-287)

Apesar de os parênteses que se encaixam nessa modalidade terem uma proximidade grande com o tópico em andamento, mais - ainda assim - a sua inserção é pertinente, pois eles trazem informações complementares que colocam em evidência e reforçam o aspecto mais relevante do tópico em andamento (a flexibilidade de horário na profissão do vendedor).

Os parênteses de explicitação ou esclarecimento também possuem uma função contextualizadora, uma vez que contribuem para inserir as informações veiculadas no universo conceitual e referencial que se cria (ou se recria) no decorrer da própria interação. Essa mesma função, aliás, é exercida pelos parênteses que relacionados com a formulação lingüística do tópico, cuja manifestação mais freqüente é a explicitação de termos constantes ao enunciado.

(14) (O informante fala do almoço diário).

L2 nós entramos ali no::... naquele arroz unido venceremos ((risos))... um dia ele sai da colher outro dia não sai... ((risos)) é fogo... entende? ((risos)) (se bem que ainda é:: bom...)

(NURC/SP, 062, l. 231-234)

Jubran, 1999, afirma que os parênteses desse tipo colocam em foco o sistema verbal em uso pelos interlocutores. Nesse sentido (prossegue a Autora), eles exercem uma função metalingüística, já que eles constituem enunciados que, reflexivamente, focalizam a própria linguagem.

Neste caso, entende-se por metalinguagem a exploração do próprio sistema de signos lingüístico e das relações entre eles. Ora, os parênteses metalingüísticos fazem sempre referência ao código do discurso e estabelecem relações entre os signos e, assim, exercem uma função metalingüística. Essa função, porém, decorre das próprias circunstâncias da enunciação: os parênteses desse tipo são empregados pela necessidade de o locutor e o interlocutor verificarem se estão utilizando o mesmo código. As inserções metalingüísticas tem, pois, uma nítida função interacional, pois são produzidas com a finalidade de facilitar a interação, por meio, sobretudo, da criação de um espaço comum partilhado entre os interlocutores.

(b) Parênteses com foco no locutor

As inserções parentéticas que integram esta classe incluem aquelas por meio das quais o falante se introduz no próprio texto, evidenciando-se a si próprio como a instância enunciativa ou o foco a partir do qual se desenvolve o tópico. É essa introdução, aliás, que bem caracteriza o desvio tópico: a seqüência tópica é momentaneamente interrompida pela presença do elemento gerador do próprio discurso (o locutor). Deve ficar claro, porém, que não há ruptura tópica, pois os parênteses com foco no locutor ainda permanecem ligados à significação proposicional (conteúdo informativo, por meio da qual se constroem as centrações tópicas sucessivas.

As duas funções mais freqüentes dos parênteses desta classe são a manifestação de opiniões e a qualificação do locutor para discorrer acerca de um dado assunto:

(15) (A locutora comenta a atuação da ex-Procuradora Geral do Estado de São Paulo).

L1 é ela quis monopolizar o serviço... os assessores... nem sempre tinham oportunidades agora não parece-me que ela compreendeu... a::... a engrenagem da história... que ela tem se subor/bordinar ao Secretário da Justiça... ela não é autônoma... não é? ela tem que se subo/bordinar ao Secretário da Justiça e tem que:: atender aos seus... assessores não é?... ma::s ela é uma pessoa muito capaz...

L2 é eu sabia

[muito capaz

L1 que também provocou uns certos ciúmes ahn ahn ahn isso eu soube não eu vi... lá eu senti... um certo ciúmes ter::ter sido escolhido uma

L1 é:: isso é demais (lá)

L2 [isso realmente provocou eh ciúmes entre os homens (...)

(NURC/SP, 360, l. 768-784)

Ambos os segmentos parentéticos assinalados no exemplo anterior representam opiniões pessoais acerca dos fatos expostos. Embora neles não existam marcas específicas de primeiras, é nítido que ambas estão centradas na locutora que, por meio deles, insere-se no relato. Essa inserção configura uma ponte entre o assunto e o produtor do texto, e permite a este marcar o seu papel no desenvolvimento do discurso. Isso faz com que os parênteses que exercem essa função tenham um papel bastante nítido no jogo interacional.

(16) (L1 discorre acerca da profissão do economista).

L1 é que hoje:: dentro da nossa profissão ainda mais uma vez falando nela... até parece que sou empolgado por ela né? (...) o::... que com a empresa privada hoje em dia ela atende muito melhor entende?...

(NURC/SP, 062, l. 850-855)

Nesse exemplo, o informante manifesta (ainda que de forma irônica) a sua qualificação para discorrer acerca da profissão de economista. Com isso, ele constrói a sua imagem, e ao mesmo tempo qualifica-se para discorrer acerca do tema proposto.

(c) Parênteses com foco no locutor.

Os parênteses desta classe evidenciam a presença do interlocutor no texto falado. Por causa disso, eles são marcadamente interacionais e manifestam as relações de contato, entre o locutor e o interlocutor, o envolvimento conjunto de ambos na construção do tópico. Os parênteses desta classe estão ligados à própria interlocução, mas tem relações com o desenvolvimento tópicos, pois mostram a participação de ambos os interlocutores na construção do tópico.

Os parênteses voltados para o locutor têm uma função essencialmente fática, já que chama a atenção do locutor para o que está sendo dito e, ao mesmo tempo, busca a aprovação discursiva:

(17) dizem né? - - você vê - - dentro da profissão do vendedor... a coisa mais difícil é você manter realmente o indivíduo... éh oito horas em contato com os clientes

(NURC/SP, 062, l. 231-234)

No segmento parentético do exemplo a seguir, o foco incide conjuntamente no locutor e no interlocutor, o que confere a essa inserção um alto grau de intersubjetividade:

(18) (L2 comenta que segue um horário de trabalho rígido).

L2 (...) nós ali dentro ficamos ali fechados você é obrigado a cumprir... as oito horas determinadas e (...) você fica... você já pensou que TÉdio que negócio CHAto... oito horas ali dentro...

(NURC/SP, 062, l. 288-291)

(d) Parênteses com foco no discurso

Os parênteses desta modalidade colocam em foco o ato comunicativo em si, pois remetem ao próprio processo enunciativo, à construção do discurso: o locutor anuncia o que vai dizer, ou retoma o que já foi dito.

(19) L1 acho e acho - - agora então eu bato numa tecla que eu sempre bati - - acho que a televisão brasileira... irá encontrar do ponto de vista ficcioNAL... irá encontrar o seu caminho... é através da tão malfadada Telenovela (...)

(NURC/SP, 333, l. 381-384)

(20) L1 a evolução da TV… como eu já disse antes... eu estou vendo:: a TV evidentemente... muito presa a singularidades brasileiras... e não se pode pode mesmo... analisá-lo fora do contexto brasileiro...

(NURC/SP, 333, l. 302-304)

Em inserções semelhantes às apresentadas, tem-se a função metadiscursiva, uma vez que as referidas inserções estão relacionadas com o ato enunciativo e sua organização. Aliás, a suspensão do tópico discursivo por meio da utilização dessa modalidade de inserção decorre da necessidade de o locutor situar o que vai ser dito ou o que já foi mencionado dentro da própria seqüência tópica.

Cabe acrescentar que as inserções dessa modalidade, por estarem centradas no ato discursivo em si, relacionam-se igualmente com os outros elementos do discurso: o tópico (pois remetem ao que já foi ou vai ser enunciado), o locutor (os parênteses partem dele e têm marcas de primeira pessoa); o interlocutor (a inserção dirige-se a ele e visa a orientá-lo quanto à seqüência tópica); o contexto (dado a função contextualizadora das inserções).

A distribuição das ocorrências pelos quatro tipos de inserções consideradas nesta variável vem exposta a seguir:

  062 333 343 360
  N % N % N % N %
T 09 60 27 64 21 64 26 68
L 04 27 07 19 06 18 07 18
I 02 13 04 10 04 12 03 08
D 00 - 03 07 02 06 02 06

T - Centrado no tópico.

L - Centrado no locutor.

I - Centrado no interlocutor.

D - Centrado no discurso.

Predominam no córpus as inserções centradas no tópico, pois são elas as que mais de perto se ligam ao desenvolvimento da própria interação. Com efeito, são os segmentos dessa modalidade que completam as informações tópicas e as contextualizam, esclarecem os termos, e assim, exercem um papel relevante na contextualização dos dados e na inserção dos mesmos no universo partilhado pelos interlocutores.

A criação de um espaço comum partilhado pelos interlocutores, aliás, constitui uma das características mais nítidas da interação verbal falada. Dentre as modalidades de inserção estudadas, a que mais contribui para a criação desse espaço são, certamente, as inserções centradas no tópico.

Lembre-se, ainda, que as inserções centradas no tópico são os que mais de perto se relacionam com o assunto do diálogo. Ora, esse fato também explica o predomínio dessa modalidade de parênteses, são eles os que acompanham o desenrolar da própria interação.

COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS

O exame das variáveis analisadas revela, inicialmente, que os segmentos parentéticos não chegam a representar um elemento perturbador, que rompe o fluxo discursivo. Ao contrário, esses segmentos não constituem mais que desvios breves e momentâneos em relação ao tópico em andamento, pois geralmente estão encaixados no final do enunciado (no limite das frases), são constituídos por estruturas sintáticas completas (frases simples e complexas) e, além disso, têm por função mais freqüente completar ou esclarecer o tópico em andamento.

As inserções parentéticas estão, pois, ligadas à própria formulação discursiva e, do mesmo modo, exercem uma função no plano interacional, à medida que estão ligadas à própria construção do tópico discursivo, às relações entre os interlocutores e à própria formulação discursiva. Por tudo isso, admite-se que a configuração e a função das estruturas parentéticas decorre, diretamente, das próprias circunstâncias da enunciação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BROWN, G., e YULE, G. Discourse analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

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